sábado, 25 de agosto de 2012

Pedido ao Min. Joaquim Barbosa:não "replique'




Venho acompanhando — como milhares de brasileiros interessados na sobrevivência da Justiça Brasileira —, a fase de julgamento da Ação Penal 470, torcendo para que ela chegue logo a seu término com pelo menos razoável aprovação ou tolerância popular. Justiça em descrédito é justiça suicida, involuntária estimuladora da criminalidade, na qual ela mesma corre o risco de figurar como vítima. O cidadão precisa acreditar — nem que seja equivocadamente — que o severo “olho da lei” está observando-o nos momentos de tentação para praticar o mal. Percebido o crime, ocorrerá a punição. “Melhor, portanto, andar na linha,,,”. Grande parte da utilidade da justiça está na sua virtualidade, na mera crença de que ela está presente, viva e realmente funcionando.

Embora os magistrados não devam se curvar à “opinião pública” — leia-se com mais propriedade opinião da mídia... — não se pode negar à população brasileira um mínimo direito de ver coincidir, ao máximo, a “verdade processual” com a “verdade real”, porque tola a sociedade não é. Com a rápida e gratuita difusão da informação — agora com julgamentos do STF assistidos ao vivo — mesmo pessoas de pouca escolaridade, mas inteligentes — a inteligência está no cérebro, não nos diplomas — podem concluir sobre onde reside a verdade sobre fatos de grande significado ético e econômico.

A comunidade pode não conhecer os “meandros” processuais — que vê com desconfiança —, mas sabe distinguir, com razoável acerto, o que resultou, finalmente, daquele bonito — quando for o caso — “palavreado”, assim qualificado pelas pessoas mais simples mas nem por isso menos justas. Se a justiça é sustentada com os tributos pagos pela população, esta tem todo o direito de ver bem aplicado o dinheiro dela extraído na forma de impostos, com punição dos “maus” e absolvição dos inocentes que foram acusados por engano ou malícia.

O que disse acima vem a propósito dos dois votos proferidos esta semana, pelos Ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski. Assisti pelo menos a 90% da exposição de ambos e só posso dizer que foram votos bem detalhistas, mostrando uma bem intencionada vontade de enquadrar corretamente os fatos — depoimentos e documentos — nos “tipos” penais, algo não muito fácil, atualmente, porque a legislação vem se tornando cada vez mais abstrata e abrangente, estimulando interpretações conflitantes. A leitura de ambos os votos é uma prova de que se, no geral, nossa justiça não é ainda — já poderia ter sido, há anos — de primeiríssimo mundo — por causa da lentidão, estimulada por legislação processual ingênua —, o elemento humano, seus magistrados, é de altíssimo nível.

Proferido o necessariamente pesado voto “fatiado” do Min. Joaquim Barbosa, o Min. Ricardo Lewandowski proferiu o seu, em parte coincidente com o do Relator. A divergência surgiu quando passou a examinar, com minúcia — e coragem, convenhamos, porque a opinião pública prefere condenações “globais”; dúvidas causam desconforto mental — a conduta de João Paulo Cunha.

Terminado o exaustivo e fundamentado voto do Min. Lewandowski — sobre cujo mérito só poderá opinar quem leu os autos —, o Min. Barbosa pediu a palavra para “replicar”, ou prestar alguns esclarecimentos, em oposição ao voto proferido pelo Min. Revisor.

Concedido pelo Min. Presidente o pedido do Relator, o Min. Revisor, discordando com firmeza, pediu o direito de, havendo a nova fala do Min. Relator, fosse concedida a ele, Lewandowski, a oportunidade de também responder — “treplicar” — aos argumentos do Relator. Argumentou que se ocorre uma “réplica” deve também ser permitida uma “tréplica”, como ocorre nos debates do Tribunal do Júri. O Min, Presidente, sempre sereno e diplomático com os colegas, evitando nova longa polêmica após cansativa sessão plenária, preferiu, aparentemente, deixar a decisão sobre o incidente para a sessão de julgamento da próxima segunda-feira, dia 27 de agosto de 2012. Certamente, em reunião informal, longe da televisão, os Ministros trocarão ideias sobre esse incidente processual.

Não encontrei, no Regimento Interno do STF, nenhuma “regra” sobre os direitos de “réplica e tréplica”. Obviamente porque o Ministro Relator não funciona, no caso, como “acusador”, nem o Min. Revisor, como ”defensor” do réu que considerou inocente. Qualquer analogia com o Tribunal do Júri é, portanto, equivocada. Se Joaquim Barbosa já foi promotor de justiça, a partir de sua posse no STF passou a ser apenas juiz. Lewandowski foi advogado e depois juiz, sempre do quinto da advocacia, mas se tivesse vindo para o STF, diretamente da advocacia, teria que esquecer essa origem no momento em que tomou posse do cargo no Tribunal. Todo magistrado, assumindo seu posto, deve procurar esquecer o seu passado hábito profissional. Se este permanece — e isso realmente ocorre porque os neurônios são teimosos e desprezam normas fora da caixa craniana —, a força do hábito é compreendida e desculpada pelos colegas julgadores porque eles mesmos sabem que é impossível livrar-se totalmente de antigos costumes. Uma razão a mais para que na composição dos tribunais a maioria de seus juízes sejam de carreira, “viciados” no hábito de ver ambos os lados de qualquer pendência, o que não ocorre com magistrados oriundos do quinto constitucional que não passaram, por algum tempo, na função de juízes.

