sábado, 21 de fevereiro de 2015

Anderson Silva: doping ou compensação hormonal?

Anderso      
O que é melhor? “UFC-arte” ou “UFC-ferocidade”?

Há anos, assisto pela TV — embora com alguma sensação de culpa — as lutas do “vale tudo”: UFC, MMA e demais siglas que transmitem confrontos desarmados dos mais variados estilos de luta. Não só de “estilo contra estilo” — por exemplo, boxe contra judô — mas de “mesclas de duas ou três lutas” contra “infinitos menus” na forma de golpear, imobilizar ou estrangular. Os “estilos” foram se misturando de tal forma que pode-se dizer que hoje só há, praticamente, duas formas de lutar: na vertical e na horizontal. De pé ou no solo.

Esclareço que minha sensação de culpa deriva da constatação de que a visão, frequente, na televisão, de dois homens — agora também de mulheres, algumas até bonitas, provisoriamente... — trocando socos na cara e pontapés em qualquer lugar, menos nos “países baixos” —, certamente estimula a liberação da ancestral agressividade, frouxamente contida pela educação ou temor da lei. Uma agressividade em nada diferente da animal. Na realidade pior do que esta porque organizada, refinada e até mesmo “teorizada”. Sempre é possível encontrar um político, cientista ou “religioso” ignorante para “fundamentá-la’ — vide Estado Islâmico.

O sangue, nesses combates de MMA, frequentemente, cobre o rosto ou o couro cabeludo, a ponto de uma senhora, presente em minha casa, vendo casualmente uma luta especialmente sanguinolenta na TV exclamar: — “Que horror! As brigas de galos e de cães não estão proibidas?”

Quando eu disse que sim ela me perguntou: — Se estão proibidas, como a polícia permite que seres humanos possam se machucar, mas os animais, não? Os bichos valem mais que os homens?”— Aí eu expliquei que os atletas fazem isso por vontade própria, conscientes dos riscos, que raramente resultam em morte ou aleijão, enquanto que os animais são manipulados por pessoas interessadas apenas em ganhar o dinheiro das apostas. Além do mais, os bichos frequentemente morrem na luta, ou pouco depois, ao passo que mortes, ou aleijões irreversíveis, raríssimamente ocorrem com os atletas. Ela não pareceu muito convencida da diferença e achou melhor sair da sala. 

Realmente, o homem é um animal estranho. Terminada a luta, proclamado o vencedor, é comum que os lutadores, já enxugados do próprio ou alheio sangue, se abracem amigavelmente, como se fossem amigos que se encontram após longa ausência. Já entre os animais, isso não ocorre, o ódio é coerente, sincero, a comprovar que o homem é um animal bem peculiar. Dentro de cada homem habitam diferentes pessoas. Cada ser humano é um clube.

Conversando com um amigo, que também costuma acompanhar essas lutas, ponderei a ele que certamente minha preferência esportiva — nunca gostei de futebol — não é recomendável, em termos de formação moral, porque estimula os jovens a usar a força física para impor seus pontos de vista, ou provocar admiração, principalmente na fase de acasalamento. As “minas” ficam excitadas. Os rapazes querem impressionar a “galera”. Em vez da discussão, do argumento, o soco ou o pontapé.

Esse amigo afirmou que, pelo contrário, a difusão dessas lutas desestimulava as brigas entre os jovens porque nas academias os professores insistem na proibição de brigar na rua.

Discordei, porque se é verdade que o aluno é bem doutrinado na academia, o perigo não está nos alunos, mas no número indeterminado de moços que nunca frequentaram qualquer academia, guardam variados ressentimentos e estimulam-se com confrontos que produzem sangue, tanto nas competições de luta quanto nos filmes de ação, cada vez mais insistindo no sadismo prolongado. O “must”, agora, nos filmes de ação, é o uso da serra elétrica, do machado, do corte calmo, pausado, de dedos inteiros — enquanto a vítima grita continuamente —, do estupro coletivo e demais “requintes” de uma ferocidade muito acima da animal.

