Todos os brasileiros preocupados com a sensação de impunida dos delitos cometidos pelos detentores do poder econômico, ou político — geralmente ambos, porque o dinheiro é um poder abrangente —, não conseguem entender parte da liminar concedida por digno ministro do Superior Tribunal de Justiça. Sua Excelência concedeu liminar suspendendo todas as medidas judiciais relativas à Operação Satiagraha que resultou em processos por crime de sonegação fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro contra Daniel Dantas e executivos do Grupo Opportunity.
A liminar fundamenta-se na alegação, apresentada pelos advogados do réu Dantas, de que o juiz Fausto De Sanctis, de São Paulo, teria perdido a imparcialidade para continuar no caso.Teria articulado investigações com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, atuando mais como um acusador do que como um juiz sereno e imparcial.
Compreende-se, ou tolera-se, uma parte da liminar: aquela que determina o afastamento provisório do juiz — até que a decisão colegiada confirme ou não a liminar — quanto a atos judiciais futuro, da liminar pra frente. Se o STJ entender que, realmente, o juiz se transformou em nítido órgão acusador; tendencioso, rancoroso contra banqueiros em geral — ou em particular —, sem nenhuma preocupação em manter o equilíbrio formal esperável em qualquer demanda judicial, justificar-se-ia seu afastamento. Pelo que seria certo, seu sucessor no encaminhamento dos processos manterá ou revogará aquelas providências que pareceram pertinentes ou impertinentes. Não teria sentido que o juiz sucessor anulasse tudo o que existe, em matéria de prova, seja no inquérito policial, seja na esfera judicial. Se todas as investigações recomeçarem do zero, poucos policiais e juízes se atreverão a investigar verdadeiramente a conduta do réu. Temerão represálias do próprio acusado e de seus poderosos aliados dentro do Estado. O jeito seria “maneirar”, fingir que investiga, conforme o cacife do acusado.
O que espanta e assusta aqueles brasileiros preocupados com a aparência de impunidade contra os delinqüentes ricos está no fato de que a liminar em questão ordena o trancamento, até fevereiro próximo, não só de um inquérito, mas a suspensão de uma sentença de dez anos de reclusão, por tentativa de suborno de um policial, imposta contra Daniel Dantas.
Seria extremamente decepcionante para o mundo jurídico nacional se o STJ, em vez de simplesmente julgar a apelação do réu, ou réus, simplesmente “anulasse tudo” jogando pela janela um esforço de anos de trabalho da Polícia Federal e da Justiça Federal. Nos autos do processo estão todos os elementos favoráveis e desfavoráveis aos réus. Se houve, eventualmente, alguma ilegalidade do juiz na condução do processo, isso será perceptível nos autos. O tribunal de apelação tem todas as condições técnicas para verificar isso lendo os volumes do processo.
Pouco importa — ou pouco deveria importar — aos magistrados que analisarão o recurso, se o juiz sentenciante simpatizava ou antipatizava com o réu. A leitura será objetiva: os crimes ficaram, ou não provados? Se provados, manterão a condenação. Se não provados, absolverão o réu. Se houve exagero no montante da pena, a reduzirão. Se houve cerceamento de defesa, anularão aquela específica prova em que isso ocorreu, e assim por diante. Se há uma prova pericial contra o réu, por que anulá-la? Presume-se, por acaso, que o perito iria dar um laudo falso só porque o juiz, eventualmente, não via o réu com simpatia? Não tem sentido, “data venia”, “anular tudo” só porque o juiz não gostava do réu. Com simpatia, ou sentimento oposto, o que vale é a prova objetiva produzida nos autos. Para isso eles servem. Analogicamente, olhando-se uma foto, qualquer foto, pouco importam os sentimentos pessoais de quem clicou no botão da máquina fotográfica.
Se o processo que resultou em condenação de primeira instância for anulado — apenas levando-se em conta os sentimentos do juiz —, estupradores de crianças, assassinos seriais, matadores de velhinhas indefesas e criminosos sádicos em geral pleitearão, até mesmo na instância máxima, que “tudo seja anulado” porque o crime deles foi tão repulsivo que qualquer ser humano normal, inclusive juízes, ficaria indignado, colhendo a prova do crime. E com a indignação, teriam perdido a serenidade, a imparcialidade, sendo necessário “anular tudo” desde o inquérito.
Magistrados não precisam — nem deveriam — ser homens de pedra. Qualquer homem normal sente repulsa contra assaltantes que espancam, torturam e até mesmo estupram velhas indefesas, após roubar todas as suas economias. Se o crime ficou provado nos autos, pouco importa que, nas entrelinhas, se perceba que o juiz, como ser humano, ficou indignado com o ato cometido pelo acusado. Se, por causa disso, exagerou na dosagem da pena, o tribunal de apelação reduzirá a pena. Juízes não precisam ser verdadeiros monstros insensíveis, iguais aos piores réus. É até bom, recomendável, que os magistrados tenham sensibilidade moral apurada.
Sempre houve algumas acusações contra a nossa justiça afirmando que os magistrados eram excessivamente acomodados, indiferentes aos valores morais em jogo dentro de cada processo. “Os juízes não estão nem aí... Não se interessam pela sorte das partes. Só querem gozar suas férias, seus privilégios, seus bons salários, pouco ligando para as angústias dos litigantes. Sempre que podem, saem pela tangente, inventando uma nulidade qualquer. Não querem enfrentar os problemas jurídicos mais difíceis.” E críticas semelhantes. Agora, quando alguns juízes se atrevem a enfrentar gente realmente poderosa, arriscando o próprio futuro profissional, surge essa novidade de se pretender anular até mesmo sentenças já proferidas e que deveriam ser examinadas em grau de apelação, não pela via fácil de se dizer que o juiz não via com bons olhos o réu. Se não via com bons olhos é porque, provavelmente, o que via afrontava a lei e a ética.
A leniência de parte da grande imprensa no encarar os crimes de evasão de divisas, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro certamente não surgiu do nada. Não é fruto da filosofia pura, ou de considerações estritamente jurídicas. Minha particular explicação para o esforço de algumas altas figuras em livrar o “colarinho branco’ da “vulgar” cadeia — “coisa de gente sem berço” — é a seguinte: a sonegação fiscal sempre existiu no Brasil. Em parte, foi “justificada” pela carga fiscal realmente excessiva. Isto é, excessiva para aqueles poucos “fanáticos” que cumprem rigorosamente suas obrigações tributárias e até se prejudicam com isso, porque os concorrentes sonegadores vendem mais barato. Sendo excessiva a carga fiscal, entra em vigor o velho ditado de que “Quem rouba ladrão (governo) tem cem anos de perdão”. Como o governo “saca demais”, é “compreensível, de certo modo tolerável”, que quem sonega, parcialmente, não registre boa parte de seus lucros.
Esse dinheiro, todavia, não pode ir para os bancos nacionais porque a Receita Federal estranharia tanta riqueza sem explicação. Daí a necessidade do dinheiro ficar fora do país, pelo menos por um bom tempo, só retornando gradativamente, conforme permitam os registros dosados que não causem estranheza à referida Receita.
Alguns empresários, todavia, tiveram a má-sorte de serem descobertos. Ficam revoltados porque “Só nós somos processados?! “Que hipocrisia é essa? Só não tinha dinheiro lá fora quem de fato não tinha dinheiro! Não somos marginais, traficantes, para sermos ameaçados de cadeia em regime fechado!”
E são milhares, provavelmente, aqueles que conseguiram juntar boas somas — de variadas origens, até mesmo lícitas — depositando-as nos Paraísos Fiscais. Ameaçados de cadeia, em ambiente “horrível”, defendem-se como podem, por via indireta: atacando delegados e juízes que teimam em cumprir severamente a legislação vigente.
Para apaziguar a própria consciência, tais pessoas — economicamente felizes mas inquietas quanto ao futuro — argumentam que o governo brasileiro nunca foi muito confiável. Evocam o Plano Collor, o famoso “confisco”, que deixou na mão gente que, depois disso, jamais acreditaria plenamente nos governantes. A solução, na cabeça delas, seria guardar o dinheiro em outras plagas. Mas confessar isso, hoje, seria legalmente perigoso. Daí a carga injusta contra delegados e juízes mais firmes que se obstinam em cumprir a nossa legislação. Para salvar a pele, não hesitam em sacrificar servidores públicos que, em situação normal, mereceriam servir de exemplo, porque se empenharam fundamente em conseguir a punição de infratores.
A solução politicamente viável seria o Legislativo trabalhar no sentido de redigir uma lei autorizando a legalização do dinheiro depositado irregularmente fora do país. Tais recursos ou retornariam ou permaneceriam onde se encontram, com algum ônus financeiro em favor da União, porque revoltaria à vasta maioria da população assistir à uma anistia generalizada. Diriam, mais uma vez, que “rico não só não vai para a cadeia, como também nem mesmo precisa enfiar a mão no bolso quando comete crimes financeiros”. Alguma punição, apenas financeira, seria recomendável. “Crime”, nem pensar, porque ninguém mesmo será preso. Se alguns forem condenados no STF evidentemente fugirão antes da chegada do mandado de prisão. Se a prisão for domiciliar, talvez aceitem ser conduzidos a suas residências, mas “sem algemas, por favor”.
Aprovada tal legislação grandes nomes da polícia e da magistratura de primeiro grau poderão respirar aliviados, voltando às posições perdidas por “excesso de zelo” — na verdade o estrito e honroso cumprimento do dever.
Qual o político, no entanto, com coragem suficiente para propor tal lei? Até quando veremos policiais e magistrados sendo perseguidos porque se atreveram a enfrentar os delitos dos poderosos? Os simpatizantes do réu Dantas inventaram até a estranheza de alegar que a ABIN não poderia ajudar a Polícia Federal nas investigações. Por que não poderiam, como órgão de informação? A ABIN tem mais de mil funcionários. Estão ali para que? Há um interesse público em cessar a evasão de divisas. É até salutar, para a nação, que a ABIN revele o que sabe à Polícia Federal. A ABIN não é uma entidade criada para esconder ilegalidades.
O país, na sua porção mais esclarecida, aguarda, preocupada, o desfecho da controversa liminar. O prestígio de nossa justiça está em jogo.
(27-12-09)
domingo, 27 de dezembro de 2009
domingo, 20 de dezembro de 2009
Hugo Chávez e o MERCOSUL
Existem três modos de se avaliar um objeto ou situação: com visão microscópica, macroscópica (seu oposto) e, finalmente, a média das duas, a “meia-distância”. Quem precisa de óculos para longe, perto, e usando o computador sabe do que estou falando. Difícil é identificar qual a lente mental utilizada pelo governo federal quando pressionou sua maioria a votar pela inclusão da Venezuela no MERCOSUL. Espera-se que a visão econômica, utilitária, tenha tido mais peso que as simpatias ideológicas.
A opinião quase unânime dos analistas internacionais independentes é no sentido de que Hugo Chávez tem inegável vocação para atitudes ditatoriais. Exagera nas privatizações; amordaça a mídia; amolda o judiciário conforme sua vontade; incentiva um demagógico “clima de guerra” contra os Estados Unidos; agride sem meias palavras o presidente colombiano e até, recentemente, mandou prender magistrada que se atreveu a decidir contra sua opinião. Isso ocorreu na última quinta-feira, 15-12-09 quando determinou a detenção da juíza Maria Lourdes Afiuni. Segundo um jornal confiável ela foi presa após libertar o banqueiro Eligio Sedeño, acusado de fraude, mas preso sem julgamento desde 2007. Goste-se ou não de banqueiros eles também têm seus direitos quando processados. Note-se que seu processo continuará.
Além de agir com o desembaraço de elefante nervoso em loja de cristais, Chávez não mostra competência na área econômica. Ele só ainda não caiu do poder porque seu país teve a felicidade, acidental — não é mérito dele —, de encontrar, no subsolo, grandes reservas de petróleo, uma forma de energia que ainda não foi possível substituir, apesar de seu componente poluidor.
Não obstante a indústria e o comércio da Venezuela estejam em franca decadência, a exportação do valioso óleo ainda permite ao alvoroçado líder venezuelano fazer extravagâncias, distribuindo dinheiro a países cujos governantes afinam com seus ideais “libertadores” e permitindo a seus concidadãos abastecer os carros com gasolina quase de graça. Agrada as massas, também, com discursos frequentes, alimentando o ressentimento dos pobres contra os mais afortunados e transmitindo a idéia de que o país está na iminência de invasão americana. Algo extremamente improvável, tão cedo, porque Barack Obama não seria louco de inventar uma terceira guerra — agora na América do Sul —, quando mal dá conta das duas hoje existentes.
Chávez imagina-se um Simón Bolívar reencarnado. O grande e visionário estadista, seu modelo, falecido em 1830, deve estar revirando-se como um pião dentro do túmulo — caso não esteja embalsamado —, inconformado com a vinculação de seu nome ao agitado ex-paraquedista que parece deliciar-se chocando audiências com frases de efeito. Todos lembram do que aconteceu na ONU, atribuindo a George W. Bush o cheiro de enxofre e, na Europa, quando o rei espanhol, perdendo a paciência, perguntou a Chávez “Por que não te calas?”.
Nada contra um presidente ser de esquerda ou de direita. Se a população assim deseja, que o seja. As demais nações têm que respeitar a vontade interna de cada país. Mas os modos também contam. François Mitterrand foi um presidente de esquerda que conseguiu ser respeitado dentro e fora das fronteiras. Sobretudo, não exagerava na verbalização daquilo que considerava o melhor. Mantinha a compostura, por alguns encarada como mero “requinte diplomático” mas prática indispensável no âmbito nacional e internacional. Não hostilizava os empreendedores. Parecia estar convencido que qualquer nação, à semelhança de um gigantesco organismo biológico, não resiste por muito tempo a contínuas e violentas mudanças. Chávez, porém, prefere chocar, e com pouca classe.
A realeza francesa, até Luís XV, tratava os camponeses, trabalhadores da cidade e a pequena burguesia com desprezo, o que era injusto e mau. Mas a “virada sangrenta”, com os excessos bruscos da Revolução Francesa e o Terror, só alimentou a sede da guilhotina, que acabou devorando os próprios filhos da revolução. Chávez não pretende chegar a tanto, a guilhotina, mas cedo ou tarde seus atos abusivos — na forma e na essência — terminarão cansando os próprios concidadãos das classes menos favorecidas, revoltadas com a escassez de produtos nos supermercados. Não podendo alimentar-se à base de gasolina e pregação política, exigirão mais trabalho, ordem e prateleiras cheias nos supermercados. E foi pensando nesse mercado comprador, nesse “vazio” produtivo atual da Venezuela de Chávez que o governo brasileiro optou pela admissão daquele país como integrante do MERCOSUL. Mesmo conhecendo seu temperamento difícil. Um parlamentar brasileiro do PT, Mercadante — engraçada a coincidência de nomes — frisou que será o país, Venezuela, que integrará o MERCOSUL, não a discutível pessoa física de seu atual presidente, que pode até não durar muito tempo no poder.
Artigo, bem fundamentado, de Denise Chrispim Marin, jornalista do jornal “O Estado de S. Paulo”, de hoje, 16-12-09, revela-nos que, graças à cordialidade mútua de nosso governo com o governo venezuelano, construtoras brasileiras realizaram obras, naquele país, no montante de US$15 bilhões, além de outros investimentos de grandes companhias privadas. Diz, ainda — certamente com dados colhidos em fonte idônea —, que as exportações brasileiras para a Venezuela, “saltaram de US$608 milhões, em 2003, para US$5,1 bilhões, em 2008. Esse salto, em apenas cinco anos, mostra o quanto foi útil economicamente, para o Brasil, essa política de boa-vizinhança. E o futuro é ainda mais promissor porque a própria incapacidade de Chávez para conduzir a economia de seu país permitirá que nossas fábricas, plantações, renda e emprego possam se expandir ainda mais. Aqui, exportando; lá, se instalando.
Se o governo brasileiro vetasse a entrada da Venezuela no MERCOSUL é bem possível que Chávez, nos seus habituais rompantes, tomasse represálias, restringindo nossas exportações, cancelando contratos com empreiteiras brasileiras e usando todo o conhecido arsenal repressivo que costuma utilizar contra seus adversários políticos. E quem pagaria a conta da “nossa pureza democrática”, vetando a Venezuela? Nossas empresas, operários, executivos e trabalhadores do campo, além das finanças estatais brasileiras, que deixarão de arrecadar. Sob o ângulo econômico, não há dúvida de que seria um mau negócio essa história de vetar aquele país porque, no momento, tem como governante um político mais voltado para a agitação do que para a boa administração do país.
Políticos mais preocupados com a dimensão política do dilema de vetar, ou não, argumentam que Chávez, com voz na entidade, tentará influir no rumo da política sul-americana, principalmente envenenando nossa relação com os EUA. A esse argumento pode-se objetar que uma coisa é ele “tentar” liderar todos os países que integram o MERCOSUL, outra — muito outra — será conseguir tal façanha, nada fácil. A Venezuela, hoje, para o Brasil, não passa de uma ave que fornece ovos de ouro. Nada mais. A figura política, moral — e mesmo física — de Chávez não seduz os brasileiros.
Alguém acredita que as opiniões apresentadas por Chávez nas reuniões do MERCOSUL serão encaradas como verdade emanadas de boca divina? Mesmo os atuais governantes que apóiam Chávez — os presidentes do Equador, da Bolívia e da Argentina, assim o fazem, preponderantemente, por interesse econômico. Não acredito que a Argentina morra de amores por Chávez. Seu apoio é mera gratidão, assim mesmo provisória, por um “Tio Patinhas” que fornece dinheiro fácil. Duvido que o argentino médio, com sua algo sofisticada cultura — impressiona o número de livrarias naquele país — e orgulhosa auto-estima, apóie, intimamente, sinceramente, os modos e arroubos chavistas exagerados. Evo Morales e Rafael Correa podem, hoje, sentir um sincero sentimento de gratidão pelo apoio político e financeiro de Chávez, mas se este começar a se intrometer demais nos dois países, dando ordens, é absolutamente certo que os dois presidentes darão o seu “basta!”. Isso porque, não o fazendo, agindo como meros subordinados políticos, ficarão desmoralizados frente a seus próprios concidadãos. Na guerra íntima entre a gratidão e a auto-estima, podem apostar que esta última vence de três a zero.
O editorial de importante jornal brasileiro observou, com acerto, que nenhuma bola de cristal nos garante que Chávez deixará tão cedo o poder. E para agravar o perigo da sua permanência concorre o fato de os países do MERCOSUL possuírem o direito de veto. Mas assim como ele terá esse direito, os demais países da união aduaneira poderão vetar aquelas suas iniciativas apenas interessadas na agitação política.
Quando encerrava este “ensaio-crônica” deparei-me, casualmente, com um artigo — “Imperialismo cria o seu universal soldier” — de José Arbex Jr, na revista “Caros Amigos”, nº 153. Arbex Jr. é um jornalista de esquerda muito bem informado e de estilo direto e vigoroso. Nesse texto, ele sugere, ou mesmo afirma, que Manuel Zelaya não foi tirado à força do poder porque pretendia “eternizar-se no poder”, e sim porque associou Honduras à Alba (Aliança Bolivariana das Américas) e ao Petrocaribe, entidades vinculadas a Chávez. E acrescenta que Zelaya cometeu a imprudência de anunciar que “transformaria a base militar estadunidense de Soto Cano (situada a 30 km de Tegucigalpa) em aeroporto civil, fazendo isso com financiamento venezuelano”. Segundo Arbex Jr. “a base de Soto Cano era utilizada pela CIA , ao longo dos anos 80, como centro de operações contra o governo sandinista da vizinha Nicarágua e para treinar soldados e oficiais que lutavam na guerra civil de El Salvador”. Honduras, na época, era considerada como um “porta-aviões não naufragável dos Estados Unidos”.
Justificando, ainda, os receios de Chávez, no seu temor de uma invasão americana — ou, pelo menos, a insistência “imperialista” dos EUA — Arbex Jr. menciona que o presidente Rafael Correa, do Equador, mandou fechar a base militar americana de Manta, na costa do Pacífico equatoriana, o que contribuiu para a queda de Zelaya e a assinatura do acordo dos EUA com a Colômbia, autorizando a instalação de sete bases neste último país, com o falso pretexto de combate ao narcotráfico. Finalmente, o jornalista sugere uma conexão entre a descoberta brasileira do pré-sal e a retomada das atividades da Quarta Frota dos EUA, atuando na costa atlântica dos países sul-americanos, notadamente no Brasil.
Não obstante os “indícios” ou “coincidências” acima, continuo pensando, talvez por ingenuidade — só o tempo dirá se Arbex Jr. está certo — que Barack Obama é um homem mentalmente honesto quando diz pretender mudar a política externa de seu país. Não é fácil a um só homem, mesmo no cargo de presidente, mudar antigas, complexas e viciadas engrenagens do poder de um país acostumado a moldar o mundo conforme a orientação que presume ser a melhor.
Chávez, por sua vez, também não é um modelo de líder socialista. Comporta-se mais como um demagogo desafiador, interessado em manter-se no poder. Se o socialismo implantado por Lênin — um intelectual especialmente inteligente e culto —, acabou não dando certo, imagine-se essa causa — difícil porque o homem médio só está interessado na sua pessoa e na sua família — nas mãos de Chávez, com suas evidentes limitações intelectuais. O velho socialismo não tem chance de vingar e permanecer por muito tempo. O regime universal do futuro será, inevitavelmente, uma mescla de capitalismo — no estímulo à livre iniciativa — com o freio socialista, contrabalançando os excessos causados pela ganância, tão própria do ser humano. O capitalismo produz a riqueza mas cabe ao Estado utilizar , com sentido social, boa parte dela.
Somente o futuro dirá, claro, se foi útil ou prejudicial a aceitação da Venezuela, enquanto liderada por Chávez, mas, na área internacional geralmente é mais vantajosa a união do que a desunião. Países permanecem; governos, não.
(16-12-09)
A opinião quase unânime dos analistas internacionais independentes é no sentido de que Hugo Chávez tem inegável vocação para atitudes ditatoriais. Exagera nas privatizações; amordaça a mídia; amolda o judiciário conforme sua vontade; incentiva um demagógico “clima de guerra” contra os Estados Unidos; agride sem meias palavras o presidente colombiano e até, recentemente, mandou prender magistrada que se atreveu a decidir contra sua opinião. Isso ocorreu na última quinta-feira, 15-12-09 quando determinou a detenção da juíza Maria Lourdes Afiuni. Segundo um jornal confiável ela foi presa após libertar o banqueiro Eligio Sedeño, acusado de fraude, mas preso sem julgamento desde 2007. Goste-se ou não de banqueiros eles também têm seus direitos quando processados. Note-se que seu processo continuará.
Além de agir com o desembaraço de elefante nervoso em loja de cristais, Chávez não mostra competência na área econômica. Ele só ainda não caiu do poder porque seu país teve a felicidade, acidental — não é mérito dele —, de encontrar, no subsolo, grandes reservas de petróleo, uma forma de energia que ainda não foi possível substituir, apesar de seu componente poluidor.
Não obstante a indústria e o comércio da Venezuela estejam em franca decadência, a exportação do valioso óleo ainda permite ao alvoroçado líder venezuelano fazer extravagâncias, distribuindo dinheiro a países cujos governantes afinam com seus ideais “libertadores” e permitindo a seus concidadãos abastecer os carros com gasolina quase de graça. Agrada as massas, também, com discursos frequentes, alimentando o ressentimento dos pobres contra os mais afortunados e transmitindo a idéia de que o país está na iminência de invasão americana. Algo extremamente improvável, tão cedo, porque Barack Obama não seria louco de inventar uma terceira guerra — agora na América do Sul —, quando mal dá conta das duas hoje existentes.
