Desde moleque nunca gostei —
reação “boba’, sentimental —, de ver alguém sofrendo. Nesse ponto, seria um péssimo
médico. Antes da invenção da anestesia, seria incapaz de, como cirurgião,
amputar uma perna. No máximo um dedo, e com isso me lembrei do Lula. Aflige-me
demais tanto à dor física quanto à dor moral a alheia. Quanto à dor própria,
também dela não gosto, mas isso é normal.
Não pensem que me orgulho
dessa “qualidade” que pode ser vista também como defeito, fraqueza moral —
conforme a profissão do portador. Há momentos em que é necessário ser
insensível com os demais seres vivos. Juízes, por exemplo, não podem ter
coração mole porque, atrás da moleza caminha na ponta dos pés, olho vivo, o abuso
ou crime, estimulado com a impunidade.
Como um ser humano consegue
matar um leitão enfiando um punhal no coração do porquinho que grita? Ou, mais
ainda, coloca caranguejos vivos dentro de uma panela com água fervendo, percebendo
que os agoniados tentam inutilmente empurrar a tampa? Eles também têm nervos. Ponham-se
no lugar deles. Se houvesse um deus-caranguejo ele mataria de imediato o cozinheiro
e o reencarnaria como crustáceo destinado à panela.
É essa a minha reação instintiva, irracional,
ao que acontece com o ex-presidente Lula, um homem prejudicado pela sua baixa
instrução, neste momento condenado, em segunda instância, a 12 anos e um mês de
reclusão. Desmoronamento pessoal vertiginoso de um ex-presidente que gozou de
grande popularidade dentro e fora do Brasil e suscita agora — em algumas pessoas
que nunca votaram nem votariam nele — é meu caso —, certo grau de compaixão,
mesclada de alívio, pela sua quase certa e recomendável exclusão da vida
política. Ele já deu o que tinha que dar. Se retornar, virá pior, magoado, em
estilo jararaca, querendo revanche, mirando judiciário e imprensa.
Compaixão por que? indagarão
os mais severos. Porque Lula, conforme uma das hipóteses acima sugeridas, é
vítima de sua rudimentar instrução, embora combinada com uma inata habilidade
no lidar com seres humanos. Pessoas inteligentes e de pouca instrução, mas com “garra”
— o apelido da tenacidade ignorante —, tornam-se tragédias para seus países
quando conquistam o poder e dele não conseguem largar, “nem que a vaca tussa”,
na sua mais sofisticada verbalização mental. Não conseguem conviver com a
democracia, “complicada demais” para suas cabeças.
Veja-se, por exemplo, o apoio
de Lula a Nicolás Maduro, um caminhoneiro de poucas luzes — sem cultura formal
nem informal mas encharcado de “garra” — que recebeu o poder total das mãos de
um semi-ignorante, Hugo Chaves. Ambos acreditavam que é lícito, pela força,
mentira e demagogia, manter-se indefinidamente no poder, “em benefício do povo”,
claro, claro... É raro um ditador deixar o poder “voluntariamente”, não sendo
velho demais, como ocorreu com Pinochet e Robert Mugabe.
Em um artigo que escrevi, meses atrás, disse
algo bem temerário e que hoje não confirmo: que se eu fosse rei, com poderes
absolutos, totalmente acima da lei, deixaria que Lula ficasse — por caridade e
pacificação do país — com seu apartamento no Guarujá e sua casa de campo com a
condição de que ele devolvesse o dinheiro que eventualmente guarda lá fora — ou
aqui, em poder de eventuais laranjas — e se aposentasse totalmente da política.
Afinal, essa bondade talvez
se justificasse porque no início de seu governo, Lula — ouvindo falar do sucesso
de Franklin Roosevelt, nos EUA, e Juscelino Kubitschek, no Brasil —, estimulou
o crescimento, intuindo que um forte estímulo ao consumo, emissão de moeda e
pedidos de empréstimos, poderiam — do nada —, criar riqueza e acabar com a fome
no Brasil. O problema é que, de modo geral, e mesmo agora, Lula pensa que não
há porque se preocupar com o futuro endividamento sem limite porque quando ele
chegar “estaremos todos mortos”. Um velho chavão. Popular porém errado, porque
futuramente estaremos todos mortos mas nossos filhos e netos, não.
