segunda-feira, 18 de março de 2013

Dois exemplos opostos de bravura


Dois exemplos opostos de bravura.

A coragem pode expressar-se de várias formas: com ações físicas violentas, em tempos de guerra — ou em legítima defesa — e também de modo pacífico, calculado, como fez Gandhi, com sua inovadora, para a época, “resistência pacífica”.  Nelson Mandela usou técnica assemelhada, lutando contra o apartheid.

Surpreendentemente, depois de passar mais de vinte anos na prisão Mandela saiu sem qualquer desejo de derramamento de “sangue branco”. Certamente chegara à conclusão de que apenas na pele, cabelo e feições diferem os povos. Sangue, instinto e inteligência são assemelhados. O que existe de forma inegável é a diferença individual, dentro de todas as raças. E, felizmente, o esforço pelo aperfeiçoamento do próprio caráter — com suas inegáveis repercussões na “inteligência” — está ao alcance de todos os seres humanos. Pessoas com forte senso de responsabilidade, honestidade mental, coerência, coragem e tenacidade podem derrotar portadores de Q.I. mais alto que o seu, porém deficitários no caráter. 

Quando um repórter, algum tempo depois da sua libertação, perguntou a Mandela se ele não guardava rancor contra seus carcereiros ele respondeu que não. Alegou que não fora, propriamente, maltratado e que os guardas apenas cumpriam suas obrigações. Esse detalhe mostra quão importante é a educação e formação moral de policiais e agentes públicos em geral — no caso os carcereiros —, respeitando as pessoas a eles submissas.

Se Mandela tivesse passado anos apanhando e sofrendo humilhações, deixaria o cárcere com sentimentos bem cruéis. Seria a “hora da revanche”, com muito sangue derramado. Teríamos talvez, ainda hoje, uma África do Sul mergulhada em conflitos raciais, criminalidade e pobreza. Se deve existir, atualmente — desconheço os sentimentos profundos da população sul-africana  — alguns ressentimentos de origem racial, a situação estaria muito pior se a população negra tivesse sido estimulada a um “banho de sangue”, em vingança contra passadas humilhações.
Não é exagero concluir que os carcereiros brancos que mantiveram contato respeitoso com Mandela, durante seu longo tempo de cadeia,  moldaram, inconscientemente, o futuro do país e, provavelmente de boa parte da África Negra, tendo em vista a importância de seu país. Mais influência, certamente, que cientistas políticos que, com seus textos, não influíram, em nada, para que Mandela voltasse à política ativa com sentimentos de concórdia, embora sem abandonar seus ideais. Tais carcereiros, em sentido amplo, foram, repito, “construtores do futuro”. Se o mal é contagioso, o bem também o é.

Vou agora mencionar os “dois exemplos” de bravura diferente, mencionados no título desde artigo.

Quem gosta de bom cinema já deve ter assistido o filme “Círculo de Fogo”, que retrata a Batalha de Stalingrado, símbolo da tenacidade russa na luta contra os sonhos de “espaço vital” de Adolf Hitler. Essa Batalha já foi considerada a mais sangrenta de toda a História e durou de 17-7-42 a 2-2-43, com um saldo de cerca de dois milhões de mortos, incluindo civis.

Nessa carnificina histórica, os franco-atiradores — “snipers” —, tiveram um papel importante, principalmente pelo efeito no moral nos combatentes. Principalmente nos russos, inferiorizados em potencial bélico e tecnologia bélica. Realmente, não tranquilizava os nervos dos militares alemães, distantes até um quilômetro da linha de fogo, o perigo implícito em um mero “esticar o corpo”, após horas imobilizado atrás de uma rocha ou entulho. Qualquer ato mínimo de higiene, nas raras e breves pausas do combate, poderia significar a morte com um tiro certeiro na cabeça. O capacete não impediria sua morte porque o fuzil russo com mira telescópica Mosin-Nagante, mod M91/30, calibre 7,62 x 54mm não respeitava capacetes.

Entre os “snipers” russos destacou-se Vassili Zaitsev, um pastor de ovelhas transformado em soldado, nascido em Kiev e dotado de pontaria excepcional. Ele tornou-se o personagem central no filme referido no início deste artigo . Quando se ofereceu, muito jovem, para combater na linha de frente, já treinara suficientemente sua pontaria. Desde criança, acompanhado e instruído pelo avô, caçava cervos e lobos nos Montes Urais. No cerco de Stalingrado, escondia-se no meio dos entulhos e tubulações de água e com seu rifle de mira telescópica aguardava pacientemente o momento exato de apertar o gatilho.

V. Arkhipov morreu como herói, com o status de capitão. Seus biógrafos dizem que ele matou 242 soltados e oficiais alemães, só no cerco de Stalingrado, mas no total da guerra matou 468, incluindo onze atiradores de elite. O “duelo” principal, descrito no filme de início referido, foi com um oficial alemão, famoso instrutor de tiro em Berlin, especialmente designados pelo alto comando alemão para ir a Stalingrado e matar Arkhipov. Na disputa de paciência, psicologia e pontaria o russo levou a melhor.

Segundo referido herói, esse alemão chamava-se Erwin König, mas surgiram, depois da guerra, dúvidas sobre a existência desse nome  relacionável com a elite de “snipers” alemães. De qualquer forma, a atuação desse excepcional franco-atirador russo teve um papel psicologicamente importante na História. Se a batalha de Stalingrado fosse vencida pelos alemães a sorte da Europa poderia ter sido diferente, pelo menos na duração da 2ª. Grande Guerra. Grandes estrategistas já disseram que o maior erro de Hitler foi ter atacado a União Soviética, deslocando para a distante Rússia mais de um milhão de soldados, incluindo nessa contagem tropas italianas, romenas e húngaras, sub comando alemão.

