quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Como funciona a mente de Lula?

São três as hipóteses para seus erros: acredita, sinceramente, que é inocente; sabe-se culpado mas finge não ser; é uma mescla das duas coisas.

Desde moleque nunca gostei — reação “boba’, sentimental —, de ver alguém sofrendo. Nesse ponto, seria um péssimo médico. Antes da invenção da anestesia, seria incapaz de, como cirurgião, amputar uma perna. No máximo um dedo, e com isso me lembrei do Lula. Aflige-me demais tanto à dor física quanto à dor moral a alheia. Quanto à dor própria, também dela não gosto, mas isso é normal.

Não pensem que me orgulho dessa “qualidade” que pode ser vista também como defeito, fraqueza moral — conforme a profissão do portador. Há momentos em que é necessário ser insensível com os demais seres vivos. Juízes, por exemplo, não podem ter coração mole porque, atrás da moleza caminha na ponta dos pés, olho vivo, o abuso ou crime, estimulado com a impunidade.

Como um ser humano consegue matar um leitão enfiando um punhal no coração do porquinho que grita? Ou, mais ainda, coloca caranguejos vivos dentro de uma panela com água fervendo, percebendo que os agoniados tentam inutilmente empurrar a tampa? Eles também têm nervos. Ponham-se no lugar deles. Se houvesse um deus-caranguejo ele mataria de imediato o cozinheiro e o reencarnaria como crustáceo destinado à panela.

 É essa a minha reação instintiva, irracional, ao que acontece com o ex-presidente Lula, um homem prejudicado pela sua baixa instrução, neste momento condenado, em segunda instância, a 12 anos e um mês de reclusão. Desmoronamento pessoal vertiginoso de um ex-presidente que gozou de grande popularidade dentro e fora do Brasil e suscita agora — em algumas pessoas que nunca votaram nem votariam nele — é meu caso —, certo grau de compaixão, mesclada de alívio, pela sua quase certa e recomendável exclusão da vida política. Ele já deu o que tinha que dar. Se retornar, virá pior, magoado, em estilo jararaca, querendo revanche, mirando judiciário e imprensa.

Compaixão por que? indagarão os mais severos. Porque Lula, conforme uma das hipóteses acima sugeridas, é vítima de sua rudimentar instrução, embora combinada com uma inata habilidade no lidar com seres humanos. Pessoas inteligentes e de pouca instrução, mas com “garra” — o apelido da tenacidade ignorante —, tornam-se tragédias para seus países quando conquistam o poder e dele não conseguem largar, “nem que a vaca tussa”, na sua mais sofisticada verbalização mental. Não conseguem conviver com a democracia, “complicada demais” para suas cabeças.

Veja-se, por exemplo, o apoio de Lula a Nicolás Maduro, um caminhoneiro de poucas luzes — sem cultura formal nem informal mas encharcado de “garra” — que recebeu o poder total das mãos de um semi-ignorante, Hugo Chaves. Ambos acreditavam que é lícito, pela força, mentira e demagogia, manter-se indefinidamente no poder, “em benefício do povo”, claro, claro... É raro um ditador deixar o poder “voluntariamente”, não sendo velho demais, como ocorreu com Pinochet e Robert Mugabe.  

 Em um artigo que escrevi, meses atrás, disse algo bem temerário e que hoje não confirmo: que se eu fosse rei, com poderes absolutos, totalmente acima da lei, deixaria que Lula ficasse — por caridade e pacificação do país — com seu apartamento no Guarujá e sua casa de campo com a condição de que ele devolvesse o dinheiro que eventualmente guarda lá fora — ou aqui, em poder de eventuais laranjas — e se aposentasse totalmente da política.

Afinal, essa bondade talvez se justificasse porque no início de seu governo, Lula — ouvindo falar do sucesso de Franklin Roosevelt, nos EUA, e Juscelino Kubitschek, no Brasil —, estimulou o crescimento, intuindo que um forte estímulo ao consumo, emissão de moeda e pedidos de empréstimos, poderiam — do nada —, criar riqueza e acabar com a fome no Brasil. O problema é que, de modo geral, e mesmo agora, Lula pensa que não há porque se preocupar com o futuro endividamento sem limite porque quando ele chegar “estaremos todos mortos”. Um velho chavão. Popular porém errado, porque futuramente estaremos todos mortos mas nossos filhos e netos, não. 

