Soube, dias atrás, através de um jornalista de crimes — sempre exagerando nas descrições —, que o MacGyver faleceu, vítima de uma explosão que lhe “dilacerou o ventre, espalhando suas poderosas tripas”. Quem me contou isso não resistiu à imitação da contundência dos roteiristas de filmes policiais americanos. Acrescentou ainda que “os intestinos dele foram recolhidos às colheradas”. Imagem forte, despertando imediato interesse dos leitores, pois vem sendo repetida com alguma frequência na fala dos endurecidos policiais cinematográficos de Los Angeles, Chicago e Nova Iorque. Ou onde quer que rechonchudos mantenedores da lei — bebendo café em canecas e comendo rosquinhas — troquem piadas cínicas sobre os pedaços das vítimas estraçalhadas. A explosão ainda feriu um médico cirurgião, bem como uma enfermeira. É possível que ela venha a ficar cega.
A junção do nome à referida explosão
leva qualquer leitor a pensar imediatamente em terrorismo. Seria esse MacGyver
algum irlandês revoltado com o domínio inglês sobre a Irlanda do Norte? O
artefato teria detonado no momento errado, quando manipulado no colo? Era para
ser disfarçadamente “esquecido” dentro de uma sacola em um aeroporto?
Mais. Se o leitor ainda for
informado de que nosso homem, quando bem jovem, era conhecido, dentro da sua
turminha, pela alcunha de “Maçarico”, a conclusão lógica é a de que ele, além
de um tremendo terrorista, “detonador” de bombas, era também um ardiloso
arrombador de cofres-fortes. Enfim, um homem execrável.
Sirva este relato como advertência
pedagógica contra a fácil tendência humana de formar juízos distorcidos pela
imaginação que, como um cavalo doido, desembesta pelo mundo, relinchando
estórias sem conexão com a realidade. É um relato — desculpe a falta de
modéstia —, que deveria ser imposto como leitura obrigatória a todos os juízes
em início de carreira, obrigados que são a julgar seus semelhantes com provas
indiciárias e depoimentos de falíveis testemunhas.
Para começar, esse MacGyver não era
irlandês, nem escocês, nem americano. Era brasileiro, cearense. “MacGyver” era
apenas seu apelido, recebido logo que surgiu na televisão, na década de 1980,
um seriado — “Profissão Perigo” — em que o personagem principal
inventava saídas geniais, mecânicas ou elétricas, para qualquer tipo de
dificuldade criada pelas forças do mal. O simpático e ruivo herói da televisão
está, mero exemplo, amarrado a uma cadeira. Pode movimentar apenas o dedão do
pé, aproveitando o buraco de um tiro no sapato, enquanto, ao seu lado, o
tique-taque angustiado de uma bomba-relógio cochicha que a coisa vai explodir
em cinco minutos. O recinto, por sua vez, está impregnado de gases letais. Mas,
de repente, olhando para o chão, o imaginativo agente da lei vê, digamos, um
prego, um arame e uma porca — de metal, claro. Mesmo que fosse de carne, a
porca na certa teria serventia. Genial, com um Q.I. improvisador inimaginável,
o herói do seriado logo arquitetaria uma combinação engenhosa de prego, arame e
porca. Esta, sendo eventualmente um animal, é induzida a roer a corda que
prende seu tornozelo — o dele, MacGyver —, após o que ela recua até que seu
gordo traseiro funcione como uma tampa, interrompendo a saída do gás venenoso.
Então, agarrando o arame com o dedão liberado, o herói mexerá no ponto certo do
artefato, desarmando a bomba segundos antes de explodir. Tudo sem muita
pancadaria porque a marca registrada do simpático herói era a inteligência.
Nosso “MacGyver” cearense não
chegava ao ponto de se igualar ao homônimo do seriado — não promovido, nunca
teve o convite de um diretor de cinema —, mas foi sua propensão para as
invenções e “saídas” inesperadas que gerou o apelido entre a rapaziada. Além
disso, tinha o cabelo avermelhado — resultado da sensualidade holandesa por
cima de nossas índias mais bonitas — não sendo de estatura muito mais baixa que
seu original americano. Era também muito brincalhão.
Que o nosso “MacGyver” cearense,
tinha uma mente fértil, ninguém pode negar. Bastariam dois ou três exemplos
para ilustrar os recursos inesperados de sua imaginação.