Como, no entanto, tudo hoje é decidido pelo “mercado”, e a violência está em toda parte, incentivando — aí com razão —, o jovem a aprender defesa pessoal, não com faca nem tiro, o que seria pior — não há porque proibir a prática de tais lutas nos ringues e octógonos. Uma ligeira melhoria civilizatória, nessas lutas seria, porém, a proibição do uso do cotovelo, essa “arma óssea” especialmente brutal e a principal responsável pelo avermelhamento do combate.

Agora, o caso Anderson Silva e o possível doping.

A mídia, por esses dias, tem abordado, com insistência, a questão do uso de substâncias proibidas, “dopando” os atletas. O uso de esteroides anabolizantes foi detectado no organismo de Anderson Silva, em um primeiro exame e, em outro, posterior. Segundo o jornal Estado de S. Paulo, de 19-2-15 —, foi constatada, no segundo exame, também a presença de “substâncias para conter a ansiedade e combater a insônia”. Outra reportagem, anterior, menciona que Nick Diaz, o lutador derrotado por Anderson quando de seu retorno  ao UFC, fumou maconha depois de uma luta.

A proibição do uso de esteroides anabolizantes tem, em princípio, razão de ser, porque os esteroides aumentam artificialmente a força de quem os usa, dando-lhe uma vantagem ilícita em relação ao adversário, que utiliza apenas a força oriunda da natureza, do treino e da vida regrada. Fosse a dopagem autorizada ou “ignorada” pelos organizadores dos eventos esportivos, haveria sempre duas competições dentro de uma só: a “muscular” e a “química’. Competiriam, simultaneamente, os atletas e os laboratórios.

As lutas “envenenadas” certamente se tornariam cada vez mais “empolgantes”, em termos de energia e agressividade. Atletas habitualmente tranquilos tornar-se-iam pit bulls assassinos quando entrassem no ringue. O valor estritamente pessoal do atleta ficaria em segundo plano, porque a engenharia química progride mais depressa que as lentas e incertas mutações genéticas relacionadas com a força física, agressividade e rapidez.

Além do desvirtuamento das competições esportivas — os laboratórios “lutando” entre eles, mais do que os atletas — a morte precoce seria o destino comum dos lutadores, porque essas “mágicas” químicas cobram seu alto preço: arruínam o organismo do usuário que não abandona o vício a tempo.

Ocorre, porém, que a relação de causa e efeito no uso de drogas nas competições esportivas, tem sido mal compreendida, ou explicada, na mídia recente, envolvendo o lutador Anderson Silva.

Lembre-se, para começar, que apenas as drogas capazes de melhorar o desempenho do atleta, em competição que envolva força e/ou velocidade é que poderiam invalidar o resultado. Substâncias que não tenham tais efeitos não podem ser levadas em conta, porque não influem no resultado.

No caso de Anderson Silva, por exemplo, o fato do 2º exame revelar, segundo o jornal, o uso de remédios contra ansiedade e insônia não pode ter, obviamente, o mínimo significado nas suas vitórias. Pelo contrário, o uso de calmantes ou remédios contra a ansiedade até diminui a força e velocidade de quem usa tais produtos e depois vai cambiar pancadas. O mesmo acontece quando o cidadão fuma maconha, conforme diz a voz comum. Foi o caso de Nick Diaz, que teria fumado a erva após sua luta com o brasileiro Anderson. Sou contra o uso da maconha, por razões que ficaria longo enumerar, mas pelo que se sabe, esse produto não ajuda seu consumidor a lutar melhor. Seu maior efeito é o de “paz e amor, bicho...

Segundo se diz, o maconheiro fica é “mole”, rindo à-toa, “numa boa”, menos enérgico, rápido e forte nos golpes. Justamente o oposto do que é preciso para vencer qualquer competição que não seja de risadas.

Apenas as substâncias químicas que aumentam a força e/ou a velocidade do atleta é que podem invalidar sua vitória. O que é ingerido, ou de qualquer forma assimilado, depois das competições só podem autorizar o aconselhamento do atleta para que não fume, não beba, não coma demais, “seja um bom rapaz”, etc. Trata-se da vida privada. A organização esportiva que o abriga pode até expulsar o atleta, se isso estiver no contrato, mas nunca invalidar uma vitória por ele conquistada ainda que tenha em seu organismo os vestígios dessa droga. Se o atleta venceu, ele o fez “apesar” da droga.