Chávez imagina-se um Simón Bolívar reencarnado. O grande e visionário estadista, seu modelo, falecido em 1830, deve estar revirando-se como um pião dentro do túmulo — caso não esteja embalsamado —, inconformado com a vinculação de seu nome ao agitado ex-paraquedista que parece deliciar-se chocando audiências com frases de efeito. Todos lembram do que aconteceu na ONU, atribuindo a George W. Bush o cheiro de enxofre e, na Europa, quando o rei espanhol, perdendo a paciência, perguntou a Chávez “Por que não te calas?”.
Nada contra um presidente ser de esquerda ou de direita. Se a população assim deseja, que o seja. As demais nações têm que respeitar a vontade interna de cada país. Mas os modos também contam. François Mitterrand foi um presidente de esquerda que conseguiu ser respeitado dentro e fora das fronteiras. Sobretudo, não exagerava na verbalização daquilo que considerava o melhor. Mantinha a compostura, por alguns encarada como mero “requinte diplomático” mas prática indispensável no âmbito nacional e internacional. Não hostilizava os empreendedores. Parecia estar convencido que qualquer nação, à semelhança de um gigantesco organismo biológico, não resiste por muito tempo a contínuas e violentas mudanças. Chávez, porém, prefere chocar, e com pouca classe.
A realeza francesa, até Luís XV, tratava os camponeses, trabalhadores da cidade e a pequena burguesia com desprezo, o que era injusto e mau. Mas a “virada sangrenta”, com os excessos bruscos da Revolução Francesa e o Terror, só alimentou a sede da guilhotina, que acabou devorando os próprios filhos da revolução. Chávez não pretende chegar a tanto, a guilhotina, mas cedo ou tarde seus atos abusivos — na forma e na essência — terminarão cansando os próprios concidadãos das classes menos favorecidas, revoltadas com a escassez de produtos nos supermercados. Não podendo alimentar-se à base de gasolina e pregação política, exigirão mais trabalho, ordem e prateleiras cheias nos supermercados. E foi pensando nesse mercado comprador, nesse “vazio” produtivo atual da Venezuela de Chávez que o governo brasileiro optou pela admissão daquele país como integrante do MERCOSUL. Mesmo conhecendo seu temperamento difícil. Um parlamentar brasileiro do PT, Mercadante — engraçada a coincidência de nomes — frisou que será o país, Venezuela, que integrará o MERCOSUL, não a discutível pessoa física de seu atual presidente, que pode até não durar muito tempo no poder.
Artigo, bem fundamentado, de Denise Chrispim Marin, jornalista do jornal “O Estado de S. Paulo”, de hoje, 16-12-09, revela-nos que, graças à cordialidade mútua de nosso governo com o governo venezuelano, construtoras brasileiras realizaram obras, naquele país, no montante de US$15 bilhões, além de outros investimentos de grandes companhias privadas. Diz, ainda — certamente com dados colhidos em fonte idônea —, que as exportações brasileiras para a Venezuela, “saltaram de US$608 milhões, em 2003, para US$5,1 bilhões, em 2008. Esse salto, em apenas cinco anos, mostra o quanto foi útil economicamente, para o Brasil, essa política de boa-vizinhança. E o futuro é ainda mais promissor porque a própria incapacidade de Chávez para conduzir a economia de seu país permitirá que nossas fábricas, plantações, renda e emprego possam se expandir ainda mais. Aqui, exportando; lá, se instalando.
Se o governo brasileiro vetasse a entrada da Venezuela no MERCOSUL é bem possível que Chávez, nos seus habituais rompantes, tomasse represálias, restringindo nossas exportações, cancelando contratos com empreiteiras brasileiras e usando todo o conhecido arsenal repressivo que costuma utilizar contra seus adversários políticos. E quem pagaria a conta da “nossa pureza democrática”, vetando a Venezuela? Nossas empresas, operários, executivos e trabalhadores do campo, além das finanças estatais brasileiras, que deixarão de arrecadar. Sob o ângulo econômico, não há dúvida de que seria um mau negócio essa história de vetar aquele país porque, no momento, tem como governante um político mais voltado para a agitação do que para a boa administração do país.
Políticos mais preocupados com a dimensão política do dilema de vetar, ou não, argumentam que Chávez, com voz na entidade, tentará influir no rumo da política sul-americana, principalmente envenenando nossa relação com os EUA. A esse argumento pode-se objetar que uma coisa é ele “tentar” liderar todos os países que integram o MERCOSUL, outra — muito outra — será conseguir tal façanha, nada fácil. A Venezuela, hoje, para o Brasil, não passa de uma ave que fornece ovos de ouro. Nada mais. A figura política, moral — e mesmo física — de Chávez não seduz os brasileiros.
Alguém acredita que as opiniões apresentadas por Chávez nas reuniões do MERCOSUL serão encaradas como verdade emanadas de boca divina? Mesmo os atuais governantes que apóiam Chávez — os presidentes do Equador, da Bolívia e da Argentina, assim o fazem, preponderantemente, por interesse econômico. Não acredito que a Argentina morra de amores por Chávez. Seu apoio é mera gratidão, assim mesmo provisória, por um “Tio Patinhas” que fornece dinheiro fácil. Duvido que o argentino médio, com sua algo sofisticada cultura — impressiona o número de livrarias naquele país — e orgulhosa auto-estima, apóie, intimamente, sinceramente, os modos e arroubos chavistas exagerados. Evo Morales e Rafael Correa podem, hoje, sentir um sincero sentimento de gratidão pelo apoio político e financeiro de Chávez, mas se este começar a se intrometer demais nos dois países, dando ordens, é absolutamente certo que os dois presidentes darão o seu “basta!”. Isso porque, não o fazendo, agindo como meros subordinados políticos, ficarão desmoralizados frente a seus próprios concidadãos. Na guerra íntima entre a gratidão e a auto-estima, podem apostar que esta última vence de três a zero.
O editorial de importante jornal brasileiro observou, com acerto, que nenhuma bola de cristal nos garante que Chávez deixará tão cedo o poder. E para agravar o perigo da sua permanência concorre o fato de os países do MERCOSUL possuírem o direito de veto. Mas assim como ele terá esse direito, os demais países da união aduaneira poderão vetar aquelas suas iniciativas apenas interessadas na agitação política.
Quando encerrava este “ensaio-crônica” deparei-me, casualmente, com um artigo — “Imperialismo cria o seu universal soldier” — de José Arbex Jr, na revista “Caros Amigos”, nº 153. Arbex Jr. é um jornalista de esquerda muito bem informado e de estilo direto e vigoroso. Nesse texto, ele sugere, ou mesmo afirma, que Manuel Zelaya não foi tirado à força do poder porque pretendia “eternizar-se no poder”, e sim porque associou Honduras à Alba (Aliança Bolivariana das Américas) e ao Petrocaribe, entidades vinculadas a Chávez. E acrescenta que Zelaya cometeu a imprudência de anunciar que “transformaria a base militar estadunidense de Soto Cano (situada a 30 km de Tegucigalpa) em aeroporto civil, fazendo isso com financiamento venezuelano”. Segundo Arbex Jr. “a base de Soto Cano era utilizada pela CIA , ao longo dos anos 80, como centro de operações contra o governo sandinista da vizinha Nicarágua e para treinar soldados e oficiais que lutavam na guerra civil de El Salvador”. Honduras, na época, era considerada como um “porta-aviões não naufragável dos Estados Unidos”.
Justificando, ainda, os receios de Chávez, no seu temor de uma invasão americana — ou, pelo menos, a insistência “imperialista” dos EUA — Arbex Jr. menciona que o presidente Rafael Correa, do Equador, mandou fechar a base militar americana de Manta, na costa do Pacífico equatoriana, o que contribuiu para a queda de Zelaya e a assinatura do acordo dos EUA com a Colômbia, autorizando a instalação de sete bases neste último país, com o falso pretexto de combate ao narcotráfico. Finalmente, o jornalista sugere uma conexão entre a descoberta brasileira do pré-sal e a retomada das atividades da Quarta Frota dos EUA, atuando na costa atlântica dos países sul-americanos, notadamente no Brasil.
Não obstante os “indícios” ou “coincidências” acima, continuo pensando, talvez por ingenuidade — só o tempo dirá se Arbex Jr. está certo — que Barack Obama é um homem mentalmente honesto quando diz pretender mudar a política externa de seu país. Não é fácil a um só homem, mesmo no cargo de presidente, mudar antigas, complexas e viciadas engrenagens do poder de um país acostumado a moldar o mundo conforme a orientação que presume ser a melhor.
Chávez, por sua vez, também não é um modelo de líder socialista. Comporta-se mais como um demagogo desafiador, interessado em manter-se no poder. Se o socialismo implantado por Lênin — um intelectual especialmente inteligente e culto —, acabou não dando certo, imagine-se essa causa — difícil porque o homem médio só está interessado na sua pessoa e na sua família — nas mãos de Chávez, com suas evidentes limitações intelectuais. O velho socialismo não tem chance de vingar e permanecer por muito tempo. O regime universal do futuro será, inevitavelmente, uma mescla de capitalismo — no estímulo à livre iniciativa — com o freio socialista, contrabalançando os excessos causados pela ganância, tão própria do ser humano. O capitalismo produz a riqueza mas cabe ao Estado utilizar , com sentido social, boa parte dela.
Somente o futuro dirá, claro, se foi útil ou prejudicial a aceitação da Venezuela, enquanto liderada por Chávez, mas, na área internacional geralmente é mais vantajosa a união do que a desunião. Países permanecem; governos, não.
(16-12-09)
sábado, 19 de dezembro de 2009
A agressividade de Hillary
Sempre considerei imprudência e “boa-fé excessiva” o convite de Barack Obama para que Hillary Clinton integrasse seu governo na importante função de Secretária de Estado. Isso porque em um mundo cada vez mais globalizado e ressentido com poses e atos “imperialistas” dos EUA estes precisariam, doravante, ser encarados com perfil oposto ao modelo desenhado por George W. Bush e sua turminha belicosa e arrogante: Dick Cheney, Donald Rumsfeld e outros conhecidos “falcões”. Todos eles adeptos de ameaças e soluções bélicas em que o sangue a escorrer nunca não seria o das referidas aves.
Mesmo o arguto e informadíssimo Robert Gates, atual Secretário de Defesa, não tem o perfil adequado para um governo que pretende desarmar os espíritos. Posso apostar — maneira de dizer, claro — que a idéia de enviar mais 30.000 soldados ao Afeganistão partiu de Gates, apresentada com mil “argumentos técnicos” difíceis de serem neutralizados por um civil, não especialista em guerras, como é o caso de Obama.
Uma das paradoxais desvantagens de pessoas como Obama — no fundo um tanto tímido e modesto, apesar da força de seus discursos — está na dificuldade de seguir o próprio instinto quando este contraria “conclusões técnicas” de auxiliares contra as quais não encontrou — no momento das deliberações —, argumentos suficientemente fortes para contrapor. Provavelmente, o leitor já se viu em situações em que sua intuição o alertava de que tal ou qual coisa deveria — ou não deveria —, ser feita mas, à míngua de argumentos irrefutáveis para expor, acaba aceitando, com relutância, “moralmente escravizado à lógica”, o que foi sugerido por outras pessoas com mais autoridade no assunto. Quando, dias ou meses depois, constata que errou, não tem coragem suficiente para, acanhado, voltar atrás, “dar o dito como não dito”. Se isso ocorre, rotineiramente, em nível individual, com pessoas comuns, imagine-se com um presidente da república, e do país mais influente do mundo.
O medo da desmoralização, da rotulação de “inseguro”, explica porque muitos políticos, em cargos importantes, persistem em iniciativas erradas que acabam sendo a desgraça de seu governo. Nesse aspecto, é vantajoso ser temperamental, “loucão” ou mesmo “burro”, porque assim teria a audácia de mandar às favas a vergonha do retrocesso e os “irrefutáveis” argumentos dos “experts”. Certamente isso já ocorreu mas jamais será externado: um presidente, ou governador, deixar de sancionar uma lei cuja iniciativa foi dele mesmo mas que tempos depois, no momento de assinar, melhor refletindo, concluiu que não seria uma boa lei. O que pensariam os eleitores de uma “pessoa tão leviana e contraditória”? Convenhamos, “voltar atrás”, em certas situações, exige uma coragem nem sempre disponível no momento.
Voltando à Hillary, o que se dizia dela, na mídia, sobre seu temperamento e ambições — quando da disputa pela indicação como candidata do partido Democrata — aconselharia Barack Obama a não convidá-la, jamais, para integrar seu governo em função importante. Com altíssima opinião sobre si mesma e inconformada com sua derrota seria sempre um perigo em potencial. Notadamente como Secretária de Estado em um governo muito diferente do anterior, isto é, propenso ao diálogo até mesmo com terroristas. Cedo ou tarde o ressentimento dela acabaria aflorando, como ocorre com pessoas que não aceitam derrotas. Se Freud estivesse vivo e fosse psicanalista oficial da Casa Branca, aconselharia Obama a tratá-la com respeito que ela merece, como senhora de vida pessoal inatacável, mas a ser mantida longe de quem a derrotou. Isso porque é raro, ou impossível, uma pessoa agir contra sua própria natureza.
Em certo momento da disputa pela indicação presidencial, quando as sondagens de opinião já favoreciam Obama, Hillary chegou a propor que Barack figurasse como vice dela. No íntimo, tudo indica, ela não conseguia digerir a idéia de ser derrotada por um oponente jovem que tinha mais a aparência de um jogador de basquete. Derrotada, mas educadamente ressentida, aceitou o convite para auxiliar quem a derrotou. Durante meses conteve-se, obedeceu às ordens de seu chefe mas em determinado momento — agora — não conseguiu mais se conter. Percebendo que o apoio de seu país ao chefe da nação começou a enfraquecer, acusado de “hesitante”, não havia porque continuar se dominando, fingindo ser “pomba” quando nunca deixou de ser “falcão”. A conjunção da queda de prestígio de seu chefe com algumas declarações de líderes sul-americanos, tratando benevolamente o presidente do Irã, seria o momento perfeito para mostrar à opinião pública de seu país que ela, sim, é que deveria ter sido a presidente eleita. Daí a séria de declarações claramente ameaçadoras contra governos sul-americanos, algo que só não deixará em pé os cabelos do bom Obama porque fatores genéticos não o permitem.
No dia 11 de dezembro de 2009, Hillary teve a anti-diplomática audácia de “dar um pito” nos governantes sul-americanos que se atrevem a manter relações cordiais com o Irã. Teriam, pelo visto, que consultá-la sobre tais coisas. Entre outras declarações, largou as seguintes pérolas de uma diplomacia arrogante que contrariam as atitudes de seu chefe: seria uma “péssima idéia” a aproximação de países latino-americanos com o Irá; se essa relação não mudar “haverá conseqüências”; “se querem flertar com o Irã, devem observar cuidadosamente quais poderiam ser as conseqüências”; “esperamos que pensem duas vezes e se refletirem bem, nós os apoiaremos”. Só faltou dizer que “todas as opções estão na mesa”, uma ameaça velada ao uso da força. Frases que Hugo Chaves deve ter adorado ouvir porque fortalecem sua discutível pregação de que os EUA querem invadir a Venezuela.
Que Obama abra os olhos. Há inimigo dentro de casa, embora sorridente e de bonitos olhos claros. Será mais prudente agir como o ex-presidente americano, Harry Truman, que, em momento de guerra, teve a coragem de demitir do comando da Frota do Pacífico o prestigiado general Douglas MacArthur, o qual parecia não respeitá-lo como seu chefe. MacArthur foi demitido e nada aconteceu de traumático para o governo americano. Todo ser vivo — o que obviamente inclui seres humanos de qualquer gênero —, tende a ocupar o maior espaço possível. Enquanto não surgir a parede de um “basta!”, continuarão avançando. Chefes de Estado muito educados levam desvantagem nesse aspecto — em comparação com os mais ríspidos —, a comprovar que mesmo as boas qualidades, principalmente a amabilidade, precisam ser usadas com sabedoria.
Quanto a Robert Gates, sua atuação envolve maior complexidade, mas o simples fato de ter trabalhado para George W. Bush deve funcionar como alerta ao atual presidente americano. Gates não parece ser um ressentido com a vitória eleitoral de Obama, mas a inusitada tendência tolerante do chefe de um vigoroso império — acostumado à “ação” sem muitas consultas —, certamente deve parecer excessivamente “mole” para o gosto de um “falcão”. Gates não é um beligerante fanático, mas de qualquer forma conviveu, por anos, em gaiolas repletas de águias e falcões. Esse clima deixa resíduos.
Os EUA não podem, claro, pretender transformar seus dispendiosos soldados em Gandhis fardados, adeptos da não-violência. Todavia, precisam testar, até o limite, essa experiência — totalmente nova para os EUA —, de ouvir inimigos. Com isso, poderão chegar à raiz de alguns rancores, transformados, por falta de comunicação, em hostilidade explosiva e sangrenta. Americanos e muçulmanos vivem, desde criancinhas, em universos diferentes, moldados pela Bíblia e o Alcorão. As pessoas não escolhem suas religiões, a não ser em casos raros. São induzidas pelos pais. Mas deve haver alguns pontos comuns entre os dois Livros. Essa nova utilização das orelhas americanas permitirá que o arejamento das cabeças, de ambos os lados, se faça com argumentos esclarecedores e não com orifícios produzidos por balas e fragmentos de granadas.
Conclusão: Obama fará melhor se seguir sua própria intuição, até o momento em que, ele mesmo, verificar que precisa ser alterada.
(13-12-09)
Mesmo o arguto e informadíssimo Robert Gates, atual Secretário de Defesa, não tem o perfil adequado para um governo que pretende desarmar os espíritos. Posso apostar — maneira de dizer, claro — que a idéia de enviar mais 30.000 soldados ao Afeganistão partiu de Gates, apresentada com mil “argumentos técnicos” difíceis de serem neutralizados por um civil, não especialista em guerras, como é o caso de Obama.
Uma das paradoxais desvantagens de pessoas como Obama — no fundo um tanto tímido e modesto, apesar da força de seus discursos — está na dificuldade de seguir o próprio instinto quando este contraria “conclusões técnicas” de auxiliares contra as quais não encontrou — no momento das deliberações —, argumentos suficientemente fortes para contrapor. Provavelmente, o leitor já se viu em situações em que sua intuição o alertava de que tal ou qual coisa deveria — ou não deveria —, ser feita mas, à míngua de argumentos irrefutáveis para expor, acaba aceitando, com relutância, “moralmente escravizado à lógica”, o que foi sugerido por outras pessoas com mais autoridade no assunto. Quando, dias ou meses depois, constata que errou, não tem coragem suficiente para, acanhado, voltar atrás, “dar o dito como não dito”. Se isso ocorre, rotineiramente, em nível individual, com pessoas comuns, imagine-se com um presidente da república, e do país mais influente do mundo.
O medo da desmoralização, da rotulação de “inseguro”, explica porque muitos políticos, em cargos importantes, persistem em iniciativas erradas que acabam sendo a desgraça de seu governo. Nesse aspecto, é vantajoso ser temperamental, “loucão” ou mesmo “burro”, porque assim teria a audácia de mandar às favas a vergonha do retrocesso e os “irrefutáveis” argumentos dos “experts”. Certamente isso já ocorreu mas jamais será externado: um presidente, ou governador, deixar de sancionar uma lei cuja iniciativa foi dele mesmo mas que tempos depois, no momento de assinar, melhor refletindo, concluiu que não seria uma boa lei. O que pensariam os eleitores de uma “pessoa tão leviana e contraditória”? Convenhamos, “voltar atrás”, em certas situações, exige uma coragem nem sempre disponível no momento.
Voltando à Hillary, o que se dizia dela, na mídia, sobre seu temperamento e ambições — quando da disputa pela indicação como candidata do partido Democrata — aconselharia Barack Obama a não convidá-la, jamais, para integrar seu governo em função importante. Com altíssima opinião sobre si mesma e inconformada com sua derrota seria sempre um perigo em potencial. Notadamente como Secretária de Estado em um governo muito diferente do anterior, isto é, propenso ao diálogo até mesmo com terroristas. Cedo ou tarde o ressentimento dela acabaria aflorando, como ocorre com pessoas que não aceitam derrotas. Se Freud estivesse vivo e fosse psicanalista oficial da Casa Branca, aconselharia Obama a tratá-la com respeito que ela merece, como senhora de vida pessoal inatacável, mas a ser mantida longe de quem a derrotou. Isso porque é raro, ou impossível, uma pessoa agir contra sua própria natureza.
Em certo momento da disputa pela indicação presidencial, quando as sondagens de opinião já favoreciam Obama, Hillary chegou a propor que Barack figurasse como vice dela. No íntimo, tudo indica, ela não conseguia digerir a idéia de ser derrotada por um oponente jovem que tinha mais a aparência de um jogador de basquete. Derrotada, mas educadamente ressentida, aceitou o convite para auxiliar quem a derrotou. Durante meses conteve-se, obedeceu às ordens de seu chefe mas em determinado momento — agora — não conseguiu mais se conter. Percebendo que o apoio de seu país ao chefe da nação começou a enfraquecer, acusado de “hesitante”, não havia porque continuar se dominando, fingindo ser “pomba” quando nunca deixou de ser “falcão”. A conjunção da queda de prestígio de seu chefe com algumas declarações de líderes sul-americanos, tratando benevolamente o presidente do Irã, seria o momento perfeito para mostrar à opinião pública de seu país que ela, sim, é que deveria ter sido a presidente eleita. Daí a séria de declarações claramente ameaçadoras contra governos sul-americanos, algo que só não deixará em pé os cabelos do bom Obama porque fatores genéticos não o permitem.
No dia 11 de dezembro de 2009, Hillary teve a anti-diplomática audácia de “dar um pito” nos governantes sul-americanos que se atrevem a manter relações cordiais com o Irã. Teriam, pelo visto, que consultá-la sobre tais coisas. Entre outras declarações, largou as seguintes pérolas de uma diplomacia arrogante que contrariam as atitudes de seu chefe: seria uma “péssima idéia” a aproximação de países latino-americanos com o Irá; se essa relação não mudar “haverá conseqüências”; “se querem flertar com o Irã, devem observar cuidadosamente quais poderiam ser as conseqüências”; “esperamos que pensem duas vezes e se refletirem bem, nós os apoiaremos”. Só faltou dizer que “todas as opções estão na mesa”, uma ameaça velada ao uso da força. Frases que Hugo Chaves deve ter adorado ouvir porque fortalecem sua discutível pregação de que os EUA querem invadir a Venezuela.
Que Obama abra os olhos. Há inimigo dentro de casa, embora sorridente e de bonitos olhos claros. Será mais prudente agir como o ex-presidente americano, Harry Truman, que, em momento de guerra, teve a coragem de demitir do comando da Frota do Pacífico o prestigiado general Douglas MacArthur, o qual parecia não respeitá-lo como seu chefe. MacArthur foi demitido e nada aconteceu de traumático para o governo americano. Todo ser vivo — o que obviamente inclui seres humanos de qualquer gênero —, tende a ocupar o maior espaço possível. Enquanto não surgir a parede de um “basta!”, continuarão avançando. Chefes de Estado muito educados levam desvantagem nesse aspecto — em comparação com os mais ríspidos —, a comprovar que mesmo as boas qualidades, principalmente a amabilidade, precisam ser usadas com sabedoria.
