Como todos ficaram logo sabendo, o presidente iraniano discursou ontem, 20 de abril, em Genebra, na conferência da ONU sobre racismo, discriminação e xenofobia. Como era esperado, fez pesadas acusações contra Israel — que vê como nação racista — e aquilo que ele considera como arrogância do Ocidente. Incidentes não faltaram, com pessoas vestidas de palhaço gritando, uma delas jogando contra o orador um nariz vermelho de plástico. O arremesso de sapatos contra Bush fez escola, com variantes.
Expulso o improvisado palhaço, mais de vinte delegados, a maioria de países europeus, deixaram o recinto, em protesto. O próprio Secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, um sul-coreano invulgarmente cauteloso e delicado, não se conteve e censurou de forma dura o procedimento do líder iraniano, dizendo que coisas desse tipo não mais poderão acontecer em futuras conferências das Nações Unidas.
Analisando o incidente — com a máxima honestidade possível a um ser humano —, cabe dizer, inicialmente, que a fala do presidente iraniano não se enquadrava, tecnicamente, na agenda da conferência, que era sobre Racismo, Discriminação e Xenofobia. Ocorreu um desvio de foro de discussão. No caso de Israel, houve, de fato, um afluxo excessivo de judeus, retornando à Terra Santa após a criação do Estado de Israel. O compreensível entusiasmo com o tão aguardado “lar” daqueles que sofreram — eles, ou seus ascendentes — discriminações e “pogroms”, principalmente na Europa, os fez esquecer que há limites físicos para a ocupação de qualquer área já habitada por outra população, no caso, árabe.
Se, por mera especulação argumentativa, a Palestina estivesse sendo ocupada por descendentes de portugueses, ou de franceses, holandeses, chineses, ou o que for, a expulsão representaria, por acaso, “racismo” anti-português, anti-francês, anti-holandês ou anti-chinês? Obviamente que não. A evidente injustiça contra a população palestina — expulsa para dar espaço a novos assentamentos —, não se caracteriza, propriamente como racismo, mas como injustiça de ordem política e social, ou violação de direitos humanos. Daí o desvio técnico do discurso de Ahmadinejad. Desvio que prejudicou politicamente o Irã porque se este quiser, doravante, na ONU, uma conferência mundial para condenação da política de Israel, encontrará a máxima má-vontade por parte do Secretário Geral.
Em política internacional, aliás em qualquer política, não importa apenas ter razão: é preciso saber apresentá-la com a indispensável propriedade, no momento, modos e lugar adequados. Benjamin Netanyahu deve estar festejando com champanhe o “fora” do seu adversário mais temido na região. Diplomaticamente, pontos para Israel, que não precisou mover um dedo para obter uma vantagem.
Os países árabes identificados com a causa palestina são militarmente fracos, descoordenados e não oferecem perigo sério a Israel, poderoso em armamentos convencionais e possuidor de bombas nucleares. O Irã, porém, encerra um perigo potencial porque avança no conhecimento da tecnologia nuclear, seja para fins pacíficos, seja para fins bélicos; de defesa ou ataque. Daí a necessidade urgente do planeta em criar uma nova ordem mundial que corrija os excessos de qualquer país, quando apoiados mais na força que no Direito. Pelo que se constatou até agora, somente um “poder maior, exterior”, com real eficácia mundial, poderá trazer a paz ao Oriente Médio, com a criação de dois Estados. As duas partes em contenda, alimentadas com décadas de ódio — e realimentadas com frases infelizes — só chegarão a uma divisão clara e justa do solo se forçadas a isso por uma autoridade superior a elas, à maneira de uma decisão judicial reconhecida como honesta pela opinião pública mundial especializada. Mas para isso é preciso modificar o atual conceito de soberania.
O Irã é um país cuja economia depende predominantemente do petróleo, uma fonte poluidora por excelência. Detém reservas equivalentes a 10% de todo o petróleo mundial. E o mundo anseia por energia limpa, que o país não tem. Grosso modo, pode-se dizer que o petróleo tem seus dias, ou décadas, contados. A energia nuclear é praticamente limpa, exceto quando surge algum acidente, nas este é cada vez menos provável com a tecnologia pós-Chenorbyl. Nada errado, portanto, com o interesse iraniano em crescer no domínio nuclear. É preciso pensar no futuro, na diminuição do preço do petróleo, na tendência tecnológica para energia não poluidora, na progressiva “aposentadoria” do “ouro negro” que logo passará a “prata’, “cobre’ ou “ferro”. O carro elétrico está sendo ativamente pesquisado. Nenhum país pode descurar de suas futuras fontes de energia.
Há o perigo de o Irã fabricar bombas atômicas? Há, mas como argumentar contra esse mero perigo quando se sabe que inúmeros países já dispõem de artefatos nucleares bem concretos, incluindo seu inimigo figadal, Israel? Como sustentar, sem corar, às claras, que alguns países sejam “mais iguais” que outros? Essa incoerência, essa desigualdade de tratamento internacional é outro argumento em favor da imprescindibilidade de um “governo mundial’ — ou sistema equivalente, se a expressão assusta alguns leitores.
O Irã dificulta ou impede inspeções de suas instalações? Sim, mas EE.UU., Israel, China e Reino Unido aceitariam, passivamente, inspeções constantes em suas instalações nucleares? Israel e EUA, por exemplo, acolheriam, sorrindo, braços abertos, verificações feitas por equipes das quais fizessem parte físicos iranianos, sírios, palestinos ou egípcios? Nem em sonho! É preciso, portanto, inovar na ordem internacional, por mais trabalhoso que isso possa parecer. Com uma nova ordem, realmente confiável, Israel estaria com sua permanência e segurança garantidas. Ou não seria nova ordem.
Israel tem direito, como qualquer nação, a uma existência pacífica, sem medo da demagógica expressão “varrer do mapa”. Mas essa paz tem o seu preço: a justiça no tratamento de seus distantes “primos” sanguíneos, os semitas árabes. Se os palestinos já expulsos, eventualmente, não puderem receber suas terras de volta, por dificuldades práticas, que a comunidade internacional os indenizem porque ainda há espaços no planeta para sustento de seus habitantes. Melhor isso que morar sob toldos em campos de refugiados.
Essa ordem justa ainda não existe, no momento, em razão da ultrapassada “soberania absoluta”, já abalada com as recentes propostas para conserto das finanças mundiais. Temos, na área estritamente política, apenas acenos bem intencionados de justiça, mas não justiça propriamente dita. Basta lembrar que se um dia, quase milagrosamente, a Palestina se tornar um Estado e com isso habilitada a mover uma ação contra Israel na Corte Internacional de Justiça, basta a Israel recusar a jurisdição para que não exista o processo. Equivale a, na justiça interna dos Estados, um devedor recusar a jurisdição para não ter que pagar sua dívida. Realmente, muito cômodo, mas uma espécie de farsa institucionalizada. Justiça internacional baseada no consentimento das duas partes, no mundo atual é algo primitivo e espantoso. No entanto, é esta a ordem vigente. A Corte Internacional de Haia faz o que pode, dentro dos rígidos poderes que recebeu da ONU, mas não pode ir além deles, por mais capazes e justos que sejam seus juízes.
Fosse Ahmadinejad um estadista mais hábil, diplomata e previdente teria, há muitos anos, obtido maior apoio internacional na defesa dos interesses iranianos e também, certamente, dos interesses palestinos, essa ferida infeccionada que alimenta boa parte do terrorismo islâmico. Em vez de bem argumentar, insistir, insistir e elucidar — porque os ossos do crânio são duríssimos... — resolveu ameaçar e fazer demagogia, prometendo destruir Israel, dizendo justamente aquilo que interessa aos seus espertos inimigos que sabem como manipular o medo israelense de extinção.
Um Gandhi, um Lincoln, um Mandela, já teriam convencido a opinião pública mundial da necessidade de mais justiça para os palestinos expulsos. Infelizmente, isso não ocorreu. A sorte dos povos depende muito do acaso, da loteria eleitoral, freqüentemente ingrata aos melhores interesses da população. Por outro lado, EE.UU. e Israel também não tiveram sorte com o ascensão de George W.Bush, Sharon, Ehud Barak e Netanyahu. Esses três últimos só fizeram erodir a simpatia mundial pelo sofrimento dos judeus quando viviam perseguido na Europa. Paciência, a democracia não é perfeita e avança a passos de tartaruga. Mas um dia avançará, para felicidade tanto de judeus quanto de palestinos. A natureza é sábia. Envelhece, aposenta e elimina fisicamente tanto bons quanto maus governantes.
Finalizando, e com perdão pelas digressões, os temas “discriminação” e “xenofobia” freqüentemente são mal focalizados na mídia. Brasileiros protestam contra a discriminação dos países do Primeiro Mundo quando estes barram o ingresso de nossos compatriotas que aparentam querer ganhar a vida em países mais ricos. Igual é a queixa de mexicanos contra os EUA e de africanos e cidadãos do leste europeu, quando impedidos de ingressar na União Européia.
Por falta, novamente, de uma política global racional e obrigatória, é compreensível que a França, por exemplo, não queira ser literalmente invadida por centenas de milhares ou milhões de pessoas pobres, de todo o mundo que, por falta de emprego e recursos, passarão a dormir nas calçadas. E quando a fome e o frio apertarem, recorrerão mais ao crime do que à mendicância.
Não se trata, propriamente, de xenofobia, mas de preocupação dos países “ricos” em evitar o aumento da criminalidade e do desemprego em seu território. Não ocorre xenofobia, porque os turistas, apesar de estrangeiros (xenos), são recebidos de braços abertos, seja qual for sua cor ou procedência. A solução mundial factível para o problema da imigração indesejada é investir pesadamente nas nações pobres para que aumentem seus PIBs, livrando seus jovens da necessidade de buscar outros países dentro de “conteiners” ou barcos precários que, por vezes, matam com afogamento, sufocação, fome, sede ou bala, seus explorados e infelizes transportados. Estes querem apenas uma chance para trabalhar e bem viver, pois nada podem esperar dos países onde nasceram. Não procuram Paris ou Londres por causa da Torre Eiffel ou do Big Ben. E de onde extrair os recursos destinados ao crescimento dos países pobres? Da bilionária indústria armamentista que, para não falir, precisa estimular rivalidades. Mas tudo isso só é possível com um governo mundial — com perdão ao leitor pelo insulto repetido aos seus ouvidos.
Quanto ao desemprego, este perigo nos ronda há bom tempo. Apenas se agravou com a presente crise financeira mundial. Com o aumento da mecanização, da robotização e da utilização da informática, mãos e cérebros humanos estão sendo progressivamente descartados. Sendo um fenômeno irreversível, será preciso duas providências para acabar com a escalada do desemprego universal: diminuir a carga horária semanal de trabalho e forçar, com estímulos econômicos e doutrinação, a diminuição da natalidade.
Isso, porém, só pode ser conseguido com um governo mundial que imponha essas duas políticas em todos os países. Do contrário, o país que, por bondade, adotar isoladamente qualquer uma dessas sábias políticas, logo se verá prejudicado. Foi o caso da França, ao diminuir a jornada de trabalho semanal dos empregados. Com isso o preço de seus produtos ficou mais caro, porque outros países não fizeram o mesmo. E se portos, aeroportos e fronteiras ficarem abertos à imigração desenfreada o isolado e benevolente “país rico” logo se transformará em país de segunda categoria, com milhões de desempregados e criminalidade incontrolável.
Verdades desagradáveis mas incontestáveis, se de boa-fé. A riqueza dos países e continentes tem que crescer por igual. Do contrário, somente mais tensões e sofrimentos no horizonte. Talvez com cogumelo radioativo.
(21-4-09)
quarta-feira, 22 de abril de 2009
segunda-feira, 20 de abril de 2009
Inclusão mal explicada de meu nome no MNBD
Reclamei, hoje, contra a inclusão de meu nome no Movimento que visa abolir o Exame de Ordem que habilita bacharéis à prática da advocacia.
Já escrevi artigo no sentido de que referidos exames podem se tornar propositalmente difíceis visando preservar os interesses dos já inscritos na OAB, mas não sou contrário a tais exames se outros profissionais do Direito participarem da banca examinadora. Outra solução seria o próprio Ministério da Educação realizar tais exames, afastando a eventual suspeita de reserva de mercado, se as bancas forem compostas só de advogados inscritos.
Hoje, dia 20-4-09, enviei, ao blog que me enviou a mensagem de "apoio" ao Movimento, meu verdadeiro pensamento a respeito, pedindo a exclusão de meu nome e foto, ou a explicação que se vê abaixo.
Eis, na íntegra, a minha mensagem ao MNBD:
Prezado Senhor,
Discordo da inclusão da minha foto, e nome, no blog que defende a abolição -- sem maiores explicações --, do Exame de Ordem da OAB. Peço que a retire, ou mencione exatamente minha posição, conforme explico agora.
Já escrevi artigos criticando o rigor excessivo de tais exames, apenas isso -- o rigor demasiado --, por que a dificuldade exagerada das questões poderia se transformar -- em tese -- em defesa de mercado. Não me posicionei quanto à análise estritamente constitucional de tais Exames de Ordem, porque argumentos fortes existem em ambos os sentidos.
Não me oponho, por exemplo, a tais exames se a banca examinadora for composta de advogados, juízes, promotores de justiça e professores universitários (que não sejam advogados militantes), sem predominância numérica de advogados. Com tal composição variada -- e economicamente desinteressada -- seria possível impedir -- com fundamentos à margem de desconfiança --, que bacharéis de pouca instrução, formados em faculdades interessadas mais em lucrar do que ensinar, exerçam uma profissão que exige conhecimento técnico e capacidade de redação.