Dir-se-á que se não pode haver o “direito” de réplica nem de “tréplica’, por outro lado o Regimento não impede que qualquer ministro aparteie o colega visando um esclarecimento para melhor decisão colegiada.

Aí caberá à inteligente e serena condução dos trabalhos pelo Min. Carlos Ayres Britto improvisar, com aprovação de seus pares, um método de trabalho para um caso excepcional, como é o “Mensalão”. Ou negando qualquer equivalente de “réplica” e “tréplica”, ou dosando em apenas uns poucos minutos o tempo máximo — quinze minutos, por exemplo — para manifestações do Relator e Revisor, após seus votos formais, já proferidos. Com isso impedirá a quase eternização de um julgamento que está travando o funcionamento normal da Corte Máxima. Ayres Britto sabe que precisa ser um bom presidente no caso “Mensalão”, mas precisa também ser bom presidente de um Tribunal que não foi concebido para cuidar de um único caso, por mais importante que seja.

Milhares de outros processos aguardam julgamento do STF . Em casos mais simples, com único ou poucos réus, não tem muita importância um debate mais longo sobre tal ou qual item. No entanto, em um julgamento de imensa proporção como é o caso da Ação Penal 470 — provavelmente o mais complexo desta década e talvez de décadas futuras, é preciso considerar o fator tempo. E a rotina dos tribunais, no país, aponta para a melhor solução do problema “tempo”. Qual é ela?

Atuei poucos anos na segunda instância, em São Paulo. Mas a rotina usual, muito prática e funcional, na fase propriamente de julgamento, era a seguinte,: o juiz relator lia seu voto, analisando a prova e concluindo em tal ou qual sentido. Em seguida o revisor proferia seu voto mas quando sua opinião coincidia totalmente com a opinião do relator, apenas dizia que subscrevia o que dissera o relator. Afinal, para que repetir tudo aquilo já mencionado pelo relator quando tantos outros postulantes esperam julgamento? Quando achava que sua decisão era coincidente com a do relator mas a fundamentação era diferente, explicava porque modificava a fundamentação, embora chegando ao mesmo resultado. E o terceiro juiz, ou outros juízes presentes — conforme o caso — seguiam o mesmo sistema dizendo apenas que seguiam o relator ou o revisor, quando estes discordavam. Terminada a votação, o juiz presidente fazia a soma dos votos e proclamava o resultado. Se um dos juízes não concordava com a decisão majoritária, podia, querendo, fazer constar, no acórdão, seu voto vencido. Tudo isso na maior tranquilidade. Não havia uma como que “necessidade” de provar que o colega de julgamento estava “errado”.  Nem o relator nem o revisor se consideravam “diminuídos” caso sua vontade não prevalecesse. Afinal, o Direito não é uma ciência exata. Não fosse essa a prática rotineira do tribunal, seria impossível o fluxo normal de julgamentos, já bastante emperrado mesmo com tais votos de “acompanho o relator”, ou “acompanho o revisor”.

Alguém dirá que como a Ação Penal 470 é muito importante, é imprescindível — no interesse apenas da “plateia”, porque os advogados recebem cópia dos votos — que cada um dos onze ministros leia horas e horas de voto. Não vejo assim. Primeiro porque há o pressuposto — real, benevolente ou reservadamente desconfiado — de que os Ministros do STF são moralmente íntegros, pois do contrário não estariam no STF. Se as partes não arguiram suspeição nem impedimento, não podem, depois, presumir favoritismo, gratidão ou qualquer outro empecilho para um ministro dar o seu voto com isenção. Segundo, porque a demora, só favorece uma das partes, os acusados, nunca a acusação. Terceiro, porque longos votos nem sempre significam decisão profundamente honesta.

Um juiz — qualquer juiz, de qualquer país —, pode, querendo, disfarçar sua tendenciosidade pinçando tais e quais detalhes — e ignorando outros —, que estão, ou pareçam estar, nos autos sem que os ouvintes do voto percebam a desonestidade mental do magistrado na seleção dos detalhes. Quem está ouvindo não está lendo os autos. Nos países sob ditadura — não é o caso, felizmente, do Brasil —, decisões “sob encomenda do ditador” são redigidas de tal forma que se forem lidas por pessoas de outro país, que não conheçam a realidade local, imaginam que a decisão foi juridicamente correta. A desonestidade mental é suficientemente astuta para disfarçar a realidade, usando um linguajar jurídico aparentemente correto. Pode-se mentir cosendo fragmentos de verdades. A mentira está na costura, na omissão de algumas partes. Inteligentes enganadores conseguem isso com algum êxito.

