quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Joaquim Barbosa e a “candura” legislativa.


O Min. Relator do mensalão hesita, ou reflete, a respeito de ingressar ou não, já, na política. Pelas suas declarações mais recentes admite alguma possibilidade de se candidatar presidência da república em 2018. Quer, primeiro, “encerrar” — é permissível usar esse verbo no Brasil, onde os processos dificilmente terminam? — o julgamento da Ação Penal 470. Para findá-la, talvez só com algum “tranco jurídico virtuoso” —, sob protestos generalizados dos condenados e seus seguidores, que insistem na motivação política das condenações. Sem entrar, tais protestos, em detalhes, confiantes na impossibilidade da população —, ou mesmo de advogados e jornalistas —, de ler e analisar milhares de páginas dos autos do processo e as volumosas perícias contábeis. Se os amigos dos condenados ficarem repisando, na mídia, que “o julgamento foi apenas político”, parte da população — aquela beneficiada pelas Bolsas e os simpatizantes do PT —  passa a acreditar nessa versão porque a tendência das pessoas é acreditar naquilo que mais as agradam e beneficiam. “Acredita-se” mais com o coração do que com o cérebro.
Não há dúvida que Joaquim Barbosa é um nome fortíssimo entre os eleitores, desanimados com políticos profissionais que lhes parecem apenas “profissionais da política”, sem nenhuma ideia nova para motivar o País. Todos com as repisadas promessas de “mais honestidade, segurança, transportes, educação e saúde”. Porém, justamente por ser nome tão forte, os “caciques” dos partidos mais importantes não querem J. Barbosa como concorrente. Querem, perto, apenas os votos dos seus milhões de admiradores, mas não o cidadão admirado. E lançar-se, Barbosa, como candidato de partido “nanico” é suicídio eleitoral. Tais partidos não dispõem da “máquina” arrecadadora de doações nem de tempo na televisão. “Sem dinheiro não existe propaganda e sem esta a democracia simplesmente não funciona”.
A propósito, alguém precisa inventar uma nova democracia, que não dependa tanto do dinheiro e da propaganda, seja com financiamento privado ou público.  Afinal, o voto , hoje, tem que ser “comprado”?
 Se J. Barbosa não pode concorrer agora à presidência seria extremamente útil no Congresso Nacional, como deputado ou senador. Melhor como senador. Coincidentemente, essa minha ideia, que tive uma semana atrás, já ocorreu, parece que ontem, com o PSB, que pretende convencer J. Barbosa a concorrer para o Senado, como representante do Rio de Janeiro.
Por que J. Barbosa deve ocupar vaga no Senado? Porque   almeja fortemente, sem panos quentes, aperfeiçoar a justiça brasileira. Uma tarefa técnica, complexa e delicada, que não pode ser exercida por qualquer um, mesmo formado em Direito. A melhora de nosso arcabouço jurídico depende, essencialmente, não de utópicas “modificações de mentalidade”, como dizem alguns, mas de alterações bem concretas e hábeis na legislação. Notadamente a processual, penal e civil. Isso porque — explicação apenas para o leigo — todo processo deve seguir forçosamente o “devido processo legal” — leia-se: “seguindo as interpretações das instâncias superiores”, nem sempre verdadeiramente “superiores”.
Embora as instâncias superiores tenham maior experiência e visão de conjunto, vez por outra elas acertam menos que uma decisão de primeiro grau.
Um juiz sensato de primeira instância não anularia, p. ex., processos criminais de cinco ou dez volumes, contra um acusado de crimes gravíssimos, com provas irretorquíveis do fato e autoria— filmadas, fotografadas, “grampeadas”, comprovadas com perícia —, só porque anos atrás, no início do inquérito, um policial abelhudo colheu tais provas sem autorização judicial.
Caberia, claro, nesses casos, uma reprimenda administrativa contra o investigador “indiscreto” — que pulou o muro do sítio do serial killer, sem autorização judicial, tirando fotos e filmando o criminoso jogando em covas os cadáveres de crianças, suas vítimas — mas nunca a invalidação de todo o trabalho do inquérito e do longo processo judicial, com base na “teoria do fruto da árvore envenenada”, invenção meio idiota da jurisprudência norte-americana, embora esta seja, quase sempre, de boa qualidade.
Anular processos apenas com base na teoria dos “frutos da árvore envenenada” (fundamento: “se havia algum veneno na raiz da árvore, todos os seus frutos seriam necessariamente venenosos”), é uma tolice, monumental. É o mesmo que dizer: os cadáveres das crianças, no exemplo acima, mesmo apalpados, fotografados e periciados, “não existem”, porque as provas não foram precedidas de autorização judicial, ou a autorização foi dada com juiz errado. — “Essa carnificina só existiu no mundo real, dos fatos; não no mundo do direito. Este último prevalece contra a realidade mais evidente”. Lógica de hospício.