Quando na faixa dos vinte nosso
biografado passou vários meses na Alemanha. Foi lá com a cara e a coragem. Era
maluco por alemãs doidonas e conhecia um pouco a língua local. Se desembarcou
na pátria de Goethe com algum dinheiro, seriam no máximo uns duzentos dólares.
Voou aproveitando o preço da “baixíssima temporada” — mais baixa seria
impossível —, utilizando diversas rotas, dormindo horas e horas nos aeroportos,
enquanto esperava o embarque para o voo seguinte. Dava como certo que, com sua
engenhosidade natural, conseguiria trabalhar, mesmo com a polícia da imigração
vigiando. No seu caso, não haveria tanto perigo porque seu cabelo ruivo
despistava a origem sul-americana. Poderia passar por alemão, antes de falar.
Ocorre que, como é sabido, uma coisa
é viajar como turista; outra, como imigrante. Sabe-se que os empresários locais
tiram proveito do medo que acossa o trabalhador irregular. Pagam bem menos. E
nosso amigo, se se livrou da fome, não conseguia se defender do desgraçado
inverno alemão.
Como tudo é pago na Europa, o
aquecimento de seu quarto dependia da inserção de uma moeda em determinado
aparelho de aquecimento, que não posso aqui bem descrever porque não o vi,
sabendo do caso pelo próprio MacGyiver. O fato é que, com a moeda introduzida
na fenda, o quarto esquentava. Se não, o frio congelante penetrava nos seus
ossos, roendo-os, chupando e dando risadinhas sádicas.
Ocorre que, certa noite de
sexta-feira, o MacGyver, acompanhado de uma garota meio taradona, gastou, entre
bar e hotel, muito além da conta, voltando para casa praticamente sem tostão. E
só receberia seu parco salário dias depois, não havendo a mais remota
possibilidade de um adiantamento. Assim, em pleno mês de janeiro, num dos
invernos mais rigorosos da década, com registro de várias mortes, mesmo em
ambientes fechados, viu-se no terrível dilema de, ou gastar as últimas moedas
comendo — mas congelando-se em seguida —, ou se aquecendo — mas depois
perecendo de fome. E o frio era duplamente torturante porque, nos últimos dias,
nosso cearense não parava de pensar nas cálidas areias da praia de Iracema na
saudosa Fortaleza de seu Ceará.
Passar dois dias no quentinho, mas
em jejum, seria exigir demais, mesmo porque seu apetite era excelente, apesar
de magro. Mas como vencer o frio? Usar jornais entre dois cobertores era uma
boa ajuda, mas insuficiente, porque o frio parecia congelar até as notícias. Se
os jornais lhe permitiam escapar da morte, não conseguiam vencer a insônia. O
mero ato de dormir exige algum conforto. O sujeito só dorme, no extremo frio,
quando já está morrendo.
Aí o MacGyver resolveu utilizar sua
veia inventiva, que alguns anos depois acabou virando profissão. Levantou-se da
cama, envolto no cobertor, os dentes batendo como castanholas, e passou a
estudar o aquecedor. Como o estudo demorasse, ele, para se aquecer — talvez por
sugestão do som das castanholas de seus dentes —, sapateou um pouco, erguendo
os braços como um dançarino de flamenco, lembrando-se de uma fogosa espanhola
de pernas cabeludas, perita nessa dança, com quem tivera um caso rápido um mês
antes. Pensando nela terminou o artístico aquecimento com um grito de “Olé!” —
inexplicável como tantas outras coisas em sua vida.
Após várias espiadas e reflexões em
frente do aparelho, descobriu que talvez tivesse encontrado a solução para seu
problema. Teria que ser algo que não envolvesse um risco muito alto de processo
criminal — como seria o caso se arrombasse o aparelho. Cadeia, mesmo em
Primeiro Mundo, faz mal à alma e ao casto traseiro, como era o seu. Pensou
ainda que, se introduzisse na fenda um objeto semelhante a uma moeda — um disco
de lata, por exemplo —, “enganando” a engenhoca com seu formato e peso — o
aquecedor talvez até funcionasse porque, falta-lhe, por enquanto, a malandra
inteligência humana. Mas o funcionário da empresa que explora tais aparelhos,
quando fosse recolher as moedas, encontraria o objeto do crime. E aí ele,
MacGyver, entraria em cana pela falcatrua.
Teria, portanto, que inventar uma
“moeda” que “se evaporasse” depois de acionado o mecanismo. Desaparecendo a
“moeda”, o funcionário pensaria que se tratava apenas de um defeito da máquina.
Assim, pensando, pensando e repensando, agora deitado de costas — sua posição
preferida para solucionar problemas — descobriu a chave do enigma.