Juristas importantes, reservadamente, já argumentaram que o único defeito da TV Justiça, tão aberta, está em estimular a eventual vaidade dos ministros. Que alguma vaidade existe em todo ser humano, não há dúvida. Modéstia excessiva pode significar vaidade de alguém ambicionando um Nobel da Paz.

No caso da Ação Penal 470 há uma situação especial que atrapalha a emissão de votos sucintos demais, dizendo apenas que seguem o Relator ou Revisor. Com tanta audiência midiática, é natural que todos os Ministros temam parecer superficiais ou acomodados apenas acompanhando votos dos colegas. Se, porém, o respeitado presidente Ayres Britto solicitar, em pleno julgamento, esse favor dos senhores Ministros, ou pedindo a eles que façam um esforço para resumirem seus votos em tantos minutos — em benefício da celeridade —, aí desaparecerá o constrangimento relacionado com a concisão indispensável para que o julgamento deste caso não continue por meses ou anos afora, tirando proveito de um Regimento Interno excessivamente tolerante na concessão de recursos.

O que pretende o Min. Joaquim Barbosa, com sua réplica? Convencer o Min. Lewandowski a mudar seu voto? Não o conseguirá, por mais eventualmente sábias que sejam suas palavras. Mudança de voto por pressão argumentativa de colega de julgamento é vista com justificado horror por magistrados. Que se faça isso uma vez por ano, ou menos, vá lá. Mais do que isso carimba o magistrado como um ”fracote”, “influenciável”, “insista! que ele cede e muda de opinião!”

Um grande cientista pesquisador pode se dar ao luxo, sem vexame, de mudar várias vezes de opinião na busca da esquiva verdade escondida na matéria. Um juiz, porém, que muda de opinião com frequência dá a impressão de não ter “densidade” suficiente. Isso porque a justiça aplica-se apenas a seres humanos, que, desde o tempo das cavernas, não estão atrás da verdade pura, científica, mas de uma ordem estatal contra alguém. Um juiz enérgico. com Q.I. de 90 pontos, impressiona muito melhor que um juiz de Q.I. de 120 pontos mas que a todo momento muda de orientação.

Finalmente, o assunto da aposentadoria do Min. Cezar Peluso. Poderá ele votar antes de se aposentar?

Houvesse maior racionalidade legislativa no tratamento do tema “aposentadoria por idade do magistrado”, a data fatal de 3 de setembro próxima não teria muita importância. Aposentado, o Min. Peluso poderia ser consultado pelo Tribunal indagando-o se aceitaria continuar no julgamento do caso do Mensalão, tendo em vista que já conhece bem o processo e seria um desperdício que esse trabalho, na sua integralidade, fosse inutilizado. Afinal, sua aposentaria não foi decretada por incapacidade física, ou mental, mas por uma mera abstração que, por sinal, é completamente arbitrária. Nos EUA o juiz pode estar com mais de noventa anos e, permanecendo lúcido, só sairá quando assim quiser.

A aposentadoria aos 70 anos não deveria ser considerada como o equivalente de um maciço “derrame cerebral”, hoje AVC, ocorrido como presente de aniversário da ingrata natureza. Quem sabe, o futuro nos reservará essa benéfica e racional mudança, permitindo que o magistrado que acompanhou a instrução de um processo possa, se assim quiser, dar o seu voto, para o qual se preparou longamente. Seria um caso de vinculação ao processo, como já existe no caso do juiz que muda de comarca mas fica vinculado a decidir o caso em que formou a instrução, isto é, recolheu a prova. O fato de um juiz querer dar o seu voto, após aposentado, num caso ou outro que estudou, não significa algo mau, parcialidade. Certamente significará vontade de externar sua opinião em caso importante, realizando justiça em sua maior plenitude. Relembre-se que a isenção de qualquer juiz só é exigível quando ele recebe o caso, não no momento de julgá-la. No momento de julgar ele não pode mais ser “isento”, isto é, não saber qual das duas partes está com a razão. Tem que decidir em favor de um dos lados. Não pode dizer que o processo “empatou”, deixando a solução para as próprias partes, que possivelmente decidirão a pendência usando a força.

O Min. Cezar Peluso é considerado um juiz severo. Isso, no entanto, não significa necessariamente que vá ser um “condenador”, no caso da Ação Penal 470. Sua severidade pode incidir também contra a acusação.

É pena que as presentes considerações tenham somente um vago interesse acadêmico, porque não haverá tempo para uma alteração legal das normas atuais relacionadas com a aposentadoria por idade dos magistrados, impedindo-o de dar qualquer voto, mesmo tendo estudado longamente o caso, como é o caso do “Mensalão”.

Uma coisa resulta de tudo o que foi acima mencionado: o Regimento Interno do STF e mesmo a legislação processual penal precisam ser alterados.