Nesse ponto, parece-me — com
minha ignorância acadêmica — que o inteligente e erudito Meirelles poderia ter “maneirado”
sua política, incentivando o consumo e aplicando parte da arrecadação dos
tributos, dele oriundo, na infraestrutura, aumentando o emprego e enriquecendo
o país. Dois planos, A e B. Um de longo prazo, como ele fez e outro, também
importante, de efeito imediato. Com isso, quando e se a bomba “estourar”,
futuramente, o prejuízo será bem menor porque o país estará mais rico e firme
em sua estrutura. Até o erudito Ruy Barbosa, nosso maior gênio, no início da
República, adotando o “encilhamento”, errou quando Ministro das Finanças.
Temer, embora leigo — às
vezes, ser leigo ajuda —, arriscou por conta própria estimular o consumo — utilizando
o FGTS e outras medidas de efeito imediato —, e viu rapidamente diminuído seu
grau de rejeição. O presidente também constatou o que já sentia, como político:
que a economia não é uma ciência exata, e depende um bocado de emoções e
simpatias. Pensar no futuro, sim, mas caprichar no presente.
Volto ao Lula. Examinemos o julgamento
de sua apelação. Ele não se conforma. Considera-se perseguido, mas seu
julgamento íntimo sobre o julgamento judicial está sendo deformado pela sua escassez
de conhecimentos, ignorando o conselho do velho Sócrates — o grego, esclareça-se,
não o jogador de futebol : — “Conhece-te a ti mesmo”.
Não obstante sua revolta, ele não a simula — a
primeira hipótese de como pensa —, está sinceramente inconformado, sentindo-se
apenas perseguido. Está, porém, enganado. Recebeu um tratamento legal conforme
a legislação em vigor, tanto em Curitiba quanto no TRF-4, de Porto Alegre, mesmo
defendido por advogados hábeis e sem papas na língua ao enfrentar, com uma agressividade
nunca vista, um paciente magistrado de Curitiba.
Lula ainda tem enorme
prestígio com alguns jornalistas com tendência de esquerda e que censuram sua
dupla condenação, mas sob o ângulo técnico-jurídico sua condenação, em especial
no TRF-4, não merece reparos. A prova foi examinada à exaustão pelos
desembargadores porque se assim não ocorresse diriam que a condenação foi “sem
provas”. O máximo que podem alegar seus seguidores é que “outros políticos
fizeram o mesmo”, ou algo parecido, e ainda não foram julgados.
A se pensar assim ninguém
poderia ser julgado, em país algum, porque há sempre um sem número de casos,
passados e em andamento. Cada réu é julgado só pelos seus atos ou omissões,
conforme os processos de cada um. São milhares as ocorrências, cada uma com
suas particularidades.
Perguntem a qualquer mãe de
assaltante — condenado e confesso —, se ela acha que seu filho mereceu ir para
cadeia. Ela provavelmente dirá, com toda sinceridade: — “Não, porque há muito
bandido solto por aí, pior que ele! Foram as más companhias! Meu filho é um bom
garoto, carinhoso; apenas não teve sorte nessa vida ingrata de pobre”. No
fundo, filosoficamente, ela até pode ter razão, mas os juízes são apenas
juízes, não economistas ou magos com o poder de moldar o país com um estalar de
dedos, transformando-o em um paraíso terrestre.
Mesmo entre pessoas já
condenadas, é uma minoria a que pensa que realmente errou e merece ser punida.
Quase todas, se perguntadas, dirão, sinceramente, que não mereciam estar presas
porque a vida é dura, o trabalho honesto é mal remunerado, ou não existe, e “quem
não tem padrinho morre pagão”.
Lula tem admiradores entre
grandes jornalistas. Jânio de Freitas, por exemplo, é um dos defensores de Lula.
Articulista inteligente, sem medo, arguto e severo, ele informou, em um artigo
da Folha (A6 poder, de 28/01/2018, “Aqui é possível”), que um conceituado
jurista britânico, Jeoffrey Robertson — contratado por Lula para assisti-lo na
Comissão de Direitos Humanos da ONU — ficou “estarrecido” com algumas coisas
que considera impensáveis em cortes europeias, no julgamento das apelações.