Antes de escrever este artigo dei uma espiada no Google, lendo sobre alguns remédios configuradores de doping, que de alguma forma constatam a presença de derivados da testosterona. Alguns — não me dei ao trabalho de anotar —, são indicados para aumentar a rapidez a cicatrização de ferimentos. Espera-se que os advogados de Anderson Silva examinem, com a assistência minuciosa de um endocrinologista, qual o “efeito força e/ou velocidade” que tenha favorecido esse lutador na luta cujo resultado foi invalidado, ou está em vias de o ser.

Mais uma observação, talvez impertinente, vinda de um não especialista: digamos que Anderson Silva tenha, de nascença, uma pequena deficiência na produção natural de testosterona, o que explicaria sua voz fina, um tanto incompatível com sua coragem e energia para lutar.

Se Anderson tiver, eventualmente, alguma deficiência hormonal — o que de forma alguma o transformaria em homossexual — o homossexualismo está mais no cérebro do que na produção hormonal — seria lícito que compensasse essa deficiência orgânica, natural, utilizando a testosterona sintética. Alguns homens mais velhos, atualmente, por recomendação médica, submetem-se a um “reforço” hormonal que teria efeitos benéficos para sua saúde. Tais injeções de testosterona não significam, no caso, “dopagem”. Algo assim ocorre com a injeção de insulina para o diabético. Se o pâncreas do paciente está deficitário, o certo é compensar isso com injeção.

Possivelmente, esse eventual déficit hormonal, compensado com injeção de testosterona, já foi examinado pela assessoria de Anderson Silva, mas pode ser que não.Se for constatado, agora, em novo exame de sangue, que A. Silva tem, de fato, um baixo nível natural, congênito, de testosterona, isso legalizaria a presença da testosterona sintética, descabendo sua punição.

Um homem qualquer — seja ou não lutador —, que tenha um déficit na produção natural, ou de testosterona, ou do hormônio da tiroide, ou da suprarrenal, ou  de qualquer outra glândula, tem o direito, plenamente ético, de compensar essa deficiência, pela qual não é responsável, utilizando o hormônio sintético correspondente. Se for esse, eventualmente, o caso, de Anderson Silva, ele, recebendo um complemento do hormônio que lhe falta, não estará sendo “dopado”, mas apenas “curado”. É uma questão de quantidade, não de qualidade, a mera presença de “vestígios” do hormônio constatado ao acaso, em qualquer momento, sem relação direta com a luta. 

Digamos, mais, que Anderson Silva tenha sua produção hormonal dentro da “normalidade”, mas em grau muito baixo, quase ultrapassando o limite inferior da normalidade. Se, numa escala de 0 a 10, dentro da faixa de “normalidade”, o nível de testosterona de Anderson está, por exemplo, em 1ou 2 — embora dentro do “normal”, mas fraca — , parece-me razoável concluir que poderia receber algum reforço sintético, considerando que gosta do que faz e tem invulgar aptidão e imaginação para um tipo de esporte que exige, infelizmente — mais do que qualquer outro —, uma dose forte de agressividade.

É bom lembrar que para o vale-tudo crescer  e permanecer em forma civilizada, menos primitiva, seria útil não valorizar apenas a agressividade e o sangue derramado. Não é improvável que lutas por demais irrigadas a sangue escorrendo pelo rosto, acabem enjoando, ou enojando, um público mais educado. É um tanto animalesco elogiar o lutador que procura socar o adversário justamente no ponto em que ele já está ferido e sangrando. Não digo que o atleta fique preocupado em não agravar o machucado do adversário. Agora, caprichar, centralizando as pancadas no ponto que já sangra é um atestado de regressão de um esporte por essencialmente  brutal e que pode, no longo prazo, ser considerado como “de segunda categoria, adequada só para broncos”.