Quanto a Robert Gates, sua atuação envolve maior complexidade, mas o simples fato de ter trabalhado para George W. Bush deve funcionar como alerta ao atual presidente americano. Gates não parece ser um ressentido com a vitória eleitoral de Obama, mas a inusitada tendência tolerante do chefe de um vigoroso império — acostumado à “ação” sem muitas consultas —, certamente deve parecer excessivamente “mole” para o gosto de um “falcão”. Gates não é um beligerante fanático, mas de qualquer forma conviveu, por anos, em gaiolas repletas de águias e falcões. Esse clima deixa resíduos.
Os EUA não podem, claro, pretender transformar seus dispendiosos soldados em Gandhis fardados, adeptos da não-violência. Todavia, precisam testar, até o limite, essa experiência — totalmente nova para os EUA —, de ouvir inimigos. Com isso, poderão chegar à raiz de alguns rancores, transformados, por falta de comunicação, em hostilidade explosiva e sangrenta. Americanos e muçulmanos vivem, desde criancinhas, em universos diferentes, moldados pela Bíblia e o Alcorão. As pessoas não escolhem suas religiões, a não ser em casos raros. São induzidas pelos pais. Mas deve haver alguns pontos comuns entre os dois Livros. Essa nova utilização das orelhas americanas permitirá que o arejamento das cabeças, de ambos os lados, se faça com argumentos esclarecedores e não com orifícios produzidos por balas e fragmentos de granadas.
Conclusão: Obama fará melhor se seguir sua própria intuição, até o momento em que, ele mesmo, verificar que precisa ser alterada.
(13-12-09)
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Ahmadinejad e a questão nuclear global
A mídia esteve alvoroçada com a breve permanência do presidente do Irã no Brasil. A comunidade judaica, nacional e internacional, obviamente, fez de tudo — tem suas razões políticas — para pressionar o governo brasileiro a evitar esse contato. Provavelmente, a intenção primordial da visita, dias antes, do educado e persuasivo presidente israelense, Shimon Peres, tenha sido a de tentar cancelar a recepção do iraniano. Não conseguiu — nisso o nosso governo acertou — porque se cedesse às pressões semelhantes estaria abrindo mão da própria soberania no que ela ainda tem de útil: o direito de manter contato com qualquer país, sem ter que pedir licença aos inimigos do visitante. Somente países totalmente indefesos e sem aliados fortes é que permitem, coagidos — temerosos de reprimendas comerciais estranguladoras, ou militares —, que outros países controlem seus contatos externos, mesmo a nível de simples conversações.
Deixemos de lado, no presente texto, uma análise do que seja, hoje, a melhor interpretação da sacrossanta “soberania”, que tanto pode ser útil, benéfica, quanto daninha à boa convivência internacional. E daninha até mesmo aos próprios países que dela fazem uso abusivo. Governantes irresponsáveis, amalucados, ou ignorantes, hipnotizados pela abstrata noção de que “tudo podem porque são soberanos” (imaginam-se “reis”) esquecem-se, inebriados por enganadora euforia, que suas asneiras geram conseqüências não apenas internas, tendo em vista a globalização. Isso, porém, ficará para outro artigo. O assunto, aqui, é a questão atômica, vista como problema global e não apenas relacionável com o Irã e a Coréia do Norte. Cedo ou tarde outros países sentir-se-ão tentados, como o Adão da Bíblia, a comer o fruto proibido do conhecimento nuclear para qualquer fim. Se o sentido da presente abordagem causar estranheza, ou mesmo repulsa, a culpa não é minha, mas da própria realidade mundial, que jamais deveria ser ignorada, como, aliás, toda e qualquer realidade.
O “perigo nuclear”, paradoxalmente, teve e ainda terá enorme utilidade para que nosso planeta avance, globalmente, em termos de segurança, justiça, eficiência. Sem ele e seus dois “aliados disfarçados” — poluição ambiental e irresponsabilidade de grandes bancos americanos — mais desanimador seria nosso futuro. Analogamente, o próprio veneno das cobras, na dose certa e cientificamente manipulado, salva vidas. E não só a daqueles por elas picados. “Afina o sangue”, dizem os cientistas. Enquanto George W. Bush não viu, algo intimidado, pela televisão, as inundações no sul de seu país e os telhados das casas voando pela força dos furacões, não se convenceu de que a natureza não engole desaforos.
Com a recente crise econômica mundial, desempregando milhões de trabalhadores, vários líderes — Gordon Brown, por exemplo — concluíram que grandes bancos não podem atuar irresponsavelmente, confiantes no futuro apoio governamental, inevitável para manter a confiança popular no sistema bancário. Isso porque a cobiça, em qualquer setor, só se preocupa com o presente, mas “alguém” — no caso o Estado (não necessariamente socialista) — tem que se preocupar com o futuro. O medo da bomba nuclear, somado aos medos do aquecimento global e da anarquia financeira — com desemprego e protecionismo — é que forçarão a humanidade a pensar seriamente em construir uma federação mundial, ou entidade equivalente, em que todas as nações se sintam, de fato, protegidas contra ambições de outros países. Isso, hoje, não existe. É cada um por si. Todas as nações se armam, da melhor maneira possível, porque não há um sistema que dê real segurança a todas elas. E a soma dessa desconfiança generalizada implica em trilhões de dólares. Riqueza desperdiçada, desviada de funções mais úteis.
As armas nucleares podem, pelo simples medo de sua utilização, impedir guerras convencionais duradouras e não menos mortíferas. Apesar do arsenal atômico mundial ser estimado em milhares de ogivas nucleares, somente duas bombas, até gora, foram detonadas em guerra: no Japão, em 1945. Outras bombas explodiram, mas em testes, sem vítimas. O medo, é um sentimento negativo e mesquinho, mas, no momento certo, poupa milhões de vidas. O Direito Penal, no mundo todo, sabe disso há séculos. Não dá conselhos, ameaça com punições. Idem o Código de Trânsito. Autoridades na área de saúde fazem suas campanhas contra o fumo acenando com o medo do câncer e do enfisema pulmonar.
Ao tempo “quentíssimo” da Guerra Fria, com Stalin ambicionando dominar a maior extensão possível da Europa, só não surgiu uma guerra entre União Soviética e EUA — tensão não faltou —, porque, se ela ocorresse não seria convencional. Ambos os lados sofreriam devastações capazes de calcinar e esterilizar seus próprios países. Não haveria vencedores. As guerras da Coréia, Vietnam e Camboja foram prolongadas porque os combatentes sabiam que armas nucleares não seriam utilizadas, tendo em vista a possibilidade do revide assustador. Os EUA não aceitaram a sugestão dos “falcões” de então, inclusive do Gen. Douglas MacArthur, favorável a utilização de algumas bombas atômicas no Vietnã. Não foi o medo de aviões, tanques de guerra, metralhadoras e baionetas que evitou uma Terceira Guerra Mundial. A antevisão do “cogumelo” é que forçou a mútua e indigesta tolerância. Medos “pequenos” não seguram nosso impulsos guerreiros. Somente medos “gigantes” acionam mecanismos de conveniente prudência.
Nas guerras convencionais, reis, presidentes e generais, bem como suas famílias, estão praticamente livres do perigo físico pessoal. Por isso a história da humanidade foi tão “rica” em guerras. Em guerras nucleares o medo é democratizado. Mesmo refugiados em abrigos, tais poderosos — que mandam os jovens brigar por eles —, serão envenenados pela radiação se saírem das tocas. E nelas não podem ficar indefinidamente. Daí a paradoxal utilidade, favorável à paz, da sensação de que “o outro” também tenha armamentos nucleares. Toda valentia tem limites.
Insistamos na demonstração da utilidade e mesmo necessidade do medo para que o homem seja, pelo menos, mais “cooperativo”.
O que explica, em parte, originalmente, a criação da mais poderosa nação do planeta, os EUA? O medo das treze colônias americanas de perderem a guerra da independência. Sozinhas, isoladas, tais colônias sabiam que não conseguiriam se libertar do domínio britânico. Unidas, talvez conseguissem, como ocorreu. Enfim, o medo da provável derrota levou as colônias a se unirem, embora, para isso abdicando de algumas prerrogativas da chamada soberania — na política externa, por exemplo – que teria que ser única. O fato inegável, na política internacional, é que somente o interesse e o medo forçam os países a se unirem e se comportarem de modo civilizado. E quanto mais unidas estiverem as nações, melhor o clima se segurança global. Quando se fala em “interesse”, isso subentende uma forma de medo, o receio de “perder” algo.
Como um parêntese, censura-se muito, até hoje, o então presidente americano, Harry S. Truman, na sua decisão de lançar duas bombas atômicas contra Hiroshima e Nagasaki, nos dias 6 e 9 de agosto de 1945. Ocorre que, se não houvesse a utilização de tais armas, extremamente mortíferas, o império japonês provavelmente continuaria lutando até o fim, porque eram os militares, não os civis, que então decidiam sobre a rendição ou continuação da guerra. Lançada a primeira bomba, em Hiroshima, o Japão não se rendeu. Não se convenceu de que a guerra estava perdida. Foi preciso uma segunda bomba, três dias depois, com a ameaça americana, pelo rádio, de que dispunha de outras armas iguais, o que — segundo afirmam historiadores — não era verdade.
Segundo a enciclopédia da internet, “Wikipédia”, no dia seguinte ao lançamento da bomba de Hiroshima, o presidente Truman avisou, pelo rádio, que poderia repetir o castigo esmagador aplicado no dia anterior. Qual a resposta do alto comando japonês? Disse que o aviso era “propaganda dos aliados”. Sobre isso, o então Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Stimson, explicou depois que “As bombas que lançamos eram as únicas de que dispúnhamos, e a velocidade de sua fabricação era muito lenta naquele tempo”.
O povo japonês sempre foi extremamente brioso e combativo — não foi ele que inventou o “kamikaze”? — e é mais do que provável que, não fosse o medo do lançamento de sucessivas bombas nucleares, os japoneses continuariam lutando por muitos meses, até mesmo, finalmente, em corpo-a-corpo, nas ruas do Japão, após bombardeios americanos devastadores que arrazariam as principais cidades. O patriotismo japonês daquela época não aceitaria a rendição a não ser afogado em sangue, próprio e americano. Mesmo hoje, os descendentes de samurais gozam, no país, de um alto prestígio social. Pelo que sei, até superior ao status dos grandes capitães da indústria. Lutadores brasileiros de “vale tudo”, morando no Japão, espantam-se, andando pelas ruas, com o prestígio de que desfrutam, só pelo fato de serem lutadores profissionais.
Inegavelmente, as armas atômicas são uma tragédia, mas sem elas as carnificinas teriam sido ainda maiores, com milhões morrendo, não em poucos minutos mas diariamente, em vários meses ou anos. Elas são úteis justamente pelo efeito de psicológico de “proibição de uso’. Que isso seja levado em conta quando se examina a posição da Coréia do Norte e do Irã, que sempre podem perguntar, partindo do pressuposto da igualdade de direito: “Por que só nós é que não temos o direito de não ter medo dos países que já dispõem de armas atômicas?” A Coréia do Norte já foi signatária do Tratado de Não Proliferação Nuclear, datado de 1.968. Acabou se retirando em 2.003, como permitia o próprio Tratado, desde que avisando sua intenção de afastamento com a antecedência de três meses. E, segundo o Tratado, basta alegar que sai tendo vista o “supremo interesse do país”, segundo o próprio critério e não o dos demais membros do Tratado. Esse Tratado não é considerado um modelo de precisão jurídica quanto aos direitos dos países que a ele aderem ou se retirem. Se a Coréia do Norte dele se retirou, regularmente, por que sofreu depois ameaças pelo fato de possuir armas nucleares? Israel nem mesmo assinou o Tratado, deixa subentendido que dispõe da bomba atômica e nunca foi incomodado por isso. Desigualdade de tratamento que muitos não conseguem entender se partirmos do pressuposto de que todos os países devem dispor dos mesmos direitos. É simples questão de coerência internacional, não de prevenção jurídica ou política contra tal ou qual Estado.
Segundo o mesmo Tratado, o Irã poderia também se retirar desse compromisso, escapando da pecha de descumpridor de um tratado, mas é previsível que, mesmo se retirando, continuaria sendo pressionado, como é próprio de nosso imperfeito sistema internacional que mais decide por conveniências políticas do que pelo Direito.
Ahmadinejad é destemperado no uso das palavras e esse é seu principal problema. Cometeu, anos atrás, dois grandes erros, dos quais deve ter se arrependido mas não tem coragem de voltar atrás, para não parecer “fraco”. A primeira insensatez foi negar globalmente — sem maiores explicações — o Holocausto. A segunda foi dizer que Israel — um país com cerca de sete ou oito milhões de habitantes — deveria ser “varrido do mapa”, algo inconcebível e impraticável. Com isso, tornou-se o pior inimigo involuntário de seu próprio país porque legitimou seu maior inimigo, Israel, a buscar simpatias da comunidade internacional e agir com grande agressividade contra palestinos.
Quanto ao Holocausto, se Ahmadinejad tivesse se limitado a colocar em dúvida o número de judeus realmente exterminados, sua opinião — embora acusada de “mesquinha” pelos israelenses —, teria sido bem menos repudiada. Seria uma dúvida tolerável, teórica, histórica, quantitativa, estatística, sujeita ao crivo daqueles historiadores mais preocupados com a exatidão, ou buscando notoriedade. Penso que a estranhável decisão do Parlamento Europeu, de “criminalizar a negação do holocausto”, não chegaria ao ponto de proibir um exame do assunto. Mesmo se, eventualmente, menor o número de vítimas, não seria descabido o uso de um termo forte, holocausto, para descrever um extermínio de grande proporção. Pelo menos centenas de milhares ou mesmo alguns milhões perderam suas vidas em tais perseguições.
Fosse Ahmadinejad melhor estrategista, ou astuto, ou pelo menos prudente, diria, hoje, frente aos microfones, o seguinte:
“Sempre fui contra a criação do Estado de Israel na Palestina, ocupada por quase vinte séculos por árabes palestinos, os quais não foram os autores da expulsão dos judeus. Esse “retorno”, conforme seu volume, implicaria, cedo ou tarde, em expulsão injusta das populações locais, como ocorreu. Reconheço hoje, porém, que Israel se tornou um fato consumado, histórico, político e geográfico que deve ser aceito desde que com compensações políticas e econômicas que façam justiça aos repelidos”.
“Essa — Justiça! — será, doravante, nossa luta política exterior, sem violência, presumindo que as grandes potências ajam com um mínimo de honestidade e espírito de equidade. Quando neguei o Holocausto referia-me à possível ocorrência de exagero quantitativo na sua avaliação, como mero tema de interesse histórico. Quanto à dúvida sobre nossa intenção de usar a energia nuclear, para fins pacíficos ou militares, nossa intenção é pacífica, mas temos também o direito de ter medo da agressividade de países vizinhos, ou distantes, afinados politicamente com nosso maior inimigo, o qual não esconde o fato de possuir bombas nucleares mas não admite inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica nas suas instalações. As obrigações teriam que ser iguais”.
“Finalmente, não aceitamos a recente proposta de enviar nosso combustível nuclear para ser tratado na Rússia, depois na França e finalmente devolvido ao Irã, porque não há garantias absolutas de que, ocorrendo tal envio, nosso urânio acabe retido em tais países, pelos motivos ou pretextos os mais variados. Isso ocorrendo, ficaríamos com mãos atadas, impedidos de dominar a técnica nuclear, necessária porque a riqueza do petróleo é finita e não dispomos de riqueza hidrográfica. Pelo que vimos até agora, a política dos estados não é confiável e a justiça internacional, apesar da boa intenção de seus juízes, ainda não tem estatutos capazes de tratar igualmente todas as nações e povos ainda sem o status de Estado. Se nossa “falha jurídica” é não cumprir o Tratado de Não Proliferação Nuclear, de 1968, será fácil para nós saná-la simplesmente dele nos retirando, como permite seu artigo X. Resta-nos, porém, o direito de tratamento igual de todas as nações, sem privilégios. Esta é nossa posição. Responda-nos o Conselho de Segurança”.
Fico imaginando qual seria a resposta do referido Conselho.
(30-11-09)
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Deixemos de lado, no presente texto, uma análise do que seja, hoje, a melhor interpretação da sacrossanta “soberania”, que tanto pode ser útil, benéfica, quanto daninha à boa convivência internacional. E daninha até mesmo aos próprios países que dela fazem uso abusivo. Governantes irresponsáveis, amalucados, ou ignorantes, hipnotizados pela abstrata noção de que “tudo podem porque são soberanos” (imaginam-se “reis”) esquecem-se, inebriados por enganadora euforia, que suas asneiras geram conseqüências não apenas internas, tendo em vista a globalização. Isso, porém, ficará para outro artigo. O assunto, aqui, é a questão atômica, vista como problema global e não apenas relacionável com o Irã e a Coréia do Norte. Cedo ou tarde outros países sentir-se-ão tentados, como o Adão da Bíblia, a comer o fruto proibido do conhecimento nuclear para qualquer fim. Se o sentido da presente abordagem causar estranheza, ou mesmo repulsa, a culpa não é minha, mas da própria realidade mundial, que jamais deveria ser ignorada, como, aliás, toda e qualquer realidade.
O “perigo nuclear”, paradoxalmente, teve e ainda terá enorme utilidade para que nosso planeta avance, globalmente, em termos de segurança, justiça, eficiência. Sem ele e seus dois “aliados disfarçados” — poluição ambiental e irresponsabilidade de grandes bancos americanos — mais desanimador seria nosso futuro. Analogamente, o próprio veneno das cobras, na dose certa e cientificamente manipulado, salva vidas. E não só a daqueles por elas picados. “Afina o sangue”, dizem os cientistas. Enquanto George W. Bush não viu, algo intimidado, pela televisão, as inundações no sul de seu país e os telhados das casas voando pela força dos furacões, não se convenceu de que a natureza não engole desaforos.
Com a recente crise econômica mundial, desempregando milhões de trabalhadores, vários líderes — Gordon Brown, por exemplo — concluíram que grandes bancos não podem atuar irresponsavelmente, confiantes no futuro apoio governamental, inevitável para manter a confiança popular no sistema bancário. Isso porque a cobiça, em qualquer setor, só se preocupa com o presente, mas “alguém” — no caso o Estado (não necessariamente socialista) — tem que se preocupar com o futuro. O medo da bomba nuclear, somado aos medos do aquecimento global e da anarquia financeira — com desemprego e protecionismo — é que forçarão a humanidade a pensar seriamente em construir uma federação mundial, ou entidade equivalente, em que todas as nações se sintam, de fato, protegidas contra ambições de outros países. Isso, hoje, não existe. É cada um por si. Todas as nações se armam, da melhor maneira possível, porque não há um sistema que dê real segurança a todas elas. E a soma dessa desconfiança generalizada implica em trilhões de dólares. Riqueza desperdiçada, desviada de funções mais úteis.
As armas nucleares podem, pelo simples medo de sua utilização, impedir guerras convencionais duradouras e não menos mortíferas. Apesar do arsenal atômico mundial ser estimado em milhares de ogivas nucleares, somente duas bombas, até gora, foram detonadas em guerra: no Japão, em 1945. Outras bombas explodiram, mas em testes, sem vítimas. O medo, é um sentimento negativo e mesquinho, mas, no momento certo, poupa milhões de vidas. O Direito Penal, no mundo todo, sabe disso há séculos. Não dá conselhos, ameaça com punições. Idem o Código de Trânsito. Autoridades na área de saúde fazem suas campanhas contra o fumo acenando com o medo do câncer e do enfisema pulmonar.
Ao tempo “quentíssimo” da Guerra Fria, com Stalin ambicionando dominar a maior extensão possível da Europa, só não surgiu uma guerra entre União Soviética e EUA — tensão não faltou —, porque, se ela ocorresse não seria convencional. Ambos os lados sofreriam devastações capazes de calcinar e esterilizar seus próprios países. Não haveria vencedores. As guerras da Coréia, Vietnam e Camboja foram prolongadas porque os combatentes sabiam que armas nucleares não seriam utilizadas, tendo em vista a possibilidade do revide assustador. Os EUA não aceitaram a sugestão dos “falcões” de então, inclusive do Gen. Douglas MacArthur, favorável a utilização de algumas bombas atômicas no Vietnã. Não foi o medo de aviões, tanques de guerra, metralhadoras e baionetas que evitou uma Terceira Guerra Mundial. A antevisão do “cogumelo” é que forçou a mútua e indigesta tolerância. Medos “pequenos” não seguram nosso impulsos guerreiros. Somente medos “gigantes” acionam mecanismos de conveniente prudência.
Nas guerras convencionais, reis, presidentes e generais, bem como suas famílias, estão praticamente livres do perigo físico pessoal. Por isso a história da humanidade foi tão “rica” em guerras. Em guerras nucleares o medo é democratizado. Mesmo refugiados em abrigos, tais poderosos — que mandam os jovens brigar por eles —, serão envenenados pela radiação se saírem das tocas. E nelas não podem ficar indefinidamente. Daí a paradoxal utilidade, favorável à paz, da sensação de que “o outro” também tenha armamentos nucleares. Toda valentia tem limites.
Insistamos na demonstração da utilidade e mesmo necessidade do medo para que o homem seja, pelo menos, mais “cooperativo”.
O que explica, em parte, originalmente, a criação da mais poderosa nação do planeta, os EUA? O medo das treze colônias americanas de perderem a guerra da independência. Sozinhas, isoladas, tais colônias sabiam que não conseguiriam se libertar do domínio britânico. Unidas, talvez conseguissem, como ocorreu. Enfim, o medo da provável derrota levou as colônias a se unirem, embora, para isso abdicando de algumas prerrogativas da chamada soberania — na política externa, por exemplo – que teria que ser única. O fato inegável, na política internacional, é que somente o interesse e o medo forçam os países a se unirem e se comportarem de modo civilizado. E quanto mais unidas estiverem as nações, melhor o clima se segurança global. Quando se fala em “interesse”, isso subentende uma forma de medo, o receio de “perder” algo.
Como um parêntese, censura-se muito, até hoje, o então presidente americano, Harry S. Truman, na sua decisão de lançar duas bombas atômicas contra Hiroshima e Nagasaki, nos dias 6 e 9 de agosto de 1945. Ocorre que, se não houvesse a utilização de tais armas, extremamente mortíferas, o império japonês provavelmente continuaria lutando até o fim, porque eram os militares, não os civis, que então decidiam sobre a rendição ou continuação da guerra. Lançada a primeira bomba, em Hiroshima, o Japão não se rendeu. Não se convenceu de que a guerra estava perdida. Foi preciso uma segunda bomba, três dias depois, com a ameaça americana, pelo rádio, de que dispunha de outras armas iguais, o que — segundo afirmam historiadores — não era verdade.
Segundo a enciclopédia da internet, “Wikipédia”, no dia seguinte ao lançamento da bomba de Hiroshima, o presidente Truman avisou, pelo rádio, que poderia repetir o castigo esmagador aplicado no dia anterior. Qual a resposta do alto comando japonês? Disse que o aviso era “propaganda dos aliados”. Sobre isso, o então Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Stimson, explicou depois que “As bombas que lançamos eram as únicas de que dispúnhamos, e a velocidade de sua fabricação era muito lenta naquele tempo”.