Levantou-se novamente e pôs-se a
examinar as diversas tampinhas de garrafas de refrigerantes e outras bebidas
que havia em cima da mesa de seu quarto. Escolheu uma delas, pelo formato e
tamanho, e a encheu de água. Após, com extremo cuidado, colocou a tampinha do
lado de fora do batente da janela, esperando que a água congelasse. E como a
temperatura era baixíssima, não demorou muito para que o líquido se
transformasse em gelo em formato de moeda. Torcendo para que desse certo,
porque o frio estava de rachar, MacGyver introduziu o disquinho de gelo na
fenda do aparelho, ato que imediatamente provocou seu funcionamento.
Foi uma descoberta e tanto,
permitindo que nosso amigo passasse um fim de semana bem mais confortável e sem
jejum. Mas, como sempre, as pessoas tendem a abusar das soluções fáceis.
Aqueceu o quarto durante algumas semanas, sem gastar uma única moeda. Chegou a
esquecer que ali, ao contrário do Ceará, o calor era pago.
Até que a casa caiu. Um dia, ao
chegar do trabalho, estava sendo esperado por dois funcionários da empresa que
explorava os tais aquecedores. E uma viatura policial, com dois agentes, estava
estacionada em frente, junto à calçada, como que aguardando uma decisão.
— “Estou frito!” — deduziu o
MacGyver. Mas a coisa não terminou tão drasticamente como ele imaginara.
Um dos homens à paisana, muito
seguro de si, não perdeu tempo com amabilidades. Sem sequer lhe apertar a mão,
foi logo dizendo:
— Nós sabemos que você está
utilizando o aparelho... Não adianta negar... O que nós não sabemos é que
técnica você usa. Já imaginamos tudo que é possível imaginar mas não
conseguimos descobrir o artifício. Não há sinais de arrombamento ou coisa
parecida... Trabalhamos no setor técnico da empresa e nosso papel é corrigir
qualquer falha que permita aos usuários o uso de algum truque, como aquele que
você está utilizando. Se você nos disser como consegue fazer a máquina
funcionar sem usar moedas, não será preso. Somos engenheiros. Modificaremos o
aparelho para que ninguém possa repetir a manobra. Se não quiser contar o
segredo será detido agora mesmo e levado à Delegacia. O que decide?
Não havia muito o que escolher.
Revelou o truque, o que provocou uma expressão de espanto no técnico, que ficou
de boca aberta.
O alemão cumpriu a promessa,
não levando o assunto formalmente à esfera policial. Mas nosso amigo, por via
das dúvidas, no dia seguinte mudou de pensão.
Um outro fato que explica a origem
de seu apelido ocorreu antes de sua ida à Alemanha.
Um tio dele vinha se queixando de
que os frequentadores de bares, perto de sua casa, costumavam à noite “aliviar
os rins”, como se diz, num canto do muro, aproveitando a escuridão propiciada
por algumas árvores.
Ocorre que, se a bexiga dos bêbados
ficava, com essa prática, aliviada, o mesmo não acontecia com as ventas do tio
e muito menos com o da tia, mulherzinha nervosa, azeda, que não parava de infernizar
o marido, exigindo que “tomasse logo alguma providência!”.
Mas que providência tomar? Chamar a
polícia? Colocar uma placa dizendo ingenuamente que “É proibido urinar neste
local”?
O MacGyver, ouvindo a queixa, saiu
da sala para examinar a área — sempre fedorenta, porque não adiantava lavar
semanalmente — e logo encontrou a solução: instalou, no dia seguinte, um fio
elétrico, descascado, na junção das duas paredes — no “mictório” de fato, não
de direito —, protegendo-o com uma tela, de um modo que não pudesse ser tocado
por alguma criança.
A invenção deu certo. Quando os
“aliviadores” devolviam a cerveja metabolizada no cantinho eletrificado, a
eletricidade chegava aos mal-educados através do jato, punindo o infrator com
um inesquecível choque educativo, pois aplicado em região muito sensível. Como
a corrente elétrica era de 110 volts, não havia perigo de morte, mas a “cadeira
elétrica genital” fez com que o mau-cheiro local quase desaparecesse. E o tio,
prudentemente, jamais disse às vítimas indignadas — ainda ficavam bravos, os
porcalhões! — que o choque era proposital.
Explicada a origem do apelido do
MacGyver, cumpre esclarecer as circunstâncias de sua morte. Se não era
irlandês, nem terrorista — pergunta-se —, como foi que morreu de uma explosão
no ventre?