Se uma faculdade de direito nada exige do aluno, em termos de conhecimento, cabe a ele, se insuficientemente preparado mas com um diploma na mão, compensar a sua deficiência técnica estudando por conta própria e enfrentando uma baca examinadora presumivelmente isenta de interesses corporativos. Essa a minha posição. Em suma: nada a opor ao Exame de Ordem, se a banca examinadora for composta não só por advogados já inscritos na OAB. Nos exames de ingresso na Magistratura e Ministério Público a OAB se faz representar na banca examinadora. Reciprocamente, não há razão lógica para que nos Exames de Ordem só figurem advogados já inscritos. Com a sistemática atual, sempre haverá espaço para desconfianças, sejam elas fundadas ou infundadas.
São Paulo, 20-4-09
Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues
Prezado Senhor:
Discordo da inclusão da minha foto, e nome, no blog que defende a abolição -- sem maiores explicações --, do Exame de Ordem da OAB. Peço que a retire, ou mencione exatamente minha posição, conforme explico agora.
Já escrevi artigos criticando o rigor excessivo de tais exames, apenas isso -- o rigor demasiado --, por que a dificuldade exagerada das questões poderia se transformar -- em tese -- em defesa de mercado. Não me posicionei quanto à análise estritamente constitucional de tais Exames de Ordem, porque argumentos fortes existem em ambos os sentidos.
Não me oponho, por exemplo, a tais exames se a banca examinadora for composta de advogados, juízes, promotores de justiça e professores universitários (que não sejam advogados militantes), sem predominância numérica de advogados. Com tal composição variada -- e economicamente desinteressada -- seria possível impedir -- com fundamentos à margem de desconfiança --, que bacharéis de pouca instrução, formados em faculdades interessadas mais em lucrar do que ensinar, exerçam uma profissão que exige conhecimento técnico e capacidade de redação.
Se uma faculdade de direito nada exige do aluno, em termos de conhecimento, cabe a ele, se insuficientemente preparado mas com um diploma na mão, compensar a sua deficiência técnica estudando por conta própria e enfrentando uma baca examinadora presumivelmente isenta de interesses corporativos. Essa a minha posição. Em suma: nada a opor ao Exame de Ordem, se a banca examinadora for composta não só por advogados já inscritos na OAB. Nos exames de ingresso na Magistratura e Ministério Público a OAB se faz representar na banca examinadora. Reciprocamente, não há razão lógica para que nos Exames de Ordem só figurem advogados já inscritos. Com a sistemática atual, sempre haverá espaço para desconfianças, sejam elas fundadas ou infundadas.
São Paulo, 20-4-09
Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues
Já escrevi artigo no sentido de que referidos exames podem se tornar propositalmente difíceis visando preservar os interesses dos já inscritos na OAB, mas não sou contrário a tais exames se outros profissionais do Direito participarem da banca examinadora. Outra solução seria o próprio Ministério da Educação realizar tais exames, afastando a eventual suspeita de reserva de mercado, se as bancas forem compostas só de advogados inscritos.
Hoje, dia 20-4-09, enviei, ao blog que me enviou a mensagem de "apoio" ao Movimento, meu verdadeiro pensamento a respeito, pedindo a exclusão de meu nome e foto, ou a explicação que se vê abaixo.
Eis, na íntegra, a minha mensagem ao MNBD:
Prezado Senhor,
Discordo da inclusão da minha foto, e nome, no blog que defende a abolição -- sem maiores explicações --, do Exame de Ordem da OAB. Peço que a retire, ou mencione exatamente minha posição, conforme explico agora.
Já escrevi artigos criticando o rigor excessivo de tais exames, apenas isso -- o rigor demasiado --, por que a dificuldade exagerada das questões poderia se transformar -- em tese -- em defesa de mercado. Não me posicionei quanto à análise estritamente constitucional de tais Exames de Ordem, porque argumentos fortes existem em ambos os sentidos.
Não me oponho, por exemplo, a tais exames se a banca examinadora for composta de advogados, juízes, promotores de justiça e professores universitários (que não sejam advogados militantes), sem predominância numérica de advogados. Com tal composição variada -- e economicamente desinteressada -- seria possível impedir -- com fundamentos à margem de desconfiança --, que bacharéis de pouca instrução, formados em faculdades interessadas mais em lucrar do que ensinar, exerçam uma profissão que exige conhecimento técnico e capacidade de redação.
Se uma faculdade de direito nada exige do aluno, em termos de conhecimento, cabe a ele, se insuficientemente preparado mas com um diploma na mão, compensar a sua deficiência técnica estudando por conta própria e enfrentando uma baca examinadora presumivelmente isenta de interesses corporativos. Essa a minha posição. Em suma: nada a opor ao Exame de Ordem, se a banca examinadora for composta não só por advogados já inscritos na OAB. Nos exames de ingresso na Magistratura e Ministério Público a OAB se faz representar na banca examinadora. Reciprocamente, não há razão lógica para que nos Exames de Ordem só figurem advogados já inscritos. Com a sistemática atual, sempre haverá espaço para desconfianças, sejam elas fundadas ou infundadas.
São Paulo, 20-4-09
Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues
Prezado Senhor:
Discordo da inclusão da minha foto, e nome, no blog que defende a abolição -- sem maiores explicações --, do Exame de Ordem da OAB. Peço que a retire, ou mencione exatamente minha posição, conforme explico agora.
Já escrevi artigos criticando o rigor excessivo de tais exames, apenas isso -- o rigor demasiado --, por que a dificuldade exagerada das questões poderia se transformar -- em tese -- em defesa de mercado. Não me posicionei quanto à análise estritamente constitucional de tais Exames de Ordem, porque argumentos fortes existem em ambos os sentidos.
Não me oponho, por exemplo, a tais exames se a banca examinadora for composta de advogados, juízes, promotores de justiça e professores universitários (que não sejam advogados militantes), sem predominância numérica de advogados. Com tal composição variada -- e economicamente desinteressada -- seria possível impedir -- com fundamentos à margem de desconfiança --, que bacharéis de pouca instrução, formados em faculdades interessadas mais em lucrar do que ensinar, exerçam uma profissão que exige conhecimento técnico e capacidade de redação.
Se uma faculdade de direito nada exige do aluno, em termos de conhecimento, cabe a ele, se insuficientemente preparado mas com um diploma na mão, compensar a sua deficiência técnica estudando por conta própria e enfrentando uma baca examinadora presumivelmente isenta de interesses corporativos. Essa a minha posição. Em suma: nada a opor ao Exame de Ordem, se a banca examinadora for composta não só por advogados já inscritos na OAB. Nos exames de ingresso na Magistratura e Ministério Público a OAB se faz representar na banca examinadora. Reciprocamente, não há razão lógica para que nos Exames de Ordem só figurem advogados já inscritos. Com a sistemática atual, sempre haverá espaço para desconfianças, sejam elas fundadas ou infundadas.
São Paulo, 20-4-09
Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues
domingo, 12 de abril de 2009
Cautela com o “Pacto Republicano
Anuncia-se um pacto dos três Poderes para coibir o “estado policialesco” e a “república da grampolândia”. O Pacto ainda prevê medidas diversas para a melhoria global de nossa justiça, em termos de duração dos processos e falta de efetividade, como por exemplo, o descumprimento das determinações judiciais e as demoras enormes no pagamento dos precatórios.
Na parte relacionada com a agilização e eficácia das decisões judiciais, nada a opor. Pelo contrário, se a intenção real do Pacto for mesmo conforme anunciada. Atualmente, a parte que tem razão, em qualquer demanda, sente-se injustiçada, mesmo ganhando a ação pelo mérito. Ganha, mas não “leva”. Ou leva tarde demais. Sofre pela demora fácil — legal, mas imoral — provocada pela parte contrária, que utiliza, sem a menor punição econômica, o direito de recorrer e reclamar continuamente. A “vantagem” nessa postura — principal causa da morosidade, porque milhões a usam — está simplesmente na demora. Perder a causa é irrelevante, porque o devedor sabe, desde o começo, que não tem razão.
Nosso legislador processual, quase sempre ingênuo, ignora a grande advertência do filósofo francês, Voltaire: “A vantagem deve ser igual ao perigo”. — “Se é vantajosa a demora, e “sem perigo” econômico — ou outro qualquer —, por que não provocá-la?” — pensa qualquer advogado que vive da profissão. — “O máximo de ruim que pode acontecer a meu cliente é ficarem as coisas como estão. Por que não fazer o que todos fazem? Além do mais, se eu não retardar, aproveitando a brecha da lei, perco o cliente, que procurará outro profissional. E quem vai sofrer com essa minha santidade profissional? Minha família. Serei um bom pai e marido agindo mais como missionário do que como advogado?”
Qual o “perigo” que deve estar sempre presente na legislação processual? Um risco econômico para o uso abusivo do recurso. A “sucumbência” precisa existir em todas as instâncias, inclusive na área trabalhista. E a lei que instituísse a sucumbência recursal disporia que quando o recurso fosse de boa-fé — conseqüência da prova contraditória e/ou legislação confusa — o tribunal “ad quem”, não imporia novos honorários de sucumbência. É um mero exemplo do que poderia criar o tal “pacto anti-abuso”. No caso, o abuso da distorção da finalidade normal de todo recurso judicial: corrigir um erro da decisão anterior.
No entanto, o que preocupa, no referido Pacto, é a dúvida sobre sua real intenção: a voluntária ou involuntária (?) intimidação da atividade policial e do Ministério Público na repressão dos “crimes do colarinho branco”. Não é rara, em todos os parlamentos, a manobra de se proteger um interesse ilegítimo acrescentando ao texto vários penduricalhos legítimos que distraiam a atenção do principal. Lobistas costumam fazer isso. Disfarces para “fazer passar” algo que “não passaria” se apresentado sozinho.
No Pacto em exame, será crime — punido com reclusão — o “uso exagerado de algemas e a exposição indevida de presos”. No “exagerado” e no “indevido” é que mora o perigo. Para evitar o risco de um futuro processo criminal o policial doravante só colocará algemas em pessoas mal vestidas, ou assaltantes de bancos. Nunca em um cidadão da classe média alta, a menos que esteja reagindo fisicamente a quem o prende, fato raríssimo. Tais adjetivos, ‘indevido’ e “exagerado’, são muito elásticos. E um promotor que eventualmente acompanhar a diligência também não estará disposto a assumir o risco pessoal de sugerir tal restrição física ao policial porque corre o perigo de se tornar co-réu. O que é, exatamente, “indevido”, ou “exagerado”?
O que seria razoável fazer, no caso, é considerar o abuso mera infração administrativa. Não crime, apenado com reclusão. A anotação do deslize administrativo, no prontuário do policial já é ameaça de punição suficiente para restringir abusos.
O mesmo se diga de “manter o preso em local inadequado”. Qualquer recinto, para um infrator habituado ao luxo poderá ser considerado “inadequado”. A autoridade policial — normalmente sem prática hoteleira —, poderá ir para a cadeia se errar no número de “estrelas” adequado ao elevado status social do detido. Considerando que nossas delegacias e cadeias estão em péssimas condições, é fácil a previsão de que o criminoso do colarinho branco jamais irá para a cadeia, nem mesmo por poucos dias, como ocorre hoje com a prisão temporária, de cinco dias, prorrogável por mais cinco.
Mesmo a prisão em flagrante será arriscada para a polícia. Para evitar o problema do local inadequado, a tendência será a de lavrar o flagrante e logo liberar o réu, se de aparência distinta, mesmo em crime horrendo. Do contrário, perigo à vista. Onde mantê-lo com toda a dignidade de seu status social? Mesmo a sua prisão preventiva será perigosa para o juiz de direito que pensa em decretá-la. Afinal, juiz também é “autoridade”. Não estará livre de ser enquadrado na lei contida no Pacote, que melhor seria se denominado “Pacote Estimulador da Impunidade”. Sabendo que as prisões são “inadequadas”, como o magistrado se “atreveu” a decretar a prisão preventiva de um financista, ou empresário de fino trato? Cadeia no juiz!
E o réu também não será preso em definitivo, se condenado, porque fugirá ao saber que o STF finalmente o condenou à pena de reclusão em regime fechado. Essa reação é natural e perfeitamente humana, mas constitui um privilégio. Normalmente, fará uma “viagem de negócios”, alguns dias antes do julgamento, aguardando prudentemente o desfecho do caso. Pode estar na Malásia quando seu caso estiver sendo julgado no Supremo.
Não nos esqueçamos que, mesmo com a publicação do acórdão de condenação ele poderá apresentar embargos de declaração, impedindo sua prisão, enquanto toma as providências para uma fuga, preparada com antecedência. Uma boa medida seria a lei determinar a prisão preventiva do réu quando já houver duas condenações a pena privativa de liberdade. Preso, seu julgamento seria apressado, como já manda a lei, ficando ele pouco tempo retido, aguardando o último julgamento. Isso, porém, pelo que consta, não está no Pacto, como deveria.
Não se nega, aqui, que houve alguns abusos na proliferação de escutas telefônicas. Se elas foram decretadas por juízes, não há nada de ilegal. O que se pretende agora? Intimidá-los com ameaças de processo criminal? Cabe ao prejudicado, que sempre dispõe de bons advogados, requerer o que de direito, com habeas corpus ou medida adequada, como tem ocorrido. Não nos esqueçamos que foi graças às escutas telefônicas que foram descobertas as inúmeras e vultosas falcatruas que permaneciam escondidas há décadas. E se há escutas clandestinas, de variadas origens, a culpa não é da polícia nem da justiça. Culpado é o curioso ou criminoso. Não esquecer que alguns empresários inescrupulosos também encomendavam escutas clandestinas para conhecer segredos de concorrentes ou de quem se interpusesse em seu caminho.
Uma medida que me parece pouco acertada, contida no Pacto, está no permitir ao advogado do investigado ter acesso aos autos do inquérito policial, mesmo não estando seu cliente preso. Com isso, saberá o que a polícia fará em seguida. E, sabendo, avisará o cliente para que esconda a prova que pode incriminá-lo. Assim como o policial não pode invadir escritórios de advogados, não suspeitos de crimes — para apoderar-se de documentos que lhe foram confiados pelo cliente —, não pode o advogado conhecer a prova em poder da polícia. A menos, repita-se, que o cliente esteja preso. Isso porque tal prisão pode ser fruto de mero capricho.