(25-8-2012)





 


  
  











































































































quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Fragilidades do Direito e a Ação Penal 470

                   Sempre considerei, embora não dizendo isso com frequência — porque a própria menção das falhas poderia se tornar lembrete para sua maior utilização — que o direito processual brasileiro é de uma ingenuidade a toda prova. Pelo menos em termos de praticidade e eficácia. Como se atuasse nas nuvens, acompanhado de cantos gregorianos, em latim, decidindo litígios entre anjos. Isso explica a progressiva decepção popular, bem justificada quando os processos demoram absurdamente e não conseguem punir (criminalmente), nem cobrar (civilmente) — em tempo razoável —, pessoas físicas e jurídicas com capacidade financeira para contratar advogados esforçados e competentes nas suas respectivas especialidades. 

Deixo expresso que sob o ponto de vista da vigorante ética profissional — mesmo nas nações cultas —— nada pode ser dito contra tais advogados quando, não praticando, eles mesmos, crimes, tratam de tirar o máximo proveito dessas distrações legislativas, vulgo “brechas”, em benefício de seus clientes. Todo profissional quer e precisa, em uma sociedade capitalista, ser “bem sucedido”, inclusive, e principalmente, em termos econômicos. Provavelmente, daqui a muitas décadas, quando garantido aos grandes criminalistas um excelente padrão de vida mesmo dizendo, em juízo, apenas a verdade —, corrigindo os excessos da acusação —, teremos uma nova ética profissional, universal, com quase total ausência de impunidade. A comunidade menos sofisticada, atualmente, engole mas não digere, moralmente, o fato de notórios criminosos conseguirem escapar do rigor da lei contratando hábeis advogados que conseguem navegar suas defesas evitando todos os arrecifes legais. Conhecendo o caminho das pedras, conseguem evita-las. 

Hoje, um inflexível apego à verdade em juízo, por parte de profissionais que são procurados por pessoas acusadas de crimes, significaria suicídio profissional. Um advogado mal vestido, guiando calhambeque enferrujado, recebendo clientes em salinhas que pareçam maratonas de pulgas será automaticamente rotulado como incompetente e fracassado, Só escapará desse ferrete se tiver reputação de gênio excêntrico, mas sem dívidas. O êxito financeiro, é o critério — impiedoso mas real — do público julgar qualquer profissional da advocacia — e também de outras áreas —, o que explica o interesse do mesmo em defender com empenho clientes abonados que o procuram, sejam eles culpados ou inocentes. 

Mesmo que o profissional não aprove, no íntimo, os malfeitos de seus clientes —, seguramente não vota neles nas eleições —, não recusará suas defesas, em prejuízo da segurança financeira de sua própria família. Tranquilizará a consciência dizendo que não é pago para fazer justiça, mas para defender um acusado usando as armas que a legislação assim permitir. Dirá, ainda, que não estão sendo pago para consertar o mundo nem corrigir a legislação vigente. Em suma, pensará: — “Não sou juiz, nem legislador, nem salvador de almas, nem justiceiro”. Dito isso, dedicará sua energia a procurar as provas que beneficiem o cliente ou, não as encontrando, construindo argumentos capazes de criar dúvida ou cansaço na mente e na vista do julgador. A busca do fadiga judicial explica, muitas vezes, nas grandes ações criminais e cíveis, o volume gigantesco de “provas documentais” capazes de desanimar os juízes mais resolutos, bastando uma olhada nas enormes pilhas de autos volumosos. 

 A propósito, nos EUA algumas pessoas já esboçaram a intenção de denunciar formalmente Henry Kissinger, por violação de direitos humanos, no Tribunal Penal Internacional. Porém, mal acabam de externar esse desejo o Kissinger aparece com um “livro- tijolo” de novas “memórias” que obrigariam um denunciante consciente a ler e meditar sobre centenas de páginas, grávidas de fatos e sutis interpretações, para só depois formalizar a acusação. Com isso, até agora, pelo que sei, nenhuma acusação formal foi apresentada na referida corte internacional. É por isso que na diplomacia a palavra tem a fama não de externar o pensamento, mas de ocultá-lo.

Dito isso, abordemos, sem novas digressões teóricas, o que está para suceder com o tal “mensalão” que tanto preocupa as pessoas, aos milhares ou milhões, preocupadas com a ética na política brasileira. 

Para começar, ressalte-se que tal processo, no caso de condenação, mesmo tramitando no órgão máximo — supostamente para única decisão “final”—, não terminará tão cedo, graças às brechas presentes no Regimento Interno do STF. A justiça brasileira — na vasta maioria honesta — foi estruturada, formalmente, para funcionar como um sofisticado laboratório de pesquisa buscando uma esquiva verdade a ser dissecada inúmeras vezes, em diversos “laboratórios” judicantes, esquecendo-se que um excesso de reexames traz, implícito, um grande mal: a infindável demora, que só beneficia a parte que não tem razão. 