Nesse ponto, parece-me — com minha ignorância acadêmica — que o inteligente e erudito Meirelles poderia ter “maneirado” sua política, incentivando o consumo e aplicando parte da arrecadação dos tributos, dele oriundo, na infraestrutura, aumentando o emprego e enriquecendo o país. Dois planos, A e B. Um de longo prazo, como ele fez e outro, também importante, de efeito imediato. Com isso, quando e se a bomba “estourar”, futuramente, o prejuízo será bem menor porque o país estará mais rico e firme em sua estrutura. Até o erudito Ruy Barbosa, nosso maior gênio, no início da República, adotando o “encilhamento”, errou quando Ministro das Finanças.

Temer, embora leigo — às vezes, ser leigo ajuda —, arriscou por conta própria estimular o consumo — utilizando o FGTS e outras medidas de efeito imediato —, e viu rapidamente diminuído seu grau de rejeição. O presidente também constatou o que já sentia, como político: que a economia não é uma ciência exata, e depende um bocado de emoções e simpatias. Pensar no futuro, sim, mas caprichar no presente. 

Volto ao Lula. Examinemos o julgamento de sua apelação. Ele não se conforma. Considera-se perseguido, mas seu julgamento íntimo sobre o julgamento judicial está sendo deformado pela sua escassez de conhecimentos, ignorando o conselho do velho Sócrates — o grego, esclareça-se, não o jogador de futebol : — “Conhece-te a ti mesmo”.

 Não obstante sua revolta, ele não a simula — a primeira hipótese de como pensa —, está sinceramente inconformado, sentindo-se apenas perseguido. Está, porém, enganado. Recebeu um tratamento legal conforme a legislação em vigor, tanto em Curitiba quanto no TRF-4, de Porto Alegre, mesmo defendido por advogados hábeis e sem papas na língua ao enfrentar, com uma agressividade nunca vista, um paciente magistrado de Curitiba.

Lula ainda tem enorme prestígio com alguns jornalistas com tendência de esquerda e que censuram sua dupla condenação, mas sob o ângulo técnico-jurídico sua condenação, em especial no TRF-4, não merece reparos. A prova foi examinada à exaustão pelos desembargadores porque se assim não ocorresse diriam que a condenação foi “sem provas”. O máximo que podem alegar seus seguidores é que “outros políticos fizeram o mesmo”, ou algo parecido, e ainda não foram julgados.

A se pensar assim ninguém poderia ser julgado, em país algum, porque há sempre um sem número de casos, passados e em andamento. Cada réu é julgado só pelos seus atos ou omissões, conforme os processos de cada um. São milhares as ocorrências, cada uma com suas particularidades.

Perguntem a qualquer mãe de assaltante — condenado e confesso —, se ela acha que seu filho mereceu ir para cadeia. Ela provavelmente dirá, com toda sinceridade: — “Não, porque há muito bandido solto por aí, pior que ele! Foram as más companhias! Meu filho é um bom garoto, carinhoso; apenas não teve sorte nessa vida ingrata de pobre”. No fundo, filosoficamente, ela até pode ter razão, mas os juízes são apenas juízes, não economistas ou magos com o poder de moldar o país com um estalar de dedos, transformando-o em um paraíso terrestre.

Mesmo entre pessoas já condenadas, é uma minoria a que pensa que realmente errou e merece ser punida. Quase todas, se perguntadas, dirão, sinceramente, que não mereciam estar presas porque a vida é dura, o trabalho honesto é mal remunerado, ou não existe, e “quem não tem padrinho morre pagão”. 

Lula tem admiradores entre grandes jornalistas. Jânio de Freitas, por exemplo, é um dos defensores de Lula. Articulista inteligente, sem medo, arguto e severo, ele informou, em um artigo da Folha (A6 poder, de 28/01/2018, “Aqui é possível”), que um conceituado jurista britânico, Jeoffrey Robertson — contratado por Lula para assisti-lo na Comissão de Direitos Humanos da ONU — ficou “estarrecido” com algumas coisas que considera impensáveis em cortes europeias, no julgamento das apelações.