O magistrado, julgando um caso concreto, na área penal e processual, pode muito pouco, embora pudesse bem mais, caso o juiz se atrevesse — via interpretação pessoal —, a decidir  em sintonia com seus próprios olhos e ouvidos, coincidente com a opinião de pessoas normais.
O juiz de primeira instância frequentemente põe de lado sua convicção pessoal sobre as prisões preventivas, cuja ausência — em casos revoltantes, com evidente prova colhida na polícia — causa enorme indignação, nele e na população. Esta não entende, por exemplo, como é possível que um conhecido profissional do crime, com uma extensa folha corrida, respondendo a dez ou mais processos por crimes contra o patrimônio, ou estupro, permaneça solto, cometendo novos crimes enquanto seus processos se arrastam na justiça, aguardando o longínquo trânsito em julgado.
Esses processos arrastam-se principalmente porque o réu não está preso, aguardando julgamento. Estivesse preso, seu julgamento teria preferência. Um grande mal foi causado à justiça brasileira quando foi encarada como “norma-deusa” a jurisprudência de que somente com o trânsito em julgado é possível prender — leia-se: apenas segurar provisoriamente — um réu encurralado por candentes evidências de sua culpa, até mesmo já condenado duas ou três vezes, em instâncias anteriores, só faltando a palavra final do STF.
Nossas leis padecem de uma incurável “inocência” —  culposa, ou “dolosa”? — na interpretação dos atos humanos. Por exemplo, a jurisprudência que instituiu o uso do bafômetro, nos casos de acidente com veículos, permite que o motorista se recuse — sem nenhuma consequência... — a assoprar no referido aparelho. Havendo tal recusa, a jurisprudência, ou a lei, manda que os policiais colham controversos e mal redigidos “indícios” de embriaguez, que, se forem assinados só por policiais ensejarão o argumento da parcialidade. E eventuais passantes não querem, de jeito nenhum, serem testemunhas para “não se envolverem”.
 A solução sensata, nesses casos, seria considerar a mera recusa como implícita confissão de embriaguez, cabendo ao acusado, depois —querendo —, em juízo, provar que sua recusa tinha um fundamento válido, como, por exemplo, que o aparelho usado no local era defeituoso — fato comprovado com perícia. O ônus da prova teria que ser do recusante da “assoprada”. Hoje, por exemplo, em ações de reconhecimento de paternidade, o cidadão acusado de ser o pai de uma criança, quando se recusa — não estando evidentemente louco — a ceder sangue para exame do DNA, é dado como pai, só pelo fato da recusa.
Outro exemplo de invulgar “candura” legislativa está na recente proposta legislativa que veda anonimato em manifestações de rua que podem resultar em agressões  e depredações. Segundo a mídia, o ministro da Justiça teria dito que “É permitido o uso de máscara desde que as pessoas se identifiquem à autoridade policial”. Pergunta-se: usando um crachá, que depois pode ser usado por outro manifestante mascarado?
Essa estranha ressalva permite, p. ex., que um baderneiro, usando calça jeans e camisa amarela, mostre a cara ao policial, se identifique, e em seguida ponha a máscara de volta ao rosto, retornando à massa móvel de manifestantes — como seria “seu direito” de usar máscara. Alguns minutos, ou horas, depois, instalada a baderna, o policial não terá como saber, vendo à distância, se aquele mascarado que se identificou foi o autor de tal ou qual destruição do patrimônio, havendo no local trinta mascarados usando calças jeans e camisa amarela.
Conscientes do potencial de enganação, os manifestantes mal intencionados comparecerão na passeata usando roupas da mesma cor, levando no bolso suas máscaras iguais. Iniciada a depredação, colocam a máscara. E o “sabidinho” identificado, se investigado no inquérito, poderá comprovar, com testemunhas verdadeiras, que depois da sua identificação se afastou, foi para um bar, não mais se interessando pela manifestação.  E o dono do bar comprovaria isso.  O rapaz será absolvido. Dessa forma ficará desmoralizada a repressão e a própria lei, confusa na sua execução.
Poderíamos lembrar inúmeras situações provando a falta de perspicácia em produção legislativa, incabíveis neste curto espaço.
Para corrigir esse “mar de inocência” legislativa, e até mesmo, em alguns casos, jurisprudencial, J. Barbosa seria uma pessoa muito adequada para o caso. Isso porque tem grande tirocínio com a matéria penal, é corajosamente independente e inimigo declarado do “faz de contas”, essa filosofia perniciosa que ajudou a desestimular os governos a construírem presídios porque os políticos pensavam que nunca iriam cumprir pena em seu interior.