O povo japonês sempre foi extremamente brioso e combativo — não foi ele que inventou o “kamikaze”? — e é mais do que provável que, não fosse o medo do lançamento de sucessivas bombas nucleares, os japoneses continuariam lutando por muitos meses, até mesmo, finalmente, em corpo-a-corpo, nas ruas do Japão, após bombardeios americanos devastadores que arrazariam as principais cidades. O patriotismo japonês daquela época não aceitaria a rendição a não ser afogado em sangue, próprio e americano. Mesmo hoje, os descendentes de samurais gozam, no país, de um alto prestígio social. Pelo que sei, até superior ao status dos grandes capitães da indústria. Lutadores brasileiros de “vale tudo”, morando no Japão, espantam-se, andando pelas ruas, com o prestígio de que desfrutam, só pelo fato de serem lutadores profissionais.
Inegavelmente, as armas atômicas são uma tragédia, mas sem elas as carnificinas teriam sido ainda maiores, com milhões morrendo, não em poucos minutos mas diariamente, em vários meses ou anos. Elas são úteis justamente pelo efeito de psicológico de “proibição de uso’. Que isso seja levado em conta quando se examina a posição da Coréia do Norte e do Irã, que sempre podem perguntar, partindo do pressuposto da igualdade de direito: “Por que só nós é que não temos o direito de não ter medo dos países que já dispõem de armas atômicas?” A Coréia do Norte já foi signatária do Tratado de Não Proliferação Nuclear, datado de 1.968. Acabou se retirando em 2.003, como permitia o próprio Tratado, desde que avisando sua intenção de afastamento com a antecedência de três meses. E, segundo o Tratado, basta alegar que sai tendo vista o “supremo interesse do país”, segundo o próprio critério e não o dos demais membros do Tratado. Esse Tratado não é considerado um modelo de precisão jurídica quanto aos direitos dos países que a ele aderem ou se retirem. Se a Coréia do Norte dele se retirou, regularmente, por que sofreu depois ameaças pelo fato de possuir armas nucleares? Israel nem mesmo assinou o Tratado, deixa subentendido que dispõe da bomba atômica e nunca foi incomodado por isso. Desigualdade de tratamento que muitos não conseguem entender se partirmos do pressuposto de que todos os países devem dispor dos mesmos direitos. É simples questão de coerência internacional, não de prevenção jurídica ou política contra tal ou qual Estado.
Segundo o mesmo Tratado, o Irã poderia também se retirar desse compromisso, escapando da pecha de descumpridor de um tratado, mas é previsível que, mesmo se retirando, continuaria sendo pressionado, como é próprio de nosso imperfeito sistema internacional que mais decide por conveniências políticas do que pelo Direito.
Ahmadinejad é destemperado no uso das palavras e esse é seu principal problema. Cometeu, anos atrás, dois grandes erros, dos quais deve ter se arrependido mas não tem coragem de voltar atrás, para não parecer “fraco”. A primeira insensatez foi negar globalmente — sem maiores explicações — o Holocausto. A segunda foi dizer que Israel — um país com cerca de sete ou oito milhões de habitantes — deveria ser “varrido do mapa”, algo inconcebível e impraticável. Com isso, tornou-se o pior inimigo involuntário de seu próprio país porque legitimou seu maior inimigo, Israel, a buscar simpatias da comunidade internacional e agir com grande agressividade contra palestinos.
Quanto ao Holocausto, se Ahmadinejad tivesse se limitado a colocar em dúvida o número de judeus realmente exterminados, sua opinião — embora acusada de “mesquinha” pelos israelenses —, teria sido bem menos repudiada. Seria uma dúvida tolerável, teórica, histórica, quantitativa, estatística, sujeita ao crivo daqueles historiadores mais preocupados com a exatidão, ou buscando notoriedade. Penso que a estranhável decisão do Parlamento Europeu, de “criminalizar a negação do holocausto”, não chegaria ao ponto de proibir um exame do assunto. Mesmo se, eventualmente, menor o número de vítimas, não seria descabido o uso de um termo forte, holocausto, para descrever um extermínio de grande proporção. Pelo menos centenas de milhares ou mesmo alguns milhões perderam suas vidas em tais perseguições.
Fosse Ahmadinejad melhor estrategista, ou astuto, ou pelo menos prudente, diria, hoje, frente aos microfones, o seguinte:
“Sempre fui contra a criação do Estado de Israel na Palestina, ocupada por quase vinte séculos por árabes palestinos, os quais não foram os autores da expulsão dos judeus. Esse “retorno”, conforme seu volume, implicaria, cedo ou tarde, em expulsão injusta das populações locais, como ocorreu. Reconheço hoje, porém, que Israel se tornou um fato consumado, histórico, político e geográfico que deve ser aceito desde que com compensações políticas e econômicas que façam justiça aos repelidos”.
“Essa — Justiça! — será, doravante, nossa luta política exterior, sem violência, presumindo que as grandes potências ajam com um mínimo de honestidade e espírito de equidade. Quando neguei o Holocausto referia-me à possível ocorrência de exagero quantitativo na sua avaliação, como mero tema de interesse histórico. Quanto à dúvida sobre nossa intenção de usar a energia nuclear, para fins pacíficos ou militares, nossa intenção é pacífica, mas temos também o direito de ter medo da agressividade de países vizinhos, ou distantes, afinados politicamente com nosso maior inimigo, o qual não esconde o fato de possuir bombas nucleares mas não admite inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica nas suas instalações. As obrigações teriam que ser iguais”.
“Finalmente, não aceitamos a recente proposta de enviar nosso combustível nuclear para ser tratado na Rússia, depois na França e finalmente devolvido ao Irã, porque não há garantias absolutas de que, ocorrendo tal envio, nosso urânio acabe retido em tais países, pelos motivos ou pretextos os mais variados. Isso ocorrendo, ficaríamos com mãos atadas, impedidos de dominar a técnica nuclear, necessária porque a riqueza do petróleo é finita e não dispomos de riqueza hidrográfica. Pelo que vimos até agora, a política dos estados não é confiável e a justiça internacional, apesar da boa intenção de seus juízes, ainda não tem estatutos capazes de tratar igualmente todas as nações e povos ainda sem o status de Estado. Se nossa “falha jurídica” é não cumprir o Tratado de Não Proliferação Nuclear, de 1968, será fácil para nós saná-la simplesmente dele nos retirando, como permite seu artigo X. Resta-nos, porém, o direito de tratamento igual de todas as nações, sem privilégios. Esta é nossa posição. Responda-nos o Conselho de Segurança”.
Fico imaginando qual seria a resposta do referido Conselho.
(30-11-09)
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domingo, 22 de novembro de 2009
Caso Battisti: entendendo melhor a decisão
Como a vasta maioria daqueles brasileiros favoráveis à extradição do ex-ativista italiano — porque, afinal, ele foi regularmente julgado e condenado por quatro homicídios no seu país, entrando no Brasil usando passaporte falsificado — tive também a impressão inicial de que não teria sentido prático nem jurídico o STF deixar “nas mãos” do Presidente da República — algo assim como “decida conforme seu capricho” — a decisão de entregar, ou não, ao governo italiano, o foragido. “Foragido” — não se estranhe o termo —, porque assim deve ser juridicamente considerado o italiano após o STF decidir que seu “status de refugiado político”, concedido pelo Ministro da Justiça, foi considerado ilegal.
Perguntei-me, como muitos, decepcionados com essa parte aparentemente ilógica da decisão do STF: — “Por que não atender de imediato o pedido da Itália, determinando, simplesmente, a entrega do foragido ao seu país, onde foi julgado e condenado? Se era para deixar nas mãos do Presidente Lula decidir o que bem entendesse, como um rei nos tempos do absolutismo monárquico, por que pedir um trabalhoso pronunciamento do STF? Mera curiosidade de ouvir “um palpite jurídico” que poderia desconsiderar?
Lendo, porém, hoje (21-11-09), no jornal “O Estado de S. Paulo”, pag.06, uma entrevista concedida pelo Min. Carlos Ayres Britto à jornalista Mariângela Gallucci, convenci-me de que o voto do digno e corajoso ministro — deixando ao Presidente da República a missão de “entregar” o foragido à Justiça italiana — tem forte fundamentação teórica. Isso porque, no campo do Direito Internacional ainda não foi modificado o equivocado, atrasado e por vezes exagerado conceito de soberania. Como, ainda hoje, “em cada país só manda o próprio governo”, o qual, em tese, “pode” — mas não deve — dar abrigo até mesmo aos maiores facínoras — não é realmente o caso do ativista italiano —, somente ao Presidente da República cabe dar efetividade à decisão do STF. E a decisão desta corte foi, estritamente, de considerar regular o pedido de extradição e ilegal a concessão do refúgio.
Como bem salientou o digno Min. Carlos Britto, o dilema estritamente jurídico, não político, foi encaminhado ao STF para análise da decisão proferida pelo Ministro da Justiça. E por maioria — estreita ou não, isso é juridicamente indiferente —, ficou decidido que, conforme nossa legislação, o foragido não poderia ser considerado estritamente uma vítima de perseguição política. Além disso, seu crime não está prescrito; Battisti não é brasileiro (um absurdo privilégio concedido aos nacionais, ainda consagrado em lei), e os crimes pelos quais foi condenado na Itália são também considerados crimes no Brasil. Tudo tecnicamente considerado, Cesare Battisti poderia ser extraditado. Isto é, o Presidente Lula não cometeria uma ilegalidade — violando o Direito brasileiro — se concedesse a extradição pedida pelo governo italiano. Frisou também, o referido Ministro, que o STF não foi acionado pelo governo italiano, que não é “parte” no processo. Pode ser interessado, mas não tecnicamente “parte’.
No fundo, essencialmente, não obstante a aparência de menor prestígio, o STF funciona, sim, nesses casos, como um órgão de consulta. Repita-se: consulta jurídica, não política. O Presidente da República como que faz duas perguntas ao Supremo: “O pedido de extradição de tal país tal está regular e o status de refugiado foi concedido corretamente?” E a resposta do Tribunal foi: “O pedido de extradição está correto e a situação de refugiado está errada. Nada impede a extradição. O foragido pode ser extraditado”. Mas não lhe cabia ignorar a existência do conceito de soberania de cada nação. Uma tecnicidade, realmente, mas que corresponde a este mundo ainda imperfeito que habitamos. Espera-se que nas próximas décadas isso melhore, porque é o cúmulo permitir a qualquer governante abusar de seu poder, invocando a “santa soberania” negando a entrega de presumidos criminosos a países democráticos.
Em suma, o Min. Carlos Ayres Britto não está equivocado ou contraditório em seu voto, não obstante a primeira impressão que causou em muitos, desatentos às normas internacionais.
O fato, porém, de, em certos casos, a soberania “autorizar” que “em cada país só manda o próprio governo”, isso não dispensa o Presidente do Brasil de agir como um estadista zeloso da sua reputação pessoal e do bom nome do país que governa. Seria o cúmulo da desmoralização internacional se o Brasil descumprisse o tratado de extradição firmado com a Itália, transformando um foragido da justiça — assim tecnicamente julgado na mais alta instância judiciária brasileira — em mero “protegido do rei, doa a quem doer!”. A se emprestar um valor absoluto à vontade de qualquer chefe de estado este poderia, em tese, escudado na “soberania”, abrigar criminosos condenados e da mais alta periculosidade — não é o caso, hoje, de Battisti —, assassinos seriais de crianças e chefes do tráfico internacional, porque os países interessados nesses marginais não teriam como, pela força, “arrancar” tais meliantes do território brasileiro.
Se o digno Presidente Lula desprezar as leis do próprio país, reguladoras do “status de refugiado”, cedendo a impulsos de simpatia para com o foragido — que é realmente, hoje, um escritor simpático, diferente do tempo em que, presumivelmente, matava ou mandava matar desafetos políticos — por que deveriam os demais países confiar na seriedade de nosso país? Pensarão, em casos semelhantes: “O Brasil é atrasado e imprevisível... Não percamos tempo estudando a legislação local nem os tratados assinados por esse país. Tudo depende da veneta de quem o preside”. Só restaria, nesses caso, à opinião pública nacional, mais esclarecida, a possibilidade de um impeachment para tirar do poder um presidente movido a caprichos, completamente alheio à sua própria legislação.
Não há porque o Presidente se preocupar com suposto desprestígio do Min. da Justiça, caso determine a extradição. Ontem, na internet, assisti uma entrevista, talvez de dias anteriores, do Ministro Tarso Genro e fiquei bem impressionado com sua habilidade verbal e inteligência, respondendo ao entrevistador sobre o caso Cesare Battisti. Sua fala foi cautelosa e muito persuasiva. A meu ver, se Battisti for extraditado, esse fato não abalará sua reputação como conhecedor do Direito. Era sua opinião pessoal, que foi externada com personalidade. Tem a seu favor a opinião coincidente de quatro ministros do STF e de muitos juristas brasileiros que concordam com sua posição. Só que agora, findo o julgamento, já há uma palavra oficial do Judiciário.
Minha opinião pessoal, obviamente irrelevante, é a de que referido Ministro foi bastante influenciado pela identificação ideológica com o ex-ativista italiano. Presumo que se o foragido fosse um ex-extremista italiano de direita, condenado pela morte de alguns esquerdistas no país dele, o Ministro da Justiça negaria seu pedido. Mas isso não é supreendente. É dificílimo a qualquer homem — com ou sem toga — livrar-se de suas convicções políticas mais profundas. Se fosse realizada uma sondagem de opinião pública com uma primeira pergunta indagando se o entrevistado é, de modo geral, “de direita” ou “de esquerda” e, no fim do questionário fosse perguntado, meio de surpresa, se era a favor ou contra a extradição de Cesare Battisti, podem contar que haveria uma clara prova de que a opinião sobre a extradição coincidiria, quase sempre, com as tendências políticas do entrevistado.
O Min. da Justiça não ficará desprestigiado com a extradição do italiano, assim como os Ministros do STF que foram minoritários no julgamento não ficaram “desprestigiados”. Tais discordâncias fazem parte de toda decisão humana, pública ou privada. O governo brasileiro, porém, ficará com péssima imagem no cenário jurídico internacional se descumprir um tratado internacional e a própria legislação interna, movido por simpatias pessoais de esquerda ou de direita. E não haverá “sal” que cure tão cedo essa ferida, apesar do entusiasmo do “Pré-Sal”. O Presidente Lula deverá, no caso, agir como estadista, e não como mero simpatizante de uma tendência política. Quase posso apostar nesse sentido, mera intuição, favorável ao presidente.
Se, comparativamente, especulando-se, um brasileiro matasse, por vingança, alguns ministros de estado brasileiros, ou um parente do nosso presidente, e voasse para a Itália, pedindo lá a condição de refugiado político, e o governo italiano concedesse esse status ao brasileiro — violando a legislação italiana e um tratado com o Brasil —, qual seria a reação do governo brasileiro?
Li, em jornal, que o Presidente poderia sair pela tangente, “anistiando” o foragido. A decisão seria anômala porque só pode anistiar um réu o país que o condenou, no caso a Itália. Alegar medo de que o extraditado será assassinado também será visto como desculpa esfarrapada pela comunidade internacional. A Itália não é uma Uganda, ao tempo Idi Amin Dada; nem um Iraque, ao tempo de Saddam Hussein. E certamente não faltarão advogados e grupos políticos de esquerda, na Itália, que estudarão meios legais de melhorar a sorte de Cesare Battisti. Penalistas italianos “brigarão” para pegar um caso que promoveria qualquer profissional. Se a Itália, recebido o foragido, torturasse essa figura hoje tão conhecida internacionalmente, seria a desmoralização daquele país. Só faltava essa para enterrar, politicamente, o Primeiro-Ministro italiano, um homem polêmico mas certamente não burro.
Tentaram, voluntária ou involuntariamente, colocar nas mãos do presidente brasileiro, uma bomba de difícil manuseio. Mas, com um pouco de reflexão, S. Exa. perceberá que, simpatias à parte, o melhor para a reputação, sua e do país, é agir como estadista pelo menos “normal” e seguir as normas internacionais e locais. Quem sabe, extraditado, Battisti conseguirá, no seu próprio país — com novo governo, mais de esquerda —, melhorar sua situação jurídica via anistia ou conseguindo um novo julgamento. Há um velho ditado de que Lula precisa se lembrar: “Devemos ajudar o próximo a retirar dos ombros o pesado fardo, mas não é necessário colocá-lo nas próprias costas”.
(21-11-09)
Perguntei-me, como muitos, decepcionados com essa parte aparentemente ilógica da decisão do STF: — “Por que não atender de imediato o pedido da Itália, determinando, simplesmente, a entrega do foragido ao seu país, onde foi julgado e condenado? Se era para deixar nas mãos do Presidente Lula decidir o que bem entendesse, como um rei nos tempos do absolutismo monárquico, por que pedir um trabalhoso pronunciamento do STF? Mera curiosidade de ouvir “um palpite jurídico” que poderia desconsiderar?
Lendo, porém, hoje (21-11-09), no jornal “O Estado de S. Paulo”, pag.06, uma entrevista concedida pelo Min. Carlos Ayres Britto à jornalista Mariângela Gallucci, convenci-me de que o voto do digno e corajoso ministro — deixando ao Presidente da República a missão de “entregar” o foragido à Justiça italiana — tem forte fundamentação teórica. Isso porque, no campo do Direito Internacional ainda não foi modificado o equivocado, atrasado e por vezes exagerado conceito de soberania. Como, ainda hoje, “em cada país só manda o próprio governo”, o qual, em tese, “pode” — mas não deve — dar abrigo até mesmo aos maiores facínoras — não é realmente o caso do ativista italiano —, somente ao Presidente da República cabe dar efetividade à decisão do STF. E a decisão desta corte foi, estritamente, de considerar regular o pedido de extradição e ilegal a concessão do refúgio.
Como bem salientou o digno Min. Carlos Britto, o dilema estritamente jurídico, não político, foi encaminhado ao STF para análise da decisão proferida pelo Ministro da Justiça. E por maioria — estreita ou não, isso é juridicamente indiferente —, ficou decidido que, conforme nossa legislação, o foragido não poderia ser considerado estritamente uma vítima de perseguição política. Além disso, seu crime não está prescrito; Battisti não é brasileiro (um absurdo privilégio concedido aos nacionais, ainda consagrado em lei), e os crimes pelos quais foi condenado na Itália são também considerados crimes no Brasil. Tudo tecnicamente considerado, Cesare Battisti poderia ser extraditado. Isto é, o Presidente Lula não cometeria uma ilegalidade — violando o Direito brasileiro — se concedesse a extradição pedida pelo governo italiano. Frisou também, o referido Ministro, que o STF não foi acionado pelo governo italiano, que não é “parte” no processo. Pode ser interessado, mas não tecnicamente “parte’.
No fundo, essencialmente, não obstante a aparência de menor prestígio, o STF funciona, sim, nesses casos, como um órgão de consulta. Repita-se: consulta jurídica, não política. O Presidente da República como que faz duas perguntas ao Supremo: “O pedido de extradição de tal país tal está regular e o status de refugiado foi concedido corretamente?” E a resposta do Tribunal foi: “O pedido de extradição está correto e a situação de refugiado está errada. Nada impede a extradição. O foragido pode ser extraditado”. Mas não lhe cabia ignorar a existência do conceito de soberania de cada nação. Uma tecnicidade, realmente, mas que corresponde a este mundo ainda imperfeito que habitamos. Espera-se que nas próximas décadas isso melhore, porque é o cúmulo permitir a qualquer governante abusar de seu poder, invocando a “santa soberania” negando a entrega de presumidos criminosos a países democráticos.
Em suma, o Min. Carlos Ayres Britto não está equivocado ou contraditório em seu voto, não obstante a primeira impressão que causou em muitos, desatentos às normas internacionais.
O fato, porém, de, em certos casos, a soberania “autorizar” que “em cada país só manda o próprio governo”, isso não dispensa o Presidente do Brasil de agir como um estadista zeloso da sua reputação pessoal e do bom nome do país que governa. Seria o cúmulo da desmoralização internacional se o Brasil descumprisse o tratado de extradição firmado com a Itália, transformando um foragido da justiça — assim tecnicamente julgado na mais alta instância judiciária brasileira — em mero “protegido do rei, doa a quem doer!”. A se emprestar um valor absoluto à vontade de qualquer chefe de estado este poderia, em tese, escudado na “soberania”, abrigar criminosos condenados e da mais alta periculosidade — não é o caso, hoje, de Battisti —, assassinos seriais de crianças e chefes do tráfico internacional, porque os países interessados nesses marginais não teriam como, pela força, “arrancar” tais meliantes do território brasileiro.
Se o digno Presidente Lula desprezar as leis do próprio país, reguladoras do “status de refugiado”, cedendo a impulsos de simpatia para com o foragido — que é realmente, hoje, um escritor simpático, diferente do tempo em que, presumivelmente, matava ou mandava matar desafetos políticos — por que deveriam os demais países confiar na seriedade de nosso país? Pensarão, em casos semelhantes: “O Brasil é atrasado e imprevisível... Não percamos tempo estudando a legislação local nem os tratados assinados por esse país. Tudo depende da veneta de quem o preside”. Só restaria, nesses caso, à opinião pública nacional, mais esclarecida, a possibilidade de um impeachment para tirar do poder um presidente movido a caprichos, completamente alheio à sua própria legislação.
Não há porque o Presidente se preocupar com suposto desprestígio do Min. da Justiça, caso determine a extradição. Ontem, na internet, assisti uma entrevista, talvez de dias anteriores, do Ministro Tarso Genro e fiquei bem impressionado com sua habilidade verbal e inteligência, respondendo ao entrevistador sobre o caso Cesare Battisti. Sua fala foi cautelosa e muito persuasiva. A meu ver, se Battisti for extraditado, esse fato não abalará sua reputação como conhecedor do Direito. Era sua opinião pessoal, que foi externada com personalidade. Tem a seu favor a opinião coincidente de quatro ministros do STF e de muitos juristas brasileiros que concordam com sua posição. Só que agora, findo o julgamento, já há uma palavra oficial do Judiciário.
Minha opinião pessoal, obviamente irrelevante, é a de que referido Ministro foi bastante influenciado pela identificação ideológica com o ex-ativista italiano. Presumo que se o foragido fosse um ex-extremista italiano de direita, condenado pela morte de alguns esquerdistas no país dele, o Ministro da Justiça negaria seu pedido. Mas isso não é supreendente. É dificílimo a qualquer homem — com ou sem toga — livrar-se de suas convicções políticas mais profundas. Se fosse realizada uma sondagem de opinião pública com uma primeira pergunta indagando se o entrevistado é, de modo geral, “de direita” ou “de esquerda” e, no fim do questionário fosse perguntado, meio de surpresa, se era a favor ou contra a extradição de Cesare Battisti, podem contar que haveria uma clara prova de que a opinião sobre a extradição coincidiria, quase sempre, com as tendências políticas do entrevistado.
O Min. da Justiça não ficará desprestigiado com a extradição do italiano, assim como os Ministros do STF que foram minoritários no julgamento não ficaram “desprestigiados”. Tais discordâncias fazem parte de toda decisão humana, pública ou privada. O governo brasileiro, porém, ficará com péssima imagem no cenário jurídico internacional se descumprir um tratado internacional e a própria legislação interna, movido por simpatias pessoais de esquerda ou de direita. E não haverá “sal” que cure tão cedo essa ferida, apesar do entusiasmo do “Pré-Sal”. O Presidente Lula deverá, no caso, agir como estadista, e não como mero simpatizante de uma tendência política. Quase posso apostar nesse sentido, mera intuição, favorável ao presidente.
