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Resumo de
proposta de alteração legislativa: quem for processado, civilmente, por dano
moral, deve ter o direito — que hoje não tem — de não só contestar o pedido de
indenização em dinheiro como também apresentar reconvenção — isto é,
defender-se e atacar no mesmo processo — por dano moral, exigindo igual soma indenizatória
do Autor da ação, caso o Réu demonstre, nos autos, sua boa-fé nas
críticas que fez contra o Autor. O simples fato de ser cobrado, civilmente, de
elevada quantia, em processo que pode demorar vários anos, já representa um
dano moral, um sofrimento psíquico do Réu que se tornará impune quando comprovado
que o Autor, com a ação, pedindo indenização, quis apenas intimidar e silenciar
quem o criticou por seus malfeitos.
Nossa
liberdade de opinião, na imprensa e na internet, ainda é fictícia — mesmo
quando exercida com retidão. Isso ocorre por causa de uma possível e intimidante
ação de “indenização por dano moral”, movida por quem — geralmente um poderoso
—, errou, sabe que errou, continua errando mas pretende silenciar seus críticos
“usando” a lentidão da Justiça para seu astuto objetivo.
Com a atual
legislação processual civil — em um país com milhões de processos demorados —,
o receio de uma pesada condenação por “dano moral” inibe a exposição da verdade
ou a torna imensamente arriscada. Essa situação protege e estimula quem age
desonestamente e não quer que a mídia, ou qualquer pessoa, exponha suas
ilicitudes. Com isso, o país fica sem saber do que acontece “debaixo do pano”
porque é muito perigoso dizer a verdade contra “gente poderosa”.
Em toda ação
judicial, deveria estar presente a máxima genial de Voltaire que gosto de
invocar pela sua realidade e abrangência: “A vantagem deve ser igual ao
perigo”.
Quem, por
exemplo, pede uma indenização de alguns milhões de reais por ter se sentido
ofendido por uma crítica escrita ou verbal deveria saber — caso seja alterada a
legislação — que se a prova dos autos for favorável ao Réu, este teria direito
a receber do Autor da ação essa mesma quantia — no mesmo processo — como
indenização pelo dano moral implícito na mera situação de ser réu em um
processo demorado e ameaçador que pode arrasá-lo financeiramente .
Quem pode
negar o sofrimento diário de figurar como Réu em um processo judicial que pode se
arrastar por vários anos? Se ele “ganhar a causa”, isto é, se a justiça
finalmente concluir que a crítica dele, Réu, era de boa-fé, justa, ele provavelmente
nada receberá do Autor como compensação pela longa sensação de perigo sentida na
condição de Réu. Apenas seu advogado receberá do Autor — findo o processo — o
valor da “sucumbência” (a condenação em honorários). O Réu, propriamente, nada
receberá depois de tanta inquietação e despesas, por só ter dito ou escrito a
verdade.
Teoricamente,
o Réu, na legislação vigente, poderá receber algo caso ocorra a condenação do Autor
da ação por ter agico como “litigante de má-fé”. Ocorre que quase sempre a má-fé
do Autor não é reconhecida na Justiça porque as pessoas variam muito no grau de
sensibilidade e o juiz leva isso em conta. Acresce que se o juiz, ou tribunal,
disser que o Autor agiu como litigante de má-fé, esse detalhe possibilitará ao
Autor interpor novos recursos só para alegar que não houve “má-fé’, esticando
ainda mais o processo.
Enfim, com a
legislação atual, o Autor da ação, que empunhou o chicote da intimidação,
durante o processo, consegue, silenciar a crítica honesta do Réu, por muitos
anos, e tudo fica por isso mesmo. Uma tremenda injustiça do atual sistema.
Frise-se que o Réu, durante o longo processo, não tem como saber qual será o
valor da sua eventual condenação porque o dano moral não é tabelado por lei e “cada
cabeça uma sentença”. O Réu pode perder uma prova com que contava — por
exemplo, a morte ou sumiço de sua testemunha principal, antes de depor — e por
isso perder a causa. Nem sempre o “prova dos autos” reflete a realidade dos
fatos. Além do mais, uma testemunha pode eventualmente ser comprada ou
intimidada.
