Embora orador mediano,
não empolgante, não há dúvida de que Temer é um homem bem-intencionado,
coerente e persistente. Sereno, cortês, livresco, fisicamente tímido — mas não
covarde —, seu problema é que não pode, quando no exercício do poder, se
defender, franca e completamente, na mídia — ou mesmo na justiça —, porque a
dura realidade da prática política — cheia de segredos, compromissos e
hipocrisias — não permite a plena menção da verdade, mesmo que se queira.
Esse problema é
inerente aos políticos de qualquer país. Algumas verdades, antes omitidas no
exercício do cargo, podem ser reveladas depois de deixar o poder, escrevendo memórias.
Outras, porém, nem mesmo no leito de morte porque, se confessadas, o mal
resultante seria maior.
A necessidade de omitir, ou tergiversar, merece um grande
parêntese.
Imaginemos — mera conjetura, exercício de imaginação —, que
Winston Churchill, para poder derrotar Hitler, na Segunda Guerra Mundial,
cansado do esforço inútil de convencer Franklin D. Roosevelt a entrar na guerra
contra o ditador nazista, tenha sutilmente manobrado seu serviço secreto para
que o Japão, “espontaneamente”, atacasse Perl Harbour sem prévia declaração de
guerra. Há formas sutilíssimas de induzir outras pessoas a fazerem o que
queremos sem nunca usarmos frases explícitas. Até com o silêncio pode-se
mentir, tirando proveito da falsa verdade de que “quem cala consente”. O calar
pode visar o bem comum
Somente após o ataque japonês, em 7/12/1941 — “Dia da
Infâmia” —, o povo americano, indignado, aprovou a luta armada contra Hitler.
Não fosse esse ataque contra a americana Frota do Pacífico, em Honolulu, a
Inglaterra, sozinha, não resistiria indefinidamente aos maciços bombardeios da
Luftwaffe. Mesmo combatendo no “mar, nos céus, nas praias e nas cidades”, como
dizia o emocionante discurso de Churchill, a Inglaterra seria finalmente
conquistada. Quando, depois, os EUA, arrependido de sua omissão, resolvesse atacar
Hitler, seria tarde demais; ou exigiria mais morte de americanos e europeus,
forçados a lutar em apoio dos nazistas, ocupantes de seus países. A carnificina,
na Segunda Grande Guerra, teria sido ainda maior.
Essa (hipotética, insisto) manobra psicológica inglesa —
inconfessável mesmo dentro da Inglaterra, nas altas esferas —, teria um lado
virtuoso, desde que permanecesse ignorada. Significava o início da derrota de
Hitler. Se essa imaginária artimanha do serviço secreto inglês fosse
confessada, finda a guerra, essa verdade causaria mais sofrimento à memória das
viúvas e mães americanas que perderam seus maridos e filhos, mortos em Pearl
Harbour e depois, na guerra toda, no norte da África e no desembarque das
forças aliadas na Normandia, no “Dia D”, em junho de 1944. Tais mulheres
americanas dificilmente perdoariam Churchill pela astuta operação psicológica
de induzimento imperceptível dos almirantes japonês a pensar, “por conta
própria”, que seria uma “brilhante ideia” destruir navios e aviões americanos,
ali estacionados, permitindo ao Japão o domínio do Pacífico. Quanto às mulheres
inglesas — viúvas e mães, salvas pelo poder bélico americano que as livrou da
invasão alemã —, elas ficariam em silêncio, ao saberem da verdade, indecisas
com a tóxica mistura de certo e errado “nessas malditas guerras”.
Poderíamos trazer à baila inúmeras situações, públicas ou
privadas, em que a verdade não pode ser mencionada. Pergunto: uma senhora
casada, na UTI, prestes a morrer, rodeada pelo marido e filhos, deveria, por
acaso, confessar que um deles, sem mencioná-lo, é fruto de uma fraqueza carnal
momentânea com um amigo do marido? Confessando, a moribunda evidentemente
acalmaria sua alma, — ganhando o céu — mas em troca deixaria a família no
inferno dos vivos. Faria mais mal do que bem. No portão do paraíso a pecadora
arrependida certamente seria admitida, mas não sem levar um pito e um empurrão
de São Pedro, chamando-a de “santa, mas estúpida!”