Um “estágio” de J. Barbosa no Senado seria também útil — para ele e para o eleitorado —, como comprovação de que o novo senador é capaz de conviver tolerantemente com quem dele discorda. Conversando com advogados e até mesmo com promotores, seus colegas de profissão na esfera estadual, notei que muitos deles concordam “em tese”, com as opiniões de J. Barbosa, mas discordam de seu estilo “duro” ou “arrogante demais”. Têm medo de que, transformado, eventualmente, em presidente da república, J.B. torne-se um quase ditador sem estribeira, “grosseiro”, incapaz de conter sua irritação, o que seria péssimo em um presidente da república.
Acredito, porém, pessoalmente, que J. Barbosa, justamente por ser um homem inteligente, de longa visão e bem intencionado, burilado no atrito político com seus colegas do Senado  — em que divergências são quase diárias —, imediatamente perceberá que uma grande dose de paciência é imprescindível ao homem público de país democrático. Sendo mais paciente, ou cortês, muito terá a ganhar e nada a perder, com isso ajudando o país, sua verdadeira meta, presume-se. Nelson Mandela, com seu estilo amigável conseguiu desarmar até seus inimigos brancos que o mantiveram em prisão por mais de um quarto se século.
Paciência, ou cortesia, embora “seca”, que não impedirá J. Babosa de continuar inabalável no seu propósito de melhorar a Justiça de seu país, recuperando o razoável prestígio que chegou a existir algumas décadas atrás. Se ele conseguir, como senador, “sanear” razoavelmente, nossa legislação, o presidente da república, no quadriênio 2019-2022 — que até poderá ser ele mesmo, dependendo de sua atuação no Senado — poderá governar o país com muito mais facilidade e racionalidade.
Finalmente, o problema do “mensalão”,  caso J. Barbosa pretenda encerrá-lo totalmente, antes de se aposentar, após o que ingressaria na política.
Em razão da desfuncionalidade e permissibilidade da nossa legislação processual, não vejo como se possa ter certeza — com tantos recursos, agravos, mandados de segurança e “habeas corpus  disponíveis — de que o “mensalão” estará encerrado no início de abril, prazo para J. Barbosa ingressar em um partido. Como presumo que o mensalão não estará encerrado até essa data, o possível futuro senador deixará de contribuir, por vários anos, no aperfeiçoamento de nossa legislação.
Há, ainda, um outro problema. Se S. Exa. se aposentar e se candidatar, em tempo, a senador, sua substituição na presidência do STF obviamente será festejada com rojões pelos condenados no mensalão. Isso porque o fator pessoal sempre exerce forte papel na presidência de toda corte de justiça. A vaga de J. Barbosa será preenchida, certamente, por jurista afinado com a filosofia política e partidária de quem o nomeou, como ocorre em todos os países em que cabe —absurdamente — ao presidente da república escolher, à vontade, os ministros da corte máxima.
Um único voto, o do ocupante da cadeira que foi de J. Barbosa, pode reverter substancialmente, a sorte dos condenados do mensalão. Se, eventualmente, na expressão popular, tudo “resultar em pizza”, por causa da substituição, J. Barbosa será acusado por esse infeliz resultado. Inclusive pelos eufóricos soltadores de rojões, contentes com sua “saída do caminho”.
Como visto, J. Barbosa, para “complementar” sua dor na coluna, ficará, até o início de abril, “entre a cruz e a caldeirinha” (origem da expressão: os moribundos ficavam com a cabeça perto de um crucifixo, e os pés perto de uma caldeira com água benta. Ou ficará  “entre a cruz e a espada”, imagem forte, certamente de sua preferência como homem de origem humilde que não teve medo das dificuldades que o cercavam. Qualquer decisão sua será criticada, conforme o interesse do crítico.
Arrisco prever uma solução para o árduo dilema: se  o Min. Joaquim Barbosa prometer, púbica e solenemente, que deixará o STF — caso o mensalão transite em julgado antes de 4 de abril deste ano —, é provável, e também sábio, que os réus ainda com direito a embargos infringentes, e outros, até desistam de seus recursos e agravos, aceitando o trânsito em julgado.  Isto porque, com a saída de J. Barbosa a balança da justiça, com nova direção e nova composição do Supremo, se inclinará a favor dos réus, nos detalhes incômodos de execução da pena.
Se a presidente Dilma for reeleita, nada impedirá que, sentindo-se “legitimada pelo voto popular”, use, pouco depois, o poder de conceder a graça, prevista na Constituição. Porém, com o “treino” político e legiferante, J. Barbosa aumentará, em muito, sua chance de enfrentar e derrotar o PT na decisiva eleição de 1918. Ninguém será mais experiente que J.  Barbosa, que foi negro pobre, promotor, magistrado e senador e, além do mais, tornou-se um homem enérgico e cordial.
Vou procurar me manter vivo até dezembro de 2018, só para ver se minha profecia foi certeira.