Segundo o jornalista, o
advogado Jeoffrey Robertson criticou três coisas, na condenação de Lula pelo TRF-4:
1) a enorme diferença de tempo concedido “à acusação”; 2) o detalhe de o acusador
sentar ao lado do relator, com ele trocando palavras; 3) o fato de os juízes
trazerem suas decisões já redigidas, antes ouvir a defesa, “coisas impossíveis
de acontecer na Europa”.
Com o devido respeito ao
inglês, não teria cabimento que a ordem adotada no julgamento de Lula, na
apelação, fosse modificada apenas por ser Lula o acusado. Milhares de acusados
foram e estão sendo julgados, há décadas, no nosso país, nas apelações,
conforme a sequência adotada no caso de Lula que, por sinal, é perfeitamente
lógica.
Aqui vai uma explicação, bem terra-a-terra,
sobre como funcionam os julgamentos de apelações no Brasil. Dirijo-me aos totalmente
leigos no assunto.
Na apelação de Lula, redigida
na primeira instância, em Curitiba, todos os seus argumentos de defesa foram apresentados
por escrito e também respondidos por escrito pela acusação; o
mesmo ocorrendo com a apelação da acusação pedindo aumento da pena fixada por
Sérgio Moro. Repito: toda a prova, contra e a favor de Lula foi discutida
quando os autos ainda estavam em Curitiba. Feito isso, os autos da apelação foram
enviados a Porto Alegre.
Chegando os autos ao TRF-4 todos
os argumentos foram lidos — individual e separadamente —, pelos desembargadores
julgadores, cada um em sua própria residência, ou em seu gabinete. Examinadas
as provas e alegações, os desembargadores escreveram seus votos individuais —
cada um o seu —, e no dia do julgamento, leram-nos, tão longos quanto
necessário. Lidos, é óbvio, sem interrupção, sem direito a apartes dos
advogados da defesa — como é usual em todos os países civilizados. Anote-se que quando o advogado faz sua defesa
também os juízes não podem aparteá-lo. Imagine-se a anarquia em que se
transformaria o julgamento da apelação se nele os advogados de Lula e dos
demais réus pudessem, a todo momento, interromper e contestar a opinião dos
julgadores. Algo assim como ocorreu no tumultuado julgamento político do
impeachment de Dilma, com infindáveis “questão de ordem, senhor presidente”! Um
tumulto incontrolável, só faltando os tapas.
Os votos dos desembargadores,
relator e revisor, teriam que ser apresentados por escrito, exigência legal. Em
um julgamento de tal complexidade, examinando a decisão de primeira instância —
com centenas de páginas —, não seria exigível, nem prático, nem inteligente,
que os desembargadores — como incrivelmente alega o advogado inglês —
comparecessem ao importante julgamento contando apenas com a memória. Lembrariam,
os julgadores, com exatidão, os pormenores espalhados em centenas de páginas?
Nomes, datas, quantias, documentos, argumentos, número da folha dos autos, etc.?
Se houver recurso de Lula —
como haverá, para o STJ e/ou STF — contra o decidido na apelação —, pergunta-se:
como os Ministros do STJ ou do STF teriam condições de avaliar se a apelação
foi, ou não, bem julgada? Sem um “registro” escrito de fundamentação de cada
voto não seria possível ao STJ ou STF julgar o trabalho dos julgadores do TFR-4.
O que o réu, apelante, tinha que alegar em seu favor, contra a sentença de Moro,
ele o disse na apelação escrita por seus advogados, redigida em Curitiba. Não
teriam, os desembargadores da apelação, que repetir, oralmente, tudo o que
escreveram os advogados de Lula, pressupondo que os desembargadores não leram
os autos. O julgamento da apelação não teria que ser um “show” de confronto
verbal, para empolgação do público. Espetáculos desse tipo só cabem nos
julgamentos do tribunal do júri.
Não sei, data vênia, como o advogado inglês
teve a coragem de dizer o que disse, comentando o julgamento em que ele presenciou.
Esse inglês não entende português. Precisou da tradução simultânea, mas ou esta
foi confusa ou Robertson a entendeu mal porque é inacreditável a crítica do
inglês contra a forma do julgamento que presenciou, sem nada compreender.