Segundo o jornalista, o advogado Jeoffrey Robertson criticou três coisas, na condenação de Lula pelo TRF-4: 1) a enorme diferença de tempo concedido “à acusação”; 2) o detalhe de o acusador sentar ao lado do relator, com ele trocando palavras; 3) o fato de os juízes trazerem suas decisões já redigidas, antes ouvir a defesa, “coisas impossíveis de acontecer na Europa”.

Com o devido respeito ao inglês, não teria cabimento que a ordem adotada no julgamento de Lula, na apelação, fosse modificada apenas por ser Lula o acusado. Milhares de acusados foram e estão sendo julgados, há décadas, no nosso país, nas apelações, conforme a sequência adotada no caso de Lula que, por sinal, é perfeitamente lógica.

 Aqui vai uma explicação, bem terra-a-terra, sobre como funcionam os julgamentos de apelações no Brasil. Dirijo-me aos totalmente leigos no assunto.

Na apelação de Lula, redigida na primeira instância, em Curitiba, todos os seus argumentos de defesa foram apresentados por escrito e também respondidos por escrito pela acusação; o mesmo ocorrendo com a apelação da acusação pedindo aumento da pena fixada por Sérgio Moro. Repito: toda a prova, contra e a favor de Lula foi discutida quando os autos ainda estavam em Curitiba. Feito isso, os autos da apelação foram enviados a Porto Alegre.

Chegando os autos ao TRF-4 todos os argumentos foram lidos — individual e separadamente —, pelos desembargadores julgadores, cada um em sua própria residência, ou em seu gabinete. Examinadas as provas e alegações, os desembargadores escreveram seus votos individuais — cada um o seu —, e no dia do julgamento, leram-nos, tão longos quanto necessário. Lidos, é óbvio, sem interrupção, sem direito a apartes dos advogados da defesa — como é usual em todos os países civilizados.  Anote-se que quando o advogado faz sua defesa também os juízes não podem aparteá-lo. Imagine-se a anarquia em que se transformaria o julgamento da apelação se nele os advogados de Lula e dos demais réus pudessem, a todo momento, interromper e contestar a opinião dos julgadores. Algo assim como ocorreu no tumultuado julgamento político do impeachment de Dilma, com infindáveis “questão de ordem, senhor presidente”! Um tumulto incontrolável, só faltando os tapas.

Os votos dos desembargadores, relator e revisor, teriam que ser apresentados por escrito, exigência legal. Em um julgamento de tal complexidade, examinando a decisão de primeira instância — com centenas de páginas —, não seria exigível, nem prático, nem inteligente, que os desembargadores — como incrivelmente alega o advogado inglês — comparecessem ao importante julgamento contando apenas com a memória. Lembrariam, os julgadores, com exatidão, os pormenores espalhados em centenas de páginas? Nomes, datas, quantias, documentos, argumentos, número da folha dos autos, etc.? 

Se houver recurso de Lula — como haverá, para o STJ e/ou STF — contra o decidido na apelação —, pergunta-se: como os Ministros do STJ ou do STF teriam condições de avaliar se a apelação foi, ou não, bem julgada? Sem um “registro” escrito de fundamentação de cada voto não seria possível ao STJ ou STF julgar o trabalho dos julgadores do TFR-4. O que o réu, apelante, tinha que alegar em seu favor, contra a sentença de Moro, ele o disse na apelação escrita por seus advogados, redigida em Curitiba. Não teriam, os desembargadores da apelação, que repetir, oralmente, tudo o que escreveram os advogados de Lula, pressupondo que os desembargadores não leram os autos. O julgamento da apelação não teria que ser um “show” de confronto verbal, para empolgação do público. Espetáculos desse tipo só cabem nos julgamentos do tribunal do júri.

 Não sei, data vênia, como o advogado inglês teve a coragem de dizer o que disse, comentando o julgamento em que ele presenciou. Esse inglês não entende português. Precisou da tradução simultânea, mas ou esta foi confusa ou Robertson a entendeu mal porque é inacreditável a crítica do inglês contra a forma do julgamento que presenciou, sem nada compreender.