Vassili Zaitsev morreu em 1991, aos 76 anos, dez dias antes da dissolução da União Soviética. Faleceu coberto de glórias e foi enterrado em Kiev, sua cidade natal, apesar do seu desejo expresso de ser enterrado em Volvogrado, a nova denominação de Stalingrado. Por sinal, essa mesma cidade, até 1925, chamava-se Tsaritsyn, certamente em homenagem ao Czar. Com a ascensão de Stalin, passou a chamar-se Stalingrado, mas após a queda do ditador passou, desde 1961, a denominar-se Volvogrado. O que não impede — a dança política dos nomes... — que volte e chamar-se novamente Stalingrado, por pressão dos saudosos de Stalin. O presidente, W. Putin, vê com simpatia essa reivindicação.

Um outro herói russo, desta vez com menor unanimidade, foi Vasily Arkhipov, que salvou — literalmente, não é exagero — a humanidade de um conflito nuclear, ou quase certa 3ª. Guerra Mundial, quando da conhecida “crise dos foguetes”, em outubro de 1962.

Como todos sabem, Kruschev enviou a Cuba foguetes com ogivas nucleares, com isso eriçando os pelos da nuca de John F. Kennedy, inquieto com a possibilidade de Fidel Castro disparar algumas bombas atômicas contra os EUA. Estávamos, então, no ápice da Guerra Fria. É opinião unânime dos estudiosos que nunca o Planeta esteve tão próximo de uma guerra total. Isso porque a estratégia nuclear tem um ponto fraco que é considerado, por engano, o “ponto forte”: a retaliação nuclear imediata.

Essa estratégia é apoiada no seguinte raciocínio: “Se o inimigo disparou mísseis nucleares contra nós, é nossa obrigação contra-atacar de imediato, enviando o máximo de mísseis contra ele. Não tem sentido, com bombas atômicas voando contra nós, ou já explodindo em nosso solo, ficarmos conjeturando, ou consultando o inimigo para saber se houve um disparo acidental; mesmo porque não há certeza se ele dirá a verdade. Se não tomarmos providências imediatas, arrasando o inimigo, ele não se deterá. Qualquer demora nossa pode nos impedir, fisicamente, de reagir, porque nem teremos como. Se dermos o “troco” quase instantâneo o inimigo, sentindo na carne o peso da morte, será forçado a parar a agressão”.

Ocorre que pode ter ocorrido um erro de avaliação — e não só um mero “acidente de dedo” no apertar um botão em Washington, ou Londres, Paris, Moscou, Pekin, Telaviv, Piongiang, etc.

O maior perigo das armas nucleares está no disparo acidental. Conta-se que Jimmy Carter, quando na presidência, teve um de seus ternos enviado à tinturaria — provavelmente da Casa Branca (desconheço esse detalhe). Em um dos bolsos do paletó estava o código que autorizava o disparo de foguetes nucleares contra a União Soviética. A notícia desse fato, que li recentemente na internet, não diz se se tratava de um papel com o código escrito, ou algum tipo de “celular’. Certamente era um “celular”, imprescindível para uma retaliação urgente. Se um rapazola da tinturaria, por exemplo, não sabendo que tinha em mãos um comando tão mortífero, passasse a “brincar” com o “aparelhinho” e, por acaso, acionasse o disparo, teríamos o inferno na Terra. E a União Soviética, faria o mesmo, direcionando seus mísseis também contra Londres e outros aliados fiéis de Washington.

Em guerras totais nucleares não há tempo, como disse, para consultas posteriores aos disparos, motivo porque as armas atômicas precisariam ser abolidas, desde que sejam também proibidas todas as guerras. Armas convencionais também matam, tanto ou mais que as atômicas porque as consequências serão mais leves para o agressor. Qualquer superioridade bélica estimula abusos entre nações. A culpa não está nas armas, mas na natureza humana.

Voltando à atuação de Vasily Arkhipov na “crise dos foguetes”, ele se encontrava no submarino russo B-59, um dos quatro que se dirigiam a Cuba munidos de torpedos com ogiva atômica. O interessante é que apenas umas poucas pessoas da tripulação desses quatro submarinos sabiam da qualidade especial de seus torpedos. Sabiam apenas que carregavam “armas especiais”.

Quando o submarino B-59 estava próximo de Cuba, mas ainda em águas internacionais, foi localizado por aviões e helicópteros da frota americana. Tais aeronaves, percebendo que um submarino navegava submerso passaram a jogar “granadas” — ou que outro nome tenham —, para forçar o submarino a subir à superfície e se identificar. Não sabiam que o submarino era russo e carregava torpedos nucleares. Se soubessem, não jogariam tais explosivos, porque se as ogivas nucleares fossem detonadas os navios e helicópteros também seriam destruídos.

Por sua vez, a tripulação do submarino pensava que estavam sob ataque e, por isso, continuaram submersos. Assim se passou uma semana, com a tripulação sofrendo com uma temperatura de 60ºC, com água racionada a um copo por dia para cada tripulante. Como as tais “granadas” eram potentes e contínuas, estremecendo o submarino — parecendo mesmo destinadas a afundá-lo —, o esgotamento foi tomando conta da tripulação, a ponto do capitão, Valentin Savitsky, desesperado e enfurecido, tomar a decisão de disparar um torpedo atômico contra o porta-aviões US Randolf, que dava apoio aos helicópteros e aviões que os torturavam. Quando dessa decisão, o capitão pensava que a 3ª. Guerra Mundial já se iniciara. E não dava para saber, pelo rádio, entrando em contato com Moscou, porque para se afastas das “granadas” o submarino estava muito abaixo da superfície. O capitão estava decidido:  — “Nós morreremos, mas levaremos para o fundo do mar nossos inimigos. Pelo menos salvaremos a honra de nossa Marinha”.