Se, comparativamente, especulando-se, um brasileiro matasse, por vingança, alguns ministros de estado brasileiros, ou um parente do nosso presidente, e voasse para a Itália, pedindo lá a condição de refugiado político, e o governo italiano concedesse esse status ao brasileiro — violando a legislação italiana e um tratado com o Brasil —, qual seria a reação do governo brasileiro?
Li, em jornal, que o Presidente poderia sair pela tangente, “anistiando” o foragido. A decisão seria anômala porque só pode anistiar um réu o país que o condenou, no caso a Itália. Alegar medo de que o extraditado será assassinado também será visto como desculpa esfarrapada pela comunidade internacional. A Itália não é uma Uganda, ao tempo Idi Amin Dada; nem um Iraque, ao tempo de Saddam Hussein. E certamente não faltarão advogados e grupos políticos de esquerda, na Itália, que estudarão meios legais de melhorar a sorte de Cesare Battisti. Penalistas italianos “brigarão” para pegar um caso que promoveria qualquer profissional. Se a Itália, recebido o foragido, torturasse essa figura hoje tão conhecida internacionalmente, seria a desmoralização daquele país. Só faltava essa para enterrar, politicamente, o Primeiro-Ministro italiano, um homem polêmico mas certamente não burro.
Tentaram, voluntária ou involuntariamente, colocar nas mãos do presidente brasileiro, uma bomba de difícil manuseio. Mas, com um pouco de reflexão, S. Exa. perceberá que, simpatias à parte, o melhor para a reputação, sua e do país, é agir como estadista pelo menos “normal” e seguir as normas internacionais e locais. Quem sabe, extraditado, Battisti conseguirá, no seu próprio país — com novo governo, mais de esquerda —, melhorar sua situação jurídica via anistia ou conseguindo um novo julgamento. Há um velho ditado de que Lula precisa se lembrar: “Devemos ajudar o próximo a retirar dos ombros o pesado fardo, mas não é necessário colocá-lo nas próprias costas”.
(21-11-09)
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
“Os próximos 100 anos”, de George Friedman”.
Depois de, digamos, “certa idade” passei a ver o mundo de uma forma bem diferente. Diria “exageradamente redutora”. Mesmo gozando de boa saúde, pelo menos nos encanamentos arteriais, penso que a proximidade do fim — “vira essa boca prá lá!” — desperta uma automática e involuntária tendência de ver as coisas de forma mais sintética e impaciente. Queremos conhecer — logo! — não só a conclusão mas também o que, verdadeiramente, está por detrás e em torno dela. Em tudo: conversas, relações sentimentais, comerciais, exposições teóricas, vendo um filme, lendo um livro, etc. Daí a impaciência dos velhos. O “idoso” — “eu não!” — sente que não mais tem o direito de perder tempo. O abismo não está longe e o espia com olhar condoído ou velhaco, esfregando as mãos. Como se a natureza, sabendo que o condenado não vai ficar muito tempo usando o oxigênio dos mais jovens, sentisse pena dele, acelerando a manipulação dos seus pensamentos. Preocupamo-nos muito mais com os filhos, netos e com aquelas pessoas de nosso relacionamento que nos parecem economicamente mais indefesas. De certa forma, considerando a origem biológica comum, monocelular, de todos os seres vivos, tais pessoas , e até os animais, são também nossos “parentes distantes”. “O que acontecerá com eles, depois que eu me for?”
Essa preocupação também se estende aos rumos da humanidade, ao que nos reserva um futuro não excessivamente distante. “Os próximos 100 anos” é um prazo interessante. Dá para tolerar. Já “milênios” é algo distante demais, sendo o impensável o mais provável. Daí a motivação para adquirir o livro de George Friedman, que acabei comprando em inglês porque não sabia que já havia tradução para o português. Mas acabei comprando, dias depois, a tradução porque, tendo prometido ao dinâmico site de relações internacionais — www.mundoRI.com — que faria uma avaliação da obra, pensei que lendo a tradução minha tarefa seria mais rápida e prazerosa. Engano, não foi; e não por motivo de língua. A substância do livro é que é de difícil digestão, embora se trate de um prato bem colorido, com intenções intelectualmente requintadas.
O conteúdo me provocou dor de cabeça, achaque que provavelmente acometerá todo leitor mais crítico, que não “engole” facilmente as coisas, mesmo revestidas de autoridade, como é o caso do autor, altamente conceituado nos EUA como conhecedor do futuro próximo. Cem anos, porém, foi um tiro superior ao alcance seu canhão mental, por mais bem informado que seja o autor, como de fato é. A credibilidade das suas profecias é praticamente nenhuma.
Livros proféticos nunca me provocaram respeito. Nostradamos sempre me pareceu um esperto aproveitador da credulidade humana. Não há dúvida de que era inteligente e culto. Tinha o coração fraco e precisava cuidar da família. Daí a necessidade de uma fonte de renda: suas abundantes profecias. Todo ano — à maneira do cantor Roberto Carlos, com seu álbum de canções —, ele lançava um almanaque vazado em linguajar algo hermético, possibilitando interpretações ao gosto do freguês. Sempre dá para “encaixar” qualquer desgraça do momento, ou do passado, em uma das inúmeras “Profecia de Nostradamus”. Quem aprecia horóscopos, astrologia, pedra filosofal, alquimia, data do fim do mundo, desdobramento, levitação e coisas do genro só pode prestigiar o mais famoso profeta, que tinha, porém, algumas qualidades. Por exemplo, empenhou-se, diversas vezes, com risco pessoal, nas lutas contra a Peste Negra, que ceifava vidas aos milhares, incluindo sua primeira mulher e dois filhos. Ele também se opunha firmemente ao uso se sangrias (isso por volta de meados do Século XVI). Os médicos da época eram apenas ligeiramente menos ignorantes que a grande massa de analfabetos. Sabiam Latim. Como nada conheciam de Medicina, verdadeiramente — não por culpa deles —, mas precisavam “mostrar serviço”, sangravam o paciente, enfraquecendo-o ainda mais. A chance de sobreviver era maior quando o paciente fugia dos médicos.
As profecias de George Friedman, no livro em referência, não padecem das obscuridades de seu famoso maior predecessor. Pelo contrário, até exageram nos detalhes. Por exemplo, leiam este tópico, entre dezenas que sublinhei: “O que procurei mostrar nos capítulos anteriores é como os Estados Unidos, a Polônia, a Turquia e o Japão se engalfinharão no próximo século” (quis dizer cem anos), “e por que turcos e japoneses se sentirão ameaçados a ponto de não terem outra escolha a não ser travar uma guerra preventiva” (pág. 234) — contra os EUA, esclareça-se. E no parágrafo seguinte ele, após pedir licença ao leitor pelo exercício imaginativo, passa a usar seus talentos de romancista: “A destruição das três Battle Stars” (estações espaciais com finalidade estratégica) “será planejada para o dia 24 de novembro, às 17 horas. A essa hora do Dia de Ação de Graças, a maioria das pessoas nos Estados Unidos estará vendo futebol ou descansando depois de uma lauta refeição. Alguns estarão voltando de carro para casa. Ninguém em Washington antecipará um problema. É nesse momento que o Japão vai querer atacar”. E assim por diante. Finalmente, “Às 19 h, a força espacial e hipersônica dos Estados Unidos será devastadora. Os Estados Unidos perderão o comando do espaço e só dispõem de umas poucas centenas de aviões. Seus aliados na Europa tiveram suas forças aniquiladas. Navios de guerra norte-americanos ao redor do mundo terão sido atacados e afundados. A Índia terá perdido seus ativos também. A coalizão americana estará militarmente arrasada” (pág.238). Depois ele descreve o contra-ataque.
Qual a impressão disso tudo? Pura “viagem”, imaginação exacerbada..
Alguém poderá argumentar: “Prove que as profecias dele estão erradas!” Impossível, porque eu teria que usar a mesma técnica abusiva do “chute” que estou censurando. Crítica e contra-crítica assemelhar-se-iam a uma partida de futebol entre internos de manicômio, uma guerra de “chutes” em qualquer direção.
Seria preciso um livro inteiro, também de qualidade intelectualmente duvidosa, para sugerir a gratuidade das previsões do livro. Só mesmo sua leitura convencerá o leitor quanto ao grau de probabilidade de acerto das “profecias”.
O livro em exame não tem nenhuma qualidade? Não digo isso. É útil como manual simplificado de Geografia e História, particularmente das guerras e geopolítica. Contém elucidativos desenhos à guisa de mapas. O leitor médio fica finalmente sabendo, exatamente, onde fica “o tal” Bósforo, do qual eu tinha antes uma vaga idéia, sabendo que era ali por perto da Turquia.
Uma outra qualidade do livro é a de revelar os talentos de romancista do autor, um especialista de política internacional. Se lida, a obra, como um mero romance sobre o futuro, nada a opor ao trabalho, porque no reino da fantasia tudo é válido. E não se põe em dúvida seus conhecimentos de estratégia. O que assusta é a sua imensa audácia de prever coisas que tanto podem, quanto não podem, acontecer, embora recheando suas afirmações com informações destinadas a impressionar aqueles que pouco frequentam textos sobre política internacional.
Há também imensas omissões em sua obra. Ele parece ignorar que existe uma União Européia. Quando fala em futuras reações da Alemanha, Inglaterra, Turquia, Polônia, Rússia e demais integrantes da EU, não leva em conta que tais países já não decidem tudo sozinhas.
Outra imensa omissão está em imaginar que nos próximos 100 anos o planeta continuará do jeito que sempre foi mas já está, há décadas, deixando de ser: preocupado apenas com o próprio interesse, principalmente estratégico. Seu livro, o tempo todo, só tece considerações sobre nações mais fortes tentando dominar as mais fracas e estas tentado ficar mais fortes para dominar as demais. É uma cantilena só. Praticamente ignora a Corte Internacional de Justiça, o Tribunal Penal Internacional, e a própria Organização das Nações Unidas. Sobre o esforço das almas mais bem intencionadas — e são milhões — visando um mundo mais justo, nem uma palavra. A consciência universal pede menos guerras e pré-guerras. Como já disse Bertrand Russel, a guerra não determina quem está certo, apenas quem sobrou.
Se o mundo, nos próximos 100 anos, será como “prevê” o livro em exame — e aposto que ele está totalmente errado —, a humanidade terá dado a si mesma um incontestável atestado de estupidez. Agravada pelo fato inegável da proliferação nuclear. E essa proliferação o autor admite, acertadamente, que será inevitável. Haverá outros “Irãs”, e “Coréias do Norte”, digo eu, todos reivindicando o direito de se defender com as mesmas armas dos “maiorais” de hoje, que se outorgaram, mas só a eles, o direito de manter seus arsenais nucleares.
O autor parece presumir que nos próximos cem anos os países mais importantes serão conduzidos apenas por líderes de segunda ou terceira categoria, só pensando, e de modo estreito, no “interesse nacional”. Esquece que nem sempre os povos erram na escolha de seus líderes. Se o mundo do próximo século for conduzido por políticos tipo Dick Cheney, Donald Rumsfeld, Adolf Hitler, Benito Mussolini, Benjamin Netanyahu, Joseph Stalin e assemelhados, ainda seria possível vislumbrar imutáveis dias negros no horizonte. Mas isso não é esperável. Barack Obama é um exemplo de que, mesmo países extremamente fortes dispõem de uma massa de eleitores suficientemente inteligentes, capazes de discernir o que é melhor para seu futuro, globalmente. E com a mundialização, o que melhora um país acaba melhorando os demais. Países “piorados”, “abagunçados”, produzem líderes ressentidos, belicosos, provocadores, “patrioteiros”.
O autor não se interessa muito pela questão palestina, esta chaga que, a meu ver, está na origem do ataque de 11 de setembro às Torres Gêmeas e ao Pentágo. Bin Laden é um fanático, envenenado de ódio contra o estilo de vida do Ocidente, mas na motivação para o referido ataque a situação lamentável dos palestinos teve especial relevância.
Por elementar e evidente necessidade de sobrevivência a humanidade terá que decidir entre continuar existindo pacificamente, obedecendo regras internacionais e internas cada vez mais impregnadas de moral, ou mergulhada continuamente em sobressaltos, guerras, ciumeiras de poder, abuso dos mais fracos e o restante do entulho moral que explica porque, ainda hoje, vemos crianças esquálidas procurando restos de comida nos “lixões” enquanto países gastam bilhões e trilhões de dólares em armamentos e despesas com deslocamento de tropas. Esse assunto parece não interessar muito ao autor.
Ele se desculpará da acusação dizendo que não lhe cabe “consertar” o mundo, mas prever o que ocorrerá. Só que prevê obviamente errado, presumindo que a humanidade não fará qualquer tentativa de reorganização no modo como a solucionará seus conflitos mais graves. Não se trata de imaginar que o mundo do futuro será “santinho”. Trata-se de pensar na própria sobrevivência da espécie humana. Mesmo os mais poderosos governantes têm filhos, netos ou até bisnetos.
Um outro ponto absurdo, nas conclusões do autor, é a sua constante preocupação com o declínio do crescimento populacional, quando sua reação deveria ser o contrário. O mundo já está super-povoado. E o desemprego cresce, em razão da informática, do maquinário e da robotização. Será uma bênção até mesmo um leve encolhimento da população mundial, porque à medida que cresce o desejo de conforto, em todos os países, maior a poluição ambiental, a escassez de água, etc. Se nos países europeus mais ricos as mulheres preferem ter apenas um ou dois filhos, isso mudará quando os respectivos governos as incentivarem a aumentar a “produção de bebês”. O futuro não é estático. Chega dia por dia. Não se pode presumir, como pretende o autor, que daqui a vinte anos as pessoas sintam e raciocinem como ontem ou hoje. O leitor, por experiência própria, sabe que mesmo na semana que vem talvez se comporte de maneira diferente, conforme o que suceda hoje ou amanhã. Essa variação, essa inevitável criatividade humana é algo que nos impede acreditar nas profecias do autor do livro, por demais “engessado” pelo que ele constatou no passado.
Tentei saber a idade exata do autor. Não consegui, mas pelas fotos dele percebe-se que está na faixa alta dos sessenta. Não estará entre os vivos no que se refere à maioria das suas previsões. Essa é uma vantagem para quem escreve profecias.
Estou, aqui, por acaso, recomendando ao leitor que o livro não seja comprado? Pelo contrário, para tranqüilizar minha consciência — em tese, vá lá, eu poderia estar errado — recomendo, que ele seja comprado e lido de cabo a rabo, resultado que acho que não acontecerá com a quase totalidade dos leitores. A dor de cabeça, tentando digerir previsões com todos os indícios de gratuidade, favorecerá os lucros dos fabricantes de remédios contra a hemicrania. Se, porém, como já disse, o livro for lido como um romance de ficção político-científica, sem o menor policiamento crítico, aí não digo nada, porque há gosto para tudo.
(01-11-09)
Essa preocupação também se estende aos rumos da humanidade, ao que nos reserva um futuro não excessivamente distante. “Os próximos 100 anos” é um prazo interessante. Dá para tolerar. Já “milênios” é algo distante demais, sendo o impensável o mais provável. Daí a motivação para adquirir o livro de George Friedman, que acabei comprando em inglês porque não sabia que já havia tradução para o português. Mas acabei comprando, dias depois, a tradução porque, tendo prometido ao dinâmico site de relações internacionais — www.mundoRI.com — que faria uma avaliação da obra, pensei que lendo a tradução minha tarefa seria mais rápida e prazerosa. Engano, não foi; e não por motivo de língua. A substância do livro é que é de difícil digestão, embora se trate de um prato bem colorido, com intenções intelectualmente requintadas.
O conteúdo me provocou dor de cabeça, achaque que provavelmente acometerá todo leitor mais crítico, que não “engole” facilmente as coisas, mesmo revestidas de autoridade, como é o caso do autor, altamente conceituado nos EUA como conhecedor do futuro próximo. Cem anos, porém, foi um tiro superior ao alcance seu canhão mental, por mais bem informado que seja o autor, como de fato é. A credibilidade das suas profecias é praticamente nenhuma.
Livros proféticos nunca me provocaram respeito. Nostradamos sempre me pareceu um esperto aproveitador da credulidade humana. Não há dúvida de que era inteligente e culto. Tinha o coração fraco e precisava cuidar da família. Daí a necessidade de uma fonte de renda: suas abundantes profecias. Todo ano — à maneira do cantor Roberto Carlos, com seu álbum de canções —, ele lançava um almanaque vazado em linguajar algo hermético, possibilitando interpretações ao gosto do freguês. Sempre dá para “encaixar” qualquer desgraça do momento, ou do passado, em uma das inúmeras “Profecia de Nostradamus”. Quem aprecia horóscopos, astrologia, pedra filosofal, alquimia, data do fim do mundo, desdobramento, levitação e coisas do genro só pode prestigiar o mais famoso profeta, que tinha, porém, algumas qualidades. Por exemplo, empenhou-se, diversas vezes, com risco pessoal, nas lutas contra a Peste Negra, que ceifava vidas aos milhares, incluindo sua primeira mulher e dois filhos. Ele também se opunha firmemente ao uso se sangrias (isso por volta de meados do Século XVI). Os médicos da época eram apenas ligeiramente menos ignorantes que a grande massa de analfabetos. Sabiam Latim. Como nada conheciam de Medicina, verdadeiramente — não por culpa deles —, mas precisavam “mostrar serviço”, sangravam o paciente, enfraquecendo-o ainda mais. A chance de sobreviver era maior quando o paciente fugia dos médicos.
As profecias de George Friedman, no livro em referência, não padecem das obscuridades de seu famoso maior predecessor. Pelo contrário, até exageram nos detalhes. Por exemplo, leiam este tópico, entre dezenas que sublinhei: “O que procurei mostrar nos capítulos anteriores é como os Estados Unidos, a Polônia, a Turquia e o Japão se engalfinharão no próximo século” (quis dizer cem anos), “e por que turcos e japoneses se sentirão ameaçados a ponto de não terem outra escolha a não ser travar uma guerra preventiva” (pág. 234) — contra os EUA, esclareça-se. E no parágrafo seguinte ele, após pedir licença ao leitor pelo exercício imaginativo, passa a usar seus talentos de romancista: “A destruição das três Battle Stars” (estações espaciais com finalidade estratégica) “será planejada para o dia 24 de novembro, às 17 horas. A essa hora do Dia de Ação de Graças, a maioria das pessoas nos Estados Unidos estará vendo futebol ou descansando depois de uma lauta refeição. Alguns estarão voltando de carro para casa. Ninguém em Washington antecipará um problema. É nesse momento que o Japão vai querer atacar”. E assim por diante. Finalmente, “Às 19 h, a força espacial e hipersônica dos Estados Unidos será devastadora. Os Estados Unidos perderão o comando do espaço e só dispõem de umas poucas centenas de aviões. Seus aliados na Europa tiveram suas forças aniquiladas. Navios de guerra norte-americanos ao redor do mundo terão sido atacados e afundados. A Índia terá perdido seus ativos também. A coalizão americana estará militarmente arrasada” (pág.238). Depois ele descreve o contra-ataque.
Qual a impressão disso tudo? Pura “viagem”, imaginação exacerbada..
Alguém poderá argumentar: “Prove que as profecias dele estão erradas!” Impossível, porque eu teria que usar a mesma técnica abusiva do “chute” que estou censurando. Crítica e contra-crítica assemelhar-se-iam a uma partida de futebol entre internos de manicômio, uma guerra de “chutes” em qualquer direção.
Seria preciso um livro inteiro, também de qualidade intelectualmente duvidosa, para sugerir a gratuidade das previsões do livro. Só mesmo sua leitura convencerá o leitor quanto ao grau de probabilidade de acerto das “profecias”.
O livro em exame não tem nenhuma qualidade? Não digo isso. É útil como manual simplificado de Geografia e História, particularmente das guerras e geopolítica. Contém elucidativos desenhos à guisa de mapas. O leitor médio fica finalmente sabendo, exatamente, onde fica “o tal” Bósforo, do qual eu tinha antes uma vaga idéia, sabendo que era ali por perto da Turquia.
Uma outra qualidade do livro é a de revelar os talentos de romancista do autor, um especialista de política internacional. Se lida, a obra, como um mero romance sobre o futuro, nada a opor ao trabalho, porque no reino da fantasia tudo é válido. E não se põe em dúvida seus conhecimentos de estratégia. O que assusta é a sua imensa audácia de prever coisas que tanto podem, quanto não podem, acontecer, embora recheando suas afirmações com informações destinadas a impressionar aqueles que pouco frequentam textos sobre política internacional.
Há também imensas omissões em sua obra. Ele parece ignorar que existe uma União Européia. Quando fala em futuras reações da Alemanha, Inglaterra, Turquia, Polônia, Rússia e demais integrantes da EU, não leva em conta que tais países já não decidem tudo sozinhas.
Outra imensa omissão está em imaginar que nos próximos 100 anos o planeta continuará do jeito que sempre foi mas já está, há décadas, deixando de ser: preocupado apenas com o próprio interesse, principalmente estratégico. Seu livro, o tempo todo, só tece considerações sobre nações mais fortes tentando dominar as mais fracas e estas tentado ficar mais fortes para dominar as demais. É uma cantilena só. Praticamente ignora a Corte Internacional de Justiça, o Tribunal Penal Internacional, e a própria Organização das Nações Unidas. Sobre o esforço das almas mais bem intencionadas — e são milhões — visando um mundo mais justo, nem uma palavra. A consciência universal pede menos guerras e pré-guerras. Como já disse Bertrand Russel, a guerra não determina quem está certo, apenas quem sobrou.
Se o mundo, nos próximos 100 anos, será como “prevê” o livro em exame — e aposto que ele está totalmente errado —, a humanidade terá dado a si mesma um incontestável atestado de estupidez. Agravada pelo fato inegável da proliferação nuclear. E essa proliferação o autor admite, acertadamente, que será inevitável. Haverá outros “Irãs”, e “Coréias do Norte”, digo eu, todos reivindicando o direito de se defender com as mesmas armas dos “maiorais” de hoje, que se outorgaram, mas só a eles, o direito de manter seus arsenais nucleares.
O autor parece presumir que nos próximos cem anos os países mais importantes serão conduzidos apenas por líderes de segunda ou terceira categoria, só pensando, e de modo estreito, no “interesse nacional”. Esquece que nem sempre os povos erram na escolha de seus líderes. Se o mundo do próximo século for conduzido por políticos tipo Dick Cheney, Donald Rumsfeld, Adolf Hitler, Benito Mussolini, Benjamin Netanyahu, Joseph Stalin e assemelhados, ainda seria possível vislumbrar imutáveis dias negros no horizonte. Mas isso não é esperável. Barack Obama é um exemplo de que, mesmo países extremamente fortes dispõem de uma massa de eleitores suficientemente inteligentes, capazes de discernir o que é melhor para seu futuro, globalmente. E com a mundialização, o que melhora um país acaba melhorando os demais. Países “piorados”, “abagunçados”, produzem líderes ressentidos, belicosos, provocadores, “patrioteiros”.
O autor não se interessa muito pela questão palestina, esta chaga que, a meu ver, está na origem do ataque de 11 de setembro às Torres Gêmeas e ao Pentágo. Bin Laden é um fanático, envenenado de ódio contra o estilo de vida do Ocidente, mas na motivação para o referido ataque a situação lamentável dos palestinos teve especial relevância.