É evidente que o atleta excessiva e naturalmente “encharcado” de testosterona natural — tipo “lutador-fera” — agrade mais os telespectadores ávidos de brutalidade. Outros espectadores, porém, valorizam mais o “lutador-arte”, que mostra mais a imaginação e eficiência na arte de vencer as lutas. Provavelmente, este último tem um nível mais baixo de testosterona natural. Por isso é mais humano, razoável, menos agressivo até mesmo nas entrevistas.

Alguém objetará que se o atleta tiver baixa agressividade natural — porque sua produção hormonal é menos robusta — que vá jogar xadrez, golfe, vôlei, nadar, ou jogar pingue-pongue, deixando o “vale tudo” para os “machos”, que não precisam se suplemento algum para “trucidar” babando.

Entre os admiradores de lutas há também os que entendem que a habilidade do atleta, capacitando-o a vencer uma luta mais depressa é algo a ser valorizado. Um boxer que nocauteia o adversário em poucos minutos de luta merece mais admiração do que aquele que só consegue vencer suas lutas — quando consegue... —, no décimo round, coberto de sangue. Provavelmente burro, mas orgulhosos da ferocidade, a única “qualidade-defeito” que pode exibir. 

Embora opinando como curioso, talvez seja justo a Comissão que avalia o caso do doping de Anderson Silva verificar qual a produção hormonal natural de testosterona do atleta e, se constatado que seu organismo é deficitário nesse ponto, releve a falta. É pena que os exames antidoping sejam apenas qualitativos, não quantitativos.

A técnica mais segura para a moralização “orgânica” do esporte de luta está em colher o sangue do atleta uma hora antes de sua competição, após o que atleta ficará em recinto vigiado por câmeras e fiscais, de forma a não poder “cheirar” nem engolir remédio algum. 
A quantidade do precioso líquido vermelho a ser extraída da veia do atleta, antes da luta, não atrapalhará seu desempenho.Ele perderá, provavelmente, a golpes de cotovelo, cinco ou dez vezes mais seu “precioso líquido”.

O uso de cocaína, essa sim, é que merece dupla atenção e punição. Utilizada pouco antes da luta, a energia temporária — cinco rounds —, propiciada pela droga, pode influir poderosamente no seu resultado.

Jon Jones, atual campeão dos meio-pesados do UFC, foi pego com exame de sangue, feito ao acaso, e constatada a presença da cocaína. Teria essa cocaína sido cheirada antes de alguma luta em que saiu vencedor? Não se sabe. Daí a necessidade de que tais exames sejam feitos colhendo o sangue do atleta antes de cada luta importante. O lutador faz sua luta e, dias depois, pronta a análise da amostra, o vencedor recebe, ou não o prêmio, conforme tenha ou não lutado dopado.

Com perdão pela intromissão na seara alheia, encerro aqui minhas considerações. Acredito, porém, que haja alguns pontos de acerto no que ponderei.

(20-02-2015)  

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Proposta em favor da liberdade de imprensa e opinião

           Não obstante a nossa aparente “total” liberdade de opinião, na mídia e na internet, essa liberdade é fictícia — mesmo quando exercida sem abuso — devido a uma possível e cômoda ação de “indenização por dano moral”, movida por quem errou, sabe que errou, continua errando mas pretende silenciar, com assustadora ameaça econômica, qualquer crítica, mesmo honesta, de seu agir culposo ou doloso. 

Assim como pode haver abuso na liberdade de imprensa pode ocorrer também abuso na propositura de tais ações cobrando indenização por ofensa à sua honra, reputação, sensibilidade e sentimentos assemelhados. 

O presente artigo sugere uma modificação legislativa que funcionaria como desestímulo para tais ações quando elas visam apenas intimidar o réu —, jornal, jornalista, revista, rádio, televisão e opinião desfavorável de qualquer modo dirigida ao público em geral. Ao mesmo tempo, essa lei, aqui sugerida, teria o efeito colateral de desestimular, na mídia, críticas desnecessariamente ácidas, com ofensas pessoais que aproveitam a oportunidade da crítica — veraz — para insultar e desmoralizar a pessoa ou entidade criticada. A tentação do o abuso é uma constante na história do Direito. Não é raro que a invocação de um direito venha contaminada com o vírus do abuso. 