Cumpre esclarecer que, segundo ordens de Moscou, um torpedo atômico só poderia ser disparado com a aprovação unânime dos três tripulantes de mais alta patente da tripulação, entre eles V. Arkhipov. E este se opôs, isoladamente, ao disparo, suicida e provável desencadeador de uma terceira Guerra Mundial.

Por que Arkhipov se opôs ao disparo? Porque não tinha certeza de que já se iniciara a guerra com os EUA. Como seu apoio era imprescindível para a decisão do disparo fatal e não seria mais possível permanecer embaixo d’água — alguns tripulantes desmaiavam por falta de oxigênio —, o submarino emergiu. E só então, pelo rádio, ficaram sabendo que a Guerra tinha sido evitada, seis horas antes. EUA e URSS haviam acordado que os foguetes russos instalados em Cuba, retornariam para a URSS e, em troca, os americanos retirariam seus foguetes instalados na Turquia e direcionados contra a Rússia. Pelo que diz artigo na internet, os EUA prometeram retirar seus foguetes da Turquia mas esse detalhe não poderia ser mencionado na mídia. Questão de prestígio, claro.

Enfim, esse “voto” divergente de V. Arkhipov evitou a sempre temida 3ª. Guerra Mundial. No entanto, chegando à Rússia, Arkhipov foi censurado pelos superiores, por demonstrar “fraqueza”. Um dos almirantes que julgou sua conduta de “rendição” chegou a dizer que “seria melhor que a tripulação se sacrificasse, indo para o fundo”. Essa opinião, no entanto, não foi mantida posteriormente porque na internet o referido herói da sensatez aparece, já idoso, em foto com o peito cheio de medalhas.

Ficou provado, com esse gesto, que o heroísmo pode assumir muitas formas, inclusive com a coragem de ser confundida com fraqueza.

Nota: Todos os detalhes fáticos acima mencionados eu os colhi na internet. Notadamente na Wikipédia, esse benemérito e gratuito serviço informativo de todos os assuntos. Seu idealizador, ou sucessor, dias atrás, informou que a Wikipédia passa por dificuldades financeiras, porque subsiste apenas de donativos.

De imediato comprometi-me com uma contribuição mensal, via Cartão de Crédito. Como tinha receio de mencionar os três dígitos que ficam no verso do Cartão, informei-me antes, com familiares, quanto à segurança nas compras pela internet. Fiquei sabendo que se o “http” do Wikipédia estiver com um “s” a mais — portanto “https” — pode-se comprar com Cartão, sem risco. E assim fiz. O leitor pode consultar os entendidos sobre essa questão de segurança.

O Wikipédia foi uma brilhante ideia para difundir a informação. E quanto menos ignorância no mundo, melhor a sorte de todos nós. Se V. Arkhipov fosse um ignorantão impetuoso — embora patriota —, esta mensagem teria que ser talhada na pedra.

(18-03-2013)




  

sábado, 9 de março de 2013

"Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos"


Um grande advogado de São Paulo, não mais advogando em razão da idade, lamentava, pelo telefone, a pouca renovação dos nossos parlamentos:

 — “São sempre os mesmos! E há tanta gente, jovem ou madura, idealista, correta, ansiosa de fazer algo pelo país mas sem chance de se tornar senador, deputado ou mesmo vereador, nas capitais, porque a maior parte das cadeiras “já tem dono”, sempre “eles”. Não seria o caso de a lei estabelecer um limite de reeleições?”

Desligado o aparelho, a sugestão do limite de reeleições ficou dançando em minha cabeça. Realmente, como se explicam algumas “cadeiras cativas”, em alguns casos durante décadas? Principalmente quando o “luminar” não demostra qualquer ‘luz’ perceptível a olho nu? Haveria uma espécie de brilho oculto, só captado pelos fieis eleitores? Se, pelo menos, esses eternos reeleitos se destacassem como oradores, ou redatores, ou por notável visão política, coragem e cultura,  ainda poder-se-ia compreender o infatigável apoio de tantos eleitores. Frequentemente, não é isso que ocorre. As urnas apenas os confirmam, e ponto final.

Por outro lado, pensei, a democracia só pode se realizar através de eleições livres, ou pelo menos formalmente livres. Se o eleitorado “gosta”, “identifica-se” com determinado candidato, como negar a ambos — eleitores e candidato — o direito de reeleição, seja por vinte, trinta, quarenta anos? Negar a recondução seria negar a própria democracia, algo impensável. Não há como restringir o desejo dos “fieis eleitores”, mesmo com a “boa intenção” de renovação política da nação.

Nesse ponto de reflexão alguns neurônios, erguendo a mão, pediram licença para “uma ponderação”: — “Se a reeleição é limitada a uma única vez para o cargo de presidente da república — função muito mais importante que a de um deputado ou senador —, por que permiti-la, sem qualquer limite, para uma função menor, como é o caso individual de deputado e senador? Essa possibilidade de transformar uma primeira eleição em um emprego vitalício não teria uma explicação mais objetiva que a de mera admiração por um determinado parlamentar, que ‘quando entra nunca mais sai?”

Algo impressionado com a objeção desses neurônios mais excêntricos, reuni a totalidade “neurônica” — não excede a média de seus colegas da espécie humana... — e depois de longos debates cheguei à conclusão que se segue:

A explicação mais próxima da verdade tem duas realidades: uma é que algumas parlamentares atuam bem e de modo visível, merecendo admiração dos eleitores, os antigos e os novos. Morrem os eleitores velhos mas surgem os novos. Poderíamos, aqui, mencionar inúmeros deputados e senadores que são merecedores de mais de uma reeleição, funcionando como atentos representantes do povo. Mostram-se, nos momentos certos, alertas, firmes, pronunciando-se com responsabilidade, comprovando que levam a sério seus papeis. Podem não falar muito, mas quando falam mostram que examinaram bem o tema em debate. Não menciono, aqui, seus nomes, realmente ilustres, porque se omitidos alguns essa omissão poderia ser interpretada como crítica à sua longa permanência no Parlamento.