Robertson, segundo informação do jornalista, criticou o “enorme” tempo concedido à acusação, em comparação com o minúsculo tempo disponível à defesa. Se ele realmente pensou ou disse isso é porque entendeu tudo errado. Interpretou como “acusação” a mera leitura dos longos votos dos desembargadores. Como em tais votos os magistrados incriminavam o réu, pareceu ao inglês que os desembargadores eram os “acusadores”, ou promotores, quando eram apenas juízes, dando seus fundamentos decisórios.

As falas do acusador e do defensor foram curtas, ambas, porque tudo o teriam a dizer já fora dito, por escrito, na primeira instância, antes do processo chegar ao TRF4. Digo coisas tão elementares porque muita gente — mesmo com instrução superior —, não tem a menor ideia de como se processam os julgamentos nos tribunais.

Quanto ao detalhe de o Acusador sentar-se perto do Relator, podendo trocar algumas palavras com ele, essa disposição das cadeiras é tradicional em todos os tribunais brasileiros, talvez porque ambas as profissões — promotoria e magistratura —, estão apenas, presumivelmente, interessadas em fazer justiça, e não em satisfazer interesses particulares, como ocorre com advocacia, em que o réu sempre visa escapar de uma punição. Provavelmente, essa disposição dos assentos consta dos regimentos internos dos tribunais e não teria cabimento modificá-la no caso em exame.

Seria, talvez, uma ideia a se pensar — apenas por questão de aparência — colocar o promotor e juiz em cadeiras distantes, só para afastar a suspeita de alguma vantagem para a acusação. Presume-se que essa proximidade física não vá alterar a convicção do Relator. Seria arriscado, para o promotor, dar ao magistrado vizinho, a impressão que ele, promotor, o considera um juiz tolinho, uma “Maria vai com as outras”, modificando seu julgamento ao sabor das cochichadas do acusador. O tiro poderia sair pela culatra, irritando o magistrado, que certamente o mandaria parar com o bafo na sua orelha. 

Frise-se que enquanto os desembargadores não estiverem com opinião formada, não é marcado o dia do julgamento. Será que o jurista inglês esperava um caloroso e confuso confronto verbal entre acusador, defensor, réus e desembargadores? Não acredito. Certamente ele, por uma dificuldade linguística qualquer, não entendeu o que estava acontecendo no Tribunal.

Lula, até agora, não conseguiu compreender a atual legislação penal, avançada e abstrata demais para seu gosto e mesmo para alguns profissionais do direito, mas sábia — o “domínio do fato”, por exemplo —, daí sua sincera revolta. Essa incompreensão dos réus, no entanto, não tem o dom de revogar a lei. Pierre Joseph Proudhon, um famoso anarquista, ainda com alguns seguidores, dizia que “Toda propriedade é um roubo”, mas essa opinião nunca funcionou, em qualquer sistema legal.

 Como disse, sua situação processual, neste exato momento, pode despertar impulsos de caridade em pessoas sentimentais que, embora condoídos de sua patética e envelhecida figura, não querem vê-lo de volta à política porque com ele voltariam ao poder antigos companheiros visando apenas enriquecer e colocar amigos nas empresas estatais. Se Lula tivesse sido melhor educado, sua capacidade natural — acolhedor, “um dos nossos!”, agudo psicólogo, persuasivo quando se dirige às massas —, seria hoje, provavelmente, um unânime orgulho nacional.

Lula se considera “vítima”, e realmente o é, mas vítima involuntária de si mesmo, de sua ignorância sobre o lado “técnico” de governança em tempos complexos como os atuais, em que até os “experts” escorregam. Ele conhece a “arte” mas não a técnica fria de racionalmente governar, conciliando o presente com o futuro.

Se for mantida a atual orientação do STF, de prender o réu com condenação na segunda instância, antes do trânsito em julgado da condenação, ele se considerará “um mártir”, julgando a si mesmo com sinceridade, embora a maioria do povo brasileiro julgue o contrário, com igual sinceridade.