(19-02-2014)

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Prisões só para “crimes violentos”? Os condenados no mensalão apoiam a ideia.


             Tenho visto, na internet, recentemente, uma perigosa e impressionante novidade na área do Direito Penal: a sugestão de que somente pessoas condenadas pela prática de crimes violentos teriam que cumprir pena de prisão. A ideia, em abstrato, e com muitos reparos, é pensável, mas neste momento há nela algo de traiçoeiro.

Segundo a revolucionária proposta, estelionatários, autores de furtos  e receptações, ladrões do dinheiro público ou particular, caluniadores, difamadores, moedeiros falsos, concorrentes desleais, traficantes de entorpecentes, contrabandistas, adulteradores de alimentos ou remédios, falsificadores de documentos, vendedores de sentenças judiciais, autores de falsas perícias, chantagistas e mais uma lista enorme de criminosos — hoje ameaçados com cadeia —, receberiam apenas punições outras que não o recolhimento a um estabelecimento prisional. Isso porque “a prisão não recupera, só deseduca”. E como a finalidade das penas seria tão somente “recuperar”, a única punição legal para o criminoso “maneiro” seria a multa ou outras obrigações que não afetassem sua liberdade de locomoção.
Ainda que essa ideia tenha, eventualmente, brotado sem que seus autores a tenham — sequer remotamente —, imaginado como manobra esperta para libertar os condenados à prisão na Ação Penal 470 — é evidente que esses condenados — e seus simpatizantes políticos —, viram na ousada invenção a única possibilidade de escapar do desconforto de passar algum tempo no presídio, mesmo em regime semiaberto. O caminho processual alternativo, hoje previsto para enfrentar a coisa julgada — a Revisão Criminal —, seria praticamente inútil para tão radical missão porque implicaria em novo e infindável julgamento do mensalão.
Como sabem todos, mesmo aqueles sem formação jurídica, qualquer lei que passe a considerar crime uma determinada conduta essa lei só vale para o futuro. Não retroage. No entanto, nem todos os cidadãos brasileiros sabem que quando a lei penal beneficia o réu, a lei retroage. É preciso que a população brasileira saiba disso e não seja surpreendida, depois com o cancelamento das condenações. Não só dos réus do “mensalão” como também milhares de réus condenados por dezenas de crimes graves que não foram cometidos com “violência” (tiros, facadas, explosões, pancadas, etc.).
Repetindo: mesmo havendo condenação, com trânsito em julgado, dos réus — todos, não só do mensalão — essa modificação legislativa permitiria, ou melhor, obrigaria a abertura das cadeias, exceto para os autores de crimes violentos. Isto é, fisicamente violentos, embora o desvio de grandes somas seja uma forma indireta de violência, mais lesivas que tiro ou paulada.
Essa ambiciosa inovação legislativa obrigaria o Estado a esvaziar as prisões de estelionatários e ladrões não violentos de dinheiro público ou privado, e toda a fileira de criminosos mencionados no início deste artigo.
Certamente, a nova lei “obrigaria”, teoricamente, todos os réus presos do País a devolver as quantias obtidas por meio criminoso. Mas caso isso não ocorresse nada de sério poderia ser imposto aos condenados. Prender por não devolver? Impossível, porque implicaria em prisão por dívida, abolida há décadas. Qual seria a reação emocional da maioria da população brasileira que imaginou que, finalmente, “até” os políticos e seus associados que agiram mal seriam punidos conforme a legislação vigente?
            Seria extremamente difícil, quase impossível, a tarefa do Ministério Público de recuperar o dinheiro dado como desviado em sentenças transitadas em julgado. Essa “cobrança” individual do prejuízo se transformaria em um segundo “paquidérmico mensalão”, considerando o número de réus e a leitura de milhares de páginas.
            Indivíduos vocacionados para a desonestidade sentir-se-iam estimulados para os “grandes golpes”. Pensariam: — “Vale a pena enriquecer desonestamente no Brasil... Se não der certo, se eu for descoberto — o que raramente acontece —, o que pode me acontecer de pior? Nada mais que a obrigação de devolver o que roubei. Mas se eu disser que gastei tudo com mulheres, jogo, etc. , preso não serei, porque não usei violência física.
            Talvez, na elaboração desse benévola futura lei, os mais “duros” legisladores podem colocar, como punição máxima, em crimes não violentos, a prisão domiciliar. Pena que não assusta ninguém a ponto de fazê-lo desistir de um “grande golpe”.
