A mídia mostra-se agudamente
interessada — com razão — na sabatina do respeitado magistrado Teori Zavascki
para ocupar, no STF, a vaga resultante da aposentaria do Min. Cezar Peluso.
Na Comissão de Constituição e
Justiça os políticos contrários ao governo federal preferem que o futuro
ministro do STF se abstenha de participar, por foro íntimo, dessa fase final do
julgamento da Ação 470, popularmente denominada de “mensalão”. Isso porque
sendo o Dr. Teori Zavascki um jurista nomeado,
com certa rapidez , por uma presidente oriunda do PT, para julgamento de
pessoas desse mesmo partido —, ou que teriam favorecido supostos ilícitos do PT
—, haveria uma suspeita — certamente imerecida — de que o novo ministro
poderia, caso votasse, ser um tanto influenciado pelo sentimento de gratidão
por quem o indicou — Dilma Rousseff . Trata-se de um cargo que é o coroamento
profissional da vida de qualquer magistrado.
Daí a ênfase dos senadores da
oposição em indagar do sabatinado se ele pretendia, ou não, participar do
“mensalão”. Principalmente quando o “mensalão” passa agora a julgar o “núcleo
político” do próprio PT: José Dirceu, José Genuíno e mais Delúbio Soares. A oposição
não quer, com a mencionada substituição de ministros, correr o risco de ver
absolvidos, com um decisivo voto a mais, pessoas que ela — oposição —, imagina serem
culpadas. Notadamente o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu, que seria o
organizador, por trás de tudo, do esquema dado como criminoso.
Indagado, o sabatinado, se iria
participar do importante julgamento, o respeitado ministro do STJ negou-se a
responder à mais importante indagação dos políticos de oposição que integram a CCJ. Disse não ter “ideia do
que terei de decidir” e que “se for aprovado no Senado, eu ficaria impedido de
votar na matéria”. Disse, ainda, que quem decide se, nesses casos, pode ou não
votar, é o próprio Tribunal, não ele, o novo integrante. E ainda acrescentou
que, votando ou não, seu voto não teria influência no resultado.
Obviamente, somente o stress
inerente à situação de sabatinado — em uma espécie de “vestibular judicante máximo”
— explicaria o que disse S. Exa., tentando convencer os interpelantes de que
sua participação na parte final do “mensalão” não tem a importância que a ela
atribui a mídia.
Pelo contrário, é o caso de dizer
qualquer observador neutro da quesão. Seu voto poderá ser decisivo para a
condenação ou absolvição dos mais importantes réus políticos (do PT) que serão
julgados. E decisivo até mesmo para aqueles réus já julgados e condenados em
votos anteriores, porque o julgamento coletivo ainda não terminou. Magistrados,
em julgamentos colegiados, podem modificar seus votos, já proferidos. Isso não
é raro. E depois da decisão final do “mensalão” o Regimento Interno do STF
prevê possibilidade de apresentação de embargos e outras manifestações de
inconformidade, dos réus condenados, que podem influir decisivamente na concretização
ou abrandamento das penas impostas.
S. Exa. disse que, se nomeado para
o cargo, ficaria impedido de votar, porque não poderia pedir — segundo o
Regimento Interno — vista dos autos. Isso, data
vênia, não seria empecilho para seu voto, caso o nomeado dissesse,
soberanamente, que está em condições de votar, porque estudou o processo.
Poderia dizer, com veracidade, que vem acompanhando o caso, pela mídia e pela
leitura das partes principais do processo. Poderia dizer que teve conhecimento
das peças redigidas pelo Procurador Geral, pelo Ministro Relator, Joaquim
Barbos, pelos votos dos demais ministros e pelas alegações dos advogados de
defesa. Como o processo não corre em segredo de justiça, o candidato a Ministro
do STF depois de aprovado na sabatina poderia estar em condições de participar
do julgamento, bastando assim desejar.
Ressalte-se que seu voto, no julgamento poderia direcionar-se mais para considerações
jurídicas, teóricas, constitucionais do que para a analise minuciosa e “rasteira” da matéria de fato — tal pessoa
disse isso mas aquela outra disse aquilo, etc. Manobrando conceitos jurídicos
com muita lógica, ele poderia, sem desdouro, e até com brilho, desconstruir, talvez, pontos importantes da acusação. Em
suma, não seria exigível que ele lesse as “toneladas” de páginas, linha por
linha, da Ação Penal 470.
Não é perfeitamente exato S. Exa
dizer, ainda, que quem decidiria se ele poderia, ou não votar, não seria ele,
mas o Tribunal. Isso não ocorre em matéria de foro íntimo, como seria a sua
situação. O STF só poderia impedi-lo de votar nos casos de impedimento, como
por exemplo, quando o réu é parente do juiz, e outras situações bem objetivas
previstas em lei ou regimento interno. No caso do atual candidato, já Ministro
do STJ, com um longo passado de magistrado, longe da política, de notório saber
jurídico e reputação ilibada, não haveria como ser declarado “impedido” de
participar do julgamento do “mensalão”. Se ele, repito, ocupando seu assento no
julgamento da conturbada ação, não alegar suspeição, “por foro íntimo”, e
ninguém arguir seu impedimento, o Min. Teori passaria a proferir seu voto, como
ocorreu com o Min. Dias Toffoli, que a mídia pensava que se daria por suspeito,
e isso não ocorreu. Enfim, tecnicamente, nada impediria que o novel integrante
do STF participasse do julgamento, bastando assim desejar. O STF não poderia, por
mero capricho —, ou mesmo por alta fundamentação filosófico-jurídica —, impedir
que ele passasse a ler seu voto, condenando ou absolvendo, como ocorre com os
demais ministros. Essa situação, obviamente, não interessa aos políticos da
oposição.