É verdade — retificando um pouco o que disse acima, fruto da indignação — que o uso de algemas tem sido exagerado, pois a hipótese do detido reagir fisicamente, ou tentar fugir, é praticamente zero. Por condições de idade, temperamento ou mero bom senso. O mesmo se diga da eventual convocação prévia da mídia para filmar o suspeito sendo preso. Tais práticas foram adotadas, recentemente, com finalidade política. Demonstração de que o Brasil passa por nova fase, em que e pobre e rico serão tratados de forma igual. Como o pobre aparece sempre algemado, e na mídia — sem que ninguém, ninguém, levantasse a voz contra isso, mesmo quando o preso é velho e/ou fraco — o “algemar por igual” tornou-se a regra geral. Objetivamente desnecessária, mas com finalidades “pedagógicas”, como ocorre em países do primeiro mundo, EUA inclusive.
O Brasil não foi inovador nessa história de filmar e algemar — até desnecessariamente — grandes figuras do crime financeiro. O leitor já deve ter visto, em fotos ou filmagens, milionários americanos, de cabelos brancos, sendo conduzidos com algemas, mesmo sem condenação definitiva. Isso não parece repugnar a opinião pública e mesmo os formadores de opinião daquele país, porque teria um efeito educativo e preventivo de crimes semelhantes. O medo do escândalo, do vexame, diminuiria as tentações de praticar infrações semelhantes. Muito mais medo do que ser meramente processado quase em segredo. É preciso pensar nisso antes de proibir totalmente algemas nos casos de crimes financeiros E o tal Pacote quer, no fundo, via intimidação da autoridade, abolir totalmente o uso de algemas nesses crimes.
Aguardemos o produto final da redação do tal Pacto, para ver se, nas entrelinhas, não está comprovada uma certa simpatia, oculta ou distraída (hum...) visando proteger os criminosos do colarinho branco. Antes de aprovar a redação do Pacto, para conversão em lei, é obrigação moral incontornável da Câmara, do Senado e da Presidência da República, examinar minuciosamente o que está ali escrito, para que o Brasil não descambe, de vez, para a desmoralização internacional na luta contra o crime organizado. Se assinarem em cruz, sem ler, seus titulares merecerão futuramente o desprezo da nação.
Michel Temer, além de político experiente e inteligente, é jurista. Sarney, ainda mais experiente, intelectual, reúne a condição de imortal, membro da Academia Brasileira de Letras. Ambos têm plena condição de analisar, pessoalmente, o texto do “Pacto Republicano”. Não podem assinar em cruz, presumindo que está tudo certo só porque a comissão que elaborou o texto é bem qualificada. Quanto a Lula, mesmo sem formação jurídica, seu bom senso o levará, certamente, a convocar um jurista isento, de sua máxima confiança, para, juntos, verificarem o alcance do Pacto, de forma a que não se transforme em novo sinal de impunidade em nosso país.
Aguardemos, pois, a assídua vigilância dos bem intencionados.
(10-4-09)
Na parte relacionada com a agilização e eficácia das decisões judiciais, nada a opor. Pelo contrário, se a intenção real do Pacto for mesmo conforme anunciada. Atualmente, a parte que tem razão, em qualquer demanda, sente-se injustiçada, mesmo ganhando a ação pelo mérito. Ganha, mas não “leva”. Ou leva tarde demais. Sofre pela demora fácil — legal, mas imoral — provocada pela parte contrária, que utiliza, sem a menor punição econômica, o direito de recorrer e reclamar continuamente. A “vantagem” nessa postura — principal causa da morosidade, porque milhões a usam — está simplesmente na demora. Perder a causa é irrelevante, porque o devedor sabe, desde o começo, que não tem razão.
Nosso legislador processual, quase sempre ingênuo, ignora a grande advertência do filósofo francês, Voltaire: “A vantagem deve ser igual ao perigo”. — “Se é vantajosa a demora, e “sem perigo” econômico — ou outro qualquer —, por que não provocá-la?” — pensa qualquer advogado que vive da profissão. — “O máximo de ruim que pode acontecer a meu cliente é ficarem as coisas como estão. Por que não fazer o que todos fazem? Além do mais, se eu não retardar, aproveitando a brecha da lei, perco o cliente, que procurará outro profissional. E quem vai sofrer com essa minha santidade profissional? Minha família. Serei um bom pai e marido agindo mais como missionário do que como advogado?”
Qual o “perigo” que deve estar sempre presente na legislação processual? Um risco econômico para o uso abusivo do recurso. A “sucumbência” precisa existir em todas as instâncias, inclusive na área trabalhista. E a lei que instituísse a sucumbência recursal disporia que quando o recurso fosse de boa-fé — conseqüência da prova contraditória e/ou legislação confusa — o tribunal “ad quem”, não imporia novos honorários de sucumbência. É um mero exemplo do que poderia criar o tal “pacto anti-abuso”. No caso, o abuso da distorção da finalidade normal de todo recurso judicial: corrigir um erro da decisão anterior.
No entanto, o que preocupa, no referido Pacto, é a dúvida sobre sua real intenção: a voluntária ou involuntária (?) intimidação da atividade policial e do Ministério Público na repressão dos “crimes do colarinho branco”. Não é rara, em todos os parlamentos, a manobra de se proteger um interesse ilegítimo acrescentando ao texto vários penduricalhos legítimos que distraiam a atenção do principal. Lobistas costumam fazer isso. Disfarces para “fazer passar” algo que “não passaria” se apresentado sozinho.
No Pacto em exame, será crime — punido com reclusão — o “uso exagerado de algemas e a exposição indevida de presos”. No “exagerado” e no “indevido” é que mora o perigo. Para evitar o risco de um futuro processo criminal o policial doravante só colocará algemas em pessoas mal vestidas, ou assaltantes de bancos. Nunca em um cidadão da classe média alta, a menos que esteja reagindo fisicamente a quem o prende, fato raríssimo. Tais adjetivos, ‘indevido’ e “exagerado’, são muito elásticos. E um promotor que eventualmente acompanhar a diligência também não estará disposto a assumir o risco pessoal de sugerir tal restrição física ao policial porque corre o perigo de se tornar co-réu. O que é, exatamente, “indevido”, ou “exagerado”?
O que seria razoável fazer, no caso, é considerar o abuso mera infração administrativa. Não crime, apenado com reclusão. A anotação do deslize administrativo, no prontuário do policial já é ameaça de punição suficiente para restringir abusos.
O mesmo se diga de “manter o preso em local inadequado”. Qualquer recinto, para um infrator habituado ao luxo poderá ser considerado “inadequado”. A autoridade policial — normalmente sem prática hoteleira —, poderá ir para a cadeia se errar no número de “estrelas” adequado ao elevado status social do detido. Considerando que nossas delegacias e cadeias estão em péssimas condições, é fácil a previsão de que o criminoso do colarinho branco jamais irá para a cadeia, nem mesmo por poucos dias, como ocorre hoje com a prisão temporária, de cinco dias, prorrogável por mais cinco.
Mesmo a prisão em flagrante será arriscada para a polícia. Para evitar o problema do local inadequado, a tendência será a de lavrar o flagrante e logo liberar o réu, se de aparência distinta, mesmo em crime horrendo. Do contrário, perigo à vista. Onde mantê-lo com toda a dignidade de seu status social? Mesmo a sua prisão preventiva será perigosa para o juiz de direito que pensa em decretá-la. Afinal, juiz também é “autoridade”. Não estará livre de ser enquadrado na lei contida no Pacote, que melhor seria se denominado “Pacote Estimulador da Impunidade”. Sabendo que as prisões são “inadequadas”, como o magistrado se “atreveu” a decretar a prisão preventiva de um financista, ou empresário de fino trato? Cadeia no juiz!
E o réu também não será preso em definitivo, se condenado, porque fugirá ao saber que o STF finalmente o condenou à pena de reclusão em regime fechado. Essa reação é natural e perfeitamente humana, mas constitui um privilégio. Normalmente, fará uma “viagem de negócios”, alguns dias antes do julgamento, aguardando prudentemente o desfecho do caso. Pode estar na Malásia quando seu caso estiver sendo julgado no Supremo.
Não nos esqueçamos que, mesmo com a publicação do acórdão de condenação ele poderá apresentar embargos de declaração, impedindo sua prisão, enquanto toma as providências para uma fuga, preparada com antecedência. Uma boa medida seria a lei determinar a prisão preventiva do réu quando já houver duas condenações a pena privativa de liberdade. Preso, seu julgamento seria apressado, como já manda a lei, ficando ele pouco tempo retido, aguardando o último julgamento. Isso, porém, pelo que consta, não está no Pacto, como deveria.
Não se nega, aqui, que houve alguns abusos na proliferação de escutas telefônicas. Se elas foram decretadas por juízes, não há nada de ilegal. O que se pretende agora? Intimidá-los com ameaças de processo criminal? Cabe ao prejudicado, que sempre dispõe de bons advogados, requerer o que de direito, com habeas corpus ou medida adequada, como tem ocorrido. Não nos esqueçamos que foi graças às escutas telefônicas que foram descobertas as inúmeras e vultosas falcatruas que permaneciam escondidas há décadas. E se há escutas clandestinas, de variadas origens, a culpa não é da polícia nem da justiça. Culpado é o curioso ou criminoso. Não esquecer que alguns empresários inescrupulosos também encomendavam escutas clandestinas para conhecer segredos de concorrentes ou de quem se interpusesse em seu caminho.
Uma medida que me parece pouco acertada, contida no Pacto, está no permitir ao advogado do investigado ter acesso aos autos do inquérito policial, mesmo não estando seu cliente preso. Com isso, saberá o que a polícia fará em seguida. E, sabendo, avisará o cliente para que esconda a prova que pode incriminá-lo. Assim como o policial não pode invadir escritórios de advogados, não suspeitos de crimes — para apoderar-se de documentos que lhe foram confiados pelo cliente —, não pode o advogado conhecer a prova em poder da polícia. A menos, repita-se, que o cliente esteja preso. Isso porque tal prisão pode ser fruto de mero capricho.
É verdade — retificando um pouco o que disse acima, fruto da indignação — que o uso de algemas tem sido exagerado, pois a hipótese do detido reagir fisicamente, ou tentar fugir, é praticamente zero. Por condições de idade, temperamento ou mero bom senso. O mesmo se diga da eventual convocação prévia da mídia para filmar o suspeito sendo preso. Tais práticas foram adotadas, recentemente, com finalidade política. Demonstração de que o Brasil passa por nova fase, em que e pobre e rico serão tratados de forma igual. Como o pobre aparece sempre algemado, e na mídia — sem que ninguém, ninguém, levantasse a voz contra isso, mesmo quando o preso é velho e/ou fraco — o “algemar por igual” tornou-se a regra geral. Objetivamente desnecessária, mas com finalidades “pedagógicas”, como ocorre em países do primeiro mundo, EUA inclusive.
O Brasil não foi inovador nessa história de filmar e algemar — até desnecessariamente — grandes figuras do crime financeiro. O leitor já deve ter visto, em fotos ou filmagens, milionários americanos, de cabelos brancos, sendo conduzidos com algemas, mesmo sem condenação definitiva. Isso não parece repugnar a opinião pública e mesmo os formadores de opinião daquele país, porque teria um efeito educativo e preventivo de crimes semelhantes. O medo do escândalo, do vexame, diminuiria as tentações de praticar infrações semelhantes. Muito mais medo do que ser meramente processado quase em segredo. É preciso pensar nisso antes de proibir totalmente algemas nos casos de crimes financeiros E o tal Pacote quer, no fundo, via intimidação da autoridade, abolir totalmente o uso de algemas nesses crimes.
Aguardemos o produto final da redação do tal Pacto, para ver se, nas entrelinhas, não está comprovada uma certa simpatia, oculta ou distraída (hum...) visando proteger os criminosos do colarinho branco. Antes de aprovar a redação do Pacto, para conversão em lei, é obrigação moral incontornável da Câmara, do Senado e da Presidência da República, examinar minuciosamente o que está ali escrito, para que o Brasil não descambe, de vez, para a desmoralização internacional na luta contra o crime organizado. Se assinarem em cruz, sem ler, seus titulares merecerão futuramente o desprezo da nação.
Michel Temer, além de político experiente e inteligente, é jurista. Sarney, ainda mais experiente, intelectual, reúne a condição de imortal, membro da Academia Brasileira de Letras. Ambos têm plena condição de analisar, pessoalmente, o texto do “Pacto Republicano”. Não podem assinar em cruz, presumindo que está tudo certo só porque a comissão que elaborou o texto é bem qualificada. Quanto a Lula, mesmo sem formação jurídica, seu bom senso o levará, certamente, a convocar um jurista isento, de sua máxima confiança, para, juntos, verificarem o alcance do Pacto, de forma a que não se transforme em novo sinal de impunidade em nosso país.
Aguardemos, pois, a assídua vigilância dos bem intencionados.
(10-4-09)
quarta-feira, 8 de abril de 2009
Racismo, Obama e Governo Mundial
Se há um político que eu respeite é Barack Obama. Não só pelo fato de ter alcançado, de forma limpa, a presidência do país mais poderoso do mundo. Derrotou, parcialmente, um preconceito racial que ainda lateja, inquieto, nas camadas mais profundas do branco americano. Como se trata de um preconceito relacionado com a cor — não é o caso, por exemplo, do anti-semitismo, de branco contra branco — a reação contra o homem de pele escura tem, a meu ver, um componente instintivo, até mesmo biológico, sendo mais lenta e difícil sua erradicação. Daí a necessidade da lei interferir, apressando a integração e enfraquecendo, aos poucos, a misteriosa repulsa instintiva.