Um certo número de parlamentares da base do governo verá com simpatia e alvoroço a sugestão legislativa acima resumida. Muitos pensam que houve exagero nas condenações do mensalão porque, segundo o pensamento deles, “sempre existiu, ou deve ter existido, a cooptação de parlamentares, em todos os parlamentos do mundo. É o lado sombrio da democracia, infelizmente, mas mesmo com tais escorregões, a democracia ainda é melhor que qualquer ditadura. O povo brasileiro está feliz, hoje, ganhando mais. Qual o problema? Os fins justificam os meios, e se, por acaso, alguns réus desviaram, para o próprio bolso substanciais fatias do dinheiro desviado, isso faz parte da natureza humana. É desumano punir seres humanos com prisões desumanas”.
Se os parlamentares simpatizantes dos “mensaleiros” quiserem ajudar tais condenados, sem ter que devolver às ruas, juntamente com eles, milhares de criminosos que não usaram violência física — porque seria inconstitucional privilegiar apenas os réus da Ação Penal 470 —, que convençam a Presidente Dilma a conceder aos “mensaleiros”  o benefício da graça, previsto claramente na Constituição. Somente o Presidente da República pode conceder a graça — sempre individual, ao contrário do indulto —, desde que o réu não tenha sido condenado por tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, terrorismo ou crime considerado formalmente como hediondo. E desviar dinheiro público ainda não é, no Brasil, considerado crime hediondo.
Em ano de eleição a Presidente Dilma não arriscaria conceder a graça aos réus do mensalão. Perderia votos demais, talvez a própria reeleição. E perdoar esses réus logo após a eventual reeleição, também implicaria um grande desgaste político. O que pode acontecer — e provavelmente acontecerá — é que, Dilma, se reeleita, “legitimada pelas urnas”, pense no assunto e, pressionada, conceda algumas graças após um tempo não excessivo de cumprimento das penas, solução mais palatável para a sentimental população brasileira.
Certamente, penalistas responsáveis alertarão o país quanto ao efeito desmoralizante da nova ideia, neste momento.

(9-2-2014)  
 

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Cadeias superlotadas, “guilhotinas manuais”, recuperação e demagogia.


Esta é a indigesta salada de ocorrências, interpretações, recomendações e demagogia para o combate à delinquência violenta no Brasil de hoje. A delinquência financeira, embora seja, no fundo, mais prejudicial que a de rua — porque subtrai recursos públicos que poderiam melhorar a educação, construir casas populares e presídios, aparelhar melhor a polícia, etc. — tem sido bastante analisada, na esteira do “mensalão”. Por isso, pouco falarei sobre ela nesta abordagem.
A “roubalheira” do dinheiro público causa indignação e desesperança mas não provoca aquela sensação de morte próxima no motorista que aguarda a abertura do sinal. —“Será que esse cara que se aproxima vai me assaltar? Logo hoje! Não terei como escapar... Espere!, talvez eu seja assaltado e morto não por ele, mas pelo companheiro do motoqueiro que neste exato momento parou ao meu lado? Procurarei, não reagir, mas mesmo assim... Que Jesus me proteja, porque o Estado não é capaz de proteger nem ele mesmo!”
Medo semelhante acomete o cidadão que acabou de retirar do banco uma quantia mais alta, em espécie, e caminha na rua olhando pelo canto dos olhos tentando adivinhar se não será mais uma vítima das usuais “saidinhas”. Pessoas que saem ou chegam em casa, dirigindo, também sentem a presença do perigo, não só de perderem seus veículos como também suas vidas. E a situação das mulheres jovens é pior, porque a utilização seu corpo é uma tentação à mais para a bandidagem.
Esse é o clima de medo generalizado que acompanha o dia-a-dia do cidadão das grandes cidades brasileiras. Motoristas de caminhão estão rareando, com medo de sequestro quando a carga é especialmente valiosa. Logo será a vez dos motoristas e cobradores de ônibus, indefesos na sanha incendiária, orquestrada, certamente, pelo crime organizado.
Moças que estudam à noite, ou voltam tarde do trabalho não podem ter certeza de que não serão estupradas dentro de um mês. E se, depois da violação, o estuprador — um “bondoso”, porque não a matou depois de satisfeito — é preso, o que é raro, nenhum policial se atreve — deve haver uma tola proibição a respeito — a remover a camisa que o estuprador puxou sobre a cabeça para não ser filmado ou fotografado. Por que a polícia não o força a mostrar o rosto? Vendo-o na TV, outras vítimas poderiam identificá-lo como seu violador, semanas atrás. O interesse público poderia servir de fundamento para essa suposta “violência expositiva” contra assaltantes e estupradores.