Lula, se preso, com recursos ainda pendentes proclamará: — “Depois de tudo o que fiz para projetar o Brasil — o Obama me chamou de “o cara!”, lembram? —, e ajudar os mais pobres, e os mais ricos, será a humilhante cadeia o meu prêmio? Cadeia comum só por eu não ter curso superior? Ora, não tive estudo no Brasil mas sou “doutor honoris causa” em inúmeras universidades estrangeiras e brasileiras! Inclusive pela Politécnica de Lausanne, Suíça. Fui “homem do ano”, pelo jornal Le Monde. Que ‘elite’ ingrata é essa que não me agradece? Salvei-a do comunismo! Não fosse eu, o Zé Dirceu estaria até hoje no poder, no “Soviet Brasileiro”, desde 1965, ou por aí, como um segundo ‘Fidel Castro”. Como podem esquecer isso? Alguns Ministros do Supremo, nomeados por mim — ou pela minha fiel seguidora —, como têm a ingratidão, a deslealdade, de dar votos contra este filho do povo que chegou a presidente mesmo com educação formal quase zero? Punem-me só porque não estudei? Não estudei porque não tinha pai rico e precisava trabalhar, criando o melhor partido do país, ora bolas!”

Quando ele, intimamente, supervaloriza sua posição de “doutor honoris causa” ele parece desconhecer que em tais premiações existe, quase sempre, muita política. Há políticos que simplesmente estão na moda, em certo momento. E no caso de Lula, quando premiado, seus atos e omissões ainda não tinham sido investigados.

É assim que, real ou aparentemente, pensa Lula. Quando ele deblatera contra sua situação de réu, ele vê o mundo com a mente restritamente moldada pelo ambiente em que formou sua mentalidade. E que ambiente era esse? De constante luta sindical, de “pobres contra ricos”. Lutando por salários melhores. Convocando, controlando ou extinguindo greves, conforme o interesse do momento, seu ou do seu sindicato. Nunca gostou de ler, nem mesmo jornal, ou de frequentar escola, de qualquer nível, a não ser, parece, o aprendizado da profissão de torneiro mecânico.

Alguém, fã do herói pernambucano, lendo as linhas acima, objetará que ele deve voltar à presidência porque a falta de educação formal não impede um político ignorante de ser um grande presidente, porque, no cargo, pode escolher para ministros grandes figuras da área econômica, jurídica, científica, etc., que preencherão o vácuo de sua ignorância pessoal. Repetirão o adágio de que “os príncipes sabem tudo sem nada terem estudado”.

Esse provérbio servia mais para os tempos antigos, na realeza, quando os assuntos não tinham a complexidade atual. Hoje, na própria escolha entre os candidatos a ministro é conveniente um alto grau de instrução do presidente porque atrás de cada “ministrável” há um conjunto de interessados em encher tanto o ego do presidente quanto os próprios bolsos. 

Um presidente altamente instruído tem mais probabilidade de fazer uma boa escolha de ministro do que um presidente com diminuta educação, embora com cara de espertinho. Alguém já disse que “educação é tudo aquilo que fica quando nos esquecemos do que aprendemos”. Esse “resíduo” mental ajuda seu portador, nem que seja em forma de prudente desconfiança. Pegue-se o mais inteligente índio vivendo nu na selva, alfabetize-o apenas e coloque-o como presidente e verão o que acontece. Será, por um bom tempo, apenas um índio inteligente, com grande habilidade para fazer arcos, flechas, lanças e caçar javalis. A complexidade da sociedade moderna exige mais do que a mera inteligência natural. Em tudo.

Presumo que Lula inspirou-se em Franklin D. Roosevelt quando este salvou seu país da profunda recessão incentivando obras de infraestrutura e geradoras de emprego. A imitação foi, no entanto, incompleta. Roosevelt inventou obras mas seus ajudados — operários e patrões — precisavam trabalhar. No Brasil, a ênfase ficou só na ajuda. E na dependência, nas eleições, não sei se proposital ou mera má-administração.

 A ignorância oriunda da falta de educação formal, ou do autodidatismo — Lula não teve nenhuma das duas — leva o indivíduo a enganos elementares. Conheci um senhor de grande inteligência natural — maior que a minha —, com segundo ano primário incompleto, que me perguntou, baixinho, antes de dizer algumas palavras numa reunião: — “Francisco, diga-me uma coisa: o polo norte é frio, não é? — “É”, respondi. — “Então, o polo sul deve ser quente, certo”? Para quem nunca assistiu uma aula de geografia, a dúvida lhe parecia adequada, porque os polos geralmente são opostos.