O argumento que corta, pela raiz, qualquer justificativa moral para toda forma de racismo é o seguinte: ninguém escolhe os pais antes de nascer. Depois de nascido, não há como alterar a cor da pele, dos olhos, altura, grau de inteligência e tudo o mais. O máximo que pode fazer é utilizar da melhor maneira possível as qualidades — e, conforme o caso, certos defeitos... — com que nasceu. Mesmo que eu pense que, em termos estatísticos, as raças registrem leves diferenças — os negros, por exemplo, parecem ter mais facilidade no atletismo, futebol, boxe e basquete — o que importa é o indivíduo. Assim, um determinado sueco loiríssimo pode já nascer atleta, enquanto que um menino da África Negra pode detestar esportes, preferindo deliciar-se com a matemática ou a poesia. A natureza é caprichosa e todo membro da Ku Klux Klan precisa conscientizar-se que sua “brancura” é meramente acidental.
O que, em Obama, o distingue de presidentes medíocres é saber que a compreensão do opositor, ou mesmo inimigo, vale muito mais que a ameaça ou uso da força. Com esta podemos silenciar o perigo, mas não o eliminamos. Pelo contrário, o fortalecemos. Incentivamos suas manobras secretas. Não sabemos o que está tramando.
Quando Obama, montando seu governo, convidou alguns políticos e técnicos que haviam servido na gestão Bush, muitos democratas censuraram tais escolhas. Seriam traidores em potencial. Obama, no entanto, inspirado no precedente de Lincoln, teve a coragem de decidir o contrário. Com duplo proveito: políticos e técnicos que o encaravam antes como inimigo, passaram a vê-lo como homem razoável, interessado apenas em acertar. Rodeado por pessoas que serviram em governos anteriores, Obama passará a ter, dos problemas, uma visão muito mais afinada com a realidade.
Com perdão por esta longa e desnecessária introdução, cumpre alertar esse promissor chefe de estado para que, em decorrência da convivência com alguns eventuais “falcões” residuais não se deixe contaminar por resquícios guerreiros. Lidando com o problema coreano do lançamento do míssil balístico de longo alcance Obama pôs em perigo sua boa política de jamais ameaçar qualquer país. Mesmo porque ameaças devem ser cumpridas, sob pena de desmoralização. É que, antes do lançamento do foguete ele prometeu uma resposta “severa e unida da comunidade internacional” se Pyongyang realizar o lançamento” (jornal “O Estado de S.Paulo” (pág.A14 de 3-4-09).
Ocorre que houve o lançamento e nenhuma providência séria pôde ser tomada porque basta um veto de qualquer dos “cinco maiorais”, membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, para impedir medidas militares, ou especialmente “severas”, contra o transgressor. No caso, um ditador um tanto amalucado e talvez atomizado, o que complica mais a estratégia. Se Kim Jong-il já não era exemplo de equilíbrio mental, deve ter ficado pior com o AVC que o acometeu em agosto último.
A respeito da posição da China e da Rússia, negando sanções significativas contra Pyongyang, pela primeira vez em minha vida encontro uma hipótese em que o direito de veto pode ajudar a humanidade. É que, no caso, tanto medidas militares quanto econômicas só agravariam o problema da proliferação nuclear. Havendo ataques aéreos contra a Coréia do Norte é absolutamente previsível que o ditador revidaria pesadamente. Com armas convencionais e talvez nucleares. Todos sabem que a Coréia do Norte, não obstante a pobreza da sua população, tem um exército numeroso e muito bem equipado. E loucura guerreira não falta ao atual dirigente máximo. Se ele perecer, um de seus três filhos (a bizarra “monarquia comunista”) continuará a luta, que será sangrenta. Um conflito muito mais estrondoso do que aquele contra o Iraque. E com probabilidade de algum apoio da China, país “tecnicamente” comunista. EUA e aliados se envolveriam em uma nova guerra, a terceira, justamente em um momento difícil da economia mundial.
Quanto a severas medidas comerciais contra Pyongyang, já está comprovado, historicamente, que o empobrecimento deliberado de um país governado por ditadores só prejudica a população civil. A população anônima passará fome, certamente. Crianças ficarão raquíticas por falta de leite, mas este não faltará, juntamente com o caviar, para os amigos do rei. Isolamento comercial só funciona quando o país atacado vive sob governo democrático, ou quando o ditador já está fraco e isolado. Não é o caso da Coréia do Norte. Bendito, pois, excepcionalmente, o direito de veto no Conselho de Segurança da ONU.
Obama, em um discurso de domingo último, em Praga, apresentou um plano para “um mundo sem armas nucleares”. Propôs uma redução do arsenal nuclear tanto russo como americano. Nada a opor, mas Obama faria melhor propondo à discussão um grande, arrojado e definitivo passo para a reorganização do mundo, e não só na esfera econômica.
Que passo seria esse? Primeiro, ampliando a jurisdição, competência e efetividade da justiça internacional, hoje limitada pela sacrossanta e por vezes abusiva soberania de cada estado. Segundo, equipando a humanidade com normas para o salto máximo e inevitável: um governo mundial, democrático — sem predomínio de país algum —, com adesão voluntária e progressiva de seus membros. À semelhança da criação da ONU, da União Européia e, bem antes, no século 18, com a junção (voluntária, voluntária) das treze colônias americanas, unidas contra a Inglaterra. O “inimigo externo” da época, o colonizador inglês, impulsionou a reunião de tais colônias, miolo do poderoso estado americano. É urgente a necessidade de um governo mundial. Hoje, o “inimigo” é interno e externo, ao mesmo tempo. É global, pois a crise econômica que não deixou de fora país algum. Além disso, temos duas guerras (Iraque e Afeganistão), com risco de mais duas (Coréia do Norte e Irã), além de infindáveis matanças tribais na África.
Apenas reduzir o arsenal nuclear russo e americano não basta. Se, teoricamente, todos os países do planeta têm direitos iguais — está na Carta das Nações Unidas — não há coerência dos “grandes” em proibir que Coréia do Norte e Irã se abstenham de avançar na tecnologia nuclear, que tanto pode ter fins militares quanto pacíficos. Tais países, discriminados, podem sempre perguntar, com lógica: — “Por que EUA, China, Israel, Reino Unido, França, Índia e Paquistão podem ter armas nucleares, e nós não podemos?! Essa proibição não é uma explícita confissão de racismo? Somos, por acaso, povos inferiores, congenitamente desequilibrados, incapazes de lidar com energias superiores?
As armas nucleares são fruto direto do medo. E medo, por sua vez, pode gerar dominação. O intimidado sempre almeja amarrar quem o assusta. E este não quer ser amarrado. Foi o medo dos nazistas que levou os Aliados, na 2ª. Guerra Mundial, à construção da primeira bomba atômica. Hitler pressionava seus cientistas para a fabricação de uma arma extraordinária que rebaixaria o TNT ao nível de fogo de artifício. O perigo nazista, nada hipotético, motivou Einstein — um pacifista e adepto do governo mundial — a propor ao presidente Franklin D. Roosevelt pesquisas aceleradas para a construção da bomba antes que o ditador nazista o fizesse. Sua intenção era correta.
Israel tem bombas atômicas e nunca permitiu contá-las. Está livre de inspeções. Teme, alega, “ser varrido do mapa”, como disse um se seus inimigos no Oriente Médio. Um arroubo metafórico tolo mas que Israel tem o direito de levar a sério. Não obstante a liberdade de Israel na fabricação de armas nucleares, o Irã, que ainda não tem a bomba, vê-se ameaçado de bombardeios porque não permite aos inspetores da ONU total devassa nas suas instalações nucleares, que podem ter também intenções pacíficas. Qual a lógica nessa diferença de tratamento internacional? O mesmo pode dizer o ditador norte-coreano, seja meio louco ou não. Essa desigualdade de regras só pode desaparecer com um governo mundial, com uma Constituição Mundial, com efetiva justiça global que dê a todas as nações uma sensação de total segurança.
Por que, pergunta-se, os EUA não propõem à Rússia a destruição total dos respectivos arsenais nucleares, e não apenas uma redução do estoque de ogivas? Resposta: porque tanto EUA quanto Rússia temem a China. É o medo geral, a recíproca desconfiança, que funciona como cimento e justificativa para o gasto de trilhões de dólares com segurança via armas. Não seria mais racional se uma federação democrática mundial desse garantia absoluta de que não haveria mais ataques armados de país contra pais?
É estranhável que Obama, um político tão intelectualizado — e bom caráter, acima de tudo — ainda não tenha mencionado a expressão “governo, ou federação mundial” em seus discursos. No que refere ao “global” refere-se apenas ao controle financeiro. Presumo, entretanto, que ele já deve ter pensado sobre essa hipótese maior. Apenas não se atreveu a verbalizá-la porque o governo que o antecedeu de tal modo assustou a comunidade internacional — com a suposta supremacia americana — que o uso da expressão “governo global” abalaria seu prestígio. Pensariam logo em Bush e “ditadura americana”. Ele precisa, primeiro, conquistar a confiança e tranqüilizar as mentes de todos os povos, antes de se atrever a mexer em um “vespeiro” que produzirá, tenho certeza, muito mais mel que ferroadas.
Faço uma aposta. Antes de encerrar seu governo Obama, sentindo o solo mais firme, abordará o tema. Com honestidade e sem segundas intenções “patrióticas”. Como já disse alguém, nossa futura pátria é a Humanidade, um sonho perfeitamente realizável.
(8-4-09)
O argumento que corta, pela raiz, qualquer justificativa moral para toda forma de racismo é o seguinte: ninguém escolhe os pais antes de nascer. Depois de nascido, não há como alterar a cor da pele, dos olhos, altura, grau de inteligência e tudo o mais. O máximo que pode fazer é utilizar da melhor maneira possível as qualidades — e, conforme o caso, certos defeitos... — com que nasceu. Mesmo que eu pense que, em termos estatísticos, as raças registrem leves diferenças — os negros, por exemplo, parecem ter mais facilidade no atletismo, futebol, boxe e basquete — o que importa é o indivíduo. Assim, um determinado sueco loiríssimo pode já nascer atleta, enquanto que um menino da África Negra pode detestar esportes, preferindo deliciar-se com a matemática ou a poesia. A natureza é caprichosa e todo membro da Ku Klux Klan precisa conscientizar-se que sua “brancura” é meramente acidental.
O que, em Obama, o distingue de presidentes medíocres é saber que a compreensão do opositor, ou mesmo inimigo, vale muito mais que a ameaça ou uso da força. Com esta podemos silenciar o perigo, mas não o eliminamos. Pelo contrário, o fortalecemos. Incentivamos suas manobras secretas. Não sabemos o que está tramando.
Quando Obama, montando seu governo, convidou alguns políticos e técnicos que haviam servido na gestão Bush, muitos democratas censuraram tais escolhas. Seriam traidores em potencial. Obama, no entanto, inspirado no precedente de Lincoln, teve a coragem de decidir o contrário. Com duplo proveito: políticos e técnicos que o encaravam antes como inimigo, passaram a vê-lo como homem razoável, interessado apenas em acertar. Rodeado por pessoas que serviram em governos anteriores, Obama passará a ter, dos problemas, uma visão muito mais afinada com a realidade.
Com perdão por esta longa e desnecessária introdução, cumpre alertar esse promissor chefe de estado para que, em decorrência da convivência com alguns eventuais “falcões” residuais não se deixe contaminar por resquícios guerreiros. Lidando com o problema coreano do lançamento do míssil balístico de longo alcance Obama pôs em perigo sua boa política de jamais ameaçar qualquer país. Mesmo porque ameaças devem ser cumpridas, sob pena de desmoralização. É que, antes do lançamento do foguete ele prometeu uma resposta “severa e unida da comunidade internacional” se Pyongyang realizar o lançamento” (jornal “O Estado de S.Paulo” (pág.A14 de 3-4-09).
Ocorre que houve o lançamento e nenhuma providência séria pôde ser tomada porque basta um veto de qualquer dos “cinco maiorais”, membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, para impedir medidas militares, ou especialmente “severas”, contra o transgressor. No caso, um ditador um tanto amalucado e talvez atomizado, o que complica mais a estratégia. Se Kim Jong-il já não era exemplo de equilíbrio mental, deve ter ficado pior com o AVC que o acometeu em agosto último.
A respeito da posição da China e da Rússia, negando sanções significativas contra Pyongyang, pela primeira vez em minha vida encontro uma hipótese em que o direito de veto pode ajudar a humanidade. É que, no caso, tanto medidas militares quanto econômicas só agravariam o problema da proliferação nuclear. Havendo ataques aéreos contra a Coréia do Norte é absolutamente previsível que o ditador revidaria pesadamente. Com armas convencionais e talvez nucleares. Todos sabem que a Coréia do Norte, não obstante a pobreza da sua população, tem um exército numeroso e muito bem equipado. E loucura guerreira não falta ao atual dirigente máximo. Se ele perecer, um de seus três filhos (a bizarra “monarquia comunista”) continuará a luta, que será sangrenta. Um conflito muito mais estrondoso do que aquele contra o Iraque. E com probabilidade de algum apoio da China, país “tecnicamente” comunista. EUA e aliados se envolveriam em uma nova guerra, a terceira, justamente em um momento difícil da economia mundial.
Quanto a severas medidas comerciais contra Pyongyang, já está comprovado, historicamente, que o empobrecimento deliberado de um país governado por ditadores só prejudica a população civil. A população anônima passará fome, certamente. Crianças ficarão raquíticas por falta de leite, mas este não faltará, juntamente com o caviar, para os amigos do rei. Isolamento comercial só funciona quando o país atacado vive sob governo democrático, ou quando o ditador já está fraco e isolado. Não é o caso da Coréia do Norte. Bendito, pois, excepcionalmente, o direito de veto no Conselho de Segurança da ONU.
Obama, em um discurso de domingo último, em Praga, apresentou um plano para “um mundo sem armas nucleares”. Propôs uma redução do arsenal nuclear tanto russo como americano. Nada a opor, mas Obama faria melhor propondo à discussão um grande, arrojado e definitivo passo para a reorganização do mundo, e não só na esfera econômica.