Havia realmente — e dizemos isso com
toda seriedade científica — um certo mistério biológico relacionado com o
aparelho digestivo do nosso amigo, de saudosa memória. Aliás, fatos estranhos
podem acontecer em qualquer parte do mundo. No Japão, por exemplo — deu no
jornal —, um cidadão ficava literalmente de porre mal acabava de almoçar. E não
bebia. Foi preciso uma cirurgia para curar a anomalia. O estômago desse japonês
segregava uma química toda peculiar — uma enzima, talvez —, que transformava em
álcool, em alguns minutos, os carboidratos ingeridos. Assim, uma simples porção
de arroz, por exemplo, transformava-se no equivalente a vários copinhos de
saquê. Enfim, o estômago do oriental era uma destilaria viva. Defeito que,
felizmente, não pode nem deve ser reproduzido por via cirúrgica porque, caso
contrário, não faltaria ansiosa clientela a implorar aos cirurgiões uma
conversão estomacal, visando a “ficar igualzinha ao estômago do japonês”. Muita
gente dispensaria a compra do saquê no bar da esquina, optando pela produção
caseira. Economia até de garrafa e de copos.
Mas o mistério biológico do MacGyver
não estava no estômago propriamente. Estava mais em baixo, nos intestinos.
Expliquemos sem rodeios: o MacGyver,
assim como fermentava de inventividade na cabeça, borbulhava espantosamente na
área intestinal — não sei se intestino grosso ou delgado. Algo impressionante,
merecedor de monografia em Congresso de Gastroenterologia. Alguma coisa havia
na flora — ou fauna, ou que melhor explique o diabo, porque aquilo não podia
ser obra de Deus — dos seus tubos intestinais que fazia com que a produção de
gases de nosso amigo fosse pelo menos cinco ou dez vezes superior à normal.
Cinco ou dez é algo impreciso, reconheço. Mas tais coisas não se medem, apenas
se sentem. E talvez houvesse algo genético nessa anomalia porque, não o pai,
mas o avô dele era conhecido no sertão alagoano como “Coronel Ventania”.
Cognome estranhável numa região conhecida pela suavidade de seu clima e seus
ventos. E não se levante a hipótese de que o apelido poderia ter origem em um
temperamento turbulento. Todos os que o conheceram afirmavam ser ele um velho
sereno, acomodatício, amigo da leitura e que passava o dia sentado em alguma
cadeira de balanço com assento de palha trançada, tinha que ser. E era
especialmente preocupado com as vias respiratórias das pessoas que viviam sob o
seu teto. Por causa disso, mantinha as janelas sempre abertas — dizia que era
por causa do calor.
Mas, dirá o leitor que gosta de
exibir sua inteligência: — Tudo bem, mas “Maçarico” implica fogo. E onde está,
no caso, o fogo do apelido?
É um outro ponto em que, para
explicar verdadeiramente, necessito ainda mais tolerância, ou até mesmo
caridade do refinado leitor. Eu bem gostaria que nosso amigo se notabilizasse
por uma outra característica excepcional qualquer, como por exemplo a memória.
Ou mesmo algo corporal, como a força muscular. Ou até mesmo algo visceral, vá
lá, como, por exemplo, a capacidade de beber muito sem ficar embriagado. Mas os
caprichos da natureza são insondáveis e eu me vejo agora hesitante entre a
elegância, a compostura, e a necessidade de relatar um fato da vida real que
teve consequências na área médica e resultou em morte.
Fosse ainda vivo o escritor Émile
Zola, eu lhe pediria uma mãozinha para redigir o trecho que se segue, pois o
velho mestre daria um jeito de conciliar tópicos “baixos” com a alta
literatura. Para ele, realismo não era problema. Como não adianta sonhar e não
seria justo deixar as coisas pelo meio, vejo-me obrigado a prosseguir sozinho,
jurando de pés juntos que não se trata de apelação.
No caso, a denominação “Maçarico”
originou-se de uma infeliz brincadeira feita pelo MacGyver quando ele tinha uns
quinze anos. Muito brincalhão, e querendo ganhar uns cobres, fez uma aposta de
que “criaria” um jato de fogo igual ao de um maçarico” sem usar nada mais que
um palito de fósforo. Seus colegas de escola — uma canalhada esperta que até se
deu bem na vida, algo nada estranhável — disseram que aceitariam a aposta mas
com a condição de que ele não poderia se limitar a encher a boca com alguma
bebida alcoólica, devolvendo-a, em seguida, na chama. Isso seria um truque
banal, muito comum em circos do interior.