Na escolha de ministros, Lula valorizava demais a amizade e a simpatia, desprezando a capacidade específica para o cargo. Um inspirado cantor, por exemplo, lhe pareceu o suficiente para ser nomeado Ministro da Cultura, quando esse ministério exige mais cultura que uma garganta educada e manejo do violão. E ministros da área jurídica, ainda mais os vitalícios, agradecidos, dificilmente sentir-se-ão à vontade para proferir votos contra quem os tratou com tanta amizade e consideração.

A falta de instrução de Lula ficou bastante evidente no seu interrogatório pelo juiz Moro, quando Lula teve a audácia de pretender ser o juiz e Moro, o réu. Perguntou ao juiz se ele tinha a coragem de se olhar no espelho e se considerar imparcial, no seu caso. Queria, obviamente, ofender o magistrado ou com isso conseguir a sua suspeição para julgá-lo. Se seu exemplo pega, assaltantes de carros fortes, presos, quando interrogados vão se atrever a dizer ao juiz: — “Meretríssimo, não sei porque você fica perdendo tempo com esses detalhes bobos? Que tal mudar de assunto? Que tal negociar? Juiz ganha uma merreca. É fácil para o senhor, ficar sentado aí, me acusando com ar importante, vida mansa, bem nutrido. Dotô, eu assalto pra comer! Olho no olho: você vai me condenar ou absolver? Seja franco!”

Do conjunto das falas de Lula, lidas na imprensa, pode-se concluir, com alto grau de certeza, que ele segue uma “legislação” toda própria, diferente da oficial. Recentemente, segundo a mídia, disse que o ex-governador Sérgio Cabral não merecia ser preso apenas porque desviava para seu próprio bolso dinheiro público.

Como Lula ouviu falar que a prova da propriedade imobiliária comprova-se com o registro de imóveis, o triplex do Guarujá, não estando em seu nome, não é e nunca foi seu, ponto final. Conclui que por isso sua condenação foi injusta. Ignora o que seja falsidade ideológica.

Para ele é irrelevante o conjunto da prova que demonstra que agia como dono quando sua mulher, com sua aprovação, exigia tais e quais modificações no acabamento da unidade. E deve ainda pensar: — “Eu enriqueci grandes empresários. Eles, em troca, me presentearam com o apartamento. Nada mais justo. E o que é um mísero apartamento, por maior que seja sua área, comparado com o benefício que fiz a eles, de bilhões, e ao próprio país, estimulando o crescimento de suas empresas, aqui e no Exterior? 

Deve sentir igual revolta quando a imprensa e a Polícia Federal fica investigando o rápido enriquecimento de seus filhos. Pensa assim: — “Esses acusadores, filhinhos do papai, nascidos em berço de ouro, acham que só eles têm o direito de se tornarem empresários de sucesso? Acham que meus filhos não podem subir de vida, devem se contentar com empreguinhos insignificantes, só porque são meus filhos? Como bons pais, a “elite” me pedia nomeações para seus rapazes, eu atendia, e agora, que estou por baixo, querem distância... E os presentes que me deram, quando deixei o poder, eram pra mim, pessoalmente, nunca para uma abstrata “presidência”, ora essa!”

É por essas e outras que, com ou sem cadeia, enquanto seguem seus recursos, com maior celeridade de julgamento — pelo fato de estar recolhido “provisoriamente” — que Lula deve ser afastado da política. O que ele pensa sobre a legislação penal é irrelevante porque o conteúdo de sua mente está em conflito com a atual legislação do país.

Se voltar à presidência, e como o exemplo vem de cima, a juventude não terá estímulo nenhum para estudar, respeitar a lei e as decisões judiciais, vendo com antipatia tudo que esteja acima do futebol. Pensarão que é lícito receber “comissões” nos contratos governamentais, falar errado e censurar a imprensa.

Respondendo à dúvida inicial, Lula é uma mistura de baixa instrução, astúcia e crença esperta de que com a constante repetição, emocionada, de que é inocente — vítima da elite  e que “não há prova” —, conseguirá escapar das leis brasileiras.

(21/02/2018)