Que passo seria esse? Primeiro, ampliando a jurisdição, competência e efetividade da justiça internacional, hoje limitada pela sacrossanta e por vezes abusiva soberania de cada estado. Segundo, equipando a humanidade com normas para o salto máximo e inevitável: um governo mundial, democrático — sem predomínio de país algum —, com adesão voluntária e progressiva de seus membros. À semelhança da criação da ONU, da União Européia e, bem antes, no século 18, com a junção (voluntária, voluntária) das treze colônias americanas, unidas contra a Inglaterra. O “inimigo externo” da época, o colonizador inglês, impulsionou a reunião de tais colônias, miolo do poderoso estado americano. É urgente a necessidade de um governo mundial. Hoje, o “inimigo” é interno e externo, ao mesmo tempo. É global, pois a crise econômica que não deixou de fora país algum. Além disso, temos duas guerras (Iraque e Afeganistão), com risco de mais duas (Coréia do Norte e Irã), além de infindáveis matanças tribais na África.
Apenas reduzir o arsenal nuclear russo e americano não basta. Se, teoricamente, todos os países do planeta têm direitos iguais — está na Carta das Nações Unidas — não há coerência dos “grandes” em proibir que Coréia do Norte e Irã se abstenham de avançar na tecnologia nuclear, que tanto pode ter fins militares quanto pacíficos. Tais países, discriminados, podem sempre perguntar, com lógica: — “Por que EUA, China, Israel, Reino Unido, França, Índia e Paquistão podem ter armas nucleares, e nós não podemos?! Essa proibição não é uma explícita confissão de racismo? Somos, por acaso, povos inferiores, congenitamente desequilibrados, incapazes de lidar com energias superiores?
As armas nucleares são fruto direto do medo. E medo, por sua vez, pode gerar dominação. O intimidado sempre almeja amarrar quem o assusta. E este não quer ser amarrado. Foi o medo dos nazistas que levou os Aliados, na 2ª. Guerra Mundial, à construção da primeira bomba atômica. Hitler pressionava seus cientistas para a fabricação de uma arma extraordinária que rebaixaria o TNT ao nível de fogo de artifício. O perigo nazista, nada hipotético, motivou Einstein — um pacifista e adepto do governo mundial — a propor ao presidente Franklin D. Roosevelt pesquisas aceleradas para a construção da bomba antes que o ditador nazista o fizesse. Sua intenção era correta.
Israel tem bombas atômicas e nunca permitiu contá-las. Está livre de inspeções. Teme, alega, “ser varrido do mapa”, como disse um se seus inimigos no Oriente Médio. Um arroubo metafórico tolo mas que Israel tem o direito de levar a sério. Não obstante a liberdade de Israel na fabricação de armas nucleares, o Irã, que ainda não tem a bomba, vê-se ameaçado de bombardeios porque não permite aos inspetores da ONU total devassa nas suas instalações nucleares, que podem ter também intenções pacíficas. Qual a lógica nessa diferença de tratamento internacional? O mesmo pode dizer o ditador norte-coreano, seja meio louco ou não. Essa desigualdade de regras só pode desaparecer com um governo mundial, com uma Constituição Mundial, com efetiva justiça global que dê a todas as nações uma sensação de total segurança.
Por que, pergunta-se, os EUA não propõem à Rússia a destruição total dos respectivos arsenais nucleares, e não apenas uma redução do estoque de ogivas? Resposta: porque tanto EUA quanto Rússia temem a China. É o medo geral, a recíproca desconfiança, que funciona como cimento e justificativa para o gasto de trilhões de dólares com segurança via armas. Não seria mais racional se uma federação democrática mundial desse garantia absoluta de que não haveria mais ataques armados de país contra pais?
É estranhável que Obama, um político tão intelectualizado — e bom caráter, acima de tudo — ainda não tenha mencionado a expressão “governo, ou federação mundial” em seus discursos. No que refere ao “global” refere-se apenas ao controle financeiro. Presumo, entretanto, que ele já deve ter pensado sobre essa hipótese maior. Apenas não se atreveu a verbalizá-la porque o governo que o antecedeu de tal modo assustou a comunidade internacional — com a suposta supremacia americana — que o uso da expressão “governo global” abalaria seu prestígio. Pensariam logo em Bush e “ditadura americana”. Ele precisa, primeiro, conquistar a confiança e tranqüilizar as mentes de todos os povos, antes de se atrever a mexer em um “vespeiro” que produzirá, tenho certeza, muito mais mel que ferroadas.
Faço uma aposta. Antes de encerrar seu governo Obama, sentindo o solo mais firme, abordará o tema. Com honestidade e sem segundas intenções “patrióticas”. Como já disse alguém, nossa futura pátria é a Humanidade, um sonho perfeitamente realizável.
(8-4-09)
segunda-feira, 6 de abril de 2009
Leituras e “Marilyn e JFK”, de François Forestier
Costumo ler com vagar — por um conjunto de razões que pouco interessam ao leitor — os livros que, irracionalmente, compro em quantidade acima da minha capacidade de absorção. Bem dizia um ex-campeão de xadrez de Nova York: “O homem é o único animal que compra mais livros do que pode ler.”
Para agravar minha situação, é-me comuníssimo abandonar a leitura após as primeiras páginas. Perco o entusiasmo. Suponho que alguns leitores sentem o mesmo. O interesse murcha por duas razões: primeiro, ao perceber que o autor está “esticando” desnecessariamente o texto, apesar da escassez de idéias ou informações novas relacionáveis com o assunto. Em vez de dar uma pausa na redação para conhecer melhor os tópicos, ele segue em frente, impávido, escoiceando “brilhantemente”, confiando, talvez, na desinformação dos leitores. E nisso se engana, porque há leitores de todo tipo.
Trata-se, no fundo, de mera preguiça, não de falta de talento ou inteligência. Daí a importância de haver “um homem”, um caráter, dentro de todo escritor. Apesar de caráter e inteligência serem coisas distintas, não há dúvida de que um grande caráter pode, em larga medida, compensar — com a honestidade mental, leituras e limpeza do texto —, a desigualdade da natureza na distribuição da argúcia e rapidez mental entre os homens. Daí uma outra observação pertinente, feita por um escritor cujo nome não me ocorre: “Todo livro é superior a seu autor”. O autor, intelectualmente, pode não ser lá essas coisas, mas o livro é ótimo, muito acima dele, porque foi refeito várias vezes. E refazer os homens é muito difícil. Suas esposas ou companheiras que o digam...
Uma segunda razão para abandonar a leitura do livro — agora com raiva, quase jogando o volume no chão ou no lixo — está na ofensa à inteligência dos leitores. Principalmente quando o estelionatário das letras, pensando apenas no “mercado” de baixa escolaridade — ou deficiente contato com a realidade —, usa e abusa do “direito” de afrontar a lógica, a ciência, o bom senso. Aí já se trata de má-fé, não apenas de preguiça, como no caso anterior. Quando tento ler “best sellers”, destinados também a adultos, falando a sério em vampiros, magos, esoterismo, demônios disfarçados, fadas, dragões — pondo fogo pelas ventas —, espadas mágicas, alquimia, viagens no tempo ou no espaço — vôo sem asas nem aeronaves —, penso que boa parte da humanidade está se atolando no obscurantismo. Com ajuda de editores cultos mas indiferentes à avacalhação da inteligência. E o pior: por vezes com apoio financeiro do estado,“incentivando o hábito da leitura”.
Mesmo para adolescentes, livros que tratam, por exemplo, de alquimia, a “química” ao tempo da profunda ignorância — nem sabiam que existiam os átomos — não deveriam, tais livros, receber qualquer estímulo do estado ou de seus professores. Isso porque induzem o adolescente a engolir enredos e idéias sem qualquer senso crítico. Além de torná-lo cada vez mais ignorante sobre o que existe realmente no mundo em que vive. Qualquer estímulo governamental deveria ser direcionado apenas para obras que, pelo menos, não desinformem. Distraiam, mas não desinformem. Afinal, queremos formar cidadãos cultos, críticos e bem informados, ou autênticas “geléias” mentais, passivamente propensas a seguir demagogos, ou auto-proclamados “homem de Deus”, espertalhões preocupados apenas em enriquecer explorando a religiosidade de seus inocentes seguidores. Mas deixemos de divagações.
O livro, de François Forestier, sobre Marilyn Monroe e John Kennedy, foi um dos poucos volumes em que não tive necessidade alguma de me forçar a terminar. É intensamente interessante. Impossível largá-lo no meio. Contém massa enorme de informações, detalhes e deduções bem articuladas — e bem prováveis — sobre o que foi a era Kennedy. Desde o fundador da “dinastia” política, Joseph (Joe) Kennedy, um financista sem o menor escrúpulo que cismou, porque cismou, em fazer presidente dos EUA um de seus filhos.
Com a morte, na 2ª. Guerra Mundial, do filho mais velho, o “Júnior’, Joseph Kennedy transferiu essa missão ao segundo rebento, John F. Kennedy, assassinado em Dallas. Tudo indica, pela Máfia americana, mesmo que a Comissão Warren tenha concluído que o único responsável foi o autor dos disparo, Lee H. Oswald. Este último, suspeitamente, foi morto logo em seguida por um gangsterzinho de segunda categoria, Jack “Ruby”. Com a morte imediata de Lee Oswald a investigação sobre a morte do presidente ficou muito prejudicada. Anda que o livro tenha se preocupado principalmente em descrever a intensa vida sexual de John Kennedy e Marilyn Monroe, aqui e ali aparecem detalhes que, costurados, levam — pelo menos a mim — à conclusão de que foi a Máfia, em harmonia com algumas pessoas do próprio governo americano, que planejo a morte do presidente. Lee H. Oswald apenas mirou e apertou o gatilho.
O livro descreve bem os jogos do poder na Casa Branca. J. Edgar Hoover é bem retratado. Já era de conhecimento comum, bem antes da obra, que o diretor do FBI conseguiu manter-se na função, durante 48 anos, graças aos deslizes de homens públicos. Notadamente os segredos de alcova, guardados em sua gaveta particular. Considerando a doentia curiosidade dos americanos pela vida sexual dos seus políticos, a gravação, em fitas, de ruídos amorosos — gemidos, frases e ranger de molas — era uma garantia de permanência no poderoso e temido cargo.
Segundo o autor, Hoover não gostou nem um pouco da afrontosa novidade inventada pelo seu superior hierárquico, o esquentado Robert Kennedy que, nomeado Procurador-Geral, mandou instalar na sala de Hoover uma campainha. Quando Robert precisava falar com o diretor, convocava-o sonoramente, como se Hoover fosse um criado de quarto. Essa queda de “status” gelava o sangue, já naturalmente frio, do vingativo e poderoso homem das sombras. Até então, quando um político importante queria falar com ele, costumava visitá-lo no seu escritório. Hoover, no entanto, fingiu engolir a afronta.
Outro personagem “influente’, naquele período, e que aparece com freqüência no livro, é Sam Giancana, um gângster de Chicago que, além de gângster, era especialmente maléfico, astuto e sórdido. Até entre os gângsteres há graus de sordidez. Sua morte, no entanto, foi branda demais, em termos de merecimento de punição: morreu em junho de 1975 “com uma bala na nuca e seis balas no rosto”, segundo o autor. Cá entre nós, bondade do destino, porque praticamente não sofreu. No livro, à pag. 188, revela-nos o autor que quando Marilyn Monroe foi encontrada desfalecida no leito, entorpecida com os coquetéis de calmantes e excitantes — morrendo do excesso —, Giancana (...) “resolve aviltá-la mais. Violenta-a. Manda um de seus capangas estuprá-la. E, aproveitando a ocasião, pede que fotografem a cena. Tem a intenção de humilhar RFK (Robert), de espezinhar o jardim secreto do inimigo jurado, o procurador-geral”.
Frank Sinatra; os maridos de Marilyn; Glória Swanson (ao morrer, disse simplesmente que “Se precisasse voltar a viver minha vida, não o faria”) e inúmeras beldades de Hollywood cruzam o caminho do leitor, que se sente como vivesse na terra das estrelas.
Quanto à Marilyn, só mesmo lendo o livro para se ter uma idéia do que foi sua confusa vida. Atraída pela “glória”, não pelo dinheiro, teve uma vida deformada pela ambição, falta de juízo, pouca instrução e total indisciplina. Queria ser considerada uma grande artista, mas não podia se dedicar seriamente ao trabalho por causa de sua propensão a consumir medicamentos de tarja preta, engolidos com “drinks”. Segundo o autor, tinha a ambição de se tornar “primeira dama”, desbancando a discreta e humilhada Jackeline Kennedy, que fingia não ver que o marido se dedicava mais à caça das mulheres que aos problemas do cargo. Conforme o autor, seu único ponto fraco era o gosto pelo gastar. Daí, talvez, a aceitação do velho armador grego, Aristóteles Onassis, como segundo marido.
Praticamente, todos os personagens importantes ligados a Marilyn Monroe e John Kennedy estão mortos. Assim, dificilmente haverá quem queira processar judicialmente o autor, alegando que ele deformou ou exagerou o lado negativo das pessoas descritas em sua obra.
De qualquer forma, é um livro interessantíssimo, seja o leitor um curioso da vida íntima de personalidades famosas, ou interessado em conhecer o jogo do poder dentro e fora da Casa Branca, na época. Ou mesmo um circunspecto estudioso do produto final da combinação de dinheiro, poder, busca da fama e, principalmente, a libido. Um mecanismo biológico natural, destinado apenas à propagação da espécie, mas que ainda atormenta a vida de homens e mulheres, em todas as classes sociais.
Impressiona, também, a relativa impotência dos EE.UU. — não obstante sua aparente rigidez — em afastar do convívio social os realmente grandes criminosos. Notadamente a Máfia americana, ou que outros nomes tenham as organizações criminosas. Por sinal, estranhamente, Edgar Hoover sempre negou que houvesse “Máfia” em solo americano. A explicação do autor — e de outros autores — é a de que Lucky Luciano, o “capo” dos “capi”, guardava fotos sexualmente comprometedoras do poderoso diretor.