Por elementar e evidente necessidade de sobrevivência a humanidade terá que decidir entre continuar existindo pacificamente, obedecendo regras internacionais e internas cada vez mais impregnadas de moral, ou mergulhada continuamente em sobressaltos, guerras, ciumeiras de poder, abuso dos mais fracos e o restante do entulho moral que explica porque, ainda hoje, vemos crianças esquálidas procurando restos de comida nos “lixões” enquanto países gastam bilhões e trilhões de dólares em armamentos e despesas com deslocamento de tropas. Esse assunto parece não interessar muito ao autor.
Ele se desculpará da acusação dizendo que não lhe cabe “consertar” o mundo, mas prever o que ocorrerá. Só que prevê obviamente errado, presumindo que a humanidade não fará qualquer tentativa de reorganização no modo como a solucionará seus conflitos mais graves. Não se trata de imaginar que o mundo do futuro será “santinho”. Trata-se de pensar na própria sobrevivência da espécie humana. Mesmo os mais poderosos governantes têm filhos, netos ou até bisnetos.
Um outro ponto absurdo, nas conclusões do autor, é a sua constante preocupação com o declínio do crescimento populacional, quando sua reação deveria ser o contrário. O mundo já está super-povoado. E o desemprego cresce, em razão da informática, do maquinário e da robotização. Será uma bênção até mesmo um leve encolhimento da população mundial, porque à medida que cresce o desejo de conforto, em todos os países, maior a poluição ambiental, a escassez de água, etc. Se nos países europeus mais ricos as mulheres preferem ter apenas um ou dois filhos, isso mudará quando os respectivos governos as incentivarem a aumentar a “produção de bebês”. O futuro não é estático. Chega dia por dia. Não se pode presumir, como pretende o autor, que daqui a vinte anos as pessoas sintam e raciocinem como ontem ou hoje. O leitor, por experiência própria, sabe que mesmo na semana que vem talvez se comporte de maneira diferente, conforme o que suceda hoje ou amanhã. Essa variação, essa inevitável criatividade humana é algo que nos impede acreditar nas profecias do autor do livro, por demais “engessado” pelo que ele constatou no passado.
Tentei saber a idade exata do autor. Não consegui, mas pelas fotos dele percebe-se que está na faixa alta dos sessenta. Não estará entre os vivos no que se refere à maioria das suas previsões. Essa é uma vantagem para quem escreve profecias.
Estou, aqui, por acaso, recomendando ao leitor que o livro não seja comprado? Pelo contrário, para tranqüilizar minha consciência — em tese, vá lá, eu poderia estar errado — recomendo, que ele seja comprado e lido de cabo a rabo, resultado que acho que não acontecerá com a quase totalidade dos leitores. A dor de cabeça, tentando digerir previsões com todos os indícios de gratuidade, favorecerá os lucros dos fabricantes de remédios contra a hemicrania. Se, porém, como já disse, o livro for lido como um romance de ficção político-científica, sem o menor policiamento crítico, aí não digo nada, porque há gosto para tudo.
(01-11-09)
quinta-feira, 1 de outubro de 2009
Meta de Nivelamento 2, do CNJ. “Limpar prateleiras
Acreditem, ou não, não me agrada fazer constantes reparos a iniciativas, sejam de quem for, que visam — certamente com a melhor das intenções —, colocar o Judiciário Brasileiro nos trilhos mais rápidos de um país desenvolvido. No entanto, como simples cidadão, com alguma experiência no ofício de julgar, sinto-me no dever de sugerir — quando isso me parecer útil —, idéias que, por mero acaso, não ocorreram àqueles que possuem o poder de modificar a nossa decepcionante realidade, em termos numéricos. Todos sabem que idéias, mesmo eventualmente “solucionantes”, valem zero se não conseguirem entusiasmar determinadas cabeças — juristas, magistrados, advogados, promotores, jornalistas, etc. — capazes de impressionar o Legislativo a ponto de criar leis mais adequadas para lidar com os pontos fracos de um sistema complexo, como é o caso do serviço estatal de distribuição de justiça.
Assistimos, há duas ou três décadas, a um enorme descompasso entre o alto valor individual, médio, de nossos magistrados e o “resultado quantitativo” de tanto trabalho e erudição. Competência técnico-jurídica nunca faltou à grande maioria de nossos juízes, que conseguiram ingressar na magistratura através de concorridos concurso de títulos e provas. Mais de provas — sugere-se, doravante — do que de títulos, porque não está longe o perigo de vermos, ampliada, a utilização de “escritores fantasmas” escrevendo livros, talvez até jurídicos. Se isso já ocorre, às abertas, com discursos presidenciais norte-americanos — Obama, tudo indica, é exceção —, não há porque imaginar que tal prática vá se liminar à área política, auto-biográfica, etc. E o suposto “autor jurídico” sempre terá meios de acalmar sua consciência convencendo-a, laboriosamente, de que são dele os “princípios básicos”, delegando ao “ghostwriter” a “tarefa braçal”, “de cozinha”, de alinhar as palavras e rechear o texto com citações.
Se os juízes brasileiros são realmente competentes, como de fato são, por que a comunidade brasileira não está satisfeita — como bem poderia estar — com nossa justiça, em termos de rapidez e eficácia?
Resposta: porque tem faltado ao legislador aquela advertência de Voltaire, tantas vezes por mim repetida — aqui, de novo, desculpe, porque alguns ainda não a entenderam — de que, em todo comportamento humano, principalmente nas leis, “a vantagem deve ser igual ao perigo”. Se o filósofo francês tivesse, em estágio de bebê, balbuciado nitidamente apenas esse pensamento, morrendo em seguida, e a idéia tivesse penetrado — pela milagrosa sabedoria — no crânio de todos os legisladores, já estariam justificadas as dores do parto e sua breve passagem pelo mundo. Este seria bem mais fácil de administrar. E, no Brasil, não veríamos milhões de processos judiciais acumulados em prateleiras, ou “dentro” de computadores.
Por sinal, é ilusão pensar que a justiça brasileira está “emperrada” por falta de informática. Em papel, ou em disco rígido, as pendências precisam ser julgadas por seres humanos. Ainda não inventaram um computador capaz de ler, analisar, confrontar argumentos e provas, prever conseqüências e impregnar tudo isso com um sentimento de justiça que pode até ser inovador. Computadores não inovam, não criam na esfera ética. Enfim, são robôs. Por enquanto, talvez. Daqui a mil anos voltaremos a conversar.
Por que acumularam-se — no Brasil e outros países, menos práticos, igualmente ignorantes do conselho de Voltaire — tantos processos? Porque a parte que não tem razão — geralmente o acionado, réu — não está buscando justiça alguma. Pelo contrário. Quer é retardar, “enrolar”, jogar para um tempo, o mais distante possível — via recursos processuais —, a solução da sua questão. Essa reação é humana e quase todos a utilizam quando estão sem dinheiro ou com uma dificuldade assemelhada. Como não podem dizer isso, às claras, confessando a ação — pois teriam de pagar o que devem —, criam a maior confusão possível. Não só quando expõem seus argumentos mas quando juntam documentos — por vezes aos quilos —, com a intenção de desanimar um juiz já afogado em processos. Todo magistrado, com alguns anos de prática, constatou que muitos processos volumosos e aparentemente complexos, escondem uma desconcertante simplicidade. Poderiam ser reduzidos a vinte páginas, em vez de duas mil. Fornidos “Tigres de papel”, plagiando-se a frase de Mao Tse Tung quando tranqüilizava os chineses, preocupados com eventuais ataques nucleares do Ocidente. Não é só na velha diplomacia — na nova o perigo é menor, por causa da mídia — que as palavras servem mais para esconder do que para revelar os pensamentos. Isso também ocorre nas disputas judiciais.
Um leigo poderia argumentar: se boa parte do “emperramento” do judiciário decorre dessa manobra — estritamente legal, considerando o princípio da ampla defesa — por que o juiz simplesmente não “desconsidera”, sem ler, essa massa de papel inútil?
O juiz não pode fazer isso porque sua obrigação profissional é examinar o processo folha por folha. E a parte interessada, quando não tem razão, sempre simula seriedade. O juiz tem, assim, pelo menos, a obrigação de “espiar”. Mas “espiar” centenas de páginas de xerox consome tempo, sempre escasso. Não pode dizer “Não li e não gostei!” Só literatos têm essa liberdade. Em tese, em tese, naquele calhamaço confuso pode haver dois ou três documentos importantes. E, depois dessa grande perda de tempo, proferida a decisão, surge o “paraíso” de todo aquele que não tem razão: o direito de recorrer, praticamente sem ônus — a tal “vantagem” — porque as custas do recurso são mínimas, no máximo 2% do valor da causa. O pior que pode ocorrer, recorrendo por recorrer, é continuarem as coisa como estão.
Qual o devedor, em juízo perfeito, que deixará de apelar com tanta “vantagem” sem “risco” (Voltaire)? Relembro que na “áspera” justiça americana, nas condenações em dinheiro, o usual — são 50 Estados, cada um com seu código processual — é o devedor ser obrigado a depositar o valor da condenação para poder apelar. Se não dispõe de dinheiro para isso, pode pedir a uma financeira para fazer o depósito mas esta garante-se, antes, com os bens do apelantes. Perdida a apelação a financeira fica com os bens. Com tal “impiedosa” sistemática, qual a vantagem de recorrer só para ganhar tempo? Só apela aquele que está convicto de seu direito. Não é o caso usual na Justiça Brasileira. Esta se tornou uma forma de protelação, sem culpa dos juízes, verdadeiras abelhas obrigadas produzir mel mas quase sem ferrão. Quando aplicado o ferrão, este será congelado com uma infinidade de recursos, ou medidas equivalentes.
Doze anos atrás, sugeri ao legislador, Dep. Fed. Ricardo Izar — Proj. Lei 2.927/97 —, uma “saída” não tão “dura” como a norte-americana, mas capaz de diminuir substancialmente a utilização crescente do recurso com intuito protelatório: a “sucumbência recursal” em todas as instâncias. Em termos simples: o tribunal condenaria o recorrente — quando perdeu totalmente o recurso — a pagar novos honorários à parte contrária. A menos, frise-se, que o tribunal julgador considerasse que o caso em exame merecesse novo julgamento, por ser complexa a matéria de fato ou de direito. Nesses casos, mais raros, o tribunal não imporia novos honorários. Em termos práticos: quanto mais recursos (improcedentes) naquela causa, maior a dívida para a parte que não tem razão. Recorrer para adiar acabaria sendo economicamente assustador. Isso teria um efeito inibidor para aqueles, inclusive o governo — quando recorrem só “para ganhar tempo”.
Aquele Projeto de Lei continha também a intenção de “enxugar” a já então crescente “gordura” recursal,. Já havia o represamento de processos aguardando decisão em todos os tribunais do país. Um dos artigos do projeto estabelecia uma “vacatio legis” de 30 ou 60 dias — não me recordo exatamente — para que aqueles que, já tendo recorrido só para retardar, pudesse refletir se não seria melhor desistir do recurso, escapando de uma nova condenação em honorários advocatícios. Todo advogado competente sabe quando seu cliente tem, ou não, chance de vencer no recurso. Sabendo que o perderia, seria melhor, financeiramente, desistir dele para não aumentar a carga com a nova condenação em honorários.
Esse projeto, por razões algo misteriosas, foi rejeitado sumariamente na Comissão de Constituição e Justiça e acabou sendo arquivado.
Agora, o volume de recursos aguardando julgamento tornou-se problema que fragiliza a credibilidade de todo o Poder Judiciário. Daí a idéia do CNJ criando a “Meta de Nivelamento 2”, pela qual os magistrados, em geral, devem julgar todos os processos distribuídos até 31-12-05
Ocorre que a exigência de julgar rapidamente, em poucos meses — até o fim deste ano —, processos acumulados em vários anos, forçará os juízes de primeira instância a examinar superficialmente os autos, por vezes reunindo vários volumes. A conseqüência provável dessa política será um acúmulo de erros judiciais, contradições, distrações no exame da prova e superficialidade de julgamento. Constatado isso, podem esperar que, após o “esvaziamento da prateleira” ocorrerá um aumento substancial de apelações e embargos declaratórios, alegando omissão da sentença. Haverá, portanto, um alívio apenas provisório no acúmulo de processos. A segunda instância é que acabará depois sacrificada.
Na segunda instância, uma natural tendência para o “esvaziamento” da prateleira será manter a decisão anterior — “afinal, um magistrado já examinou o caso” —, o que ensejará novos recursos com alegações de nulidades.
Em suma, na área cível, melhor seria que, em vez de exigir “pressa a qualquer preço”, fosse editada uma lei processual que estabelecesse a sucumbência recursal em todas as instâncias, inclusive no STF, com um prazo de trinta dias para vigência da lei. Nesse prazo, repito, milhares de pessoas físicas e jurídicas que recorreram apenas para protelar, poderiam desistir, sem ônus, do recurso, evitando o aumento de sua dívida. Sem suma, haveria um “esvaziamento” de recursos por escolha lúcida do próprio recorrente. E, inovando no meu projeto, poderia a mesma lei processual oferecer uma vantagem econômica ao devedor — p. ex. perdão de 10% ou 15% do débito apurado até aquele momento — para que desistisse do recurso no referido prazo da “vacatio legis”.
Um complemento para diminuir o número de recursos nos tribunais seria a lei dizer que nos casos de justiça gratuita, a isenção de custas valeria apenas para as decisões de primeiro grau. Isso porque tanto o rico quanto o pobre, quando podem protelar “sem perigo”, assim o faz. Como qualquer ser humano. O que mais importa, no atual momento de congestionamento da Justiça Brasileira, é desestimular fortemente o uso da justiça como se ela fosse uma difusa e genérica “concordata”, aplicada sem qualquer perigo mas com evidente vantagem patrimonial.
Na área penal, considerando que são milhões os processos tramitando nos tribunais, seria oportuno — sempre frisando a urgente necessidade de combater o acúmulo excessivo — o legislador admitir a aplicação da “reformatio in pejus”, isto é, a reforma para pior. Se o réu, por ex., for condenado a dez anos, nada impediria que, mesmo sendo ele único apelante, o tribunal aumentasse a sua pena, se isso fosse justo. Igualmente, tendo apelado apenas o promotor, pedindo aumento da pena, o tribunal poderia reduzi-la, ou até mesmo absolver o réu. Afinal, os tribunais estão ali para que? Se constatada alguma injustiça, basta que qualquer das partes recorra para que a lei seja material seja aplicada em sua inteireza. Melhor isso, suponho, do que julgar tudo rapidamente, com aumento de erros ensejando recurso. Melhoras duradouras são mais úteis que saltos violentos, de pouca duração visando estatísticas momentâneas. Sei que, no Brasil, a “reformatio in pejus” é um tabu, mas mesmo usos consagrados podem merecer reexame.
Finalmente, a atual meta de esvaziamento de prateleiras — em que há uma sutil ou aberta ameaça de castigo para quem não a cumprir — tem outro forte inconveniente: induz a população a pensar que os juízes não gostam de trabalhar. Isso porque bastou acenar com a promessa de um castigo, por parte do CNJ, para que os magistrados, em poucos meses, fizessem o que deixaram de fazer em vários anos. Em suma, “castigo neles, porque só assim esse pessoal cumpre seu dever!”.
Vamos aguardar para, daqui a um ano, examinar o que aconteceu, após o cumprimento da “Meta 2”, no item “esvaziar prateleiras”. Prefiro estar totalmente errado em minhas previsões.
(20-9-09)
Assistimos, há duas ou três décadas, a um enorme descompasso entre o alto valor individual, médio, de nossos magistrados e o “resultado quantitativo” de tanto trabalho e erudição. Competência técnico-jurídica nunca faltou à grande maioria de nossos juízes, que conseguiram ingressar na magistratura através de concorridos concurso de títulos e provas. Mais de provas — sugere-se, doravante — do que de títulos, porque não está longe o perigo de vermos, ampliada, a utilização de “escritores fantasmas” escrevendo livros, talvez até jurídicos. Se isso já ocorre, às abertas, com discursos presidenciais norte-americanos — Obama, tudo indica, é exceção —, não há porque imaginar que tal prática vá se liminar à área política, auto-biográfica, etc. E o suposto “autor jurídico” sempre terá meios de acalmar sua consciência convencendo-a, laboriosamente, de que são dele os “princípios básicos”, delegando ao “ghostwriter” a “tarefa braçal”, “de cozinha”, de alinhar as palavras e rechear o texto com citações.
Se os juízes brasileiros são realmente competentes, como de fato são, por que a comunidade brasileira não está satisfeita — como bem poderia estar — com nossa justiça, em termos de rapidez e eficácia?
Resposta: porque tem faltado ao legislador aquela advertência de Voltaire, tantas vezes por mim repetida — aqui, de novo, desculpe, porque alguns ainda não a entenderam — de que, em todo comportamento humano, principalmente nas leis, “a vantagem deve ser igual ao perigo”. Se o filósofo francês tivesse, em estágio de bebê, balbuciado nitidamente apenas esse pensamento, morrendo em seguida, e a idéia tivesse penetrado — pela milagrosa sabedoria — no crânio de todos os legisladores, já estariam justificadas as dores do parto e sua breve passagem pelo mundo. Este seria bem mais fácil de administrar. E, no Brasil, não veríamos milhões de processos judiciais acumulados em prateleiras, ou “dentro” de computadores.
Por sinal, é ilusão pensar que a justiça brasileira está “emperrada” por falta de informática. Em papel, ou em disco rígido, as pendências precisam ser julgadas por seres humanos. Ainda não inventaram um computador capaz de ler, analisar, confrontar argumentos e provas, prever conseqüências e impregnar tudo isso com um sentimento de justiça que pode até ser inovador. Computadores não inovam, não criam na esfera ética. Enfim, são robôs. Por enquanto, talvez. Daqui a mil anos voltaremos a conversar.
Por que acumularam-se — no Brasil e outros países, menos práticos, igualmente ignorantes do conselho de Voltaire — tantos processos? Porque a parte que não tem razão — geralmente o acionado, réu — não está buscando justiça alguma. Pelo contrário. Quer é retardar, “enrolar”, jogar para um tempo, o mais distante possível — via recursos processuais —, a solução da sua questão. Essa reação é humana e quase todos a utilizam quando estão sem dinheiro ou com uma dificuldade assemelhada. Como não podem dizer isso, às claras, confessando a ação — pois teriam de pagar o que devem —, criam a maior confusão possível. Não só quando expõem seus argumentos mas quando juntam documentos — por vezes aos quilos —, com a intenção de desanimar um juiz já afogado em processos. Todo magistrado, com alguns anos de prática, constatou que muitos processos volumosos e aparentemente complexos, escondem uma desconcertante simplicidade. Poderiam ser reduzidos a vinte páginas, em vez de duas mil. Fornidos “Tigres de papel”, plagiando-se a frase de Mao Tse Tung quando tranqüilizava os chineses, preocupados com eventuais ataques nucleares do Ocidente. Não é só na velha diplomacia — na nova o perigo é menor, por causa da mídia — que as palavras servem mais para esconder do que para revelar os pensamentos. Isso também ocorre nas disputas judiciais.
Um leigo poderia argumentar: se boa parte do “emperramento” do judiciário decorre dessa manobra — estritamente legal, considerando o princípio da ampla defesa — por que o juiz simplesmente não “desconsidera”, sem ler, essa massa de papel inútil?
O juiz não pode fazer isso porque sua obrigação profissional é examinar o processo folha por folha. E a parte interessada, quando não tem razão, sempre simula seriedade. O juiz tem, assim, pelo menos, a obrigação de “espiar”. Mas “espiar” centenas de páginas de xerox consome tempo, sempre escasso. Não pode dizer “Não li e não gostei!” Só literatos têm essa liberdade. Em tese, em tese, naquele calhamaço confuso pode haver dois ou três documentos importantes. E, depois dessa grande perda de tempo, proferida a decisão, surge o “paraíso” de todo aquele que não tem razão: o direito de recorrer, praticamente sem ônus — a tal “vantagem” — porque as custas do recurso são mínimas, no máximo 2% do valor da causa. O pior que pode ocorrer, recorrendo por recorrer, é continuarem as coisa como estão.
Qual o devedor, em juízo perfeito, que deixará de apelar com tanta “vantagem” sem “risco” (Voltaire)? Relembro que na “áspera” justiça americana, nas condenações em dinheiro, o usual — são 50 Estados, cada um com seu código processual — é o devedor ser obrigado a depositar o valor da condenação para poder apelar. Se não dispõe de dinheiro para isso, pode pedir a uma financeira para fazer o depósito mas esta garante-se, antes, com os bens do apelantes. Perdida a apelação a financeira fica com os bens. Com tal “impiedosa” sistemática, qual a vantagem de recorrer só para ganhar tempo? Só apela aquele que está convicto de seu direito. Não é o caso usual na Justiça Brasileira. Esta se tornou uma forma de protelação, sem culpa dos juízes, verdadeiras abelhas obrigadas produzir mel mas quase sem ferrão. Quando aplicado o ferrão, este será congelado com uma infinidade de recursos, ou medidas equivalentes.
Doze anos atrás, sugeri ao legislador, Dep. Fed. Ricardo Izar — Proj. Lei 2.927/97 —, uma “saída” não tão “dura” como a norte-americana, mas capaz de diminuir substancialmente a utilização crescente do recurso com intuito protelatório: a “sucumbência recursal” em todas as instâncias. Em termos simples: o tribunal condenaria o recorrente — quando perdeu totalmente o recurso — a pagar novos honorários à parte contrária. A menos, frise-se, que o tribunal julgador considerasse que o caso em exame merecesse novo julgamento, por ser complexa a matéria de fato ou de direito. Nesses casos, mais raros, o tribunal não imporia novos honorários. Em termos práticos: quanto mais recursos (improcedentes) naquela causa, maior a dívida para a parte que não tem razão. Recorrer para adiar acabaria sendo economicamente assustador. Isso teria um efeito inibidor para aqueles, inclusive o governo — quando recorrem só “para ganhar tempo”.
Aquele Projeto de Lei continha também a intenção de “enxugar” a já então crescente “gordura” recursal,. Já havia o represamento de processos aguardando decisão em todos os tribunais do país. Um dos artigos do projeto estabelecia uma “vacatio legis” de 30 ou 60 dias — não me recordo exatamente — para que aqueles que, já tendo recorrido só para retardar, pudesse refletir se não seria melhor desistir do recurso, escapando de uma nova condenação em honorários advocatícios. Todo advogado competente sabe quando seu cliente tem, ou não, chance de vencer no recurso. Sabendo que o perderia, seria melhor, financeiramente, desistir dele para não aumentar a carga com a nova condenação em honorários.
Esse projeto, por razões algo misteriosas, foi rejeitado sumariamente na Comissão de Constituição e Justiça e acabou sendo arquivado.
Agora, o volume de recursos aguardando julgamento tornou-se problema que fragiliza a credibilidade de todo o Poder Judiciário. Daí a idéia do CNJ criando a “Meta de Nivelamento 2”, pela qual os magistrados, em geral, devem julgar todos os processos distribuídos até 31-12-05
Ocorre que a exigência de julgar rapidamente, em poucos meses — até o fim deste ano —, processos acumulados em vários anos, forçará os juízes de primeira instância a examinar superficialmente os autos, por vezes reunindo vários volumes. A conseqüência provável dessa política será um acúmulo de erros judiciais, contradições, distrações no exame da prova e superficialidade de julgamento. Constatado isso, podem esperar que, após o “esvaziamento da prateleira” ocorrerá um aumento substancial de apelações e embargos declaratórios, alegando omissão da sentença. Haverá, portanto, um alívio apenas provisório no acúmulo de processos. A segunda instância é que acabará depois sacrificada.