Atualmente, no Brasil, conforme a posição social, econômica, institucional ou política da pessoa criticada — inclusive a jurídica —, uma notícia ou opinião desfavorável contra ela, mesmo procedente, pode se tornar um pesadelo para o jornalista ou articulista. O criticado pode mover uma pesada ação de indenização alegando ter sofrido dano moral. Ação que pode demorar vários anos, principalmente quando o criticado sabe que o crítico tem razão mas “precisa ser silenciado a qualquer custo”. Nesses casos, quanto mais tempo demorar a demanda, melhor para o criticado — apesar de figurar como Autor no processo — porque sua verdadeira intenção é tirar o assunto do noticiário. 

Um detalhe jurídico-processual que facilita a intimidação de jornalistas e críticos em geral — mesmo mentalmente honestos — está na permissão de o Autor da ação dar à causa um valor mínimo, simbólico, como, por exemplo, R$ 1.000,00, deixando “a critério de Vossa Excelência (o juiz cível) fixar o valor da indenização”.  Esse “valor simbólico” representa uma enorme vantagem psicológica para o criticado, Autor da ação, porque caso ele perca a demanda, sua condenação pela sucumbência será mínima. Isso estimula o abuso de quem errou mas não quer perder dinheiro quando a justiça finalmente decidir que o jornalista ou articulista nada fez de errado quando deu uma notícia ou opinião. 

Se o juiz da causa, pela legislação atual, concluir que a crítica foi tolerável, ou justa, sem insultos, ele julgará a ação improcedente e condenará o soi disant “ofendido” Autor, a pagar as custas do processo e honorários advocatícios entre 10% e 20% do valor dado a causa —, que pode ter apenas um valor simbólico. 

Alguém dirá que a “litigância de má-fé” pode ser aplicada, nesse caso, punindo com uma multa, a critério do juiz, o criticado melindroso que iniciou a ação. Mas todos os que frequentam o fórum sabem que a condenação por “litigância de má-fé” é pouco utilizada nessas ações, considerando que a sensibilidade moral é muito variável. As pessoas sentem as críticas em graus diferentes e, na dúvida, o juiz não condena quem procura a justiça dizendo-se ofendida com um artigo de jornal ou revista. E se o juiz aplicar essa condenação contra o Autor que foi “sensível demais” essa sanção torna-se uma oportunidade ideal para o Autor recorrer indefinidamente alegando que não agiu de má-fé. Dirá, nos recursos, que apenas exerceu o seu direito de discutir judicialmente uma ofensa a sua sensibilidade moral. Enquanto o processo se arrasta, prolonga-se a o desconforto psicológico do jornalista, sem qualquer indenização. 

É, portanto, de máxima conveniência, que o legislador conceda ao Réu — um jornalista, por exemplo — o direito de, citado em ação cobrando “danos morais’, apresentar “reconvenção”. Esse instituto jurídico, a “reconvenção”, já existe, há décadas, no direito brasileiro, permitindo que o Réu, quando demandado, possa defender-se e simultaneamente atacar quem o está processando, dentro do mesmo processo, por economia processual, desde que a reconvenção tenha relação com o pedido de indenização. O Réu, jornalista, no caso de indenização por dano moral — pela nova lei —, teria o direito de cobrar do Autor igual indenização por dano moral, que lhe é cobrada, só pelo fato dele, jornalista, ser processado sem motivo válido. Sem a necessidade de aguardar o distante “trânsito em julgado” da ação movida pela Autor, reconhecendo que este último não tinha razão. 

Exigir — a doutrina, a jurisprudência ou a legislação atual — que o jornalista, ou crítico, vencedor da ação, aguarde o trânsito em julgado da decisão para, só então, muitos anos depois, iniciar um novo processo, em sentido contrário — cobrando danos morais por ter sido processado indevidamente —, representa um estímulo à “censura privada” à liberdade de imprensa e de opinião. Daí a conveniência, ou mesmo necessidade, de uma lei específica, aqui sugerida, para que o jornalista, ou jornal, possa “reagir” eficaz e prontamente quando for ameaçado em uma demanda em que o criticado exige dinheiro como compensação por danos morais oriundos de uma publicação. 