Diz o art. 333 do referido Regimento que “Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma: I – que julgar procedente a ação penal”. Para permissão dos embargos infringentes (para os leigos: novo julgamento, quando a decisão não for unânime) basta que haja quatro votos divergentes, o que é bem provável no caso da Ação Penal 470. Com isso, o processo poderá tramitar por muitos meses, bastando, para assim verificar, a leitura dos arts. 330 a 336 do Regimento. Cuidando-se de 138 réus, a “burocracia” regimental — caso não “enquadrada”(retificada), com grande urgência pelo STF — pode ensejar demora de vários meses, muito superior à permanência dos Ministros Peluso e Ayres Britto na Corte. Para que tal demora aconteça basta que os vários réus assim queiram, redigindo petições. 

Para complicar, dificultando ainda mais a efetividade da justiça, na hipótese de condenação, existem os “embargos de declaração”, destinados a esclarecer ou corrigir o que foi decidido “quando houver no acórdão obscuridade, dúvida, contradição ou omissão que devam ser sanadas”. 

Este artigo do Regimento é, obviamente, um “prato cheio” para retardar o término de qualquer julgamento, porque quem redigiu o Regimento Interno não imaginou (?!) que pudesse ser utilizado de má fé, infindáveis vezes. Mesmo que o acórdão não contenha obscuridade, dúvida, contradição ou omissão, nada impede que o réu diga que há. Já houve um caso, relatado honesta e confidencialmente por um brilhante ex- Ministro, em que o STF teve que usar uma ilegalidade para impedir que a parte perdedora tornasse sua causa perpétua apresentando seguidos “embargos de declaração”. Negado o primeiro, a parte apresentou o segundo. Este negado, apresentou o terceiro, o quarto, o quinto — não me lembro quantos foram —, sempre apontando um suposto defeito formal no acórdão redigido por último. Tirava proveito do fato de o Regimento Interno não estabelecer limites quantitativos. Os Ministros, concluindo, no caso, que estavam sendo vítimas de um evidente abuso, ordenaram à Secretaria do Tribunal que não mais recebesse novos embargos declaratórios naquela ação. Uma ilegalidade formal, claro, porque petições não podem ser recusadas pela Secretaria mas, no caso, o único meio disponível para evitar a desmoralização do Tribunal. 

Em tese, pelo menos em tese, algum réu da Ação Penal 470 poderia fazer o mesmo, procurando novas prescrições. Se a OAB ameaçasse punir, eticamente, um advogado que usasse essa esdrúxula tática rasteira para impedir o trânsito em julgado, o autor dessa tática poderia discordar do seu órgão de classe inventando tal ou qual nulidade. Um advogado em vias de se aposentar poderia, sem grandes prejuízos, fazer isso, sem receio da má repercussão de sua doentia insistência. Talvez fosse até elogiado, por alguns, pela sua “audácia”: “Afinal, essa insistência não poderia estar certa? E errado o Tribunal?” 

Provavelmente não haverá tempo para reforma do Regimento Interno, nesse item, antes da redação do acórdão que julgará o famoso caso, mas seria salutar se o STF já se preparasse para lidar com um problema que pode surgir, bastando audácia para tanto. “Brechas”, “buracos”, de qualquer tipo, devem ser tapados antes que pessoas caiam dentro dele. Principalmente quando a vítima é uma respeitável senhora de pedra que costuma ser fotografada sentada, com venda nos olhos, outras vezes segurando espada e balança. Certamente ela é cega apenas no sentido de imparcialidade. 

Finalmente, um detalhe que merece ser acrescentado. Li, em jornal, que o Min. Joaquim Barbosa, quando da defesa oral de um dos defensores, fez uma pergunta ao expositor. Eu não tinha por hábito, anteriormente, assistir, pela TV, julgamentos do STF. mas presumo que não havia essa prática de Ministro interromper, com bons modos, o expositor, pedindo um esclarecimento. Se fui bem informado, na Suprema Corte Americana, essas interrupções são usuais, o que parece ser uma boa coisa — embora algo inibidora para um orador tímido — a ser incrementada no Brasil, desde que usada com moderação e assegurado o direito do expositor de negar o esclarecimento solicitado. Essas breves interrupções, se permitidas, o seriam tanto quando fala o defensor quanto o acusador. Esse pinçar de pontos críticos, essenciais, ajudariam muito para orientar os ouvintes em casos complexos. 

Qual o objetivo máximo de um julgamento? A busca da verdade, porque só assim será possível aplicar, com segurança, essa “coisa” tão abstrata: o Direito. Acredito que, por vezes, o julgador perde o fio do raciocínio do expositor e com isso boa parte da exposição que se segue torna-se inútil. Ressalte-se, ainda, que o orador pode estar dizendo algo importante que não consta, por escrito, nos autos, porque o argumento — que até pode ser brilhante — só lhe ocorreu no decorrer da sua exposição. 

Pesados os prós e os contras, conclui-se que a  criação da TV – Justiça foi uma boa ideia. 

(14-8-2012)



































































































































































































quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Seria útil Roberto Gurgel esclarecer, com urgência



Estou acompanhando atentamente, embora em alguns momentos lutando contra o sono — sem culpa dos oradores porque a explicação de alguns fatos exige tempo — o julgamento da Ação Penal n. 470, no Supremo Tribunal Federal. 