Por causa da longa e perigosa permanência de Hoover, uma lei foi aprovada, proibindo que o diretor do FBI permaneça no cargo mais de dez anos. Salutar medida.
(5-4-09)
Para agravar minha situação, é-me comuníssimo abandonar a leitura após as primeiras páginas. Perco o entusiasmo. Suponho que alguns leitores sentem o mesmo. O interesse murcha por duas razões: primeiro, ao perceber que o autor está “esticando” desnecessariamente o texto, apesar da escassez de idéias ou informações novas relacionáveis com o assunto. Em vez de dar uma pausa na redação para conhecer melhor os tópicos, ele segue em frente, impávido, escoiceando “brilhantemente”, confiando, talvez, na desinformação dos leitores. E nisso se engana, porque há leitores de todo tipo.
Trata-se, no fundo, de mera preguiça, não de falta de talento ou inteligência. Daí a importância de haver “um homem”, um caráter, dentro de todo escritor. Apesar de caráter e inteligência serem coisas distintas, não há dúvida de que um grande caráter pode, em larga medida, compensar — com a honestidade mental, leituras e limpeza do texto —, a desigualdade da natureza na distribuição da argúcia e rapidez mental entre os homens. Daí uma outra observação pertinente, feita por um escritor cujo nome não me ocorre: “Todo livro é superior a seu autor”. O autor, intelectualmente, pode não ser lá essas coisas, mas o livro é ótimo, muito acima dele, porque foi refeito várias vezes. E refazer os homens é muito difícil. Suas esposas ou companheiras que o digam...
Uma segunda razão para abandonar a leitura do livro — agora com raiva, quase jogando o volume no chão ou no lixo — está na ofensa à inteligência dos leitores. Principalmente quando o estelionatário das letras, pensando apenas no “mercado” de baixa escolaridade — ou deficiente contato com a realidade —, usa e abusa do “direito” de afrontar a lógica, a ciência, o bom senso. Aí já se trata de má-fé, não apenas de preguiça, como no caso anterior. Quando tento ler “best sellers”, destinados também a adultos, falando a sério em vampiros, magos, esoterismo, demônios disfarçados, fadas, dragões — pondo fogo pelas ventas —, espadas mágicas, alquimia, viagens no tempo ou no espaço — vôo sem asas nem aeronaves —, penso que boa parte da humanidade está se atolando no obscurantismo. Com ajuda de editores cultos mas indiferentes à avacalhação da inteligência. E o pior: por vezes com apoio financeiro do estado,“incentivando o hábito da leitura”.
Mesmo para adolescentes, livros que tratam, por exemplo, de alquimia, a “química” ao tempo da profunda ignorância — nem sabiam que existiam os átomos — não deveriam, tais livros, receber qualquer estímulo do estado ou de seus professores. Isso porque induzem o adolescente a engolir enredos e idéias sem qualquer senso crítico. Além de torná-lo cada vez mais ignorante sobre o que existe realmente no mundo em que vive. Qualquer estímulo governamental deveria ser direcionado apenas para obras que, pelo menos, não desinformem. Distraiam, mas não desinformem. Afinal, queremos formar cidadãos cultos, críticos e bem informados, ou autênticas “geléias” mentais, passivamente propensas a seguir demagogos, ou auto-proclamados “homem de Deus”, espertalhões preocupados apenas em enriquecer explorando a religiosidade de seus inocentes seguidores. Mas deixemos de divagações.
O livro, de François Forestier, sobre Marilyn Monroe e John Kennedy, foi um dos poucos volumes em que não tive necessidade alguma de me forçar a terminar. É intensamente interessante. Impossível largá-lo no meio. Contém massa enorme de informações, detalhes e deduções bem articuladas — e bem prováveis — sobre o que foi a era Kennedy. Desde o fundador da “dinastia” política, Joseph (Joe) Kennedy, um financista sem o menor escrúpulo que cismou, porque cismou, em fazer presidente dos EUA um de seus filhos.
Com a morte, na 2ª. Guerra Mundial, do filho mais velho, o “Júnior’, Joseph Kennedy transferiu essa missão ao segundo rebento, John F. Kennedy, assassinado em Dallas. Tudo indica, pela Máfia americana, mesmo que a Comissão Warren tenha concluído que o único responsável foi o autor dos disparo, Lee H. Oswald. Este último, suspeitamente, foi morto logo em seguida por um gangsterzinho de segunda categoria, Jack “Ruby”. Com a morte imediata de Lee Oswald a investigação sobre a morte do presidente ficou muito prejudicada. Anda que o livro tenha se preocupado principalmente em descrever a intensa vida sexual de John Kennedy e Marilyn Monroe, aqui e ali aparecem detalhes que, costurados, levam — pelo menos a mim — à conclusão de que foi a Máfia, em harmonia com algumas pessoas do próprio governo americano, que planejo a morte do presidente. Lee H. Oswald apenas mirou e apertou o gatilho.
O livro descreve bem os jogos do poder na Casa Branca. J. Edgar Hoover é bem retratado. Já era de conhecimento comum, bem antes da obra, que o diretor do FBI conseguiu manter-se na função, durante 48 anos, graças aos deslizes de homens públicos. Notadamente os segredos de alcova, guardados em sua gaveta particular. Considerando a doentia curiosidade dos americanos pela vida sexual dos seus políticos, a gravação, em fitas, de ruídos amorosos — gemidos, frases e ranger de molas — era uma garantia de permanência no poderoso e temido cargo.
Segundo o autor, Hoover não gostou nem um pouco da afrontosa novidade inventada pelo seu superior hierárquico, o esquentado Robert Kennedy que, nomeado Procurador-Geral, mandou instalar na sala de Hoover uma campainha. Quando Robert precisava falar com o diretor, convocava-o sonoramente, como se Hoover fosse um criado de quarto. Essa queda de “status” gelava o sangue, já naturalmente frio, do vingativo e poderoso homem das sombras. Até então, quando um político importante queria falar com ele, costumava visitá-lo no seu escritório. Hoover, no entanto, fingiu engolir a afronta.
Outro personagem “influente’, naquele período, e que aparece com freqüência no livro, é Sam Giancana, um gângster de Chicago que, além de gângster, era especialmente maléfico, astuto e sórdido. Até entre os gângsteres há graus de sordidez. Sua morte, no entanto, foi branda demais, em termos de merecimento de punição: morreu em junho de 1975 “com uma bala na nuca e seis balas no rosto”, segundo o autor. Cá entre nós, bondade do destino, porque praticamente não sofreu. No livro, à pag. 188, revela-nos o autor que quando Marilyn Monroe foi encontrada desfalecida no leito, entorpecida com os coquetéis de calmantes e excitantes — morrendo do excesso —, Giancana (...) “resolve aviltá-la mais. Violenta-a. Manda um de seus capangas estuprá-la. E, aproveitando a ocasião, pede que fotografem a cena. Tem a intenção de humilhar RFK (Robert), de espezinhar o jardim secreto do inimigo jurado, o procurador-geral”.
Frank Sinatra; os maridos de Marilyn; Glória Swanson (ao morrer, disse simplesmente que “Se precisasse voltar a viver minha vida, não o faria”) e inúmeras beldades de Hollywood cruzam o caminho do leitor, que se sente como vivesse na terra das estrelas.
Quanto à Marilyn, só mesmo lendo o livro para se ter uma idéia do que foi sua confusa vida. Atraída pela “glória”, não pelo dinheiro, teve uma vida deformada pela ambição, falta de juízo, pouca instrução e total indisciplina. Queria ser considerada uma grande artista, mas não podia se dedicar seriamente ao trabalho por causa de sua propensão a consumir medicamentos de tarja preta, engolidos com “drinks”. Segundo o autor, tinha a ambição de se tornar “primeira dama”, desbancando a discreta e humilhada Jackeline Kennedy, que fingia não ver que o marido se dedicava mais à caça das mulheres que aos problemas do cargo. Conforme o autor, seu único ponto fraco era o gosto pelo gastar. Daí, talvez, a aceitação do velho armador grego, Aristóteles Onassis, como segundo marido.
Praticamente, todos os personagens importantes ligados a Marilyn Monroe e John Kennedy estão mortos. Assim, dificilmente haverá quem queira processar judicialmente o autor, alegando que ele deformou ou exagerou o lado negativo das pessoas descritas em sua obra.
De qualquer forma, é um livro interessantíssimo, seja o leitor um curioso da vida íntima de personalidades famosas, ou interessado em conhecer o jogo do poder dentro e fora da Casa Branca, na época. Ou mesmo um circunspecto estudioso do produto final da combinação de dinheiro, poder, busca da fama e, principalmente, a libido. Um mecanismo biológico natural, destinado apenas à propagação da espécie, mas que ainda atormenta a vida de homens e mulheres, em todas as classes sociais.
Impressiona, também, a relativa impotência dos EE.UU. — não obstante sua aparente rigidez — em afastar do convívio social os realmente grandes criminosos. Notadamente a Máfia americana, ou que outros nomes tenham as organizações criminosas. Por sinal, estranhamente, Edgar Hoover sempre negou que houvesse “Máfia” em solo americano. A explicação do autor — e de outros autores — é a de que Lucky Luciano, o “capo” dos “capi”, guardava fotos sexualmente comprometedoras do poderoso diretor.
Por causa da longa e perigosa permanência de Hoover, uma lei foi aprovada, proibindo que o diretor do FBI permaneça no cargo mais de dez anos. Salutar medida.
(5-4-09)
sexta-feira, 3 de abril de 2009
A proposta de Gilmar Mendes
Não me sinto confortável criticando membros do Judiciário. E o Min. Gilmar Mendes é um ministro do STF, ousado e cheio de idéias — boas e não tão boas. Meu desconforto decorre da instintiva solidariedade de classe. Resíduo dos 22 anos e meio em que fui juiz de carreira em São Paulo — tempo curto, por comparação com colegas que saíram pela compulsória. Época relativamente recente em que a magistratura estadual brasileira gozava, de modo geral, de uma reputação de excelência — intelectual e moral.
Eram raríssimos os casos de escândalo. Juízes e advogados demonstravam mútuo respeito autêntico. O clima era cordial. Nesse tempo só havia desembargadores na Justiça Estadual brasileira e... em Portugal. Uma indicação, pela OAB, pelo quinto constitucional, era praticamente uma ordem, indiscutível. Depois da Revolução de 31 de Março o título de “desembargador”, justamente porque gerava prestígio, foi se difundindo. Se alguém, hoje, em Brasília, numa praça, chamasse, só de brincadeira, em voz alta, “Desembargador!”, ou “Ministro!”, metade dos passantes se voltariam pensando que era com eles. E, como todos sabem, quanto maior o número de profissionais, maior o risco de algum deslize e progressiva vulgarização do título, qualquer título. Ouro e diamante têm seu alto valor mais justificado pela raridade do que pela utilidade.
Por que o Prêmio Nobel só premia um escritor por ano? Porque se todos os anos fossem premiados dez ou vinte autores — todos eles talvez merecedores da láurea — a desimportância progressiva seria inevitável. Isso também explica, em parte, o pequeno número de ministros do STF e de todos os tribunais máximos dos outros países. Em órgãos coletivos decisórios, paradoxalmente, não há isso de “quanto mais cabeças maior a quantidade de luz!” Pode haver súbitos clarões, mas oriundos de curtos-circuitos e explosões. Daí a ilação — que não caberia desenvolver aqui — de que nossos Legislativos deveriam é encolher no número de representantes, não alargar, como se cogita. Mas isso é outro tema. Voltemos a Gilmar Mendes.
Se não me sinto muito bem criticando magistrados, por que, vez por outra faço considerações críticas às suas idéias? Porque Sua Excelência está sempre presente na mídia, propondo novas soluções para nossos problemas. É seu direito, como mero cidadão — especialmente qualificado pela condição de magistrado —, tentar melhorar o Brasil fora da sua função de julgador. Só que, com isso, expõe-se a críticas, que não podem ser cerceadas pelo tradicional respeito reverencial ao cargo porque vivemos em uma democracia. E é com essa fundamentação que aqui critico a proposta de S. Exa.: o controle da atividade policial pelo Judiciário (leia-se, no momento, por Gilmar Mendes). Não mais pelo Ministério Público, como está expresso na Constituição Federal, art.129, inciso 7: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior”.
Uma emenda constitucional poderia, certamente, transferir para o Judiciário esse controle externo. Isso, no entanto, tornaria o Judiciário suspeito em suas decisões, quando julgasse casos instruídos com provas policiais obtidas com concordância de seu “controlador”, talvez o mesmo juiz que vem a julgar o caso. Consultado, o magistrado, pela polícia, na fase do inquérito, se poderia ou não colher tal ou qual prova, em assunto especialmente delicado — fronteiriço entre o legal e não legal —, dizendo o juiz que era legal tal providência, tornar-se-ia depois suspeito para julgar a alegação da defesa, de nulidade dessa prova que ele mesmo autorizara. Teria interesse em não parecer contraditório, dizendo primeiro, como corregedor, que tal prova era lícita e depois, em juízo, decidindo o contrário. Não me refiro, aqui, à questão do grampo telefônico, uma exceção na rotina policial, em razão de seu aspecto constitucional. Refiro-me a todas as diligências policiais em busca de provas.
A função de julgar não é muito compatível com a função de controle diuturno da função policial. Para isso existe a separação de poderes. De modo geral, o juiz acaba julgando tudo, mas somente quando um conflito se transforma, formalmente, em processo judicial. É muito mais consentâneo com a natureza das coisas que o órgão encarregado da acusação, o Ministério Público, controle a atividade policial. São atividades “irmãs”, assemelhadas no combate à criminalidade. Cabe ao M. Público até mesmo — num caso ou outro especialmente delicado —, colher determinada prova, quando o poder político e financeiro do investigado é imenso, capaz de intimidar o policial ou acabar com sua carreira caso resista às tentações do dinheiro. O M. Público tem condições de enfrentar tais ameaças. Está mais “blindado”, institucionalmente, que a polícia, infelizmente ainda não suficientemente protegida, em sua independência, pela nossa legislação.