Há outros, porém, que nunca despertam a atenção. Nem da mídia nem de observadores isolados. Mesmo nas grandes crises, dizem apenas chavões. Nada propõem de importante, ou interessante. Não “conduzem” coisa alguma, permanecendo como que “na surdina”. Mas sempre são reeleitos, sem fraude eleitoral. Qual a explicação para esse fenômeno.

A explicação — certamente já bem conhecida dos que acompanham a política — está no controle da “máquina” governamental, com nomeação de fiéis amigos para posições chaves. Tais amigos, parentes e amigos dos amigos estão bem conscientes do alerta do “padrinho”: —“Se eu cair — não for reeleito — você também cai!, perdendo o emprego”. Emprego não preenchido por concurso público. E cada nomeado fica devendo um favor, ou obrigação, com seu destino pessoal e familiar vinculado ao futuro político de quem o nomeou, ou indicou à nomeação.

Tais vínculos de lealdade (forçada) são especialmente úteis ao político em época de eleição. Os nomeados tornam-se cabos eleitorais “grátis” e especialmente ativos, porque caso o “padrinho” não se reeleja terão que arranjar um “desconfortável” emprego na concorrida iniciativa privada, cujo salário é bem inferior, na média, àquele desfrutado quando o padrinho estava no poder. Portanto, quanto mais cargos um parlamentar puder preencher, maior a chance de ser reeleito. Com o decorrer dos anos, a rede de dedicados protegidos vai se ampliando de tal forma que o parlamentar pode dar como certo que dificilmente deixará de ser reeleito, tal o número de amigos nomeados, parentes desses amigos e também os eventuais sócios desses amigos em negócios particulares ligados à administração pública. Em síntese: o candidato que ainda não entrou na política precisa apenas ser eleito uma primeira vez. Conseguido isso, o que precisa é criar seu particular comitê de automático apoio em futuras eleições.

A mídia, quase diariamente, descreve a luta sem disfarce dos partidos para abocanhar o máximo possível de cargos públicos. Essa é a atividade preponderante em muitos parlamentos. Em troca de apoio nas votações de interesse do governo, este sente-se forçado a criar novos ministérios e departamentos. Enfim, é a luta — dos nomeados sem concurso —  pela manutenção de uma “subsistência tranquila” que explica a contínua reeleição de alguns parlamentares, bastante aliviados de despesas pessoais com propaganda eleitoral boca a boca. O esforço para convencimento de novos eleitores — por parte dos funcionários não concursados — é muito mais motivado que o trabalho atribuído aos cabos eleitorais profissionais, contratados pouco antes das eleições. Estes últimos sabem que precisarão trabalhar apenas alguns meses, serão pagos e ponto final. Já o funcionário não concursado luta com duplo afinco porque seu futuro inteiro e o de sua família dependem da reeleição do padrinho. A luta transforma-se em causa própria. E não há estímulo maior para todo combate, inclusive o eleitoral, que a necessidade da autopreservação.

Todos os minimamente conhecedores da revolução russa de 1917 sabem do “duelo” entre Trotsky e Stálin na luta pelo poder, principalmente após o derrame (AVC) de Lenine. Trotsky era um brilhante intelectual e orador, enquanto Stálin era um caladão soturno, astuto, calculista, tenaz e absolutamente adepto de que “os fins justificam os meios”. Chegou a dizer que “A morte resolve todos os problemas; nenhum homem, nenhum problema”, e que “É suficiente que o povo saiba que houve uma eleição. As pessoas que votam não decidem nada. As pessoas que contam os votos é que decidem tudo.”

Não podendo competir com o rival Trotsky no embate de ideias — nem por escrito nem oralmente —, Stálin escolheu o caminho que lhe parecia mais eficaz e realista: dominar o “aparelho”. Nomeava pessoas de sua confiança para posições-chave e que, a partir daí, teriam que obedecer caninamente o que lhes ditava Stalin. Caso mostrassem alguma rebeldia, a KGB bateria à porta de sua casa, alta madrugada, levando-o para um “passeiozinho” sem volta. Todos conhecem os famosos “Julgamentos de Moscou”, com liquidação de opositores e controle absoluto do Judiciário. Essa estratégia permitiu a Stalin permanecer no poder até a sua morte, por derrame, aos 73 anos. Seu único e reconhecido mérito foi derrotar Hitler, com a ajuda do inverno e de sua tremenda determinação, mandando seus soldados lutar até a morte. É provável que se ele mesmo estivesse na trincheira, lutaria com igual bravura, porque era um homem nascido para a rinha, verdade seja dita.

Essa política de parlamentares criarem “dependentes” — não “químicos”, mas “eleitorais” —, certamente explica a longeva vida parlamentar de alguns representantes do povo que nunca se interessaram por fazer discursos ou propor soluções criativas. “Para que perder tempo com tais firulas se o que vale, mesmo é o resultado das urnas?”

Essa distorcida sistemática — que retarda demais a renovação dos parlamentos — tem óbvia ligação com uma grande omissão da nossa legislação: a inexistência de um “teto” no número de assessores , cargos de confiança e designações que tais. Não havendo esse teto, é previsível o contínuo inchaço da máquina pública. Com óbvio sacrifício do contribuinte.

Com a angustiosa luta pela sobrevivência na área privada, é compreensível que a maior parte da população deseje a tranquilidade de um emprego público, mas que o país pagará um alto preço por isso, não há dúvida. Quanto mais pesada a “máquina”, maior a carga dos “burros’ da atividade privada, puxando a imensa carroça. O dinheiro que seria aplicado na melhoria da infraestrutura desvia-se, levando o país à uma progressiva estagnação.