É óbvio que os presos não podem viver amontoados como animais em reduzido espaço porque, afinal, são seres humanos e o crime é resultado de uma série de fatores, nem sempre atribuíveis apenas à “maldade”: necessidade extrema, inclusive de viciados em drogas; sensação, fundamentada, de ter sido injustiçado desde a mais tenra idade; estímulos indiretos de maus filmes em que o mocinho e a linda mocinha acabam se saindo bem, rumo a outro estado, ou país, com sacolas recheadas de dólares. A impunidade, comprovada no baixo percentual de crimes esclarecidos, também estimula a criminalidade. Testemunhas e vítimas temem ser mortas, se prestarem depoimentos quando o réu é perigoso. E lembremo-nos de que em todas as sociedades, sem exceção, sejam elas ricas ou pobres, existe a tentação do crime. Este sempre foi o caminho mais curto para a satisfação de nossos desejos. Quanto menor o risco de reação do Estado e das vítimas, maior a tentação para o crime. Como a população está obrigatoriamente sem reação, desarmada, “basta avançar e pegar, ou queimar, pouco importando se alguém está olhando”.
 Espalha-se, cada vez mais, a cômoda “filosofia” de que ninguém se deve ser considerar “culpado” pelos próprios atos, por mais antissociais que sejam. Um violador de crianças pode, hoje, chegar, sem remorso, à conclusão de que “eu sei que é ilegal, mas minha libido só se satisfaz plenamente dessa forma. Que culpa tenho eu se nasci assim? A culpa não está em mim. Está nos meus genes. No fundo sou  apenas um doente, um infeliz. Preciso ser curado, não punido com cadeia. Se nela entrar, dela sairei ainda pior. Faço questão de sair pior, para mostrar que a cadeia não me recuperou”, parece ser a tortuosa filosofia de alguns marginais.
Um homem, que vive hoje na Holanda — saiu na mídia, mas não dá para guardar todos os jornais e revistas que leio —, condenado por reincidir no abuso sexual de crianças requereu sua castração antes de ser solto após a segunda ou terceira pena de prisão pelo mesmo motivo. Alegou que sem ela acabaria repetindo o mesmo crime. Era uma necessidade mais forte do que ele. Após castrado, já na avançada maturidade, confessou-se muito feliz com sua decisão. Finalmente, vivia em paz, cuidando de seu jardim. Pela foto, parecia um homem normal, sério, até mesmo circunspecto. Quem o visse, antes ou depois da castração, jamais imaginaria o demônio interior com que tinha que lutar quando via uma menininha bonita longe dos pais.
O rapazola que ganha pouco, ou está desempregado, se pergunta, “nutrido” por nova filosofia: — “Por que eu, especificamente eu, não posso ter, hoje, já, um carro bacana, tênis e aquelas roupas de marca que qualquer playboyzinho ganha só pelo fato de ter nascido em família rica? O filho do homem rico mal completa dezoito anos, ou até antes, já ganha do pai um carro novinho. Isso é injusto. Não aceito! Eu teria que estudar e trabalhar muitos anos para subir na vida e poder comprar coisas que outros ganham de graça. Irrealizável, na minha situação! Quem me dará um emprego bem pago e uma Faculdade de graça? Frequentar escolas? Lento demais... E para que? Neymar ganha mil vezes mais que qualquer professor universitário e só jogou futebol. Jogando, eu não teria sua habilidade, mas a culpa, também nisso, não é minha. Não nasci com o dom”.
“Posso, porém” — prossegue o filósofo do crime em gestação —“chegar a ser um chefão do tráfico, ganhando muito mais que qualquer engravatado de óculos que gastou as calças nos bancos de escola. Não tenho saco para tanta demora... Vou arriscar. Se eu me sair mal, bons advogados me livrarão da cana com um “habeas corpus”. Como as cadeias estão superlotadas, isso força os juízes a amolecer. Onde enfiar tanta gente? Doravante, ‘não aceitarei um não como resposta!’. Adoro essa frase! Ela me dá uma sensação de força, mesmo porque todas as minhas vítimas estarão indefesas. A lei do desarmamento foi uma mão na roda para nós, os desfavorecidos e impacientes. Se a vítima for — por azar dele e meu —, um policial à paisana, aí ele morre antes de sacar sua arma porque sempre estarei um passo à frente e examinarei seus documentos para saber com quem estou lidando. O policial, otário, antes de disparar terá que me dar voz de prisão. Eu não, que não sou trouxa! Simplesmente puxo o gatilho. Traçarei meu próprio destino. Felizmente não existe, no Brasil, a pena de morte. Basta ter “peito” e um “berro” na cintura”. Assumo os riscos, que são poucos. O que os playboyzinhos ganham de graça eu ganharei na raça. Por isso, valho mais que eles”.
E assim pensando, nosso filósofo e sociólogo juvenil de mente envenenada convinda uns amigos para cometerem crimes. Se tiverem sorte na primeira “operação’, partem para a segunda, a terceira, a quarta. Mesmo conseguindo um pequeno capital, não pensam em iniciar um pequeno negócio lícito, abandonando a delinquência. “Não compensa..., burocracia demais... E, afinal, todos subtraem, de uma forma ou de outra. De alto a baixo. A televisão e os jornais mostram isso todos os dias”. Por que devo cultivar remorsos, quando todos roubam?”