Se, com a legislação atualmente existente, um juiz admitir a utilização da reconvenção nessas ações de indenização por dano moral — por economia processual —, essa decisão ensejará infindáveis e sutis discussões acadêmicas e judiciais, com o argumento de que a “mera” condição de Réu em ações desse tipo não representa um “sofrimento moral” já ocorrido, passado. “Seria necessário”, dirão os críticos da ideia — porque não estão na pele do jornalista — “um prolongado tempo de sofrimento do jornalista, após a citação, para justificar o pedido do Réu”. Este teria — “tecnicamente” — que sofrer longamente para, só depois, “ter o direito” de pretender cobrar do Autor a mesma quantia pretendida pelo Autor que o intimida financeiramente. 

Ponha-se o leitor na pele de um jornalista que foi citado, judicialmente, para pagar, digamos, uma indenização de cinco milhões de reais, porque não comprovou uma falcatrua — ouvida de fonte confiável mas também temerosa de processo. Essa ameaça tira-lhe todo o estímulo para o jornalismo investigativo. E pode ocorrer que, devido a globalização, a ação por danos morais seja processada em país estrangeiro propensa a indenizações milionárias nesses casos. 

O jornalista Paulo Francis, por exemplo, na década de 1990, foi condenado, pela justiça americana, a pagar uma indenização de cem milhões de dólares por ter mencionado — em entrevista, ou artigo —, que a diretoria de uma empresa estatal brasileira teria desviado altas somas da empresa para contas particulares, em banco suíço. Como ele não comprovou em juízo esse desvio — o sigilo bancário era inviolável —, ele foi condenado a pagar os cem milhões. Ele justificava-se, no decorrer da demanda, dizendo que ao fazer suas denúncias pensava que o governo brasileiro iria investigar o fato, supostamente ilícito, e isso não ocorreu. Não digo aqui se Paulo Francis tinha, ou não, fundamento no que disse, mas de qualquer forma, é impossível escapar da insônia com uma espada desse porte pendente sobre a nuca de qualquer jornalista ou dono de jornal. Não é necessário sofrer vários anos de angústia para só depois ter o direito legal de requerer uma indenização por dano moral de alguém que o processou sem razão, quando essa sem-razão foi reconhecida pela justiça.     

Em toda demanda judicial deve estar presente a sábia recomendação de Voltaire: a vantagem (ou lucro) deve ser igual ao perigo. 

Convém, moralmente, que em qualquer ação de indenização por dano moral o “ofendido” — quando apenas astuto —, antes de ajuizar uma ação contra seu crítico pense duas vezes, ciente de que, se o crítico tinha razão nas críticas, ele, criticado, terá que, encerrada a causa, pagar ao “ofensor”, a mesma  — ou superior — quantia que pediu na sua petição inicial. Essa perspectiva de ter que pagar o mesmo que está cobrando também lhe causará insônia. 

Hoje, repita-se, esse equilíbrio de forças não existe. O articulista, ou jornal, que só apontou fatos, ou argumentou razoavelmente — assim reconhecido na sentença — nada ganhará, judicialmente, como compensação pelo sofrimento moral durante o processo que sofreu injustamente. O jornalista, mesmo sendo inocente, só terá perdas: em dinheiro e desgaste emocional. Foi “encurralado” processualmente. Pela atual legislação, a sentença, claro, condenará o Autor, criticado, a pagar os honorários do advogado do Réu  mas essa verba pertence a seu advogado, não a ele, jornalista. 

Há mais a ser modificado com essa futura lei. Ela exigirá que em toda ação de indenização por dano moral — seja qual for o motivo — o Autor será obrigado a mencionar, na petição inicial, o valor que pretende receber do Réu, não podendo deixar isso “o critério do juiz”, na sentença. Essa vagueza em definir sua “dor moral” estimula ações desse tipo, levianas, porque, no caso de insucesso, a sucumbência em honorários será, como já disse, mínima. E quando o autor “ofendido” goza dos benefícios da justiça gratuita, nem mesmo as custas do processo serão pagas. É muito cômoda nossa atual legislação para quem utiliza a justiça pretendendo silenciar seu crítico alegando ter sofrido um dano moral. 