John Adams, que foi o segundo presidente dos EUA, sucedendo George Washington (foi seu vice-presidente), chegou a dizer que “Lembrem-se, a democracia nunca dura muito. Ela se esgarça, se exaure e mata ela mesma. Nunca houve uma democracia que não cometesse suicídio” ("Remember, democracy never lasts long. It soon wastes, exhausts, and murders itself. There is never a democracy that did not commit suicide”).

Por que isso aconteceu, com tanta, frequência no passado? Por que os governantes só se preocupavam com a permanência no poder. Os imperadores romanos, para agradar o povo, recorriam ao clássico “pão e circo” — hoje a versão seria a de conceder benesses (o “pão”) e prestigiar o futebol (o “circo”). O esporte, claro, faz bem à saúde, quando praticado, mas uma ênfase excessiva nele desvia a juventude do caminho árduo do estudo. Sabendo que um craque — Neymar, por exemplo — ganha mais de dois “Prêmio Nobel” por mês, qual o estímulo para cansar os olhos estudando e subindo penosamente na vida?

Talvez eu esteja desinformado, mas pelo que sei, não existe esse “teto” no número de cargos de confiança, etc., nos três níveis de governo. Essa falta de limite tem ainda o seu lado injusto, no que se refere ao direito de todo cidadão de, sem precisar de “pistolão”, disputar um cargo público, mediante concurso.

Penso que na sempre mencionada “reforma política” seria pertinente — embora quase irrealizável — a fixação dos dois “tetos”, acima referidos. A atividade política, teoricamente, visa o bem público, não a criação de feudos que garantam a manutenção no poder até o fim da vida. Exercidos dois mandatos consecutivos, o parlamentar voltaria para sua profissão. Sentindo-se ainda cheio de ideias e ideais poderia mais adiante se candidatar para um terceiro mandato, como ocorre com o presidente da república.

Democracias podem, sim, “apodrecer” aos poucos, à medida que a nação se convence de que a maioria dos políticos só representam eles mesmos. Aí começam a ansiar por um homem ou regime forte, Um Hércules capaz de “limpar as estrebarias”. Esquecidos de que, mais adiante, o homem forte também revelará suas fraquezas, reiniciando-se o ciclo perverso. Daí a necessidade das duas “amargas” alterações legislativas, que serão combatidas com unhas, dentes e muita língua.



“Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos pelo mesmo motivo”. (Eça de Queiróz).

                                    Francisco Pinheiro Rodrigues  (9-3-2013)





sábado, 2 de março de 2013

Alerta - desnecessário? - para a eficácia do mensalão.


Alerta — desnecessário ? — para não tornar inútil o trabalho do “mensalão”

Poucos dias atrás publiquei no blog — http://francepiro.blogspot.com/ — e no site, www.franciscopinheirorodrigues.com.br — um extenso artigo — “Sem uso do bom senso nenhuma lei ou teoria presta”— tecendo algumas modestas considerações sobre a falta de bom senso em nossas leis e teorias jurídicas.

A apontei que a falta de bom senso pode ocorrer também na forma de omissão. Desta vez por parte do próprio Poder Judiciário, ele mesmo encarregado de elaborar seu Regimento Interno, o qual, se não for modificado, tornará inoperante o extenso julgamento da Ação Penal 470, mais conhecido como “mensalão”.

Tendo em vista recente pronunciamento do Min. Joaquim Barbosa para correspondentes estrangeiros, prometendo encerrar o referido processo até 1º de julho próximo — previsão que é considerada inalcançável, — considero oportuno destacar os pontos do Regimento Interno do STF que, se não forem alterados, o trânsito em julgado do mensalão só ocorrerá daqui a muitos anos, para imensa decepção do povo brasileiro.

Considerando que o referido artigo — “Sem uso do bom senso...” — é extenso demais, para padrões brasileiros na internet, e considerando a urgência do assunto, extraí do longo texto originário a parte que se relaciona com a alteração do Regimento Interno, a cargo do próprio STF.

Segue, abaixo, o trecho em referência, em cor azul:

“Finalmente, um caso de falta de bom senso, desta vez na forma de omissão judicial. Talvez explicável porque até recentemente — antes do “mensalão” —,  não havia necessidade de medidas mais severas estabelecendo limites e deveres para advogados e magistrados. Refiro-me ao Supremo Tribunal Federal.

“O STF sempre foi um Tribunal muito respeitado. Merecidamente respeitado. Nunca foi acusado, até recentemente, de abusar da circunstância de “dar a última palavra”. Por isso, certamente, não precisou incluir no seu Regimento Interno, algumas disposições mais enérgicas, afetando os próprios Ministros, evitando demoras que impedirão o trânsito em julgado das condenações impostas no “mensalão”.

“No entanto, com a referida Ação Penal 470 —, uma quase “Revolução Francesa judicial” — surgiu uma nova realidade. E, se não houver — urgentemente — providência da Corte Máxima, corrigindo duas omissões do seu Regimento Interno, o STF sofrerá uma avassaladora perda de prestígio, pois nenhum dos condenados do mensalão cumprirá pena alguma. E o país, perplexo, se indagará: — “Para que serviu tanto esforço, tantas sessões de julgamento, se não foi possível executar a decisão por omissões do Regimento Interno?”.

“Digo isso não porque me alegre ver políticos na cadeia, mas porque não me agradaria presenciar a desmoralização de um Poder que — quando bem exercido —  só melhoraria o dia-a-dia de todos nós, com menos criminalidade, mais honestidade — até mesmo nos negócios —, menos desigualdade, mais rapidez na solução dos conflitos e tudo o mais que existe de bom e necessário para a vida em sociedade. Quando o Judiciário funciona, em qualquer país, menos “malfeitos” ocorrem, porque o infrator prevê que não vale a pena por em risco sua liberdade.