Com a atual sistemática
— de risco financeiro apenas do Réu, — altas figuras das finanças, da política,
da magistratura, do funcionalismo, da vida social, de entidades religiosas,
etc., usam e abusam do direito de intimidar quem aponta seus deslizes.
Em algumas
ações de indenização por dano moral, paradoxalmente — porque nas ações
judiciais é o Autor quem geralmente tem pressa no término da demanda —, quanto
mais tempo ela demorar, melhor para o criticado Autor, porque sua verdadeira
intenção não é obter o dinheiro da indenização mas incutir medo paralisante —
na alma e/ou no “bolso” — de quem apontou suas falhas.
É por causa
da desigualdade de forças financeiras entre autor e réu que muitas
investigações importantes, iniciadas por órgão de imprensa, somem do noticiário.
Milhares de brasileiros sabem de certas patifarias mas temem publicar ou
relatar isso em público temendo serem processados com a cobrança de milhões de
reais, sob alegação de dano moral.
Em ações
envolvendo dinheiro é salutar que o autor não se sinta em total zona de
segurança ameaçando o réu com uma ação que servirá mais como um “Cale a boca
senão vou arruiná-lo financeiramente!”.
Ponha-se o
leitor na pele de um jornalista que foi citado judicialmente para pagar,
digamos, uma indenização de cinco milhões de reais, porque não comprovou uma
falcatrua — ouvida de fonte confiável, em tese crível. Essa ameaça tira-lhe
todo o estímulo para o jornalismo investigativo. E pode ocorrer que, devido a
globalização, a ação por danos morais seja processada em país estrangeiro
propenso a indenizações milionárias.
O jornalista
Paulo Francis, por exemplo, na década de 1990, foi condenado, pela justiça
americana, a pagar uma indenização de cem milhões de dólares por haver
mencionado — em entrevista no Brasil mas divulgada também nos EUA —, que a
diretoria de uma empresa estatal brasileira,
teria desviado altas somas da empresa para contas particulares dos seus
diretores em banco suíço. Como Paulo Francis não comprovou em juízo (americano)
esse desvio — o sigilo bancário era então inviolável —, o jornalista foi
condenado a pagar os cem milhões. Ele justificava-se, quando processado,
dizendo que ao fazer suas denúncias pensava que o governo brasileiro iria
investigar o fato, mas a investigação não ocorreu. Pelo que presumia a mídia,
nos anos 1990, o enfarte do jornalista foi apressado com tal condenação.
Por que não,
repita-se, decidir as culpas recíprocas no mesmo processo? Se ficar provado, no
conjunto da prova — do Autor e do Réu —, que o jornalista abusou, que pague
pelo abuso. Se ficou provado que não abusou, que receba do “ofendido” (do
Autor), a mesma quantia que este lhe
cobra, ou outra diferente. Justo, não? “Quem ganhar, leva tudo”, a “bolada”. Se
ambos erraram e também acertaram, que a justiça fixe a divisão da quantia em
disputa, na medida e proporção do abuso de cada um.
E tem mais:
se o conflito em exame exigir dois processos, um após o outro, pode acontecer
que a prova apresentada no segundo processo seja diferente da prova produzida
no primeiro processo, acarretando uma contradição da justiça, abalando seu
prestígio.
Este artigo
foi direcionado ao público em geral, sem formação jurídica. Por isso, minhas
explicações repetitivas, elementares, desnecessárias aos formados em Direito.
Espero que algum
grupo de jornalistas investigativos se interesse pela presente sugestão.
Prefiro que o interessado na proposta contrate um processualista civil competente
e atualizado, para a redação do anteprojeto, porque ando muito afastado, há
anos, de trabalhos jurídicos. Mas se houver interesse pelo assunto, poderei colaborar,
redigindo um esboço.
Pessoas que
preferem a manutenção do status quo, tentarão lutar, no Congresso, para
confundir a discussão do anteprojeto, procurando pelo em ovo. Como dizia o
Marquês de Maricá, “os abusos são como os dentes, não se arrancam sem dores”.
(25/08/2020)