Essa desejável e futura obrigatoriedade legal de o autor  fixar o valor da indenização que pretende já na petição inicial. A menção desse “quantum”, teria a vantagem de permitir a qualquer Réu, quando demandado, abster-se de contestar a ação, quando o valor mencionado for mínimo, não justificando maiores gastos com  defesa judicial. Como está hoje a legislação — ensejando ao Autor não quantificar o valor que pretende cobrar —, todo Réu sente-se forçado, por prudência, a contestar qualquer ação de danos morais, mesmo que a considere risível. Se procedente a ação — como certamente acontecerá, face a revelia — é impossível prever-se qual o valor da indenização que o juiz mencionará na sua sentença. A indenização pode ser altíssima, por motivos ideológicos. Isso é pouco provável, mas pode ocorrer. 

A lei a ser proposta terá a virtude “extra” de forçar maior urbanidade, ou  compostura, nas críticas, impressas ou orais, contra pessoas ou instituições. Isso porque, se os fatos criticados forem verdadeiros, mas o crítico aproveitou a oportunidade para enxovalhar, com “brilhantismo” a reputação do criticado — muito além da intenção de apenas criticar um ato —, ele será condenado a pagar uma indenização a ser fixada pelo juiz. Não pela crítica — na essência verdadeira —, mas pela forma abusiva de se expressar, ofendendo desnecessariamente quem eventualmente errou. Enfim, essa lei terá também algum um “efeito colateral” civilizador. O direito de livre crítica, reconhecido mundialmente, foi concebido “para o bem”, não como oportunidade para ofensas e desmoralização impune que chamem a atenção do público para a eventual “genialidade” do redator. 

Finalmente, uma última sugestão, na mesma lei. Nas “reconvenções”, genericamente falando, diz a doutrina que, se o Autor da ação, depois de citado na reconvenção, resolve desistir da sua ação, o Réu, reconvinte, poderá prosseguir na sua ação contra o Autor. É o caso de alguém que está sendo cobrado como devedor de quantia, em um negócio, e que reconvém dizendo que é o Autor que lhe deve dinheiro. 

Nas ações de dano moral a lei sugerida dirá que se o Autor da ação desistir da ação, após citado na reconvenção — também por danos morais —, a ação será encerrada, com extinção tanto da ação quanto da reconvenção. Isso porque a possibilidade — dada ao Réu, genericamente, pelo instituto da reconvenção —, de prosseguir na reconvenção inibirá o Autor de desistir de seu pedido. E a lei deve estimular a concórdia, não a litigiosidade. É uma solução que me parece melhor, mesmo porque o “sofrimento psíquico” do jornalista será mínimo, ante a rápida desistência do pedido do Autor. 

Encerro, aqui, minha sugestão. Observo ao leitor que não escrevo para juristas, mas para pessoas em geral. Daí meu estilo coloquial.  Vou encaminhar a proposta às entidades de defesa da liberdade de imprensa, as maiores interessadas no direito de informar ao público o que existe de errado, ou aparentemente errado, neste complexo mundo em que vivemos. 

Desnecessário, de minha parte, apresentar agora um esboço de projeto de lei a respeito, pois há advogados e juristas do mais alto nível que podem fazer isso melhor do que eu. Se, porém, algum sindicato do ou associação me solicitar algum esboço, como mera sugestão, farei isso com a maior boa-vontade. 

O direito de informar e criticar estará sempre em perigo quando o criticado, indivíduo ou pessoa jurídica, tiver em mãos o fácil — e por vezes abusivo — direito de ameaçar, financeiramente, via justiça, quem se atreveu a revelar fatos provavelmente lesivos ao interesse público. É com a crítica que o mundo evolui, não com o medo de melindrar. 

(02-02-2015)