Felizmente existe, hoje, uma TV- Justiça, possibilitando a qualquer cidadão ouvir os advogados debatendo e os juízes decidindo questões importantíssimas. Principalmente aquelas de interesse geral envolvendo direito, ética, política e até mesmo, residualmente, rotinas financeiras.  

Lembro-me quando, vários anos atrás, aventou-se a ideia de no Brasil se criar um canal de televisão com o fim específico de transmitir assuntos judiciários, alguns magistrados, de impecável conduta, reprovaram a sugestão, dizendo que tal exposição midiática teria um efeito contrário do pretendido: aproximar a justiça do povo. Argumentavam que essa exposição acabaria desprestigiando a própria magistratura porque a vasta maioria da população brasileira não estava preparada, culturalmente, para entender algumas decisões que aparentemente afrontavam o “senso comum”. 

Tinham, inicialmente, alguma razão porque há diferentes graus de “senso comum”. O senso comum de um grande pensador, ou jurista, ou cientista, é diferente do senso comum de uma pessoa de baixa escolaridade ou mesmo instruída, mas um tanto desequilibrada nas suas deduções. Instrução formal e “juízo” nem sempre coincidem. Todavia, é direito do povo saber — seja qual for sua percepção, que pode melhorar —, como e porque os juízes decidem em tal ou qual sentido. Nossa comunidade está hoje decepcionada — ou até mesmo horrorizada —, com determinada jurisprudência, como é o caso de só se decretar a prisão de criminosos — quase sempre abonados —, quando transitar em julgado sua condenação, geralmente no STF. 

A população vê nessa jurisprudência uma “justiça de classe” porque somente réus de bom poder aquisitivo, com residência fixa, etc., podem se dar ao luxo de percorrer, lentamente, “quatro instâncias” para poder chegar ao órgão máximo do Judiciário. É possível, no entanto, que essa mesma indignação popular acabe gerando efeitos, futuramente, provocando uma alteração jurisprudencial ou legislativa determinando que, condenado em segunda instância, o réu fique detido preventivamente — talvez em presídios especiais,— protegido da massa carcerária rancorosa — até o julgamento final. Essa detenção não implicaria longa espera porque todo réu preso tem prioridade no julgamento de sua causa. Enfim, a facilidade de acesso, visual e auditivo, da população aos debates judiciários só pode ampliar o conhecimento geral sobre as instituições de seu país. Com isso a democracia adquire um significado mais real. 

Fugindo das generalidades e abordando aqui o caso apelidado de “mensalão” — bastante diferente dos demais pelo número de réus —, seria de extrema utilidade cultural, para a coletividade, que o digno Procurador Geral, Dr. Roberto Gurgel, respondesse — na televisão e/ou em jornais, únicas formas agora possível —, aos argumentos apresentados ontem (6-7-12) pelo advogado do réu Marcos Valério Fernandes, o Dr. Marcelo Leonardo. Esse defensor fez, a meu ver, a mais contundente e enérgica defesa do próprio cliente na tarde mencionada. Despertou a atenção dos mais indiferentes. As demais defesas, nesse primeiro dia destinado aos advogados, foram boas mas um tanto “mornas”, por comparação, apresentando argumentos esperáveis por parte das pessoas que acompanham o talvez mais longo julgamento de toda a história do STF. 

                    Dr. Marcelo Leonardo aparentemente inovou a discussão — pelo menos para os telespectadores —, abordando não só os enfoques fáticos já conhecidos pela mídia mas apresentando argumentos técnicos, legais e contábeis desconhecidos da vasta maioria das pessoas que acompanham o caso pela televisão. O enérgico advogado mencionou, com vibração, leis e outras normas que somente um especialista pode conhecer. Obviamente, alguns Ministros que o ouviam, Relator e Revisou, sabiam do que ele estava falando, porque haviam estudado os autos e anexos infindáveis. Quanto aos demais Ministros, talvez alguns ficaram surpreendidos com a tecnicidade contábil e bancária de alguns argumentos porque não sei se tiveram tempo de ler as milhares de folhas dos autos do processo e seus anexos periciais. 

Como o Dr. Marcelo Leonardo — provavelmente ainda ouviremos falar bastante desse jovem advogado — argumentou com invulgar firmeza e clareza, transmitindo uma indignação que parecia — ou era, realmente — sincera, pelo menos 98% dos que o viram e ouviram na televisão ficaram perplexos e abalados ante tanta segurança na menção de leis e regulamentos de natureza bancária, contábil e financeira que supostamente isentariam Marcos Valério de qualquer crime. Milhões de telespectadores — eu, inclusive — gostariam de ver “trocados em miúdo” e analisados  seus argumentos relacionados com leis e normas do Banco Central, e outros entidades legais. E quem melhor — pergunta-se — que o estudioso Dr. Roberto Gurgel, para dar algumas “aulas” esclarecedoras — pela internet ou por jornais — sobre essa legislação pouco conhecida do grande público, mostrando ainda sua relação com a específica conduta de Marcos Valério? 