“O que precisa ser modificado no Regimento Interno do STF? Primeiro: estabelecer um limite quantitativo para apresentação de embargos de declaração. Um só. Ou nenhum. Atualmente, não há limites previstos. Em tese, um réu pode apresentar infindáveis embargos de declaração, sempre insistindo que o último acórdão omitiu ou foi contraditório. Com isso o réu impede o trânsito em julgado da decisão. Imagine-se cerca de trinta condenados apresentando sucessivos embargos de declaração, com necessidade de julgamento em plenário. Será um nunca acabar, com prescrição total ou quase isso. Há países, por sinal, em que nem está previsto o “recurso” de embargos de declaração. Quando há algum erro na decisão o próprio tribunal corrige — uma quantia, ou nome, por exemplo. Note-se, ainda, que se os embargos de declaração não podem alterar o resultado do julgamento, tem havido casos em que a retificação de um detalhe repercute na integridade da decisão, provocando reação em cadeia. 

“Essa modificação do R. Interno do STF precisa ser feita já, antes que sejam redigidos e apresentados todos os votos dos dignos Ministros. Modificar o Reg. Int. depois de apresentados os previsíveis embargos será interpretada como uma parcialidade impensável.

“Um outro ponto que precisa, data vênia, ser alterado com urgência é a omissão do Rg. Interno no estabelecer um prazo para os Ministros apresentarem seus votos.  Em tese, hoje, um Ministro pode demorar tanto tempo quanto quiser para redigir seu voto. Não poderá ser “pressionado” regimentalmente para apresentar seu voto, mesmo sabendo do risco da prescrição, porque o Regimento, tal como se encontra, não menciona prazo algum. Ressalte-se que nenhum Ministro pode alegar que “não pode ser forçado a julgar com pressa” porque ele já deu sua opinião. Trata-se apenas de retocar, se for o caso, o que já consta de seu voto, lido no julgamento.

“Finalmente, seria talvez aconselhável um reexame do Reg. Interno no que se refere aos “embargos infringentes” (utilizáveis quando a decisão não é unânime). Bastam, no caso, quatro votos a favor do réu, para se conhecer e julgar tais embargos. Dependendo do voto dos dois Ministros a serem proximamente nomeados, não será difícil chegar a um empate, nos casos individuais mais polêmicos, empate que implicaria em absolvição.

“Com a devida vênia, caso o Reg. Int. do STF não seja logo modificado, serão necessárias terríveis piruetas interpretativas para tornar exequíveis as condenações impostas no “mensalão.

“Se as condenações prescreverem — depois do famoso julgamento — a população não conseguirá entender o que aconteceu. Ocorrerá uma tal decepção popular que será menos daninho ao prestígio da Justiça se a Presidente da República anistiar todos os réus. Pelo menos, a Justiça poderá dizer: “A culpa não foi nossa. Foi a Presidente que assim quis e isso está previsto na Constituição Federal”.

“Há quem pense que alguns condenados do mensalão apenas tiveram o azar de serem descobertos, porque a prática política “é assim mesmo”. Para essas almas benevolentes já houve suficiente punição no “susto” que tiveram. Entendem que seria tolerável a prescrição. Além do susto ocorreu uma tremenda punição, mesmo sem cadeia: o desmoronamento de suas vidas, em termos políticos, profissionais, financeiros e até familiar. O que não sei é se o povo brasileiro também pensará com tanta benignidade.

“Como já disse no início, a falta de bom senso pode ser apresentar também em forma de omissão. Se o honrado e audaz Min. Joaquim Barbosa e seus colegas já anteviram os problemas e estão tomando providências redacionais no Regimento Interno — sem anunciar isso na mídia —, peço desculpa pela pretensão do alerta desnecessário.”

Espero que o despretensioso alerta chegue aos olhos dos Ministros do STF.

(02-03-2013)

sexta-feira, 1 de março de 2013

Os palestinos precisam de um Spielberg, Cameron...


Os palestinos precisam de um Spielberg, Cameron, Tarantino ou Ben Affleck
Lendo, em jornais, comentários sobre o Oscar de 2013 e, em livros, a luta inglória dos palestinos pela criação de um Estado próprio — com fronteiras delimitadas —, é lamentável que nenhum grande diretor de cinema, do porte de um Steven Spielberg, James Cameron (“Titanic”), Tarantino, ou Ben Affleck (“Argo”) tenha se interessado em levar à tela um conflito de tamanha relevância até mesmo para a paz mundial.

Não há exagero em dizer que aquela pequena extensão de terra, a Palestina árabe — encolhendo cada vez mais, e não por vontade própria — terá um peso decisivo na construção da paz mundial, ou funcionará com sentido oposto, como estopim de um conflito bélico de enormes proporções. Não se trata de mera “questão local”, um minúsculo detalhe geográfico incrustrado no Oriente Médio. O que nela ocorrer, de bom ou de mau, repercutirá diretamente — efeito dominó — no Ocidente, viciado em petróleo. E, afetando os EUA e a União Europeia, o efeito perturbador se estenderá aos países asiáticos, tal a mútua dependência inerente à globalização.

 A Palestina, pelo que se sabe, não dispõe de petróleo em seu subsolo — não mencionemos aqui as notícias de que há imensas reservas de petróleo e gás no leste do Mar Mediterrâneo. Todavia, países árabes da região — além do persa Irã —, são riquíssimos nesse tipo de combustível e não veem com simpatia o que ocorre na Palestina. Além do mais, o Ocidente não pode contar com a certeza de que a Arábia Saudita — grande fornecedor dos EUA —, permanecerá eternamente indiferente ao sofrimento de seus “irmãos” de raça que nem conseguem se constituir em estado soberano pleno porque Israel simplesmente não quer.

Como mero parêntese, é incoerente que a humanidade fale, com tanto entusiasmo, sobre a necessidade de aposentar o petróleo como fonte de energia — efeito estufa, câncer de pele, furacões, secas, inundações, etc. — e, simultaneamente, fique saltitante quando algum país —, o Brasil, por exemplo —, anuncia a descoberta de novas jazidas do “ouro negro”. Um maníaco por coerência indagaria: — “Por que tanta euforia, quando você acabou de dizer que o petróleo precisa ser substituído, urgente, por outras formas de energia?”