Na política real, subterrânea, ocorre o mesmo, em escala mil
vezes pior. A verdade pode causar mais prejuízo — ao próprio político ou ao
país — que a mentira, ou omissão da verdade. A franqueza é artigo de luxo, só
permitida ao homem público que desistiu de tudo, chutou o pau da barraca e não
teme morrer de morte não natural.
O que acabei de dissertar — cansando o leitor —, aplica-se ao
encontro noturno, no Palácio do Jaburu, em março de 2017, entre Joesley Batista
e Michel Temer, no qual Joesley, querendo prejudicar o presidente com um diálogo
gravado, informou “estar de bem com o Eduardo” (Cunha), tendo o presidente
respondido: —“Tem que manter isso, viu..”.
Não podemos esquecer que à época desse diálogo traiçoeiro, Eduardo
Cunha — preso e com contas bancárias bloqueadas —, estava indignado com a
ingratidão dos colegas de partido que não moviam uma palha para ajudar sua
família. Cunha exigia dinheiro, pelo menos enquanto impedido, pela justiça, de
usar seus depósitos bancários. Segundo relato de Joesley a Temer, Cunha estaria
ameaçando “abrir a boca”, ameaça difusa contra um número indeterminado de
políticos e empresários.
Ouvindo esse relato de Joesley, talvez não totalmente fiel, Temer
fez o que qualquer político hábil e prudente faria em tal circunstância, neste
país e naquele momento: disse a Joesley que “é preciso manter isso”. Naquela
situação a melhor coisa a fazer para o país não sair dos trilhos de uma vez.
Temer já vivia um momento dificílimo, em termos de governabilidade. Cada semana
nova batalha. Ele conhecia o temperamento, a astúcia e a ousadia de Eduardo
Cunha. Se ele, preso, nada mais tendo a perder, passasse a acusar, disparando
em todas as direções — até mesmo mentindo, por vingança —, a situação política
ficaria ainda mais conturbada. Seria jogar gasolina para apagar um incêndio que
já queimava alta proporção de parlamentares e empresários.
Insisto: Temer não pode ser censurado por não querer piorar
o fervente “status quo” político naquela quase “situação de guerra”, ou
‘pré-revolução”. Se ele preferiu, no incidente da conversa gravada, defender-se
— na mídia e na justiça —, alegando detalhes técnicos da gravação traiçoeira —,
certamente agiu assim porque essa seria a forma mais simples, curta, de evitar longo
desdobramento político e midiático. Toda frase gravada obrigaria Temer a fazer
longa explicação, porque cada repórter ou articulista precisaria demonstrar ao
distinto público quão inteligente ele é. Além do mais, Temer teria que falar
com extrema cautela, procurando não melindrar vários parlamentares que, se aborrecidos,
não mais o apoiaria na luta do presidente para conseguir maioria em projetos de
interesse do país.
A mídia, cheia de êmulos de Sherlock Holmes, deu um relevo
excessivo ao fato de Temer ter recebido Joesley Batista às 10 horas da noite,
com nome trocado, ou sem mencionar seu nome. O momento político era, como
disse, excepcional e um contato formal, agendado, do encontro com Joesley seria
de qualquer forma largamente divulgado e censurado na imprensa, porque “ um
presidente da república não pode se rebaixar a conversar com um ‘bandido”.
Ocorre, ainda, que o tema da conversa, Eduardo Cunha, não
era um qualquer, um “bandido”. Ele tinha inúmeros seguidores fieis na Câmara.
Estava indignado por ter sido abandonado por colegas e ameaçava “explodir” a
República. Esse era, no momento, o mêdo máximo de Temer.
Certamente Cunha
sabia de coisas que Temer não conhecia, porque todo político astucioso não é
livro aberto. Nunca conta tudo porque é rotina, na política, que amigos se
convertam em inimigos. A conversa traiçoeira de Joesley visava apenas a
prejudicar o interlocutor presidente. Interessava-lhe, também, o próprio clima
de “segredo”, sabendo que todo encontro secreto, não agendado, só por ser
furtivo, alimenta suspeitas.
Temer faz das tripas coração, engole sapos, camundongos, e
outros bichos, para poder bem governar — em tempo curtíssimo —, um país que não
consegue pensar em termos de longo prazo. Cada brasileiro — culto ou inculto —,
só pensa no seu e no agora. Para alterações legislativas Temer precisa da
colaboração dos atuais deputados, de carne e osso, bons ou maus, a maioria assustada
com a probabilidade de não reeleição, caso o apoie em determinados projetos, necessários
mas que atacam privilégios. A maioria dos atuais parlamentares recebeu doações
ilegais de campanha e teme a não reeleição. Aí serão julgados no Paraná, que julga
mais depressa porque o julgamento é de um homem só, enquanto o STF é coletivo,
com “alas” conflitantes e pedidos de “vista”.