MacGyver aceitou a restrição.
Acendeu o fósforo, ergueu uma perna e colocou a chama na posição adequada. O
jato de fogo — um lança-chamas em miniatura — que emitiu foi de assustar,
chamuscando os cabelos de uma mocinha que estava de costas, conversando com uma
amiga. Todos esperavam que o dragão largasse fogo pela frente. Assim, ganhou a
aposta, mas também um apelido pernicioso que sempre o embaraçava quando era
indagado quanto à origem do apelido, “Maçarico”. Seus amigos, ex-colegas
perdedores da aposta, gostavam de, em festas e reuniões sociais, induzir as
moças a lhe perguntar a origem do apelido. E riam abertamente quando o MacGyver
inventava uma mentira inocente para explicar tão estranha ventilação. As moças,
vendo as risadas dos amigos, ficavam meio desconcertadas, não entendendo onde
estaria a graça na explicação tão banal.
Dizem que o inventor
nato tem uma mente toda especial. Ele não se interessa muito por saber como são
as coisas. Quer saber é como alterar ou substituir essas coisas, de modo a se
tornarem mais úteis ou interessantes. Veem sempre mais adiante, certa ou erradamente
— alguns são meio amalucados —, e a todo momento nos impressionam pela visão
antecipada que têm do mundo. É uma qualidade necessária para a evolução da
humanidade, mas oferece também os seus perigos, como aconteceu com o MacGyver.
Finalmente, o fato principal. Como
se explica a explosão que arrebentou os intestinos de nosso pranteado amigo?
Pode-se dizer que ele foi,
paradoxalmente, uma vítima da tecnologia moderna. Se a técnica operatória
estivesse mais atrasada, estaria vivo. Explico.
Durante décadas, os pacientes foram
operados com bisturis comuns, de aço, claro. Até que inventaram o tal do
bisturi elétrico, que corta melhor e talvez tenha outras utilidades. Mas ele
tem uma peculiar desvantagem: pode emitir uma minúscula faísca. MacGyver estava
no hospital em razão de uma obstrução intestinal. Se qualquer obstrução
normalmente provoca uma retenção de gases, imagine-se esse problema no caso
especial do nosso amigo. Esses gases — metano? — são realmente explosivos,
desde que surja mínima fagulha.
Assim ocorreu a tragédia. A faísca
do bisturi, no ventre gasificado do paciente explodiu no rosto do cirurgião e
da moça que estava bem perto.
E assim morreu bestamente meu
interessante amigo, vítima da invenção de um colega inventor que, eletrificando
o bisturi, jamais previu que poderia ferir ou matar um operado e seu cirurgião.
E não sei se, afinal, o tumor que causava a obstrução era ou não maligno. A
notícia que li no jornal — nem me lembro qual era —, não entrava em detalhes.
Dirá o leitor mais sisudo que o
escritor, eu, não se revelou tão amigo assim do seu amigo MacGyver pois, se o
fosse, jamais colocaria no papel passagens tão grotescas.
Respeito o enfoque, mas fico com a
opinião oposta, do próprio morto. Quando em vida, sabendo de minha preferência
para buscar na vida real a inspiração para minhas estórias, por duas vezes
chegou a dizer que eu tinha plena liberdade para usar as passagens acima em um
livro de ficção, desde que mantivesse no anonimato seu verdadeiro nome. Só não
me autorizou o relato da explosão porque seria humanamente impossível prever
tal coisa. Não sei se houve outros acidentes iguais, mas lembro-me
perfeitamente que o jornal também informava que depois dele os hospitais, em
casos iguais, de excesso de gases, passaram a aconselhar ou obrigar uso de
bisturis não elétricos.
O MacGyver cearense, quando morreu, não
vivia mal, financeiramente, porque inventou e patenteou duas ou três invenções.
Perdemos contato durante os últimos vinte anos. Se não tivesse morrido
precocemente, teria resolvido vários problemas, porque sua imaginação não era
normal. Se quisesse ser um escritor, enriqueceria nossa literatura. Mas nunca
demonstrou interesse nesse sentido. Preferia inventar coisas e solucionar
dificuldades.
Se existe um
céu, o MacGyver deve estar lá, sugerindo alguns truques a São Pedro, ajudando-o
a barrar a entrada de alguns pecadores disfarçados em santinhos.
FIM
Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues
Desembargador aposentado
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