Dois exemplos
opostos de bravura.
A coragem pode
expressar-se de várias formas: com ações físicas violentas, em tempos de guerra
— ou em legítima defesa — e também de modo pacífico, calculado, como fez Gandhi,
com sua inovadora, para a época, “resistência pacífica”. Nelson Mandela usou técnica assemelhada,
lutando contra o apartheid.
Surpreendentemente,
depois de passar mais de vinte anos na prisão Mandela saiu sem qualquer desejo
de derramamento de “sangue branco”. Certamente chegara à conclusão de que apenas
na pele, cabelo e feições diferem os povos. Sangue, instinto e inteligência são
assemelhados. O que existe de forma inegável é a diferença individual, dentro
de todas as raças. E, felizmente, o esforço pelo aperfeiçoamento do próprio
caráter — com suas inegáveis repercussões na “inteligência” — está ao alcance
de todos os seres humanos. Pessoas com forte senso de responsabilidade, honestidade
mental, coerência, coragem e tenacidade podem derrotar portadores de Q.I. mais
alto que o seu, porém deficitários no caráter.
Quando um repórter,
algum tempo depois da sua libertação, perguntou a Mandela se ele não guardava
rancor contra seus carcereiros ele respondeu que não. Alegou que não fora,
propriamente, maltratado e que os guardas apenas cumpriam suas obrigações. Esse
detalhe mostra quão importante é a educação e formação moral de policiais e
agentes públicos em geral — no caso os carcereiros —, respeitando as pessoas a
eles submissas.
Se Mandela tivesse
passado anos apanhando e sofrendo humilhações, deixaria o cárcere com sentimentos
bem cruéis. Seria a “hora da revanche”, com muito sangue derramado. Teríamos
talvez, ainda hoje, uma África do Sul mergulhada em conflitos raciais, criminalidade
e pobreza. Se deve existir, atualmente — desconheço os sentimentos profundos da
população sul-africana — alguns
ressentimentos de origem racial, a situação estaria muito pior se a população
negra tivesse sido estimulada a um “banho de sangue”, em vingança contra passadas
humilhações.
Não é exagero concluir
que os carcereiros brancos que mantiveram contato respeitoso com Mandela,
durante seu longo tempo de cadeia,
moldaram, inconscientemente, o futuro do país e, provavelmente de boa
parte da África Negra, tendo em vista a importância de seu país. Mais
influência, certamente, que cientistas políticos que, com seus textos, não
influíram, em nada, para que Mandela voltasse à política ativa com sentimentos
de concórdia, embora sem abandonar seus ideais. Tais carcereiros, em sentido
amplo, foram, repito, “construtores do futuro”. Se o mal é contagioso, o bem
também o é.
Vou agora
mencionar os “dois exemplos” de bravura diferente, mencionados no título desde
artigo.
Quem gosta de bom
cinema já deve ter assistido o filme “Círculo de Fogo”, que retrata a Batalha
de Stalingrado, símbolo da tenacidade russa na luta contra os sonhos de “espaço
vital” de Adolf Hitler. Essa Batalha já foi considerada a mais sangrenta de
toda a História e durou de 17-7-42 a 2-2-43, com um saldo de cerca de dois
milhões de mortos, incluindo civis.
Nessa carnificina
histórica, os franco-atiradores — “snipers” —, tiveram um papel importante,
principalmente pelo efeito no moral nos combatentes. Principalmente nos russos,
inferiorizados em potencial bélico e tecnologia bélica. Realmente, não
tranquilizava os nervos dos militares alemães, distantes até um quilômetro da
linha de fogo, o perigo implícito em um mero “esticar o corpo”, após horas imobilizado
atrás de uma rocha ou entulho. Qualquer ato mínimo de higiene, nas raras e
breves pausas do combate, poderia significar a morte com um tiro certeiro na
cabeça. O capacete não impediria sua morte porque o fuzil russo com mira
telescópica Mosin-Nagante, mod M91/30, calibre 7,62 x 54mm não respeitava
capacetes.
Entre os “snipers”
russos destacou-se Vassili Zaitsev, um pastor de ovelhas transformado em
soldado, nascido em Kiev e dotado de pontaria excepcional. Ele tornou-se o
personagem central no filme referido no início deste artigo . Quando se
ofereceu, muito jovem, para combater na linha de frente, já treinara suficientemente
sua pontaria. Desde criança, acompanhado e instruído pelo avô, caçava cervos e
lobos nos Montes Urais. No cerco de Stalingrado, escondia-se no meio dos entulhos
e tubulações de água e com seu rifle de mira telescópica aguardava
pacientemente o momento exato de apertar o gatilho.
V. Arkhipov morreu
como herói, com o status de capitão. Seus biógrafos dizem que ele matou 242
soltados e oficiais alemães, só no cerco de Stalingrado, mas no total da guerra
matou 468, incluindo onze atiradores de elite. O “duelo” principal, descrito no
filme de início referido, foi com um oficial alemão, famoso instrutor de tiro em
Berlin, especialmente designados pelo alto comando alemão para ir a Stalingrado
e matar Arkhipov. Na disputa de paciência, psicologia e pontaria o russo levou
a melhor.