Disse antes que a questão palestina tem um peso político desproporcional ao pequeno tamanho de sua população — não tão pequeno se considerarmos que milhões de palestinos tiveram que migrar, ou fugir, para a Jordânia e países vizinhos. Esse alto peso político palestino explica-se pelas reações de solidariedade a um povo oprimido. Reações de indivíduos, grupos aguerridos (terroristas) e mesmo países — Irã e Síria, por exemplo — que não concordam com a persistente política do governo israelense de ocupação. Política expansionista que obviamente beneficiará extraordinariamente Israel se e quando, eventualmente, ocorrer uma demarcação territorial dos dois Estados. Não é possível que as bestas, digo, as iluminadas inteligências que decidem os rumos internacionais continuem, por ignorância ou astúcia, esperando que judeus e palestinos encontrem —, eles mesmos —, uma solução abrangente e pacificadora. Acordos justos só ocorrem quando as forças de ambas as partes são mais ou menos equivalentes, o que não é o caso do conflito Israel versus Autoridade Palestina.

Já está mais do que evidente que Israel jamais concordará, de livre vontade, em dividir, com os palestinos árabes, a “sua terra”, abandonada involuntariamente dois mil anos atrás. Seus governantes atuais mostram-se inconformados com a impossibilidade de acolher todos os judeus do planeta que queiram residir em Israel. Jamais assinarão uma partilha amigável que implique no abandono desse sonho de uma grande nação judaica. É o velho anseio — ou sonho “patriótico”—, do “espaço vital” que leva qualquer povo — e até mesmo empresas — a expandir seu tamanho e influência. O anseio universal dos seres vivos — e governos são compostos de seres “vivíssimos” — é expandir-se.

Há características humanas que são universais. Se, dois mil anos atrás, os romanos tivessem expulso os palestinos árabes, em vez dos judeus, e os descendentes dos árabes expulsos — tornados mais versáteis pelo conhecimento do mundo —, voltassem agora à Palestina, agiriam interessados apenas no próprio bem estar, indiferentes ao sofrimento dos judeus. Raríssimos são os indivíduos, empresas ou países que coloquem a solidariedade e o egoísmo no mesmo nível de prioridade. O egoísmo sempre prevalece. Daí, não se espere que o atual governo de Israel vá se interessar, verdadeiramente, em dividir a Palestina em forma equitativa.
A tendência humana de busca do “espaço vital” estimulou a política expansionista de Hitler e recebeu o nome alemão de “lebensraum”. Dizem alguns historiadores que Hitler tentou invadir a Rússia — foi sua desgraça... — porque ambicionava as áreas imensas do império soviético. Conseguindo isso, o 3º Reich poderia durar mil anos. Netanyahu e seus seguidores, pensando apenas no que consideram o “bem de Israel”, sabem que quanto mais demorar um “acordo de paz” maior a vantagem israelense na futura partilha de áreas. Nenhum “árbitro” dessa eventual partilha ignorará a conveniência da manutenção do “status quo”.

 Quando mencionei, bem acima, as “reações de indivíduos” solidários à causa palestina, eu pensava no mais notório deles, Osama bin Laden, o milionário saudista que, sem medir consequências, fez o impensável: iniciou a implosão da até então incontrastável liderança mundial americana. A poderosa nação do Norte já não tem, hoje, o prestígio de que desfrutava até o dia 10 de setembro de 2001. Gastou, e ainda gastará, quase inutilmente, trilhões de dólares no Afeganistão e no Iraque. Só não foi à “falência” porque era — hoje não mais — uma nação incontrastavelmente poderosa e rica, sem fortes concorrentes. Barack Obama e quem o suceder precisarão de muito esforço — e psicologia... — para que seu país volte a ser o que era.

Essa “queda” de prestígio e riqueza é, em grande parte, resultado do que se passava na cabeça de um único indivíduo, Bin Laden. Um saudita tornado perigoso porque armado de pétreas convicções religiosas e dinheiro suficiente para financiar um terrorismo de fundo ideológico, religioso e sentimental.

“Como assim, sentimental?”, pergunta o leitor. Também sentimental. Quem se der ao trabalho de, na internet, pesquisar, frases de Bin Laden, extraídas de seus pronunciamentos — tal pesquisa será muito mais abundante e esclarecedora se for em inglês, “Bin Laden quotes” — verá o quanto pesou a situação amarga dos palestinos na intenção de Bin Laden de hostilizar os judeus e seu poderoso aliado americano. Se a Palestina estivesse bem — ou pelo menos razoavelmente tranquila — partilhada entre judeus e palestinos árabes, vivendo em paz, o saudita não chegaria ao extremo de pretender atingir o “coração” do poder americano, representado pelas Torres Gêmeas, o Pentágono e a Casa Branca. Esta só não foi atingida, como todos sabem, porque os passageiros lutaram com os sequestradores e o avião caiu antes de chegar ao alvo.

A solução para o impasse Israel-Palestinos estaria na comunidade internacional, via ONU, tomar as rédeas do problema, sem mais delongas, e criar um tribunal “ad hoc” para —, com critérios de equidade —, estabelecer as fronteiras, talvez criando compensações para a parte que perder áreas na linha divisória. Ou autorizar a Corte Internacional de Justiça a decidir a respeito, mesmo não tendo ainda a Palestina um status jurídico pleno de “Estado”.

Ocorre, porém, que sem um forte movimento de opinião pública essa “solução do conflito, vinda de fora” — dispensando a concordância das partes —, não ocorrerá. A Autoridade Palestina provavelmente concordará com uma decisão ou arbitragem internacional, mas Israel não fará isso. Seus líderes atuais não abandonarão, “por amor ao país”, seus sonhos de grandeza. E a mídia mundial é muito influenciada, quase dominada, pelos interesses israelenses.