Robertson, segundo informação
do jornalista, criticou o “enorme” tempo concedido à acusação, em comparação
com o minúsculo tempo disponível à defesa. Se ele realmente pensou ou disse isso
é porque entendeu tudo errado. Interpretou como “acusação” a mera leitura dos
longos votos dos desembargadores. Como em tais votos os magistrados
incriminavam o réu, pareceu ao inglês que os desembargadores eram os “acusadores”,
ou promotores, quando eram apenas juízes, dando seus fundamentos decisórios.
As falas do acusador e do
defensor foram curtas, ambas, porque tudo o teriam a dizer já fora dito, por escrito,
na primeira instância, antes do processo chegar ao TRF4. Digo coisas tão elementares
porque muita gente — mesmo com instrução superior —, não tem a menor ideia de
como se processam os julgamentos nos tribunais.
Quanto ao detalhe de o
Acusador sentar-se perto do Relator, podendo trocar algumas palavras com ele,
essa disposição das cadeiras é tradicional em todos os tribunais brasileiros,
talvez porque ambas as profissões — promotoria e magistratura —, estão apenas,
presumivelmente, interessadas em fazer justiça, e não em satisfazer interesses
particulares, como ocorre com advocacia, em que o réu sempre visa escapar de
uma punição. Provavelmente, essa disposição dos assentos consta dos regimentos
internos dos tribunais e não teria cabimento modificá-la no caso em exame.
Seria, talvez, uma ideia a se
pensar — apenas por questão de aparência — colocar o promotor e juiz em cadeiras
distantes, só para afastar a suspeita de alguma vantagem para a acusação.
Presume-se que essa proximidade física não vá alterar a convicção do Relator.
Seria arriscado, para o promotor, dar ao magistrado vizinho, a impressão que ele,
promotor, o considera um juiz tolinho, uma “Maria vai com as outras”,
modificando seu julgamento ao sabor das cochichadas do acusador. O tiro poderia
sair pela culatra, irritando o magistrado, que certamente o mandaria parar com
o bafo na sua orelha.
Frise-se que enquanto os
desembargadores não estiverem com opinião formada, não é marcado o dia do
julgamento. Será que o jurista inglês esperava um caloroso e confuso confronto
verbal entre acusador, defensor, réus e desembargadores? Não acredito.
Certamente ele, por uma dificuldade linguística qualquer, não entendeu o que
estava acontecendo no Tribunal.
Lula,
até agora, não conseguiu compreender a atual legislação penal, avançada e abstrata
demais para seu gosto e mesmo para alguns profissionais do direito, mas sábia —
o “domínio do fato”, por exemplo —, daí sua sincera revolta. Essa incompreensão
dos réus, no entanto, não tem o dom de revogar a lei. Pierre Joseph Proudhon,
um famoso anarquista, ainda com alguns seguidores, dizia que “Toda propriedade
é um roubo”, mas essa opinião nunca funcionou, em qualquer sistema legal.
Como disse, sua situação processual, neste
exato momento, pode despertar impulsos de caridade em pessoas sentimentais que,
embora condoídos de sua patética e envelhecida figura, não querem vê-lo de
volta à política porque com ele voltariam ao poder antigos companheiros visando
apenas enriquecer e colocar amigos nas empresas estatais. Se Lula tivesse sido
melhor educado, sua capacidade natural — acolhedor, “um dos nossos!”, agudo
psicólogo, persuasivo quando se dirige às massas —, seria hoje, provavelmente,
um unânime orgulho nacional.
Lula se considera “vítima”, e
realmente o é, mas vítima involuntária de si mesmo, de sua ignorância sobre o
lado “técnico” de governança em tempos complexos como os atuais, em que até os
“experts” escorregam. Ele conhece a “arte” mas não a técnica fria de racionalmente
governar, conciliando o presente com o futuro.
Se for mantida a atual
orientação do STF, de prender o réu com condenação na segunda instância, antes
do trânsito em julgado da condenação, ele se considerará “um mártir”, julgando a
si mesmo com sinceridade, embora a maioria do povo brasileiro julgue o
contrário, com igual sinceridade.