Alguns articulistas, em jornais, têm argumentado de um modo que leva a entender que nosso altíssimo grau de reincidência é devido apenas  —apenas... — às más condições carcerárias, e que o Estado “falhou’ no seu propósito de recuperação dos criminosos, ao ver deles, a única utilidade da pena. A conclusão deles é direta: se há reincidência, é porque o Estado não cumpriu sua obrigação, ponto final. Não recuperou. Nunca haveria opção do condenado. Este jamais é responsável pelo que é, ou faz. Responsável seria sempre a sociedade, o governo. — “Nenhum juiz veio conversar comigo, me compreender. Oferecer um ombro amigo. Nunca se preocupou sinceramente comigo. Falhou na sua missão. Em todo o processo só se interessou, mesquinhamente, em saber se eu cometi, ou não, o tal roubo. Como é que eu poderia me recuperar nessas condições?
A perversidade frequentemente demonstrada por alguns bandidos, torturando velhinhas, ou estuprando crianças (ou também as velhinhas, se o capricho assim sugerir) seria apenas uma consequência psicológica de uma injustiça social ou econômica.
Essa filosofia está, porém, muito equivocada. O jornal “O Estado de S. Paulo”, poucos dias atrás — lamentavelmente não guardei o jornal — inseriu uma barra, na parte inferior da página, informando qual o percentual de reincidência de pessoas que cumpriram penas em alguns países, inclusive os ricos e bem organizados. O percentual, nos países mais adiantados, inclusive na Escandinávia, é inferior ao brasileiro, mas reincidência ocorre em toda parte, por mais confortável que sejam suas prisões.
Quem se der ao trabalho de ler biografias de criminosos “famosos”, principalmente “serial killers”, fica sabendo que, não fosse a prisão dos mesmos, muito maior seria o número de suas vítimas. Não adianta interná-los em prisões modelos, confortáveis. O conforto também corrompe, até mais que o desconforto, porque funciona como estímulo para continuar fazendo o que fazia antes.
O crime não é sempre resultado de pobreza e carências. Alguns criminosos do colarinho branco, mesmo quando criados em berço de ouro, preferiram desviar, “estelionatar”, iludir, mentir, e até mesmo espezinhar os que estão por baixo. Aliás, se tivessem tido pais severos, teriam talvez se tornado adultos normais, obedientes à lei. Ou “temerosos da lei’. Por que não? O temor pode também ser algo respeitável. O temor de Deus, ou da reprovação social, tem o seu lado bom e útil. Homens de caráter continuam assim em grande parte porque “temem” ser vistos — com razão — como canalhas. É o “temor virtuoso”. Nenhum pai normalmente ético prefere que sua filha se case com um notório vigarista, embora rico. Se prefere é porque também é um vigarista.
Espalha-se a estranha tendência de elogiar algumas poucas prisões em que sua administração é entregue aos próprios presidiários. Estes controlariam — salvo engano —, até mesmo as portas de saída. Justificam o elogio a esse  cômodo sistema dizendo que nelas não há rebeliões.  É claro que não há, porque nelas ninguém é contrariado. Os presos estarão à vontade, fazendo o que lhes der na telha. Veremos em que isso vai dar. É preciso verificar se dentro de tais presídios não estão sendo montados esquemas nada santos. Espero e torço para estar errado — porque isso seria um “ovo de Colombo” na Ciência Criminal, mas presumir que os criminosos, inclusive os mais perigosos e astutos,  pensem mais no bem da sociedade do que no bem deles mesmos é difícil de acreditar. Se tais experiências se comprovarem realmente benéficas, darei a mão à palmatória, com máxima satisfação.
Alguns anos atrás, entrevistando, informalmente, um ex-batedor de carteira — ah! os ingênuos tempos dos “mão leves” em que raríssimamente pensavam em matar suas vítimas , perguntei a ele, realmente recuperado e bem empregado, a que devia sua  recuperação. Ele pensou vários segundos antes de me responder, como se nunca tivesse tido antes a necessidade de sintetizar a causa da grande “virada” de sua vida. Finalmente disse uma frase da qual me lembro até hoje: — “O sofrimento... Sim, foi o sofrimento que me fez mudar...”.
Sua vida no tempo em que esteve cumprindo pena certamente não foi fácil. Com o sofrimento na prisão, talvez mesmo não superlotada, ele chegou à conclusão de que o crime não compensa. Por isso se regenerou. Repita-se: sem algum sofrimento, ou desconforto, não há recuperação, porque em todo ser cérebro humano existe um “departamento” encarregado da avaliação do custo/benefício antes de qualquer decisão importante.