Para conseguir um maior apoio, popular e universal, à ideia de se atribuir a um Tribunal internacional a tarefa de “resolver” o impasse de décadas — desde 1948 — seria muito útil que um filme de grande repercussão, com bom roteiro, bons atores — e excelente direção — demonstrasse o sofrimento do povo palestino vivendo pessimamente entre altos muros, sujeito a frequentes sequestros de sua renda tributária, praticamente dependendo do favor israelense para porcamente subsistir.

A política israelense de auto justificação no seu relacionamento com os palestinos — porque os filhos de Israel sofreram perseguições e massacres na Europa, antes e durante o Holocausto — já foi suficientemente exibida no cinema e em livros. Filmes extraordinários — “A lista de Schindler”, “O Pianista”, e dezenas de outros — mostram, com requintes persuasivos, o sofrimento dos judeus, principalmente na Alemanha nazista. Penso que chegam a centenas os documentários e filmes de longa metragem que retratam, com talento e verdade, o sofrimento dos judeus. O Holocausto já foi exaustivamente descrito em palavras e imagens, mas desconheço um único filme — nem mesmo “regular” — que descreva, com realismo e talento, o sofrimento dos palestinos, expulsos de suas terras e sujeitos a um dia-a-dia cheio de restrições e abusos. Expulsos sem culpa alguma pela infelicidade passada dos judeus, porque — repito sempre —, foram os romanos, não os palestinos, que, dois mil anos atrás, destruíram o Templo que simbolizava a tradição judaica, iniciando a “diáspora”.

Sei que os grandes estúdios de Hollywood estão sob controle de judeus, todo eles provavelmente condicionados a só favorecerem os interesses políticos de Israel. “Patrioticamente” surdos a qualquer crítica, mesmo obviamente justa.  Mas “artistas”, em geral — e os grandes diretores são artistas —, são imprevisíveis, capazes, em tese, de “fazer algo diferente”.

Certamente, Steven Spielberg, sendo judeu, não se atreverá, de imediato, a fazer um grande filme mostrando o sofrimento palestino. No entanto, se ele, matutando, hoje, sobre o que certamente considerou uma injustiça — não levou o Oscar, com “Lincoln” — talvez pense o impensável: — “Espere... Se eu fizer um filme notável mostrando, com honestidade e arte, a dupla visão do que ocorre na Palestina — com isso apressando a solução do perigoso conflito — estarei consagrado. Não só como grande diretor mas também como um informal estadista. Quem sabe —, embora não tendo isso como meta —, a mídia, que sempre exagera, talvez proponha meu filme-verdade e meu nome para o “Oscar” e o Prêmio Nobel da Paz, o primeiro concedido a um diretor de cinema. Uma façanha sem precedente no Planeta. E estarei simultaneamente, levando tranquilidade a dois povos, que não mais se hostilizarão. Como não quero trair meus irmãos de origem, mostrarei as duas faces da discórdia. Afinal, o impasse na Palestina origina-se de dois sofrimentos: o sofrimento passado dos judeus, vivo na memória,  e o sofrimento presente dos palestinos, vivo no dia-a-dia. E não serei faccioso”.

Se eu estivesse nos sapatos de Spielberg, pensaria assim. Ele, certamente, não pensaria com o cálculo vaidoso que mencionei atrás. E a arte cinematográfica subiria a um novo patamar, deixando de ser apenas um “entretenimento”, hoje geralmente superficial, apelativo, recheado de tiros, sexo, frases tolas, enredos idem, chavões, ignorância e propaganda. No caso, haveria também propaganda, claro, mas de algo que precisa ser ainda muito difundido: a necessidade de conciliar dois interesses lícitos (quando bem dosados): o desejo dos judeus de ter uma pátria e o direito dos palestinos de viver bem no lugar que ocupam há vários séculos.

Um judeu com pensamento de direita dirá: — “Não dá! O Israel atual não pode abrigar todos os judeus que queiram viver em Israel”. Contra isso cabe argumentar que se os palestinos receberem área adequadas, hoje geograficamente israelenses, e compensações financeiras, poderão, possivelmente, concordar com a permanência de colonos judeus em algumas áreas hoje palestinas. Não tem sentido, por exemplo, a Faixa de Gaza permanecer isolada da Cisjordânia. Tais áreas precisam ser contíguas, o que implica em concessão de terra israelense.
 Desconheço, em detalhes, a geografia local, recursos hídricos, etc., mas os peritos e árbitros encarregados da proferir a “decisão final da justiça”  — bem diversa da “solução final” nazista — saberão como encontrar a melhor alternativa que satisfaça as duas partes. E países árabes vizinhos podem, talvez, contribuir, com ajuda concreta para que a paz seja alcançada.

Qualquer estudioso da literatura norte-americana sabe que um livro, “A Cabana do Pai Tomás”, retratando o sofrimento dos negros norte-americanos, contribuiu poderosamente para acabar com a escravidão.

Hoje, filmes são muito mais eficazes que livros para formar a opinião pública. Poucos leem livros. E compram mais do que os leem. Daí o sentido geral do presente artigo, sugestão que, traduzida para a língua inglesa, quem sabe — por mero acaso — poderá espicaçar um dos diretores referidos no início do texto.

Quentin Tarantino não é judeu e, por ser original e ousado não teria receio de dirigir um filme que servisse aos meritórios propósitos acima referidos. Seu filme, inevitavelmente polêmico, teria boa audiência, em termos mundiais. Milhões de pessoas — inclusive judeus bondosos e idealistas, essa nata humana —, não concordam com a atual situação de inferioridade dos palestinos. O esforço pela manutenção da paz, acabando com o a humilhação palestina e tranquilizando os judeus tementes do terrorismo islâmico precisa, urgente, de um Oscar.

(27-02-2013)