Diz a Constituição Federal, no Art. 142, que “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Friso o “por iniciativa de qualquer destes” (poderes).
Em assunto tão importante, o equilíbrio dos Poderes, não é lícito minimizar ou ignorar — como se ela simplesmente não existisse —, a letra expressa da Constituição, só porque o escrito não agrada a opinião de alguns intérpretes.
Não se argumente que as Forças Armadas, sendo compostas de militares — não de juristas —, não teriam condições de examinar questões jurídicas de imensa complexidade.
Esse detalhe — conhecimento jurídico —, presume-se, era conhecido pelos que redigiram nossa Constituição. Se não a leram direito, quando a aprovaram, que a modifiquem por emenda constitucional. A Rainha da Inglaterra — e de vários países da Commonwealth —não é jurista e ninguém, no Reino Unido, ou fora dele, que eu saiba, considera que a monarca não tem poder moderador algum, que o escrito é letra morta, ornamento gráfico “para inglês ver”.
O poder moderador é uma espécie de “seguro de vida” institucional na solução de conflitos entre os três poderes. Conflitos que podem se tornar insolúveis — até sangrentos, mortais —, caso os poderes entrem em choque e não abram mão de suas respectivas opiniões, usando, cada qual, a força bruta disponível no momento.
Principalmente quando o Judiciário faz parte do conflito, tirando proveito do direito de tudo decidir por último, mesmo em causas em que demonstrem, alguns de seus integrantes, evidentes simpatias ou ódios pessoais em seus julgamentos inapeláveis.
Magistrados são também seres humanos, falíveis. Ou não são? Sob certos aspectos até mais falíveis que os simples mortais, que têm consciência de sua insignificância, ao contrário de altos magistrados, habituados a serem sempre obedecidos.
Se os três Poderes têm força teórica igual, havendo um choque entre eles — não solucionáveis pelos métodos políticos normais —, quem diria a última palavra? O Judiciário? Sim, quando julga um conflito entre o Executivo e o Legislativo. Não, quando o próprio Judiciário integra o conflito, porque todos sabem, universalmente, que todo julgamento em causa própria é suspeito de parcialidade. Não havendo um poder moderador explicitamente mencionado na CF — ou sendo ele ignorado, por ser “forte demais” — quem exerceria o tal poder? A imprensa? A mídia, em geral? As redes sociais? O Ministério Público? A OAB? O Congresso? O Papa?
Não se pode presumir a ignorância do legislador constituinte quando redige a Carta Magna. A se considerar que houve apenas um “erro de digitação, ou impressão, em temas essenciais, claramente expressos, a Constituição flutuaria em seus ditames, a exigir anualmente, algumas “Erratas” impressas, atualizando o que ainda “vale” e o que “não merece valer” no texto. Não que houvesse uma decisão judicial, ou emenda constitucional, mas simples engano de um datilógrafo ou digitador.
Deve-se até elogiar a corajosa previsão constitucional em um país como o nosso, fértil em “saídas” improvisadas, inventadas pela astúcia “jurídica”. Um país com boa fração de seu Legislativo temeroso de reprimendas do STF relacionadas com a forma como o parlamentar financiou sua campanha eleitoral. Esse “temor reverencial” — na verdade “penal” —, somado ao direito do Supremo em decidir sem possibilidade de revisão, incentiva o abuso do próprio poder, mesmo que seus Ministros não tenham consciência do seu abuso.
O abuso age como uma espécie de vírus mental anestesiante que bloqueia ou embriaga a autocensura. Mal comparando — porque nossos magistrados são pessoas mentalmente normais — Hitler e Stálin não se sentiam errados quando decretavam a morte de milhões.
Lenin, o líder da Revolução Russa, nunca revelou remorso por ordenar a morte do Czar, mulher e filhos, a cozinheira, o motorista, etc. Fidel Castro, que ficou no poder por cerca de 60 anos, sem eleições livres, nunca se considerou um ditador. Qualquer pessoa, com poder absoluto corre esse risco, nas devidas proporções. Daí a regra universal da existência do equilíbrio dos três poderes nas repúblicas.
A Rainha do Reino Unido não é jurista mas é um Poder Moderador. Se tiver que solucionar uma contenda entre os Poderes, saberá, bem assessorada, reunir um grupo de juristas de incontestável competência e isenção política para solucionar, topicamente, o problema, sem, obviamente, “extinguir” o Poder que extrapolou seus limites. Na situação brasileira do momento, o prestígio do STF, ou de alguns de seus integrantes, nunca esteve tão contestado. Se qualquer um dos três Poderes se considera vítima do abuso dos demais — unidos ou isoladamente — é preciso utilizar a solução expressamente mencionada do texto constitucional. Melhor assim do que “resolver” o conflito pela força das armas, rebelião popular, tiroteios, saques e mortes violentas.
Bolsonaro foi impedido, pelo STF, de estabelecer um plano geral — “quarentena vertical” —, combatendo, simultaneamente, o coronavírus, protegendo os idosos e permitindo aos não-idosos trabalhar, mantendo o país produzindo. Obliquamente o STF autorizou que governadores e prefeitos decidissem o oposto, critério que transformou governadores em “donos” da situação porque os prefeitos dependem mais dos governadores do que do presidente. Estados e Municípios podem apenas “ajudar”, complementar, a orientação do Presidente da República. Manietado, o Presidente ficou limitado a apenas enviar bilhões de reais, para evitar que milhões de pessoas não morram de fome.
Com base em conjeturas de intenções de “autogolpe” do presidente Bolsonaro, o STF proíbe o chefe do Executivo de nomear servidores da segurança para cargos de chefia, arvora-se em vítima de Fake News e transforma-se em órgão de investigação, acusador, julgador e executor de suas próprias decisões.
Quando senadores querem, com base na CF, impugnar tais eventuais excessos do Supremo, pedindo o impeachment de alguns dos seus Ministros — o presidente do Senado permite-se o direito de adiar indefinidamente a colocação em pauta do pedido, ou arquiva-o, baseando-se em parecer de um seu subordinado, formado em Direito, que pode — por que não? — estar errado ou parcial na sua fundamentação. Com essa atitude, dá mais valor à opinião jurídica de um simples funcionário — mesmo advogado —, do que a opinião de 81senadores. “1” vale mais que 81?
Fosse o problema discutido nas comissões e no plenário, a solução poderia ser oposta à do parecer interno da Casa. Não só porque são senadores eleitos mas porque, quando sem formação jurídica, podem consultar juristas especializados em matéria constitucional.
Relembre-se que os presidentes da Câmara Federal de do Senado são apenas, respectivamente, 1/513 e 1/81 dos respectivos representantes do Legislativo. Em tese, não são “donos” do poder legislativo.
A Constituição, realisticamente, deixou expressa, no art. 142, seu realismo de que todos os Poderes são exercidos por seres humanos, com suas virtudes e fraquezas. Um poder moderador, previsto na CF, saberá, consultando várias fontes jurídicas, encontrar a melhor solução. É salutar, nos integrantes dos três poderes, o discreto medo de serem corrigidos, por seus excessos, pelo Poder Moderador, mostrando que são, no fundo, meros mandatários, empregados do povo brasileiro.
Neste exato momento, 18/07/2020, o único que parece mais brando, cordato, cedendo no conflito, é o Executivo. Que os demais Poderes sigam seu exemplo.
(18/07/2020)