No tempo da ditadura as coisas eram mais simples, embora fisicamente
mais perigosas. O perigo era ser “contra” os militares. Não se revelando
“contra”, não havia muito perigo. Hoje, a legislação tornou-se extremamente sofisticada,
ampliando demais o grau de abstração de cada “fato”. E quanto maior a abstração
do tipo penal, maior o risco para o suspeito. Alguém precisa passar um pente
fino na nossa legislação penal porque, do jeito que está, ninguém está livre de
um processo criminal. Qualquer frase, na mídia, ou no “grampo” pode ensejar um
processo criminal. Esse tema ensejaria um longo estudo, , incabível neste espaço.
Temer vê-se obrigado a andar nas pontas dos pés, temendo
pisar em ovos espalhados por todo canto. Não pode nem escolher ministros, como
ocorre neste exato momento, nomeando uma filha do ex-deputado Roberto Jefferson,
nomeação que acrescentaria alguns votos do PTB na decisiva Reforma da Previdência.
Sem esta, haverá um rebaixamento da posição do Brasil na classificação de risco
para novos investimentos. A dura realidade política, em todos os países
democráticos, é que o Executivo precisa do Legislativo para governar.
Por que Cristiane Brasil não pode ser ministra do trabalho?
Porque figurou como ré em duas reclamações trabalhistas? A se pensar assim, quase
nenhum empresário de sucesso poderá ser ministro do trabalho, porque ele, ou
sua empresa, foram acionados nessa justiça especializada e legalmente autorizada
a agir com parcialidade, porque criada para “proteger” o trabalhador. Às leis
cabe proteger o trabalhador, mas à justiça cabe julgar com isenção. Sem esta,
haverá eventuais abusos porque o reclamante não tem nada a temer, pedindo
absurdos e perdendo a causa.
Se a deputada Cristiane Brasil não pode ser ministra do
trabalho — porque respondeu a duas ou três reclamações trabalhistas —, estariam
então erradas todas as nomeações de grandes advogados criminalistas para serem
ministros da justiça, porque, acostumados a defender réus, estariam propensos —
“o uso do cachimbo faz a boca torta” — a proteger bandidos do colarinho branco.
E promotores também não poderiam ser ministros da justiça porque estariam
propensos à parcialidade porque acostumados a acusar.
Médicos, também,
nunca poderiam ser ministros da saúde porque nenhum médico, em idade madura,
pode se gabar de não ter cometido algum erro de diagnóstico, ou de cirurgia,
sendo acionado por isso. Toda essa onda contra a nomeação de Cristiane Brasil é
um exagero, uma distorção. Mesmo porque se uma ministra do trabalho toma uma
decisão ilegal, seu ato pode ser anulado por uma decisão judicial. A impugnação
contra a deputada Cristiane Brasil visa apenas dificultar a governabilidade nas
mãos de Temer.
Temer quer encerrar a sua vida política “pondo ordem na
casa”, coisa que não poderia fazer como vice-presidente de Dilma Rousseff.
Todos os que acompanhavam a política nacional lembram-se da sua marginalização,
apesar da formal vice-presidência. “Não apitava”, como se diz na gíria. Fotos
daquela época mostram sua irritação por não ser consultado. Rostos e olhos
crispados de ambos eram evidentes até em solenidades, onde habitualmente impera
o disfarce.
Inimigos de Temer alegam que ele “fazia parte” do governo
Dilma, sendo por isso tão culpado quanto Dilma nos erros de seu governo. Isso
não é verdade, porque Dilma era voluntariosa, com franqueza beirando a
grosseria, e certamente não contava a Temer seus malfeitos, ou desídia, porque,
como já disse antes, político cauteloso não conta suas faltas aos a um possível
futuro inimigo.
Critica-se muito o atual presidente por escolher mal seus
ministros, amigos de longa data. Mas escolher quem mais? Parlamentares de
outros partidos? É sempre arriscado. Na política não há amigos, há apenas
coincidência momentânea de interesses, mutáveis como o vento.
Paro por aqui, com perdão pela extensão.
(23/01/2017)