Acredito que a grande maioria das pessoas que estão acompanhando o caso já têm, mesmo antes do início do julgamento, opinião formada, pela condenação ou absolvição, conforme a tendência política de cada um, pouco se importando com os aspectos mais técnicos — e justos — da argumentação do Dr. Marcelo Leonardo. Ocorre que uma fração menor — mas não menos importante — de observadores sente-se algo desconfortável com a dúvida que lhes brotou no espírito ouvindo argumentos — para eles novidade — apresentados com forte aparência de indignação do advogado já referido. — “Será que a atividade de Marcos Valério não era realmente criminosa, conforme as normas legais e técnicas mencionadas por seu advogado, na sua defesa oral?” — será uma pergunta que ficará no espírito de muitos. 

A forma, a vivacidade, a oratória, sempre têm peso na formação do convencimento dos ouvintes. De qualquer ouvinte, de qualquer assunto. No caso dos Ministros do STF, o peso da eloquência será, talvez, mínimo, mas entre os telespectadores a impressão de veracidade do advogado pode impressionar a tal ponto que uma condenação do cliente poderia sugerir a ideia de que houve um julgamento superficial, do tipo “genérico”, “em bloco”, francamente político, desinteressado da verdade dos fatos. 

Houvesse, nesse julgamento, a oportunidade da “réplica” da acusação, e da “tréplica” da defesa, eu não escreveria o presente artigo. Mas não cabe, agora, alterar o rito processual estabelecido para o julgamento do famoso caso porque isso implicaria em grande retardamento. O ideal seria que o Min. Cezar Peluso tivesse oportunidade de adiantar seu voto antes de se aposentar compulsoriamente no dia 3 de setembro próximo. Esse processo precisa chegar a um fim, que já tarda demais. Peluso conhece o caso, é um juiz severo, confiável e certamente alguns réus, sentindo na alma um mau pressentimento torcem para que algo aconteça — notadamente na forma de emperradas “questões de ordem” — de modo a impossibilitar a prolação de seu voto. O tempo, com o prêmio da prescrição, é sempre um aliado da defesa, nunca da acusação. E no caso de empate dos votos a decisão é em favor dos acusados, que ainda dispõem do conhecido “in dubio pro reo” no que se refere à prova existente nos autos.  

Como não será possível, no caso, nem réplica nem tréplica, e a argumentação do Dr. Marcelo Leonardo — apresentada com firmeza e eloquência — pode estar ainda vibrando e incomodando o cérebro de muitos interessados em uma decisão inteiramente justa, fica aqui o apelo para que o Dr. Roberto Gurgel, utilizando a internet ou jornais — onde mais? —, responda aos tópicos técnico-financeiros, e leis específicas, salientados pela defesa de Marcos Valério. Principalmente na parte final de sua exposição. Confesso que ouvi mas não entendi. Nunca tinha ouvido ou lido as leis e normas citadas. Na televisão, quando focalizado, o Dr. Roberto Gurgel parecia tomar notas do que ouvia, como profissional responsável que sempre foi. Com base em tais notas poderá, achando isso possível, responder com esclarecimentos que orientem alguns milhares de ouvintes interessados em um justiça objetivamente justa. 

Eu, pelo menos, precisaria de algumas informações que não poderiam ser suficientes se explicadas apenas em abstrato, por um contador, por exemplo, que não conhece os autos. Tais informações técnicas precisariam ser conectadas com a conduta concreta de Marcos Valério e pessoas que o serviam. Digo tudo isso, despertado pela exposição do Dr. Marcelo Leonardo, porque sempre existe, em tese — apenas em tese, insisto — a hipótese de o vibrante advogado possuir também forte talento para a arte dramática. Todo advogado, principalmente quando atua no júri — mas isso também vale para sustentações orais —, não pode negar que seu sucesso não decorre apenas do conhecimento do direito. A arte da eloquência também ajuda. Freud foi um grande psicólogo mas a Psicanálise não teria prosperado tanto não fosse o brilhantismo e capacidade de persuasão de um grande artista da palavra. Essa opinião não é só minha. 

Consultei o Código de Ética do Ministério Público Federal e não encontrei nenhuma proibição inequívoca dizendo que um Procurador não possa, em artigo de jornal ou internet, interpretar o sentido de determinadas leis e outras normas, como aquelas referidas pelo advogado já referido, mesmo pendendo uma causa nos tribunais. Se essa proibição — apenas ética, não legal —, existir, seria o caso de se abrir uma exceção.  Não correndo o caso em segredo de justiça, nem estando nas mãos de outro procurador, pode o Dr. Gurgel explicar aos leitores o alcance e o sentido de leis de interesse geral. Principalmente no presente caso, algo anômalo — e bem intencionado —, em que foi necessário ao STF estabelecer normas especiais para o julgamento , vetando o direito da acusação de rebater argumentos possivelmente importantes. Ocorreu, no caso, a violação do “direito de defesa da acusação”. É claro que para o julgamento só valerá o que está nos autos, mas para efeito de aperfeiçoamento da opinião pública e maior perfeição do julgamento seria conveniente um esclarecimento pela única forma agora disponível: pela imprensa ou pela internet. Se concedida formalmente, uma réplica, seria preciso conceder 38 tréplicas. Um deus nos acuda! 