Na segunda instância, uma natural tendência para o “esvaziamento” da prateleira será manter a decisão anterior — “afinal, um magistrado já examinou o caso” —, o que ensejará novos recursos com alegações de nulidades.
Em suma, na área cível, melhor seria que, em vez de exigir “pressa a qualquer preço”, fosse editada uma lei processual que estabelecesse a sucumbência recursal em todas as instâncias, inclusive no STF, com um prazo de trinta dias para vigência da lei. Nesse prazo, repito, milhares de pessoas físicas e jurídicas que recorreram apenas para protelar, poderiam desistir, sem ônus, do recurso, evitando o aumento de sua dívida. Sem suma, haveria um “esvaziamento” de recursos por escolha lúcida do próprio recorrente. E, inovando no meu projeto, poderia a mesma lei processual oferecer uma vantagem econômica ao devedor — p. ex. perdão de 10% ou 15% do débito apurado até aquele momento — para que desistisse do recurso no referido prazo da “vacatio legis”.
Um complemento para diminuir o número de recursos nos tribunais seria a lei dizer que nos casos de justiça gratuita, a isenção de custas valeria apenas para as decisões de primeiro grau. Isso porque tanto o rico quanto o pobre, quando podem protelar “sem perigo”, assim o faz. Como qualquer ser humano. O que mais importa, no atual momento de congestionamento da Justiça Brasileira, é desestimular fortemente o uso da justiça como se ela fosse uma difusa e genérica “concordata”, aplicada sem qualquer perigo mas com evidente vantagem patrimonial.
Na área penal, considerando que são milhões os processos tramitando nos tribunais, seria oportuno — sempre frisando a urgente necessidade de combater o acúmulo excessivo — o legislador admitir a aplicação da “reformatio in pejus”, isto é, a reforma para pior. Se o réu, por ex., for condenado a dez anos, nada impediria que, mesmo sendo ele único apelante, o tribunal aumentasse a sua pena, se isso fosse justo. Igualmente, tendo apelado apenas o promotor, pedindo aumento da pena, o tribunal poderia reduzi-la, ou até mesmo absolver o réu. Afinal, os tribunais estão ali para que? Se constatada alguma injustiça, basta que qualquer das partes recorra para que a lei seja material seja aplicada em sua inteireza. Melhor isso, suponho, do que julgar tudo rapidamente, com aumento de erros ensejando recurso. Melhoras duradouras são mais úteis que saltos violentos, de pouca duração visando estatísticas momentâneas. Sei que, no Brasil, a “reformatio in pejus” é um tabu, mas mesmo usos consagrados podem merecer reexame.
Finalmente, a atual meta de esvaziamento de prateleiras — em que há uma sutil ou aberta ameaça de castigo para quem não a cumprir — tem outro forte inconveniente: induz a população a pensar que os juízes não gostam de trabalhar. Isso porque bastou acenar com a promessa de um castigo, por parte do CNJ, para que os magistrados, em poucos meses, fizessem o que deixaram de fazer em vários anos. Em suma, “castigo neles, porque só assim esse pessoal cumpre seu dever!”.
Vamos aguardar para, daqui a um ano, examinar o que aconteceu, após o cumprimento da “Meta 2”, no item “esvaziar prateleiras”. Prefiro estar totalmente errado em minhas previsões.
(20-9-09)
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
Será pertinente uma “Sorbonne” brasileira?
O honrado presidente Lula pretende comprar 36 aviões Rafale; 4 submarinos; casco (como?!) de um submarino nuclear e 50 helicópteros, além de itens conexos. Gasto total, dizem, de 12 bilhões de euros. Por enquanto. Despesa a ser paga por futuros governos. O que está acontecendo com o Brasil?
Certamente, milhares de brasileiros sentem-se perplexos, se perguntando qual a explicação para tal preocupação bélica (nada modesta) quando existem tantas carências não-militares e urgentes, ainda não atendidas. Será isso resultado inevitável de qualquer “pensar grande”? É para nos proteger quando o “pré-sal” estiver mais próximo de ser tornar riqueza concreta, desfrutável?
Difícil uma resposta com certeza, porque nos falta especialização de informação. Nossas forças armadas — que precisam ser valorizadas porque contam, realmente, com pessoas capacitadas, patriotas e mal pagas — há tempo vêm insistindo na necessidade de modernizar nossos instrumentos de defesa, hoje quase reduzidos a sucata. Se não bastasse a Amazônia, indefesa e mal policiada, surge agora no horizonte u’a mina de ouro, negro, o pré-sal. Fato novo que fará com que nosso país seja visto de outra forma, como acontece com países com grandes reservas de petróleo. Se Irã, Iraque e Líbia fossem ricos apenas de pedra e areia, sem petróleo, não teriam ocupado o noticiário internacional com a mesma polêmica intensidade.
Em suma, há que se dar um voto de confiança ao juízo de nossas Forças Armadas e do Presidente da República quanto à necessidade de tanto gasto em defesa. Na dúvida, pró-governo. Havendo, conforme prometido, efetiva transferência de tecnologia, nossos engenheiros e técnicos aprenderão — na prática, e não só nos livros —, como penetrar nos complicados segredos de uma tecnologia que esteve sempre distante demais dos países em desenvolvimento. Além disso, haverá criação de empregos. Nosso país está, pelo visto, ensaiando seus passos visando tornar-se grande potência. Que assim seja, mas, espera-se, mantendo a atual aura pacifista.
O possível mau efeito colateral da compra de tais armas modernas — em tal montante —, está no incentivo de uma corrida armamentista na América do Sul. Por sinal, já desencadeada por Hugo Chaves, cheio do dinheiro do petróleo e sempre preocupado com um inexistente ou remoto perigo real americano. E alguns argentinos, mais competitivos, certamente passarão a pressionar o governo portenho para não ficar atrás, comprando também aviões e submarinos. Quem indiretamente pode, em tese, sofrer com essa política são os mais pobres, de ambos os países, caso os empregos gerados não compensem despesa tão elevada.
Para compensar esse aparente “espírito guerreiro” do nosso presidente — só aparente, porque Lula é paciente, “pavio longo”, diplomata por temperamento — atrevemo-nos a sugerir a S. Exa. — ou ao próximo Presidente, seja ele quem for — uma idéia que, sem tantos gastos, neutralizaria a configuração algo guerreira da compra em andamento (não houve, ainda, contrato fechado). Essa “idéia’, transformada em realidade, projetaria imensamente o Brasil na área internacional, em um conjuntura tão favorável a nosso país.
Refiro-me a criação de uma espécie de “Sorbonne” brasileira, por assim dizer. Um centro de estudos de Direito e Relações Internacionais que seria não só novidade no Hemisfério Sul como poderia ter um diferencial, um “plus”, com relação aos seus equivalentes do Hemisfério Norte — Sorbonne, Cambridge, Oxford, Harvard e onde mais houver centros de estudos semelhantes. Em Tóquio, por exemplo, há um centro que prepara jovens para trabalhar na ONU, algo que não temos aqui.
Qual seria esse “plus”? Uma maior ênfase em estudos e sugestões, bem fundamentadas, no sentido de sanar, tanto quanto possível, as atuais deficiências da justiça internacional e da própria Organização das Nações Unidas.
Pensa-se, em círculos respeitáveis, e não só agora, em reformar a ONU. Talvez um contingente de “sangue novo” — não o propriamente dito, derramado em batalhas e terrorismo — composto de gotas brasileiras e sul-americanas, possa ajudar a convencer o mundo que o atual Direito Internacional Público já se tornou um tanto anquilosado, e por isso precisa ser rejuvenescido. Exemplos não faltam dessa falta de modernização das normas internacionais: imigração incontrolada dos miseráveis da África e do Leste Europeu, obrigando a União Européia a fechar fronteiras, gerando um racismo de origem econômica; judeus e palestinos que não conseguem se acertar, o que aconselharia a uma decisão internacional. “vinda de fora”. Lembre-se que não existindo um “Estado palestino” estes não pode acionar Israel na Corte Internacional de Justiça. Este Tribunal, que reúne as melhores cabeças jurídicas do planeta, permanece “travado”, porque seus juízes não pode alterar seus estatutos, fixados com critério político pela ONU. E não ficaria bem, moralmente, que seus magistrados, depois de nomeados, passassem a reivindicar maior poder decisório.
Essa evidente insuficiência legal internacional estimula, por exemplo, alguns maus políticos israelenses — os bons, mais lúcidos, ainda não conseguiram o poder — a criar obstáculos nas negociações de paz com os palestinos, tolerando a ampliação dos assentamentos. E mesmo que seja criado o Estado palestino, os países só podem ser processados na Corte Internacional se com isso concordarem. Sabendo que não têm razão, obviamente não concordam. Como ainda é permissível, juridicamente, algo tão grotesco em um século tão avançado no conhecimento?
Outra questão que comprova a necessidade de alterações na moldura jurídica internacional: a atual proibição de alguns estados progredirem no conhecimento nuclear, enquanto outros não sofrem restrições. EUA, França, Inglaterra, Rússia, China, Índia e Paquistão têm, confessadamente, armas nucleares e certamente podem aprimorar seu poder destrutivo. Israel, todo mundo sabe que possui armas nucleares, mas não fala sim nem não e não permite que inspetores entrem no país para investigar a situação. Deixa subentendido que possui “a bomba”, uma forma — alega —, de se proteger contra o ressentimento árabe. Diz, claramente, que se o mundo ocidental não agir contra o Irã ele, Israel, fará os ataques aéreos necessários, segundo seu particular entendimento. .
No entanto o Conselho de Segurança exige que a Coréia do Norte e o Irã não só fiquem proibidos de fabricar armas atômicas como também fiquem abertos às inspeções da agência internacional para acompanhar a evolução da tecnologia, de modo a não fabricarem — nem agora nem nunca —, “elementares” bombas atômicas que, bem mais evoluídas, acumulam-se, às centenas, ou milhares, em arsenais das grandes potências. Tais países, com razão, sentem-se vítimas de duplo critério. Pensam: “Só nós não temos o direito de ter medo de agressões?”. Isso porque o maior “fundamento” da posse de armas nucleares está na necessidade de defesa.
Keneth Waltz, respeitado professor “neorealista” da Universidade de Colúmbia, EUA, disse que “o mundo existe em estado perpétuo de anarquia internacional”. Não havendo uma “autoridade central”, os Estados devem agir de forma a garantir sua segurança acima de tudo, ou então arriscar ficarem para trás. “Este seria um fato fundamental da vida política, enfrentado por democracias e ditaduras igualmente: exceto em raros casos, eles não podem contar com a boa vontade dos outros pra ajudá-los, portanto devem estar sempre prontos pra defenderem-se”. Em suma, para iranianos e norte-coreanos, fica difícil entender porque eles estão proibidos de fazer o que outros, mais fortes, fazem sem qualquer acanhamento. Se a proliferação nuclear é desaconselhável — obviamente o é —, torna-se preciso criar mecanismos internacionais que dêm absoluta segurança a tais países mais fracos, embora verbalmente atrevidos. Essa segurança total ainda não existe e precisa ser pensada. Talvez com mais intensidade na “futura” “Sorbonne” brasileira.
O presente artigo ficaria por demais longo se ficássemos expondo os pontos débeis do nosso regramento internacional. A OMC, mais um exemplo, não consegue impedir que os EUA e a França protejam seus fazendeiros. “Represálias” comerciais, ou que outro nome tenham, podem ser tomadas mas tudo demanda muito tempo, em um mercado bastante mutável. O Tribunal Penal Internacional, por sua vez, aceitando denúncia, mandou prender o presidente do Sudão, Omar al-Bashir, acusado de alguns massacres. Mas a ordem dificilmente será cumprida porque os países vizinhos o apoiam. Se, eventualmente, o TPI autorizasse uma operação de “comando” — talvez não prevista no estatuto da Corte —, para sequestrar o acusado, difícil prever o que ocorreria depois, com um possível “revide” terrorista de seus seguidores. O atual impasse provavelmente redundará em um cancelamento da ordem de prisão, visando preservar o prestígio de uma instituição que ainda pode vir a representar um imenso e eficaz avanço da justiça penal no planeta. Outro caso: Cesare Battisti é, hoje, um espinho no pé da justiça, vista como um todo. Há margem subjetiva para interpretações completamente opostas.
O “diferencial” da “Sorbonne” brasileira, sugerida acima, estará em estudar com mais amplitude as possíveis e necessárias modificações da justiça internacional, sem, obviamente, descurar o currículo usual de matérias ensinadas na Universidade de Paris e outros centros. Essa “Sorbone cabocla” — maneira de dizer — não terá qualquer conotação política de “esquerda”, ou de oposição às universidades, de igual finalidade, hoje existentes.. Será apenas mais uma universidade ensinando Direito e Relações Internacionais, a primeira, contudo, como disse, do Hemisfério Sul.
Um outro objetivo, agora prático, da “nossa” Sorbonne: permitir que não só brasileiros, mas também sul-americanos — notadamente filhos de famílias mais modestas —, possam adquirir, sem ter que morar em países mais distantes, uma preparação que os habilite a trabalhar na sede da ONU, nas suas agências e em variados foros internacionais.
Alguém dirá que algumas universidades brasileiras dispõem de professores de Direito Internacional que conhecem, por exemplo, o Direito Norte-Americano tão bem, ou melhor, que muitos advogados daquele país, o mesmo ocorrendo com o Direito Internacional.
Não se nega isso. Ocorre que tais professores, ou advogados, conhecem o Direito Internacional em português. Isso faz a diferença, porque o português não é língua oficial usada na ONU. Quando e se o for, será menos necessário o conhecimento de novas línguas. Há um movimento dos países de língua espanhola no sentido de tornar o castelhano também lingua oficial no âmbito da ONU. Se o mais competente professor monoglota brasileiro de Direito Internacional quiser defender oralmente o interesse de algum cliente nos tribunais internacionais, terá que substabelecer seu mandato a um colega estrangeiro, que fale inglês ou francês fluentemente.
Para quem quiser trabalhar na Cruz Vermelha Internacional, no Banco Mundial, no FMI, na sede da ONU, etc,. não basta se apresentar com bons conhecimentos — apenas em português — das matérias necessárias.
Daí, a necessidade da sugerida “Sorbonne” brasileira ministrar suas aulas também em inglês e/ou francês. E o inglês comum, ou de “turismo’, não é suficiente para trabalhar fora do país, em centros realmente importantes.
Alguèm dirá: “Se a língua é tão necessária, mais fácil e prático é o pai do moço mandar o filho estudar na Europa ou nos EUA”. Prático é, mas nem sempre economicamente fácil. Famílias mais abonadas já fazem isso, e devem continuar fazendo, porque aprenderão a língua mais depressa. As famílias mais modestas, no entanto, não podem ser dar a tal luxo, por escassez de recursos. As universidades particulares são caras e há o problema da acomodação e despesas variadas. Promissores talentos perdem a oportunidade de projetar o Brasil lá fora, por escassez de recursos familiares.
A “Sorbonne” brasileira poderia convidar alguns professores estrangeiros de especial prestígio para dar suas aulas, que seriam gravadas e transforadas em DVDs — com pagamento de direitos autorais — e depois utilizados para acostumar o “ouvido” dos alunos a entender o que talvez já saibam em português. Talvez fosse conveniente primeiro ouvir a aula em português, ao vivo, com professores brasileiros, e depois ouvir a “versão inglesa ou francesa” do mesmo tema, presente o professor para “pausar” o DVD quando necessário para explicar, em português, o que não foi bem compreendido.
Como o presente artigo é apenas uma exemplificação do que poderá vir a ser a “Sorbonne” brasileira, fico por aqui.
Vejamos se o governo, ou algum grande empreendedor educacional de maior visão reage à presente sugestão, que não poderia ser detalhista.
(21-9-09)
Certamente, milhares de brasileiros sentem-se perplexos, se perguntando qual a explicação para tal preocupação bélica (nada modesta) quando existem tantas carências não-militares e urgentes, ainda não atendidas. Será isso resultado inevitável de qualquer “pensar grande”? É para nos proteger quando o “pré-sal” estiver mais próximo de ser tornar riqueza concreta, desfrutável?
Difícil uma resposta com certeza, porque nos falta especialização de informação. Nossas forças armadas — que precisam ser valorizadas porque contam, realmente, com pessoas capacitadas, patriotas e mal pagas — há tempo vêm insistindo na necessidade de modernizar nossos instrumentos de defesa, hoje quase reduzidos a sucata. Se não bastasse a Amazônia, indefesa e mal policiada, surge agora no horizonte u’a mina de ouro, negro, o pré-sal. Fato novo que fará com que nosso país seja visto de outra forma, como acontece com países com grandes reservas de petróleo. Se Irã, Iraque e Líbia fossem ricos apenas de pedra e areia, sem petróleo, não teriam ocupado o noticiário internacional com a mesma polêmica intensidade.
Em suma, há que se dar um voto de confiança ao juízo de nossas Forças Armadas e do Presidente da República quanto à necessidade de tanto gasto em defesa. Na dúvida, pró-governo. Havendo, conforme prometido, efetiva transferência de tecnologia, nossos engenheiros e técnicos aprenderão — na prática, e não só nos livros —, como penetrar nos complicados segredos de uma tecnologia que esteve sempre distante demais dos países em desenvolvimento. Além disso, haverá criação de empregos. Nosso país está, pelo visto, ensaiando seus passos visando tornar-se grande potência. Que assim seja, mas, espera-se, mantendo a atual aura pacifista.
O possível mau efeito colateral da compra de tais armas modernas — em tal montante —, está no incentivo de uma corrida armamentista na América do Sul. Por sinal, já desencadeada por Hugo Chaves, cheio do dinheiro do petróleo e sempre preocupado com um inexistente ou remoto perigo real americano. E alguns argentinos, mais competitivos, certamente passarão a pressionar o governo portenho para não ficar atrás, comprando também aviões e submarinos. Quem indiretamente pode, em tese, sofrer com essa política são os mais pobres, de ambos os países, caso os empregos gerados não compensem despesa tão elevada.
Para compensar esse aparente “espírito guerreiro” do nosso presidente — só aparente, porque Lula é paciente, “pavio longo”, diplomata por temperamento — atrevemo-nos a sugerir a S. Exa. — ou ao próximo Presidente, seja ele quem for — uma idéia que, sem tantos gastos, neutralizaria a configuração algo guerreira da compra em andamento (não houve, ainda, contrato fechado). Essa “idéia’, transformada em realidade, projetaria imensamente o Brasil na área internacional, em um conjuntura tão favorável a nosso país.
Refiro-me a criação de uma espécie de “Sorbonne” brasileira, por assim dizer. Um centro de estudos de Direito e Relações Internacionais que seria não só novidade no Hemisfério Sul como poderia ter um diferencial, um “plus”, com relação aos seus equivalentes do Hemisfério Norte — Sorbonne, Cambridge, Oxford, Harvard e onde mais houver centros de estudos semelhantes. Em Tóquio, por exemplo, há um centro que prepara jovens para trabalhar na ONU, algo que não temos aqui.
Qual seria esse “plus”? Uma maior ênfase em estudos e sugestões, bem fundamentadas, no sentido de sanar, tanto quanto possível, as atuais deficiências da justiça internacional e da própria Organização das Nações Unidas.
Pensa-se, em círculos respeitáveis, e não só agora, em reformar a ONU. Talvez um contingente de “sangue novo” — não o propriamente dito, derramado em batalhas e terrorismo — composto de gotas brasileiras e sul-americanas, possa ajudar a convencer o mundo que o atual Direito Internacional Público já se tornou um tanto anquilosado, e por isso precisa ser rejuvenescido. Exemplos não faltam dessa falta de modernização das normas internacionais: imigração incontrolada dos miseráveis da África e do Leste Europeu, obrigando a União Européia a fechar fronteiras, gerando um racismo de origem econômica; judeus e palestinos que não conseguem se acertar, o que aconselharia a uma decisão internacional. “vinda de fora”. Lembre-se que não existindo um “Estado palestino” estes não pode acionar Israel na Corte Internacional de Justiça. Este Tribunal, que reúne as melhores cabeças jurídicas do planeta, permanece “travado”, porque seus juízes não pode alterar seus estatutos, fixados com critério político pela ONU. E não ficaria bem, moralmente, que seus magistrados, depois de nomeados, passassem a reivindicar maior poder decisório.
Essa evidente insuficiência legal internacional estimula, por exemplo, alguns maus políticos israelenses — os bons, mais lúcidos, ainda não conseguiram o poder — a criar obstáculos nas negociações de paz com os palestinos, tolerando a ampliação dos assentamentos. E mesmo que seja criado o Estado palestino, os países só podem ser processados na Corte Internacional se com isso concordarem. Sabendo que não têm razão, obviamente não concordam. Como ainda é permissível, juridicamente, algo tão grotesco em um século tão avançado no conhecimento?
Outra questão que comprova a necessidade de alterações na moldura jurídica internacional: a atual proibição de alguns estados progredirem no conhecimento nuclear, enquanto outros não sofrem restrições. EUA, França, Inglaterra, Rússia, China, Índia e Paquistão têm, confessadamente, armas nucleares e certamente podem aprimorar seu poder destrutivo. Israel, todo mundo sabe que possui armas nucleares, mas não fala sim nem não e não permite que inspetores entrem no país para investigar a situação. Deixa subentendido que possui “a bomba”, uma forma — alega —, de se proteger contra o ressentimento árabe. Diz, claramente, que se o mundo ocidental não agir contra o Irã ele, Israel, fará os ataques aéreos necessários, segundo seu particular entendimento. .
No entanto o Conselho de Segurança exige que a Coréia do Norte e o Irã não só fiquem proibidos de fabricar armas atômicas como também fiquem abertos às inspeções da agência internacional para acompanhar a evolução da tecnologia, de modo a não fabricarem — nem agora nem nunca —, “elementares” bombas atômicas que, bem mais evoluídas, acumulam-se, às centenas, ou milhares, em arsenais das grandes potências. Tais países, com razão, sentem-se vítimas de duplo critério. Pensam: “Só nós não temos o direito de ter medo de agressões?”. Isso porque o maior “fundamento” da posse de armas nucleares está na necessidade de defesa.
Keneth Waltz, respeitado professor “neorealista” da Universidade de Colúmbia, EUA, disse que “o mundo existe em estado perpétuo de anarquia internacional”. Não havendo uma “autoridade central”, os Estados devem agir de forma a garantir sua segurança acima de tudo, ou então arriscar ficarem para trás. “Este seria um fato fundamental da vida política, enfrentado por democracias e ditaduras igualmente: exceto em raros casos, eles não podem contar com a boa vontade dos outros pra ajudá-los, portanto devem estar sempre prontos pra defenderem-se”. Em suma, para iranianos e norte-coreanos, fica difícil entender porque eles estão proibidos de fazer o que outros, mais fortes, fazem sem qualquer acanhamento. Se a proliferação nuclear é desaconselhável — obviamente o é —, torna-se preciso criar mecanismos internacionais que dêm absoluta segurança a tais países mais fracos, embora verbalmente atrevidos. Essa segurança total ainda não existe e precisa ser pensada. Talvez com mais intensidade na “futura” “Sorbonne” brasileira.