Lula, se preso, com recursos
ainda pendentes proclamará: — “Depois de tudo o que fiz para projetar o Brasil
— o Obama me chamou de “o cara!”, lembram? —, e ajudar os mais pobres, e os
mais ricos, será a humilhante cadeia o meu prêmio? Cadeia comum só por eu não
ter curso superior? Ora, não tive estudo no Brasil mas sou “doutor honoris
causa” em inúmeras universidades estrangeiras e brasileiras! Inclusive pela
Politécnica de Lausanne, Suíça. Fui “homem do ano”, pelo jornal Le Monde. Que
‘elite’ ingrata é essa que não me agradece? Salvei-a do comunismo! Não fosse
eu, o Zé Dirceu estaria até hoje no poder, no “Soviet Brasileiro”, desde 1965,
ou por aí, como um segundo ‘Fidel Castro”. Como podem esquecer isso? Alguns Ministros
do Supremo, nomeados por mim — ou pela minha fiel seguidora —, como têm a ingratidão,
a deslealdade, de dar votos contra este filho do povo que chegou a presidente
mesmo com educação formal quase zero? Punem-me só porque não estudei? Não
estudei porque não tinha pai rico e precisava trabalhar, criando o melhor
partido do país, ora bolas!”
Quando ele, intimamente,
supervaloriza sua posição de “doutor honoris causa” ele parece desconhecer que
em tais premiações existe, quase sempre, muita política. Há políticos que
simplesmente estão na moda, em certo momento. E no caso de Lula, quando
premiado, seus atos e omissões ainda não tinham sido investigados.
É assim que, real ou
aparentemente, pensa Lula. Quando ele deblatera contra sua situação de réu, ele
vê o mundo com a mente restritamente moldada pelo ambiente em que formou sua
mentalidade. E que ambiente era esse? De constante luta sindical, de “pobres
contra ricos”. Lutando por salários melhores. Convocando, controlando ou
extinguindo greves, conforme o interesse do momento, seu ou do seu sindicato.
Nunca gostou de ler, nem mesmo jornal, ou de frequentar escola, de qualquer
nível, a não ser, parece, o aprendizado da profissão de torneiro mecânico.
Alguém, fã do herói
pernambucano, lendo as linhas acima, objetará que ele deve voltar à presidência
porque a falta de educação formal não impede um político ignorante de ser um
grande presidente, porque, no cargo, pode escolher para ministros grandes
figuras da área econômica, jurídica, científica, etc., que preencherão o vácuo
de sua ignorância pessoal. Repetirão o adágio de que “os príncipes sabem tudo
sem nada terem estudado”.
Esse provérbio servia mais
para os tempos antigos, na realeza, quando os assuntos não tinham a
complexidade atual. Hoje, na própria escolha entre os candidatos a ministro é conveniente
um alto grau de instrução do presidente porque atrás de cada “ministrável” há
um conjunto de interessados em encher tanto o ego do presidente quanto os próprios
bolsos.
Um presidente altamente
instruído tem mais probabilidade de fazer uma boa escolha de ministro do que um
presidente com diminuta educação, embora com cara de espertinho. Alguém já
disse que “educação é tudo aquilo que fica quando nos esquecemos do que
aprendemos”. Esse “resíduo” mental ajuda seu portador, nem que seja em forma de
prudente desconfiança. Pegue-se o mais inteligente índio vivendo nu na selva,
alfabetize-o apenas e coloque-o como presidente e verão o que acontece. Será, por
um bom tempo, apenas um índio inteligente, com grande habilidade para fazer
arcos, flechas, lanças e caçar javalis. A complexidade da sociedade moderna
exige mais do que a mera inteligência natural. Em tudo.
Presumo que Lula inspirou-se
em Franklin D. Roosevelt quando este salvou seu país da profunda recessão
incentivando obras de infraestrutura e geradoras de emprego. A imitação foi, no
entanto, incompleta. Roosevelt inventou obras mas seus ajudados — operários e
patrões — precisavam trabalhar. No Brasil, a ênfase ficou só na ajuda. E na
dependência, nas eleições, não sei se proposital ou mera má-administração.
A ignorância oriunda da falta de educação
formal, ou do autodidatismo — Lula não teve nenhuma das duas — leva o indivíduo
a enganos elementares. Conheci um senhor de grande inteligência natural — maior
que a minha —, com segundo ano primário incompleto, que me perguntou, baixinho,
antes de dizer algumas palavras numa reunião: — “Francisco, diga-me uma coisa:
o polo norte é frio, não é? — “É”, respondi. — “Então, o polo sul deve ser
quente, certo”? Para quem nunca assistiu uma aula de geografia, a dúvida lhe
parecia adequada, porque os polos geralmente são opostos.