Estou consciente de que alguém dirá que a proibição ética é absoluta, contra qualquer “discussão” . Não será, formalmente, uma “discussão” porque esta implicaria em diálogo presencial, que não haveria. Além do mais, vemos diariamente, na mídia, em entrevistas e artigos, acusadores e defensores criticando tais e quais argumentos expostos pela parte contrária. Se aceita, em forma rígida, essa limitação a qualquer esclarecimento fora dos autos, de enfoques técnicos, resta apenas aguardar a leitura do acórdão que julgará a Ação Penal 470, no qual os Ministros certamente explicarão — espera-se... — a pertinência ou impertinência das leis e normas técnicas, bancárias, mencionadas na parte final da defesa do advogado Marcelo Leonardo. Seria, porém, melhor, repita-se, que todos os Ministros que não puderam ler os autos e apensos, com milhares de páginas, pudessem avaliar melhor — antes de votar —, tais leis e normas técnicas. E os milhares ou milhões de cidadãos que acompanharam os debates na televisão também teriam proveito com tais esclarecimentos porque, de certa forma, também “julgam” o caso, como meros cidadãos. Juízes são, de certa forma, seus representantes em segundo grau, porque nomeados por representantes políticos, escolhidos pelo voto popular.  

Encerrando, peço licença para mencionar um tópico “rasteiro”, mas prático, relacionado com sustentações orais. Meu instinto me aconselhou a não fazer este adendo, mas “forças ocultas” da alma me impediram de parar. 

Assistindo, pela TV, as defesas dos ilustres advogados, no dia 6 de setembro, lembrei-me do conselho prático, fisiológico, de Rui Barbosa, dado a ele mesmo, quando se alimentava antes de fazer seus discursos no Senado. Comia pouquíssimo, ou não comia. Não é à-toa que era magérrimo. Exposições orais complexas, após lauta refeição, sempre ficam prejudicadas, não fazendo jus à capacidade normal do profissional. Nutridas refeições diminuem, durante algumas horas, a clareza e o “nervo” da exposição. A lembrança das palavras fica mais lenta ou falha totalmente, seja qual for a capacidade normal do orador. Eu seria capaz de, se solicitado, dizer quais os advogados que, no dia 6 último, almoçaram menos.  Por sinal, quem fala horas mais tarde, mais distante do almoço, leva alguma vantagem na clareza da exposição, só pelo detalhe fisiológico. Os alimentos nessa altura já foram digeridos, restando a energia normal, orgânica, para “digerir” e metabolizar apenas as ideias e os argumentos em debate. 

Obviamente, a observação acima é indiscreta, incabível, mas mantive-a no texto porque toda arte, inclusive a de argumentar  — e de ouvir — é formada com inúmeras variáveis, uma delas fisiológica. Certa vez, recém-formado, fazendo defesas de júri gratuitamente, como dativo, em São Paulo, apenas para treinar, minha cliente foi condenada — em um caso de coautoria —, por um voto, porque eu havia exagerado na alimentação. Sentia-me “pesado”, pouco eloquente. Um dos jurados interpretou isso, soube depois, como “falta de convicção do advogado”. Não era falta. Era excesso de bife à parmegiana. Minha assistida dativa — cá entre nós era culpada — na verdade foi condenada por um bife. Meu colega de tribuna, defendendo outra ré, Dr. Antônio Augusto de Almeida Toledo, grande orador de júri, magrinho, elétrico, vivaz — e inapetente — conseguiu a absolvição da cliente dele também por um voto, em um caso em que, pela mais elementar lógica, ou ambas as rés seriam condenadas ou ambas seriam absolvidas. Um dos jurados impressionou-se indevidamente com a diferente postura física e mental dos dois advogados. Aparência, voz e atitude influem, sim, em todo relacionamento humano. Na política é imensa. Nos negócios, também pesa. E será preciso lembrar que na justiça ocorre também um relacionamento humano? Se juízes não se impressionam com belas palavras, em tom firme e preciso, pelo menos prestam maior atenção. E. prestada maior atenção, a decisão poderá ser diferente.  

Com pedido de perdão pela liberdade do bem-humorado aconselhamento fisiológico, não solicitado, encerro o presente texto torcendo para que os esclarecimentos jurídicos mencionados no corpo deste artigo sejam lidos pelo culto, tenaz e honrado Procurador Geral da República, tendo em vista que esse julgamento está sendo seguido por milhares de brasileiros. Códigos de Ética, de advogados e promotores, também podem ser interpretados levando em conta as circunstâncias especiais de casos também especiais.  

(07-8-2012)