O presente artigo ficaria por demais longo se ficássemos expondo os pontos débeis do nosso regramento internacional. A OMC, mais um exemplo, não consegue impedir que os EUA e a França protejam seus fazendeiros. “Represálias” comerciais, ou que outro nome tenham, podem ser tomadas mas tudo demanda muito tempo, em um mercado bastante mutável. O Tribunal Penal Internacional, por sua vez, aceitando denúncia, mandou prender o presidente do Sudão, Omar al-Bashir, acusado de alguns massacres. Mas a ordem dificilmente será cumprida porque os países vizinhos o apoiam. Se, eventualmente, o TPI autorizasse uma operação de “comando” — talvez não prevista no estatuto da Corte —, para sequestrar o acusado, difícil prever o que ocorreria depois, com um possível “revide” terrorista de seus seguidores. O atual impasse provavelmente redundará em um cancelamento da ordem de prisão, visando preservar o prestígio de uma instituição que ainda pode vir a representar um imenso e eficaz avanço da justiça penal no planeta. Outro caso: Cesare Battisti é, hoje, um espinho no pé da justiça, vista como um todo. Há margem subjetiva para interpretações completamente opostas.
O “diferencial” da “Sorbonne” brasileira, sugerida acima, estará em estudar com mais amplitude as possíveis e necessárias modificações da justiça internacional, sem, obviamente, descurar o currículo usual de matérias ensinadas na Universidade de Paris e outros centros. Essa “Sorbone cabocla” — maneira de dizer — não terá qualquer conotação política de “esquerda”, ou de oposição às universidades, de igual finalidade, hoje existentes.. Será apenas mais uma universidade ensinando Direito e Relações Internacionais, a primeira, contudo, como disse, do Hemisfério Sul.
Um outro objetivo, agora prático, da “nossa” Sorbonne: permitir que não só brasileiros, mas também sul-americanos — notadamente filhos de famílias mais modestas —, possam adquirir, sem ter que morar em países mais distantes, uma preparação que os habilite a trabalhar na sede da ONU, nas suas agências e em variados foros internacionais.
Alguém dirá que algumas universidades brasileiras dispõem de professores de Direito Internacional que conhecem, por exemplo, o Direito Norte-Americano tão bem, ou melhor, que muitos advogados daquele país, o mesmo ocorrendo com o Direito Internacional.
Não se nega isso. Ocorre que tais professores, ou advogados, conhecem o Direito Internacional em português. Isso faz a diferença, porque o português não é língua oficial usada na ONU. Quando e se o for, será menos necessário o conhecimento de novas línguas. Há um movimento dos países de língua espanhola no sentido de tornar o castelhano também lingua oficial no âmbito da ONU. Se o mais competente professor monoglota brasileiro de Direito Internacional quiser defender oralmente o interesse de algum cliente nos tribunais internacionais, terá que substabelecer seu mandato a um colega estrangeiro, que fale inglês ou francês fluentemente.
Para quem quiser trabalhar na Cruz Vermelha Internacional, no Banco Mundial, no FMI, na sede da ONU, etc,. não basta se apresentar com bons conhecimentos — apenas em português — das matérias necessárias.
Daí, a necessidade da sugerida “Sorbonne” brasileira ministrar suas aulas também em inglês e/ou francês. E o inglês comum, ou de “turismo’, não é suficiente para trabalhar fora do país, em centros realmente importantes.
Alguèm dirá: “Se a língua é tão necessária, mais fácil e prático é o pai do moço mandar o filho estudar na Europa ou nos EUA”. Prático é, mas nem sempre economicamente fácil. Famílias mais abonadas já fazem isso, e devem continuar fazendo, porque aprenderão a língua mais depressa. As famílias mais modestas, no entanto, não podem ser dar a tal luxo, por escassez de recursos. As universidades particulares são caras e há o problema da acomodação e despesas variadas. Promissores talentos perdem a oportunidade de projetar o Brasil lá fora, por escassez de recursos familiares.
A “Sorbonne” brasileira poderia convidar alguns professores estrangeiros de especial prestígio para dar suas aulas, que seriam gravadas e transforadas em DVDs — com pagamento de direitos autorais — e depois utilizados para acostumar o “ouvido” dos alunos a entender o que talvez já saibam em português. Talvez fosse conveniente primeiro ouvir a aula em português, ao vivo, com professores brasileiros, e depois ouvir a “versão inglesa ou francesa” do mesmo tema, presente o professor para “pausar” o DVD quando necessário para explicar, em português, o que não foi bem compreendido.
Como o presente artigo é apenas uma exemplificação do que poderá vir a ser a “Sorbonne” brasileira, fico por aqui.
Vejamos se o governo, ou algum grande empreendedor educacional de maior visão reage à presente sugestão, que não poderia ser detalhista.
(21-9-09)
Coveiros do Capitalismo
Segundo os jornais, o diretor-gerente do IIF – Institute of International Finances, que representa os maiores bancos do planeta, em entrevista coletiva de 14-9-09, disse ser contra um “limite fixo” de endividamento para os bancos, imposto pelo governo. Sugere que esse limite seja variável, conforme o risco dos ativos, na opinião subjetiva dos próprios banqueiros, o que implica em difícil ou nenhuma vigilância. E para coroar sua “avançada”, ou “ultra confortável”, opinião de que os bancos não podem ter nenhum controle governamental, realmente limitador, concluiu, com chave de chumbo — no caso, grosso, e nas costas do contribuinte — dizendo “não ser desejável usar moralismo para abordar o problema da remuneração” dos altos executivos do banco. É muita audácia, nas circunstâncias atuais...
Por outras palavras, segundo ele, “nada de moralismo”, pois “guerra é guerra”, “quem pode mais chora menos”, “finanças é assunto para machos”, “quem não tem competência não se estabeleça”, etc.
Ocorre que, quando a coisa aperta e o navio começa a afundar esses “destemidos’ adeptos do lema de que “somente os hábeis devem sobreviver”, não se acanham de, em prantos, correr para a saia da mãe-governo, pedindo socorro de trilhões de dólares. Dinheiro que, no final das contas, sairá do patrimônio dos contribuintes bestalhões. Não, como seria o mais certo, do patrimônio daqueles precipitados executivos — comprovadamente nada “hábeis” —, que enriqueceram com os generosos bônus auto-concedidos antes dos fatos comprovarem que estavam certos na política de empréstimos.
Por que tiveram a coragem de arriscar? Porque sabiam que, se algo desse errado, o governo não teria como negar os empréstimos ou doações “salva-vidas”. Do contrário ocorreria uma débâcle de conseqüências inimagináveis, com desmoralização do sistema bancário e, conseqüentemente, de todo o resto da economia americana, com reflexos mundiais. Autêntica chantagem, com todas as chances de ser bem sucedida, como realmente ocorreu.
Entretanto, passado o ápice do maremoto, barriga cheia, os adeptos do “risco” (na teoria) voltam à carga, com certa arrogância, alegando que o governo não tem que se meter nessa história de riscos em empréstimos bancários e bônus pagos, de imediato, aos executivos. Daí a referida fala do diretor-gerente do Instituto de Finanças Internacionais, compreensível porque todo representante de qualquer grupo sente-se na obrigação, de “puxar a sardinha” em benefício de seus pares. O problema é que, no caso em exame, o poder financeiro por trás do IFI é tal que muitos cérebros, na área política e midiática, se apressarão — como já vem ocorrendo — a lançar dúvidas no público sobre a necessidade de impor limites e responsabilidades no manejo do dinheiro depositado em bancos que não podem se dar ao luxo de “quebrar”. Eles sabem que o leitor médio não tem muito tempo — nem, por vezes, condições culturais —, para distinguir, com absoluta certeza, o certo do errado.
O título deste artigo fala em “coveiro”. Seria um exagero? Vejamos.
O Socialismo sustenta o belo ideal de promover a solidariedade, o planejamento abrangente, a igualdade entre os seres humanos. O problema é que, por trás da intenção teórica e sincera dos mais idealistas — alguns acabam fuzilados nas mãos dos “duros, realistas” —, existe também — talvez mesclado com o ideal igualitário —, o mais puro egoísmo e sede de poder do “chefe” — Stalin, Fidel Castro, Hugo Chávez, etc., e seus sócios menores no desfrute do poder. Grupo que, por impressionante “coincidência”, não larga “a rapadura” — com perdão pela expressão — a não ser pela força. Existindo forte oposição, a repressão brutal torna-se quase inevitável contra aqueles que pensam diferentemente e se opõem à perpetuação do “líder” até sua morte natural.
O ocupante do “trono democrático” sabe que se deixar o poder e permanecer no país provavelmente será assassinado. O ditador, de esquerda — e o de direita também —, conclui que não há caminho “sadio” de volta. A sede de vingança o espreita em cada canto. Manter-se como ditador vitalício torna-se, depois de alguns anos no “cargo”, uma espécie de legítima defesa corporal.
A falha básica do “socialismo real” está em reprimir a criatividade dos seus cidadãos que, em conjunto — somadas as inteligências individuais —, vêem melhor e mais longe que um punhado de burocratas. Mesmo que entre estes figurem inteligências brilhantes, tais mentes sufocam algumas idéias próprias — boas demais... — porque temem despertar o ciúme do “grande chefe”. Este não verá com bons olhos o contraste entre sua mediocridade e a especial inteligência de alguns subordinados que podem ambicionar o seu lugar.
Em suma, somente um socialismo realmente democrático — mas responsável — com estímulo à livre iniciativa, é que permitirá às próximas gerações a união da criatividade empresarial com a ânsia de alguma segurança ou proteção que impregna a alma de todos os cidadãos. Estes querem que o Estado cuide deles desde o nascimento até a morte, desde que trabalhem bem e obedeçam as leis aprovadas por seus representantes. Não vejo nada de errado nisso. Errado é o Estado ignorar a necessidade de segurança, no desemprego, na velhice e na doença, de todo trabalhador, braçal ou intelectual.
Com o capitalismo, a espontânea criatividade individual, mesmo oriunda da “mesquinha” cobiça — ou vontade de ter e ser melhor que o vizinho —, encontra campo propício para gerar uma riqueza que acaba beneficiando a todos, mesmo que esse benefício não esteja nos planos iniciais do “egoísta”. O benefício geral, embora involuntário, é um efeito colateral útil que justifica a permanência do sistema capitalista. Isso porque gera empregos e tributos. Só que a legislação precisa impor limites à ganância inerente ao ser humano, uma força psicológica poderosa, ubíqua e útil — desde que vigiada, ou mantida dentro de limites — como ocorre com toda força, seja de que tipo for. Se não for controlada — como, aparentemente pretende o IFI — acaba sendo temida e desmoralizada. Daí o “coveiro” do título.
Por sinal, uma das mais astutas invenções do capitalismo foi a criação da “personalidade jurídica”, notadamente a sociedade anônima, ou corporação, uma ficção legal ao mesmo tempo útil e “esperta” pois permite ao empreendedor inteligente e equilibrado lucrar sem limites quando sua empresa dá lucro e perder moderadamente quando dá prejuízo. A menos que o acionista tenha sido muito imprudente, pondo toda sua riqueza em ações de uma única companhia que não deu certo.
Quando uma S.A. vai à falência, falida é a empresa, a sociedade, essa entidade abstrata, não de carne e osso. Os acionistas não se tornam, jamais, “falidos”. Somente os bens da falida — quando sobra alguma coisa... — é que são apreendidos e vendidos, para proveito dos credores. O acionista alerta, previdente, quando pressente que a companhia vai quebrar, vende suas ações e não perde, ou pouco perde. De qualquer forma, seu status pessoal não é afetado pela situação de falência. Quando a empresa dá lucro, esse lucro vai todo para os acionistas, descontados, claro, os tributos que recaem sobre todo mundo, ricos e pobres. No caso dos grandes bancos que originaram a difícil situação atual — pergunta-se —, foi, por acaso, examinado se os CEOs foram muito afetados, patrimonialmente, quando da “quebra”?
Tais noções elementares, já conhecidas do leitor, são relembradas aqui para acentuar que o mundo jurídico já concede esse grande privilégio de permitir lucro sem limites quando a S.A. ou a Ltda. vai bem e prejuízos mínimos, ou nenhum, quando ela entra em liquidação. E querem agora o acréscimo dos bônus irresponsáveis?
Ralph Barton Perry, um prestigiado filósofo norte-americano, falecido em 1957 — ele foi presidente da Associação Filosófica Americana e ganhador do Prêmio Pulitzer para Biografias e Autobiografias — definiu com muita objetividade onde está a legitimação para o apoio moral ao capitalismo. Disse, com palavras aproximadas, que a idéia fundamental do capitalismo moderno não está (apenas) no direito do indivíduo possuir e gozar o que ele ganhou, mas na tese de que o exercício desse direito redunda no bem geral.
No caso dos banqueiros que se apressaram em receber polpudos bônus, antes de verificado o acerto de suas políticas, não houve “bem geral” algum. E querem, agora, permissão para novamente voltar à carga. Mais uma crise dessas e o socialismo sentir-se-á recuperado do fracasso econômico da União Soviética. O “coveiros” do título, portanto, é uma qualificação pertinente. A menos que comprovem, em um grande julgamento — não necessariamente judicial — que foram vítimas da fatalidade, missão aparentemente impossível. Se minha modestíssima opinião, de “homem do povo”, estiver errada, voltarei atrás.
Nem tudo, porém, está perdido, na defesa — quando lúcida —, do capitalismo. A revista alemã “Der Spiegel” publicou uma entrevista de Dominique Strauss-Kahn, diretor-gerente do FMI — transcrita no jornal “O Estado de S. Paulo de 15-9-09, B3 — em que o experiente economista, rebate argumentos do diretor executivo do Goldman Sachs, após a crise. O banqueiro teria dito que a “crise” foi inevitável, uma “tempestade perfeita” (melhor traduzir para “perfeita tempestade”), não havendo como dela se proteger. Dominique Strauss-Kahn, “expert” no assunto, discordou: “Trata-se de uma metáfora equivocada. A sociedade humana não é uma força da natureza. A crise financeira foi um acontecimento catastrófico, mas um acontecimento criado pela ação do homem. A lição que todos precisamos aprender é que mesmo uma economia precisa de alguma espécie de regulamentação, caso contrário o seu funcionamento é comprometido”.
Como se vê, a opinião de alguns coveiros do próprio sistema pode ser neutralizada por mentes lúcidas que podem — este sim, capricho da natureza —, estar em qualquer parte. Inclusive no polêmico Fundo Monetário Internacional, tão atacado por nós no passado.
(18-9-09)
Por outras palavras, segundo ele, “nada de moralismo”, pois “guerra é guerra”, “quem pode mais chora menos”, “finanças é assunto para machos”, “quem não tem competência não se estabeleça”, etc.
Ocorre que, quando a coisa aperta e o navio começa a afundar esses “destemidos’ adeptos do lema de que “somente os hábeis devem sobreviver”, não se acanham de, em prantos, correr para a saia da mãe-governo, pedindo socorro de trilhões de dólares. Dinheiro que, no final das contas, sairá do patrimônio dos contribuintes bestalhões. Não, como seria o mais certo, do patrimônio daqueles precipitados executivos — comprovadamente nada “hábeis” —, que enriqueceram com os generosos bônus auto-concedidos antes dos fatos comprovarem que estavam certos na política de empréstimos.
Por que tiveram a coragem de arriscar? Porque sabiam que, se algo desse errado, o governo não teria como negar os empréstimos ou doações “salva-vidas”. Do contrário ocorreria uma débâcle de conseqüências inimagináveis, com desmoralização do sistema bancário e, conseqüentemente, de todo o resto da economia americana, com reflexos mundiais. Autêntica chantagem, com todas as chances de ser bem sucedida, como realmente ocorreu.
Entretanto, passado o ápice do maremoto, barriga cheia, os adeptos do “risco” (na teoria) voltam à carga, com certa arrogância, alegando que o governo não tem que se meter nessa história de riscos em empréstimos bancários e bônus pagos, de imediato, aos executivos. Daí a referida fala do diretor-gerente do Instituto de Finanças Internacionais, compreensível porque todo representante de qualquer grupo sente-se na obrigação, de “puxar a sardinha” em benefício de seus pares. O problema é que, no caso em exame, o poder financeiro por trás do IFI é tal que muitos cérebros, na área política e midiática, se apressarão — como já vem ocorrendo — a lançar dúvidas no público sobre a necessidade de impor limites e responsabilidades no manejo do dinheiro depositado em bancos que não podem se dar ao luxo de “quebrar”. Eles sabem que o leitor médio não tem muito tempo — nem, por vezes, condições culturais —, para distinguir, com absoluta certeza, o certo do errado.
O título deste artigo fala em “coveiro”. Seria um exagero? Vejamos.
O Socialismo sustenta o belo ideal de promover a solidariedade, o planejamento abrangente, a igualdade entre os seres humanos. O problema é que, por trás da intenção teórica e sincera dos mais idealistas — alguns acabam fuzilados nas mãos dos “duros, realistas” —, existe também — talvez mesclado com o ideal igualitário —, o mais puro egoísmo e sede de poder do “chefe” — Stalin, Fidel Castro, Hugo Chávez, etc., e seus sócios menores no desfrute do poder. Grupo que, por impressionante “coincidência”, não larga “a rapadura” — com perdão pela expressão — a não ser pela força. Existindo forte oposição, a repressão brutal torna-se quase inevitável contra aqueles que pensam diferentemente e se opõem à perpetuação do “líder” até sua morte natural.
O ocupante do “trono democrático” sabe que se deixar o poder e permanecer no país provavelmente será assassinado. O ditador, de esquerda — e o de direita também —, conclui que não há caminho “sadio” de volta. A sede de vingança o espreita em cada canto. Manter-se como ditador vitalício torna-se, depois de alguns anos no “cargo”, uma espécie de legítima defesa corporal.
A falha básica do “socialismo real” está em reprimir a criatividade dos seus cidadãos que, em conjunto — somadas as inteligências individuais —, vêem melhor e mais longe que um punhado de burocratas. Mesmo que entre estes figurem inteligências brilhantes, tais mentes sufocam algumas idéias próprias — boas demais... — porque temem despertar o ciúme do “grande chefe”. Este não verá com bons olhos o contraste entre sua mediocridade e a especial inteligência de alguns subordinados que podem ambicionar o seu lugar.
Em suma, somente um socialismo realmente democrático — mas responsável — com estímulo à livre iniciativa, é que permitirá às próximas gerações a união da criatividade empresarial com a ânsia de alguma segurança ou proteção que impregna a alma de todos os cidadãos. Estes querem que o Estado cuide deles desde o nascimento até a morte, desde que trabalhem bem e obedeçam as leis aprovadas por seus representantes. Não vejo nada de errado nisso. Errado é o Estado ignorar a necessidade de segurança, no desemprego, na velhice e na doença, de todo trabalhador, braçal ou intelectual.
Com o capitalismo, a espontânea criatividade individual, mesmo oriunda da “mesquinha” cobiça — ou vontade de ter e ser melhor que o vizinho —, encontra campo propício para gerar uma riqueza que acaba beneficiando a todos, mesmo que esse benefício não esteja nos planos iniciais do “egoísta”. O benefício geral, embora involuntário, é um efeito colateral útil que justifica a permanência do sistema capitalista. Isso porque gera empregos e tributos. Só que a legislação precisa impor limites à ganância inerente ao ser humano, uma força psicológica poderosa, ubíqua e útil — desde que vigiada, ou mantida dentro de limites — como ocorre com toda força, seja de que tipo for. Se não for controlada — como, aparentemente pretende o IFI — acaba sendo temida e desmoralizada. Daí o “coveiro” do título.
Por sinal, uma das mais astutas invenções do capitalismo foi a criação da “personalidade jurídica”, notadamente a sociedade anônima, ou corporação, uma ficção legal ao mesmo tempo útil e “esperta” pois permite ao empreendedor inteligente e equilibrado lucrar sem limites quando sua empresa dá lucro e perder moderadamente quando dá prejuízo. A menos que o acionista tenha sido muito imprudente, pondo toda sua riqueza em ações de uma única companhia que não deu certo.
Quando uma S.A. vai à falência, falida é a empresa, a sociedade, essa entidade abstrata, não de carne e osso. Os acionistas não se tornam, jamais, “falidos”. Somente os bens da falida — quando sobra alguma coisa... — é que são apreendidos e vendidos, para proveito dos credores. O acionista alerta, previdente, quando pressente que a companhia vai quebrar, vende suas ações e não perde, ou pouco perde. De qualquer forma, seu status pessoal não é afetado pela situação de falência. Quando a empresa dá lucro, esse lucro vai todo para os acionistas, descontados, claro, os tributos que recaem sobre todo mundo, ricos e pobres. No caso dos grandes bancos que originaram a difícil situação atual — pergunta-se —, foi, por acaso, examinado se os CEOs foram muito afetados, patrimonialmente, quando da “quebra”?
Tais noções elementares, já conhecidas do leitor, são relembradas aqui para acentuar que o mundo jurídico já concede esse grande privilégio de permitir lucro sem limites quando a S.A. ou a Ltda. vai bem e prejuízos mínimos, ou nenhum, quando ela entra em liquidação. E querem agora o acréscimo dos bônus irresponsáveis?
Ralph Barton Perry, um prestigiado filósofo norte-americano, falecido em 1957 — ele foi presidente da Associação Filosófica Americana e ganhador do Prêmio Pulitzer para Biografias e Autobiografias — definiu com muita objetividade onde está a legitimação para o apoio moral ao capitalismo. Disse, com palavras aproximadas, que a idéia fundamental do capitalismo moderno não está (apenas) no direito do indivíduo possuir e gozar o que ele ganhou, mas na tese de que o exercício desse direito redunda no bem geral.
No caso dos banqueiros que se apressaram em receber polpudos bônus, antes de verificado o acerto de suas políticas, não houve “bem geral” algum. E querem, agora, permissão para novamente voltar à carga. Mais uma crise dessas e o socialismo sentir-se-á recuperado do fracasso econômico da União Soviética. O “coveiros” do título, portanto, é uma qualificação pertinente. A menos que comprovem, em um grande julgamento — não necessariamente judicial — que foram vítimas da fatalidade, missão aparentemente impossível. Se minha modestíssima opinião, de “homem do povo”, estiver errada, voltarei atrás.
Nem tudo, porém, está perdido, na defesa — quando lúcida —, do capitalismo. A revista alemã “Der Spiegel” publicou uma entrevista de Dominique Strauss-Kahn, diretor-gerente do FMI — transcrita no jornal “O Estado de S. Paulo de 15-9-09, B3 — em que o experiente economista, rebate argumentos do diretor executivo do Goldman Sachs, após a crise. O banqueiro teria dito que a “crise” foi inevitável, uma “tempestade perfeita” (melhor traduzir para “perfeita tempestade”), não havendo como dela se proteger. Dominique Strauss-Kahn, “expert” no assunto, discordou: “Trata-se de uma metáfora equivocada. A sociedade humana não é uma força da natureza. A crise financeira foi um acontecimento catastrófico, mas um acontecimento criado pela ação do homem. A lição que todos precisamos aprender é que mesmo uma economia precisa de alguma espécie de regulamentação, caso contrário o seu funcionamento é comprometido”.
Como se vê, a opinião de alguns coveiros do próprio sistema pode ser neutralizada por mentes lúcidas que podem — este sim, capricho da natureza —, estar em qualquer parte. Inclusive no polêmico Fundo Monetário Internacional, tão atacado por nós no passado.
(18-9-09)
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