Segundo referido herói, esse alemão chamava-se
Erwin König, mas surgiram, depois da guerra, dúvidas sobre a existência desse nome relacionável com a elite de “snipers” alemães.
De qualquer forma, a atuação desse excepcional franco-atirador russo teve um
papel psicologicamente importante na História. Se a batalha de Stalingrado
fosse vencida pelos alemães a sorte da Europa poderia ter sido diferente, pelo
menos na duração da 2ª. Grande Guerra. Grandes estrategistas já disseram que o
maior erro de Hitler foi ter atacado a União Soviética, deslocando para a
distante Rússia mais de um milhão de soldados, incluindo nessa contagem tropas
italianas, romenas e húngaras, sub comando alemão.
Vassili Zaitsev
morreu em 1991, aos 76 anos, dez dias antes da dissolução da União Soviética.
Faleceu coberto de glórias e foi enterrado em Kiev, sua cidade natal, apesar do
seu desejo expresso de ser enterrado em Volvogrado, a nova denominação de
Stalingrado. Por sinal, essa mesma cidade, até 1925, chamava-se Tsaritsyn,
certamente em homenagem ao Czar. Com a ascensão de Stalin, passou a chamar-se
Stalingrado, mas após a queda do ditador passou, desde 1961, a denominar-se
Volvogrado. O que não impede — a dança política dos nomes... — que volte e
chamar-se novamente Stalingrado, por pressão dos saudosos de Stalin. O
presidente, W. Putin, vê com simpatia essa reivindicação.
Um outro herói
russo, desta vez com menor unanimidade, foi Vasily Arkhipov, que salvou —
literalmente, não é exagero — a humanidade de um conflito nuclear, ou quase
certa 3ª. Guerra Mundial, quando da conhecida “crise dos foguetes”, em outubro
de 1962.
Como todos sabem,
Kruschev enviou a Cuba foguetes com ogivas nucleares, com isso eriçando os
pelos da nuca de John F. Kennedy, inquieto com a possibilidade de Fidel Castro
disparar algumas bombas atômicas contra os EUA. Estávamos, então, no ápice da
Guerra Fria. É opinião unânime dos estudiosos que nunca o Planeta esteve tão
próximo de uma guerra total. Isso porque a estratégia nuclear tem um ponto
fraco que é considerado, por engano, o “ponto forte”: a retaliação nuclear
imediata.
Essa estratégia é
apoiada no seguinte raciocínio: “Se o inimigo disparou mísseis nucleares contra
nós, é nossa obrigação contra-atacar de imediato, enviando o máximo de mísseis
contra ele. Não tem sentido, com bombas atômicas voando contra nós, ou já
explodindo em nosso solo, ficarmos conjeturando, ou consultando o inimigo para
saber se houve um disparo acidental; mesmo porque não há certeza se ele dirá a
verdade. Se não tomarmos providências imediatas, arrasando o inimigo, ele não
se deterá. Qualquer demora nossa pode nos impedir, fisicamente, de reagir, porque
nem teremos como. Se dermos o “troco” quase instantâneo o inimigo, sentindo na
carne o peso da morte, será forçado a parar a agressão”.
Ocorre que pode ter
ocorrido um erro de avaliação — e não só um mero “acidente de dedo” no apertar um
botão em Washington, ou Londres, Paris, Moscou, Pekin, Telaviv, Piongiang, etc.
O maior perigo das
armas nucleares está no disparo acidental. Conta-se que Jimmy Carter, quando na
presidência, teve um de seus ternos enviado à tinturaria — provavelmente da
Casa Branca (desconheço esse detalhe). Em um dos bolsos do paletó estava o código
que autorizava o disparo de foguetes nucleares contra a União Soviética. A
notícia desse fato, que li recentemente na internet, não diz se se tratava de
um papel com o código escrito, ou algum tipo de “celular’. Certamente era um
“celular”, imprescindível para uma retaliação urgente. Se um rapazola da
tinturaria, por exemplo, não sabendo que tinha em mãos um comando tão
mortífero, passasse a “brincar” com o “aparelhinho” e, por acaso, acionasse o
disparo, teríamos o inferno na Terra. E a União Soviética, faria o mesmo,
direcionando seus mísseis também contra Londres e outros aliados fiéis de
Washington.
Em guerras totais
nucleares não há tempo, como disse, para consultas posteriores aos disparos,
motivo porque as armas atômicas precisariam ser abolidas, desde que sejam
também proibidas todas as guerras. Armas convencionais também matam, tanto ou
mais que as atômicas porque as consequências serão mais leves para o agressor. Qualquer
superioridade bélica estimula abusos entre nações. A culpa não está nas armas,
mas na natureza humana.