Na escolha de ministros, Lula
valorizava demais a amizade e a simpatia, desprezando a capacidade específica
para o cargo. Um inspirado cantor, por exemplo, lhe pareceu o suficiente para ser
nomeado Ministro da Cultura, quando esse ministério exige mais cultura que uma
garganta educada e manejo do violão. E ministros da área jurídica, ainda mais
os vitalícios, agradecidos, dificilmente sentir-se-ão à vontade para proferir
votos contra quem os tratou com tanta amizade e consideração.
A falta de instrução de Lula
ficou bastante evidente no seu interrogatório pelo juiz Moro, quando Lula teve
a audácia de pretender ser o juiz e Moro, o réu. Perguntou ao juiz se ele tinha
a coragem de se olhar no espelho e se considerar imparcial, no seu caso.
Queria, obviamente, ofender o magistrado ou com isso conseguir a sua suspeição
para julgá-lo. Se seu exemplo pega, assaltantes de carros fortes, presos,
quando interrogados vão se atrever a dizer ao juiz: — “Meretríssimo, não sei
porque você fica perdendo tempo com esses detalhes bobos? Que tal mudar de
assunto? Que tal negociar? Juiz ganha uma merreca. É fácil para o senhor, ficar
sentado aí, me acusando com ar importante, vida mansa, bem nutrido. Dotô, eu
assalto pra comer! Olho no olho: você vai me condenar ou absolver? Seja franco!”
Do conjunto das falas de
Lula, lidas na imprensa, pode-se concluir, com alto grau de certeza, que ele
segue uma “legislação” toda própria, diferente da oficial. Recentemente,
segundo a mídia, disse que o ex-governador Sérgio Cabral não merecia ser preso
apenas porque desviava para seu próprio bolso dinheiro público.
Como Lula ouviu falar que a
prova da propriedade imobiliária comprova-se com o registro de imóveis, o triplex
do Guarujá, não estando em seu nome, não é e nunca foi seu, ponto final.
Conclui que por isso sua condenação foi injusta. Ignora o que seja falsidade
ideológica.
Para ele é irrelevante o
conjunto da prova que demonstra que agia como dono quando sua mulher, com sua
aprovação, exigia tais e quais modificações no acabamento da unidade. E deve
ainda pensar: — “Eu enriqueci grandes empresários. Eles, em troca, me
presentearam com o apartamento. Nada mais justo. E o que é um mísero
apartamento, por maior que seja sua área, comparado com o benefício que fiz a
eles, de bilhões, e ao próprio país, estimulando o crescimento de suas empresas,
aqui e no Exterior?
Deve sentir igual revolta
quando a imprensa e a Polícia Federal fica investigando o rápido enriquecimento
de seus filhos. Pensa assim: — “Esses acusadores, filhinhos do papai, nascidos
em berço de ouro, acham que só eles têm o direito de se tornarem empresários de
sucesso? Acham que meus filhos não podem subir de vida, devem se contentar com
empreguinhos insignificantes, só porque são meus filhos? Como bons pais, a
“elite” me pedia nomeações para seus rapazes, eu atendia, e agora, que estou
por baixo, querem distância... E os presentes que me deram, quando deixei o
poder, eram pra mim, pessoalmente, nunca para uma abstrata “presidência”, ora
essa!”
É por essas e outras que, com
ou sem cadeia, enquanto seguem seus recursos, com maior celeridade de
julgamento — pelo fato de estar recolhido “provisoriamente” — que Lula deve ser
afastado da política. O que ele pensa sobre a legislação penal é irrelevante porque
o conteúdo de sua mente está em conflito com a atual legislação do país.
Se voltar à presidência, e
como o exemplo vem de cima, a juventude não terá estímulo nenhum para estudar,
respeitar a lei e as decisões judiciais, vendo com antipatia tudo que esteja
acima do futebol. Pensarão que é lícito receber “comissões” nos contratos
governamentais, falar errado e censurar a imprensa.
Respondendo à dúvida inicial,
Lula é uma mistura de baixa instrução, astúcia e crença esperta de que com a
constante repetição, emocionada, de que é inocente — vítima da elite e que “não há prova” —, conseguirá escapar das
leis brasileiras.
(21/02/2018)