Engana-se redondamente quem pensa que prisões confortáveis, com boa comida, visitas íntimas, televisão, bolsa-reclusão para sua família, esporte e muito lazer, vá “recuperar” muita gente. Principalmente se não houver obrigação de trabalhar e estudar em horários determinados, como vivem os cidadãos fora dos muros do presídio.
Aprender ofícios é essencial, para quem não o tem. Esse é o caminho principal. O recluso deve sair da prisão alfabetizado e bem mais preparado do que estava quando nela entrou. E depois de sair, precisam de uma ajuda estatal para obtenção de empregos. Não se espere, porém, que poucos reincidam sabendo que a prisão é uma espécie de “resort”, muito mais suave que a dura vida fora da cadeia.
O processo do mensalão teve uma virtude colateral: alertou os políticos de que, futuramente, homens públicos podem passar alguns anos no cárcere, pelo menos em meio período. Como isso, antes da Ação Penal 470, era praticamente impossível de suceder, ninguém se preocupava em construir e bem equipar presídios.
A prisão tem sido criticada, inclusive por pessoas inteligentes, como  sendo velharia. Consideram-na uma panaceia para a diminuição do crime. Dizem que não obstante a quantidade de novas condenações, mais tem aumentado a criminalidade. Quanto mais cadeia, concluem seus inimigos, mais crimes são cometidos, a mostrar que a cadeia não serve para nada.
Acho que a conclusão certa é a contrária. O aumento recente de crimes contra o patrimônio deve-se à sensação de impunidade dos que — menores de 18 anos —, sabiam que não seriam presos, de verdade; ou o seriam por curto período. Quanto aos criminosos adultos, eles ficaram sabendo, pela televisão, rádio ou jornais — é o lado involuntariamente prejudicial da informação —, que é ínfimo, bem menos de 8%, o percentual de assassinatos, roubos, furtos e latrocínios que redundam em efetivas condenações com trânsito em julgado. “Só com muito azar é que cumprirei pena”, pensa o bandido violento.
O leitor já imaginou o que aconteceria se as prisões fossem abolidas, não se prendendo mais ninguém, “porque não recupera”? Por acaso a impunidade recupera? Não, ela só incentiva o crime, não só dos já criminosos como também dos que estão hesitando, pensando sobre o que fazer de suas duras vidas. Essa é a conclusão universal. Por isso, em nenhum país a prisão foi abolida. Aplicação apenas de multa? E se o bandido não tem dinheiro para pagar a multa?
As “guilhotinas manuais” de triste notoriedade recente em Pedrinhas, no Maranhão, foram utilizadas por presos de fações rivais, não pelo Estado. Quem praticou tais atos de barbárie talvez fariam isso, mesmo se as cadeias não fossem superlotadas.  As degolas são resultantes de uma mentalidade de ignorância e barbárie, certamente sugeridas por filmes — “Sexta-feira 13”, Serra elétrica”, etc. Ocorreram dentro de um presídio superlotado mas poderiam também ocorrer fora das cadeias. Infelizmente, vai se tornar moda, pelo “frisson”. “Degolar chama a atenção, é o quanto basta”.
 A Máfia, nos EUA, já usou, fora das prisões, métodos ainda mais cruéis que esses. Gangsteres em desgraça foram pendurados, ainda vivos, por bandidos inimigos, em ganchos de carne de frigoríficos. Outros, amarrados e deitados, foram submetidos, como delatores, a uma vingança diabólica: algodões encharcados de pus oriundo de doença venérea, a blenorragia, foram colocados sobre os olhos de “traidores”, para que ficassem cegos. A “técnica”, ao que parece, funciona.
Vivemos em um mundo cada vez mais distante de um ideal de paz e  bondade. Um materialismo atroz, vulgar, ignorante e deslumbrado — não me refiro ao materialismo filosófico, perfeitamente respeitável — tomou conta de um certo percentual da sociedade. O que “interessa”, hoje, é “vencer”, lucrar, gozar sexualmente, e consumir. O resto é “perfumaria”.
Prisões limpas, sim.  Com educação e ensino de profissões necessárias ao país. E que o recluso, depois de solto, tenha uma acompanhamento para readaptação, se é um “João ninguém”. Que se reduza, na lei, o tempo de reclusão, mas que pelo menos metade da pena realmente seja realmente cumprida.
O atual excesso de “faz de conta penal” desmoraliza a Justiça. Enquanto  não for possível “implantar” a ética no cérebro das pessoas “más”, utilizando métodos químicos ou assemelhados — se é que a isso chegaremos um dia — o medo da prisão ainda terá o seu papel no refrear as tentações do conhecido animal que, mesmo sendo como é, teve a coragem de se rotular como “Homo Sapiens”.
Um evidente “escorregão” científico.

(31-01-2014)