Quanto ao argumento, de S. Exa., de
que seu voto, caso participasse do julgamento, não teria influência no
resultado, isso também seria contestável, tudo dependendo do momento da soma
dos votos pela condenação ou absolvição. Explico com números.
Vamos supor que hoje — com apenas
10 ministros compondo o Tribunal — quatro ministros tenham formado convicção de
que os réus Dirceu, Genoíno e Delúbio mereçam ser absolvidos. Os seis ministros
restantes teriam, imaginemos, opinião formada pela condenação. Com a nomeação
em discussão — caso o Min. Teori votasse pela absolvição —, teríamos um placar
de cinco votos absolvendo e seis condenando. Portanto, hoje e por mais dois
meses, seu voto de absolvição não teria influência no resultado final, embora
seus argumentos, expostos, pudessem influenciar — em tese — os demais votantes.
Ocorre — certamente está aí o
receio da oposição — que o atual Ministro Presidente do STF, Ayres Britto, será
aposentado, por idade, em novembro próximo. E não é bizantina a hipótese de
que, quando da aposentaria de Ayres Britto o julgamento não esteja terminado,
em razão das eleições e ocorrências várias. Aí a composição do STF será de apenas dez
ministros. O “placar” será de cinco pela condenação e cinco pela absolvição. Resultado: empate. E havendo empate o réu é
absolvido. O simples empate favorece os acusados. E se a Presidente Dilma conseguisse
nomear logo — algo cronologicamente quase impossível — o substituto de Ayres
Britto, antes do término do julgamento, com esse outro julgador poderiam alguns réus até não
precisar de um empate para serem absolvidos. Repetindo: o medo da oposição é
que, com a saída de Ayres Britto e o voto absolvedor de Teori, surja um empate,
livrando os réus da condenação.
Até hoje nunca entendi a lógica
dos autores da constituição norte-americana criando algo que sempre me figurou
aberrante: a livre nomeação de ministros da Suprema Corte por livre escolha do
presidente da república, uma afronta direta à separação de poderes. Mesmo
quando acertada a nomeação, pelo caráter e competência jurídica — como é o caso
do Min. Teori Zavascki — os políticos adversários do presidente da república, e
a própria mídia, sempre imaginam, com ou sem razão, que o presidente jamais
nomeará um jurista que antipatize com a linha política de quem o nomeou. Além
disso, existe o problema da gratidão. Uma virtude que, mesmo sendo bela, pode
atrapalhar o trabalho de qualquer homem de bons sentimentos. E juízes com “j”
maiúsculo sempre têm bons sentimentos. Do contrário não seriam bons juízes.
O mais lógico seria que os cargos
máximos do judiciário fossem preenchidos por juristas de notório saber e
reputação ilibada escolhidos por magistrados de carreira, pela OAB nacional e
pelo Ministério público, com mandatos limitados a “x” anos, permitida a recondução
por novo período. O Brasil, fascinado pelo progresso norte-americano, copiou o
sistema mas pelo menos o aprimorou, permitindo o rodízio da presidência. Nos
EUA, como todos sabem, o jurista é designado pelo presidente em exercício para
ser o chefe do judiciário até morrer ou estar física ou mentalmente
incapacitado para o cargo. Não há rodízio na presidência da corte. “Uma vez
chefe, chefe até a morte!”. Com esse sistema, eventuais parcialidades
políticas, não bem afinadas com o bem comum, de um presidente da Suprema Corte,
podem prejudicar a nação. O Direito é uma quase ciência que permite muitos
enfoques, portanto, muitas intenções
ocultadas sob abstrato palavreado. Frise-se que um novo presidente da Suprema
Corte não vai trabalhar apenas em colaboração com o presidente que o
nomeou. Sua atuação pesará talvez por
décadas, incomodamente, após seu protetor haver deixado a presidência.
Encerrando, resta dizer que a
escolha de Teori Zavascki para ocupar a vaga de Cezar Peluso foi feliz, em
termos de competência jurídica e honradez. Em especial porque é um magistrado
de longa e elogiada experiência como juiz. Julgar é uma arte e um ofício que se
aperfeiçoam com a prática, como ocorre com qualquer ofício. É, dizem, um homem
reservado — como convém ser; quanto mais um magistrado fala fora dos autos,
maiores os problemas e interpretações sobre o que disse — e cortês. Os reparos
que fiz, acima — quanto às consequências aritméticas de sua possível
participação no julgamento da Ação Penal 470 — talvez não estivessem em seu
pensamento quando foi indagado, em provável tom de desafio — não assisti a cena
da sabatina — sobre se iria, ou não, participar do julgamento do mensalão. Acho
até mais provável que, assumindo o cargo antes do fim do “mensalão” , opte por
não participar, ainda que consciente de que, participando, só decidiria
conforme o Direito e sua boa consciência.
(26-9-2012)