Se um ou outro excesso policial houve, recentemente, com prisões provisórias de diretores de empreiteiras — talvez desnecessárias para obtenção da prova —, o Judiciário já corrigiu ou virá a corrigir o excesso. Excesso que poderia ter ocorrido mesmo se coubesse ao juiz fiscalizar a atividade policial. Isso porque “controle” não significa a necessidade do policial consultar um juiz, diariamente, em cada providência investigatória, prevenindo abuso. “Controle” não significa transformar o juiz em sombra do policial, agindo como companheiro de investigação.
Excesso pode haver em toda parte. Até mesmo na função judicial. Diariamente vemos tribunais reformando decisões “excessivas” de outros órgãos julgadores. A propósito, há, até mesmo, um “excesso” institucional, sob o ângulo teórico, no fato de o presidente do STF — seja ele quem for — ser também o presidente do CNJ, encarregado de fiscalizar o Poder Judiciário, inclusive o próprio STF e seu presidente. “Como é isso?” — pergunta o amigo da lógica —, “fiscalizador e fiscalizado concentrados numa única pessoa?”
Dir-se-á que não há conflito nesses dois papéis, porque o CNJ é um órgão coletivo e seu presidente não decide sozinho. Isso ocorre apenas na teoria, porque é notória a influência da opinião de um presidente do CNJ que é também o presidente do mais alto tribunal do país.
No movimento pendular das instituições é previsível que o excesso da anterior impunidade, nos casos do “colarinho branco” — prisão definitiva somente após julgamento do crime no STF, com prescrição ou fuga do réu — tenha provocado um excesso contrário, destinado a mostrar à população de que “rico também vai para a cadeia, pelo menos por alguns dias”. Tais excessos, porém, já estão sendo cortados com “habeas corpus”. Sem necessidade de alterar o que está na Constituição, que corretamente atribui ao Ministério Público a função de controlar a polícia.
A sociedade brasileira, como um todo, agradeceria ao dinâmico Ministro uma sensata inovação, de sua vigorosa iniciativa. Inovação prática e justa: se o réu for condenado na primeira e segunda instância, aguardaria preso o julgamento do STJ, ou do STF — se pendente questão constitucional —, porque já com duas condenações desapareceria a “presunção de inocência”. E preso apenas para evitar a fuga, seu julgamento teria tramitação preferencial, urgente, nos tribunais superiores. Haveria pouca espera para a decisão final. Se o réu é inocente, ficaria feliz por saber que seu caso logo seria julgado, proclamando sua inocência. Com tal sistemática a coletividade ficaria mais confortada, sabendo que todos são, realmente, iguais perante a lei.
Outra solução seria que uma nova lei dissesse que nos casos de colarinho branco a sanção seria apenas econômica — pesadamente econômica —, assustando o inescrupuloso na parte mais sensível de sua alma: o bolso.
Vamos ver quem, no Brasil, tem essa coragem.
(3-4-09)
Eram raríssimos os casos de escândalo. Juízes e advogados demonstravam mútuo respeito autêntico. O clima era cordial. Nesse tempo só havia desembargadores na Justiça Estadual brasileira e... em Portugal. Uma indicação, pela OAB, pelo quinto constitucional, era praticamente uma ordem, indiscutível. Depois da Revolução de 31 de Março o título de “desembargador”, justamente porque gerava prestígio, foi se difundindo. Se alguém, hoje, em Brasília, numa praça, chamasse, só de brincadeira, em voz alta, “Desembargador!”, ou “Ministro!”, metade dos passantes se voltariam pensando que era com eles. E, como todos sabem, quanto maior o número de profissionais, maior o risco de algum deslize e progressiva vulgarização do título, qualquer título. Ouro e diamante têm seu alto valor mais justificado pela raridade do que pela utilidade.
Por que o Prêmio Nobel só premia um escritor por ano? Porque se todos os anos fossem premiados dez ou vinte autores — todos eles talvez merecedores da láurea — a desimportância progressiva seria inevitável. Isso também explica, em parte, o pequeno número de ministros do STF e de todos os tribunais máximos dos outros países. Em órgãos coletivos decisórios, paradoxalmente, não há isso de “quanto mais cabeças maior a quantidade de luz!” Pode haver súbitos clarões, mas oriundos de curtos-circuitos e explosões. Daí a ilação — que não caberia desenvolver aqui — de que nossos Legislativos deveriam é encolher no número de representantes, não alargar, como se cogita. Mas isso é outro tema. Voltemos a Gilmar Mendes.
Se não me sinto muito bem criticando magistrados, por que, vez por outra faço considerações críticas às suas idéias? Porque Sua Excelência está sempre presente na mídia, propondo novas soluções para nossos problemas. É seu direito, como mero cidadão — especialmente qualificado pela condição de magistrado —, tentar melhorar o Brasil fora da sua função de julgador. Só que, com isso, expõe-se a críticas, que não podem ser cerceadas pelo tradicional respeito reverencial ao cargo porque vivemos em uma democracia. E é com essa fundamentação que aqui critico a proposta de S. Exa.: o controle da atividade policial pelo Judiciário (leia-se, no momento, por Gilmar Mendes). Não mais pelo Ministério Público, como está expresso na Constituição Federal, art.129, inciso 7: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior”.
Uma emenda constitucional poderia, certamente, transferir para o Judiciário esse controle externo. Isso, no entanto, tornaria o Judiciário suspeito em suas decisões, quando julgasse casos instruídos com provas policiais obtidas com concordância de seu “controlador”, talvez o mesmo juiz que vem a julgar o caso. Consultado, o magistrado, pela polícia, na fase do inquérito, se poderia ou não colher tal ou qual prova, em assunto especialmente delicado — fronteiriço entre o legal e não legal —, dizendo o juiz que era legal tal providência, tornar-se-ia depois suspeito para julgar a alegação da defesa, de nulidade dessa prova que ele mesmo autorizara. Teria interesse em não parecer contraditório, dizendo primeiro, como corregedor, que tal prova era lícita e depois, em juízo, decidindo o contrário. Não me refiro, aqui, à questão do grampo telefônico, uma exceção na rotina policial, em razão de seu aspecto constitucional. Refiro-me a todas as diligências policiais em busca de provas.
A função de julgar não é muito compatível com a função de controle diuturno da função policial. Para isso existe a separação de poderes. De modo geral, o juiz acaba julgando tudo, mas somente quando um conflito se transforma, formalmente, em processo judicial. É muito mais consentâneo com a natureza das coisas que o órgão encarregado da acusação, o Ministério Público, controle a atividade policial. São atividades “irmãs”, assemelhadas no combate à criminalidade. Cabe ao M. Público até mesmo — num caso ou outro especialmente delicado —, colher determinada prova, quando o poder político e financeiro do investigado é imenso, capaz de intimidar o policial ou acabar com sua carreira caso resista às tentações do dinheiro. O M. Público tem condições de enfrentar tais ameaças. Está mais “blindado”, institucionalmente, que a polícia, infelizmente ainda não suficientemente protegida, em sua independência, pela nossa legislação.
Se um ou outro excesso policial houve, recentemente, com prisões provisórias de diretores de empreiteiras — talvez desnecessárias para obtenção da prova —, o Judiciário já corrigiu ou virá a corrigir o excesso. Excesso que poderia ter ocorrido mesmo se coubesse ao juiz fiscalizar a atividade policial. Isso porque “controle” não significa a necessidade do policial consultar um juiz, diariamente, em cada providência investigatória, prevenindo abuso. “Controle” não significa transformar o juiz em sombra do policial, agindo como companheiro de investigação.
Excesso pode haver em toda parte. Até mesmo na função judicial. Diariamente vemos tribunais reformando decisões “excessivas” de outros órgãos julgadores. A propósito, há, até mesmo, um “excesso” institucional, sob o ângulo teórico, no fato de o presidente do STF — seja ele quem for — ser também o presidente do CNJ, encarregado de fiscalizar o Poder Judiciário, inclusive o próprio STF e seu presidente. “Como é isso?” — pergunta o amigo da lógica —, “fiscalizador e fiscalizado concentrados numa única pessoa?”
Dir-se-á que não há conflito nesses dois papéis, porque o CNJ é um órgão coletivo e seu presidente não decide sozinho. Isso ocorre apenas na teoria, porque é notória a influência da opinião de um presidente do CNJ que é também o presidente do mais alto tribunal do país.
No movimento pendular das instituições é previsível que o excesso da anterior impunidade, nos casos do “colarinho branco” — prisão definitiva somente após julgamento do crime no STF, com prescrição ou fuga do réu — tenha provocado um excesso contrário, destinado a mostrar à população de que “rico também vai para a cadeia, pelo menos por alguns dias”. Tais excessos, porém, já estão sendo cortados com “habeas corpus”. Sem necessidade de alterar o que está na Constituição, que corretamente atribui ao Ministério Público a função de controlar a polícia.
A sociedade brasileira, como um todo, agradeceria ao dinâmico Ministro uma sensata inovação, de sua vigorosa iniciativa. Inovação prática e justa: se o réu for condenado na primeira e segunda instância, aguardaria preso o julgamento do STJ, ou do STF — se pendente questão constitucional —, porque já com duas condenações desapareceria a “presunção de inocência”. E preso apenas para evitar a fuga, seu julgamento teria tramitação preferencial, urgente, nos tribunais superiores. Haveria pouca espera para a decisão final. Se o réu é inocente, ficaria feliz por saber que seu caso logo seria julgado, proclamando sua inocência. Com tal sistemática a coletividade ficaria mais confortada, sabendo que todos são, realmente, iguais perante a lei.
Outra solução seria que uma nova lei dissesse que nos casos de colarinho branco a sanção seria apenas econômica — pesadamente econômica —, assustando o inescrupuloso na parte mais sensível de sua alma: o bolso.
Vamos ver quem, no Brasil, tem essa coragem.
(3-4-09)
quarta-feira, 1 de abril de 2009
Doações ilegais;fiscais;hipocrisia, etc
Lendo, na mídia, notícias — e comentários apaixonados — sobre a “Operação Castelo de Areia”, não posso deixar de apresentar minha desvaliosa observação sobre o conjunto de enfoques opostos que bem representam a desilusão, ou confusão, de nossa sociedade no que se refere às investigações nos casos do “colarinho branco’. Dessa cor porque não há necessidade de suar a camisa para ganhar dinheiro. A desilusão é real, apoiada em fatos, mas na articulação destes a compreensão da coletividade deixa muito a desejar. Liguemos as idéias, sinteticamente, para ver se é possível apresentar um conjunto coerente que suplante a visão isolada dos problemas. Cabe ao leitor formar seu próprio juízo. Detalhes e conjuntos não podem ser interpretados como completos estranhos. Muito menos como inimigos. A velha metáfora da árvore e da floresta.
Vários anos atrás, mais de dez, em época de eleição, proseando com o sócio de uma empreiteira, ele me contava, casualmente, que naquele mesmo dia recebera a visita de Fulano de Tal, um político em evidência mas encarado com reservas pelos mais preocupados com a ética. O cidadão o havia visitado para pedir contribuição para seu partido. O dinheiro, lógico, seria todo (hum...) para financiar a campanha eleitoral. Perguntei a ele se simpatizava com o candidato do visitante. Ele me respondeu que não, absolutamente, mas que dera o dinheiro porque se não desse jamais venceria uma licitação para obra pública nos anos em que aquele partido estivesse no poder. Explicou-me que já dera dinheiro para todos os emissários de partidos que o procuraram porque as eleições, por vezes, são imprevisíveis e na hora de governar as agremiações fazem alianças. A empresa de obras públicas que foi “mesquinha”, negando a contribuição — nunca modesta —, fica mal vista e simplesmente não vence concorrências públicas. Foi o que ele disse, parecendo acreditar realmente no que dizia. Se as coisas mudaram, de lá pra cá, o leitor sabe melhor do que eu.
Como toda empresa privada tem como objetivo natural trabalhar, crescer e lucrar — com os bons efeitos secundários de criar empregos, pagar impostos e erguer o padrão de vida da população — é compreensível que, para não “se queimar”, atenda aos pedidos de contribuição dos partidos que a procuram. As empresas não se consideram missionárias, “fiscais” éticas dos governos. Se o legislador fosse capaz de inventar uma fórmula — quase milagrosa, convenhamos — que torne totalmente limpa, não tendenciosa, a escolha de vencedores de licitações, não haveria mais porque dar dinheiro aos “visitantes” políticos em época de eleição. O empresário poderia se dar ao luxo de negar tais pedidos, sem risco de falência. É preciso levar isso em conta, na hora de julgar moralmente — e até mesmo legalmente, se possível — as contribuições das empresas em época de eleições. Ceder a tais pedidos pode, em tese, significar apenas o desejo de não falir. Errado, moralmente, não é contribuir, mas a pressão do político.
O mesmo se diga quando o empresário, para se livrar de “achaques”, de extorsões, concorda em pagar uma quantia exigida por tal ou qual fiscal, mesmo que nada haja de ilegal por parte da empresa. Digamos, por exemplo, que uma empresa estrangeira pretenda se instalar no Brasil e um determinado fiscal, ou órgão equivalente, queira tirar proveito financeiro, “criando dificuldades para vender facilidades”, conforme conhecia expressão. Faz exigências sobre exigências, retardando e complicando o pedido. A empresa, porém, tem pressa para se instalar, por motivos relacionados com a concorrência ou “timing” no lançamento de seu produto. Se ficar perdendo tempo, resistindo à pressão do fiscal corrupto, perderá muito dinheiro, ou talvez seja melhor desistir e procurar um outro país em que não exista (hum..., de novo) a extorsão, ou seja ela menos violenta.