Voltando à atuação
de Vasily Arkhipov na “crise dos foguetes”, ele se encontrava no submarino
russo B-59, um dos quatro que se dirigiam a Cuba munidos de torpedos com ogiva
atômica. O interessante é que apenas umas poucas pessoas da tripulação desses
quatro submarinos sabiam da qualidade especial de seus torpedos. Sabiam apenas
que carregavam “armas especiais”.
Quando o submarino
B-59 estava próximo de Cuba, mas ainda em águas internacionais, foi localizado
por aviões e helicópteros da frota americana. Tais aeronaves, percebendo que um
submarino navegava submerso passaram a jogar “granadas” — ou que outro nome
tenham —, para forçar o submarino a subir à superfície e se identificar. Não
sabiam que o submarino era russo e carregava torpedos nucleares. Se soubessem,
não jogariam tais explosivos, porque se as ogivas nucleares fossem detonadas os
navios e helicópteros também seriam destruídos.
Por sua vez, a
tripulação do submarino pensava que estavam sob ataque e, por isso, continuaram
submersos. Assim se passou uma semana, com a tripulação sofrendo com uma
temperatura de 60ºC, com água racionada a um copo por dia para cada tripulante.
Como as tais “granadas” eram potentes e contínuas, estremecendo o submarino — parecendo
mesmo destinadas a afundá-lo —, o esgotamento foi tomando conta da tripulação,
a ponto do capitão, Valentin Savitsky, desesperado e enfurecido, tomar a
decisão de disparar um torpedo atômico contra o porta-aviões US Randolf, que
dava apoio aos helicópteros e aviões que os torturavam. Quando dessa decisão, o
capitão pensava que a 3ª. Guerra Mundial já se iniciara. E não dava para saber,
pelo rádio, entrando em contato com Moscou, porque para se afastas das
“granadas” o submarino estava muito abaixo da superfície. O capitão estava
decidido: — “Nós morreremos, mas
levaremos para o fundo do mar nossos inimigos. Pelo menos salvaremos a honra de
nossa Marinha”.
Cumpre esclarecer
que, segundo ordens de Moscou, um torpedo atômico só poderia ser disparado com
a aprovação unânime dos três tripulantes de mais alta patente da tripulação,
entre eles V. Arkhipov. E este se opôs, isoladamente, ao disparo, suicida e provável
desencadeador de uma terceira Guerra Mundial.
Por que Arkhipov
se opôs ao disparo? Porque não tinha certeza de que já se iniciara a guerra com
os EUA. Como seu apoio era imprescindível para a decisão do disparo fatal e não
seria mais possível permanecer embaixo d’água — alguns tripulantes desmaiavam
por falta de oxigênio —, o submarino emergiu. E só então, pelo rádio, ficaram
sabendo que a Guerra tinha sido evitada, seis horas antes. EUA e URSS haviam
acordado que os foguetes russos instalados em Cuba, retornariam para a URSS e,
em troca, os americanos retirariam seus foguetes instalados na Turquia e direcionados
contra a Rússia. Pelo que diz artigo na internet, os EUA prometeram retirar
seus foguetes da Turquia mas esse detalhe não poderia ser mencionado na mídia.
Questão de prestígio, claro.
Enfim, esse “voto”
divergente de V. Arkhipov evitou a sempre temida 3ª. Guerra Mundial. No
entanto, chegando à Rússia, Arkhipov foi censurado pelos superiores, por
demonstrar “fraqueza”. Um dos almirantes que julgou sua conduta de “rendição”
chegou a dizer que “seria melhor que a tripulação se sacrificasse, indo para o
fundo”. Essa opinião, no entanto, não foi mantida posteriormente porque na
internet o referido herói da sensatez aparece, já idoso, em foto com o peito
cheio de medalhas.
Ficou provado, com
esse gesto, que o heroísmo pode assumir muitas formas, inclusive com a coragem de
ser confundida com fraqueza.
Nota: Todos os detalhes
fáticos acima mencionados eu os colhi na internet. Notadamente na Wikipédia,
esse benemérito e gratuito serviço informativo de todos os assuntos. Seu
idealizador, ou sucessor, dias atrás, informou que a Wikipédia passa por
dificuldades financeiras, porque subsiste apenas de donativos.
De imediato comprometi-me
com uma contribuição mensal, via Cartão de Crédito. Como tinha receio de
mencionar os três dígitos que ficam no verso do Cartão, informei-me antes, com
familiares, quanto à segurança nas compras pela internet. Fiquei sabendo que se
o “http” do Wikipédia estiver com um “s” a mais — portanto “https” — pode-se
comprar com Cartão, sem risco. E assim fiz. O leitor pode consultar os
entendidos sobre essa questão de segurança.
O Wikipédia foi
uma brilhante ideia para difundir a informação. E quanto menos ignorância no
mundo, melhor a sorte de todos nós. Se V. Arkhipov fosse um ignorantão
impetuoso — embora patriota —, esta mensagem teria que ser talhada na pedra.
(18-03-2013)