Em tais situações, a empresa defronta-se com o dilema: ou cede ao fiscal corrupto — e instala-se logo no país —; ou resiste à “extorsão”, em sentido amplo — convocando a polícia, gravando e filmando a exigência do fiscal — com a conseqüente demora e possíveis riscos legais contra seu representante. Isso porque o fiscal tudo fará para se defender embaralhando os fatos e envolvendo quem o acusa. Alegará, por exemplo, que foi o empresário quem tomou a iniciativa de corrupção. Criará alguma dúvida, no inquérito, e essa dúvida resultará em denúncia criminal contra ambos. Aí o empresário, tendo que provar em juízo sua inocência — alegando que apenas cedeu à pressão injusta do fiscal —, se arrepende de ter levado o fato à polícia. Teria saído mais simples e menos preocupante negociar o valor da exigência do fiscal. A ação penal permanecerá, por anos, como uma espada perigosa sobre sua nuca de ingênuo ou precipitado.
Se a empresa resolver seguir esse caminho mais difícil, o que pode acontecer, além do processo criminal? Colegas do fiscal acusado, por solidariedade, passam a visitar diariamente o estabelecimento denunciante, exercendo uma fiscalização super-minuciosa, exigindo isso e mais aquilo, só com a intenção de travar o funcionamento da empresa. E podem fazer isso tão bem, com tanta assiduidade e competência técnica — afinal, entendem os meandros da legislação com que trabalham — que a empresa acaba desistindo, pedindo o encerramento de suas atividades; talvez mudando para outro país, estado ou município. Isso já ocorreu.
Nesse item, um pequeno aperfeiçoamento legislativo faria maravilhas para coibir os maus fiscais — certamente uma minoria na classe — que não se contentam com seus bons salários e outros benefícios.
Qual seria essa modificação legislativa? “Descasar”, “desconectar” explicitamente a corrupção passiva da corrupção ativa. Isto é, se o fiscal exige dinheiro para a concessão, por exemplo, de um alvará e o empresário dá o dinheiro exigido, somente o fiscal seria indiciado em inquérito e processado, por “corrupção passiva”. Atualmente pelo que tenho visto, em todo caso de “corrupção passiva” (do fiscal, que recebe o dinheiro) existe, quase automaticamente, a “corrupção ativa” (do empresário que deu o dinheiro para o fiscal).
Essa sistemática, aparentemente lógica, alimenta a corrupção daqueles poucos — mas maus —, fiscais no Brasil, porque o empresário, finalmente de posse do exemplificativo “alvará”, teme procurar a polícia para denunciar o fiscal que lhe exigiu dinheiro. Se o fizer, correrá sério risco de ser enquadrado na corrupção ativa. Afinal, ele “deu” o dinheiro. Juridicamente, a rigor, só há corrupção ativa quando o agente (art.333 do Código Penal) “Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”. Quando, no processo criminal ficar nitidamente comprovado que o empresário não “ofereceu nem prometeu vantagem indevida” não haverá corrupção ativa. No entanto, o empresário terá que provar isso em juízo, o que nem sempre é fácil e o fiscal sabe e conta com isso.
Alguém dirá que alguns empresários também não são santos. Querem, a todo custo, contornar exigências legais perfeitamente justas. Tentam corromper fiscais honestos. Cabe a estes, porém, resistir às tentações. Para isso são fiscais. São pagos para serem incorruptíveis e fiscalizadores, mas isentos de segundas intenções quando trabalham. Empresários não são guardiães da função pública. Seus propósitos são bem diversos. Se, eventualmente, o fiscal está cansado de tanta tentativa de corrompê-lo e sente impulsos cívicos de sanear o ambiente empresarial, que convoque a polícia para uma armadilha, gravando e filmando as propostas do corruptor. Toda essa encenação é, porém, desnecessária, porque poucos empresários iriam insistir demais tentando corromper um fiscal obviamente honesto. Haveria o risco de um flagrante.
Finalmente, uma palavra sobre a atividade fiscalizadora em geral. Presumo que a grande maioria dos fiscais é composta de funcionários honestos. No entanto, não é usual — como deveria — os fiscais honestos exercerem firme pressão para que os colegas inescrupulosos — um termo mais diplomático — abandonem o “mau caminho”, renunciando ao lucro tentador. Os funcionários corretos, infelizmente, limitam-se a se afastar dos “maus elementos”. Apenas isso. Agem na linha, pessoalmente. Não compactuam, mas também não querem ser “delatores” de colegas. Interpretam mal a solidariedade de classe, esquecidos que duas ou três maçãs podres desmoralizam todo o cesto.
Assumindo o risco de parecer retrógrado — ou ignorante, pouco me importa —, penso ter chegado o momento do Brasil discutir, novamente, a conveniência de “distinguir” doações legais de ilegais. Sou contra essa distinção, apesar de politicamente correta. O campo é propício para intrigas e desmoralizações, exigindo infindáveis pesquisas contábeis para saber as circunstâncias de cada doação. E esta pode ser fruto de uma quase chantagem de políticos às vésperas de eleição.
“Escândalos” midiáticos fazem o Brasil descer vários degraus na reputação internacional de nossas empresas. Pessoalmente, sou contrário a se dar dinheiro público para candidatos. Cada um que convença empresários, e cidadãos em geral, de que é o melhor candidato naquela eleição. Parece-me evidente que ao lado do financiamento público e das doações legais, sempre haverá algum financiamento não contabilizado, porque o poder exerce nas almas uma atração muito mais forte que o desejo de cumprir a lei. Os candidatos mais obedientes vão obedecer às regras, mas os ousados, não, levando vantagem. E saberão como manipular a química contábil, como ocorreu recentemente nos EE.UU. nos escândalos que abalaram o mundo.
(01-4-09)
Vários anos atrás, mais de dez, em época de eleição, proseando com o sócio de uma empreiteira, ele me contava, casualmente, que naquele mesmo dia recebera a visita de Fulano de Tal, um político em evidência mas encarado com reservas pelos mais preocupados com a ética. O cidadão o havia visitado para pedir contribuição para seu partido. O dinheiro, lógico, seria todo (hum...) para financiar a campanha eleitoral. Perguntei a ele se simpatizava com o candidato do visitante. Ele me respondeu que não, absolutamente, mas que dera o dinheiro porque se não desse jamais venceria uma licitação para obra pública nos anos em que aquele partido estivesse no poder. Explicou-me que já dera dinheiro para todos os emissários de partidos que o procuraram porque as eleições, por vezes, são imprevisíveis e na hora de governar as agremiações fazem alianças. A empresa de obras públicas que foi “mesquinha”, negando a contribuição — nunca modesta —, fica mal vista e simplesmente não vence concorrências públicas. Foi o que ele disse, parecendo acreditar realmente no que dizia. Se as coisas mudaram, de lá pra cá, o leitor sabe melhor do que eu.
Como toda empresa privada tem como objetivo natural trabalhar, crescer e lucrar — com os bons efeitos secundários de criar empregos, pagar impostos e erguer o padrão de vida da população — é compreensível que, para não “se queimar”, atenda aos pedidos de contribuição dos partidos que a procuram. As empresas não se consideram missionárias, “fiscais” éticas dos governos. Se o legislador fosse capaz de inventar uma fórmula — quase milagrosa, convenhamos — que torne totalmente limpa, não tendenciosa, a escolha de vencedores de licitações, não haveria mais porque dar dinheiro aos “visitantes” políticos em época de eleição. O empresário poderia se dar ao luxo de negar tais pedidos, sem risco de falência. É preciso levar isso em conta, na hora de julgar moralmente — e até mesmo legalmente, se possível — as contribuições das empresas em época de eleições. Ceder a tais pedidos pode, em tese, significar apenas o desejo de não falir. Errado, moralmente, não é contribuir, mas a pressão do político.
O mesmo se diga quando o empresário, para se livrar de “achaques”, de extorsões, concorda em pagar uma quantia exigida por tal ou qual fiscal, mesmo que nada haja de ilegal por parte da empresa. Digamos, por exemplo, que uma empresa estrangeira pretenda se instalar no Brasil e um determinado fiscal, ou órgão equivalente, queira tirar proveito financeiro, “criando dificuldades para vender facilidades”, conforme conhecia expressão. Faz exigências sobre exigências, retardando e complicando o pedido. A empresa, porém, tem pressa para se instalar, por motivos relacionados com a concorrência ou “timing” no lançamento de seu produto. Se ficar perdendo tempo, resistindo à pressão do fiscal corrupto, perderá muito dinheiro, ou talvez seja melhor desistir e procurar um outro país em que não exista (hum..., de novo) a extorsão, ou seja ela menos violenta.
Em tais situações, a empresa defronta-se com o dilema: ou cede ao fiscal corrupto — e instala-se logo no país —; ou resiste à “extorsão”, em sentido amplo — convocando a polícia, gravando e filmando a exigência do fiscal — com a conseqüente demora e possíveis riscos legais contra seu representante. Isso porque o fiscal tudo fará para se defender embaralhando os fatos e envolvendo quem o acusa. Alegará, por exemplo, que foi o empresário quem tomou a iniciativa de corrupção. Criará alguma dúvida, no inquérito, e essa dúvida resultará em denúncia criminal contra ambos. Aí o empresário, tendo que provar em juízo sua inocência — alegando que apenas cedeu à pressão injusta do fiscal —, se arrepende de ter levado o fato à polícia. Teria saído mais simples e menos preocupante negociar o valor da exigência do fiscal. A ação penal permanecerá, por anos, como uma espada perigosa sobre sua nuca de ingênuo ou precipitado.
Se a empresa resolver seguir esse caminho mais difícil, o que pode acontecer, além do processo criminal? Colegas do fiscal acusado, por solidariedade, passam a visitar diariamente o estabelecimento denunciante, exercendo uma fiscalização super-minuciosa, exigindo isso e mais aquilo, só com a intenção de travar o funcionamento da empresa. E podem fazer isso tão bem, com tanta assiduidade e competência técnica — afinal, entendem os meandros da legislação com que trabalham — que a empresa acaba desistindo, pedindo o encerramento de suas atividades; talvez mudando para outro país, estado ou município. Isso já ocorreu.
Nesse item, um pequeno aperfeiçoamento legislativo faria maravilhas para coibir os maus fiscais — certamente uma minoria na classe — que não se contentam com seus bons salários e outros benefícios.
Qual seria essa modificação legislativa? “Descasar”, “desconectar” explicitamente a corrupção passiva da corrupção ativa. Isto é, se o fiscal exige dinheiro para a concessão, por exemplo, de um alvará e o empresário dá o dinheiro exigido, somente o fiscal seria indiciado em inquérito e processado, por “corrupção passiva”. Atualmente pelo que tenho visto, em todo caso de “corrupção passiva” (do fiscal, que recebe o dinheiro) existe, quase automaticamente, a “corrupção ativa” (do empresário que deu o dinheiro para o fiscal).
Essa sistemática, aparentemente lógica, alimenta a corrupção daqueles poucos — mas maus —, fiscais no Brasil, porque o empresário, finalmente de posse do exemplificativo “alvará”, teme procurar a polícia para denunciar o fiscal que lhe exigiu dinheiro. Se o fizer, correrá sério risco de ser enquadrado na corrupção ativa. Afinal, ele “deu” o dinheiro. Juridicamente, a rigor, só há corrupção ativa quando o agente (art.333 do Código Penal) “Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”. Quando, no processo criminal ficar nitidamente comprovado que o empresário não “ofereceu nem prometeu vantagem indevida” não haverá corrupção ativa. No entanto, o empresário terá que provar isso em juízo, o que nem sempre é fácil e o fiscal sabe e conta com isso.
Alguém dirá que alguns empresários também não são santos. Querem, a todo custo, contornar exigências legais perfeitamente justas. Tentam corromper fiscais honestos. Cabe a estes, porém, resistir às tentações. Para isso são fiscais. São pagos para serem incorruptíveis e fiscalizadores, mas isentos de segundas intenções quando trabalham. Empresários não são guardiães da função pública. Seus propósitos são bem diversos. Se, eventualmente, o fiscal está cansado de tanta tentativa de corrompê-lo e sente impulsos cívicos de sanear o ambiente empresarial, que convoque a polícia para uma armadilha, gravando e filmando as propostas do corruptor. Toda essa encenação é, porém, desnecessária, porque poucos empresários iriam insistir demais tentando corromper um fiscal obviamente honesto. Haveria o risco de um flagrante.
Finalmente, uma palavra sobre a atividade fiscalizadora em geral. Presumo que a grande maioria dos fiscais é composta de funcionários honestos. No entanto, não é usual — como deveria — os fiscais honestos exercerem firme pressão para que os colegas inescrupulosos — um termo mais diplomático — abandonem o “mau caminho”, renunciando ao lucro tentador. Os funcionários corretos, infelizmente, limitam-se a se afastar dos “maus elementos”. Apenas isso. Agem na linha, pessoalmente. Não compactuam, mas também não querem ser “delatores” de colegas. Interpretam mal a solidariedade de classe, esquecidos que duas ou três maçãs podres desmoralizam todo o cesto.
Assumindo o risco de parecer retrógrado — ou ignorante, pouco me importa —, penso ter chegado o momento do Brasil discutir, novamente, a conveniência de “distinguir” doações legais de ilegais. Sou contra essa distinção, apesar de politicamente correta. O campo é propício para intrigas e desmoralizações, exigindo infindáveis pesquisas contábeis para saber as circunstâncias de cada doação. E esta pode ser fruto de uma quase chantagem de políticos às vésperas de eleição.
“Escândalos” midiáticos fazem o Brasil descer vários degraus na reputação internacional de nossas empresas. Pessoalmente, sou contrário a se dar dinheiro público para candidatos. Cada um que convença empresários, e cidadãos em geral, de que é o melhor candidato naquela eleição. Parece-me evidente que ao lado do financiamento público e das doações legais, sempre haverá algum financiamento não contabilizado, porque o poder exerce nas almas uma atração muito mais forte que o desejo de cumprir a lei. Os candidatos mais obedientes vão obedecer às regras, mas os ousados, não, levando vantagem. E saberão como manipular a química contábil, como ocorreu recentemente nos EE.UU. nos escândalos que abalaram o mundo.
(01-4-09)
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