Nunca imaginei que um dia elogiaria
Wladimir Putin. Agora, em um momento especialmente
ameaçador para a paz mundial — fim de agosto e início de setembro de 2013 —,
ele me parece merecedor de algumas medalhas. Isso comprova que até na
traiçoeira política, existem reviravoltas redentoras.
Sábia, por isso, a orientação de
não se dar, às ruas, nomes de políticos vivos. Tudo pode acontecer antes ou
depois da morte do “impoluto emplacado”. Falhas morais graves podem vir à luz e
daria muito trabalho alterar os nomes das praças e ruas, confundindo os carteiros,
GPS e todas as comunicações humanas. Por outro lado, pessoas malvistas podem, inesperadamente,
revelar qualidades elogiáveis. O bem e o mal convivem, embora aos arranhões e
mordidas, dentro de todo ser humano, embora com imensas diferenças de
intensidade.
Há duas qualidades que sempre despertaram
meu respeito e estão cada vez mais ausentes entre os governantes, no mundo
inteiro: “personalidade” e “atitude”. Alguns podem dizer, com razão, que são
sinônimos, mas como tudo, visto bem de perto, pode ser fatiado, dissecado e
esmiuçado, será lícito, aqui, fazer uma distinção entre essas duas qualidades.
A “personalidade” é uma virtude
essencialmente intelectual: a de pensar por conta própria, externando sua
opinião com total independência e honestidade — inclusive consigo mesmo, a
parte mais difícil —, ainda que todos os “mestres” e donos da verdade e do
dinheiro digam o contrário. Significa, também, não dar importância às críticas
alheia, mesmo sem dizer nada.
“Atitude”, por sua vez, é o
complemento mais belicoso da “personalidade”.
Algo mais próxima da coragem física. De não só discordar da unanimidade errada
—, falando baixo e assustado —, mas afirmando
e provando, às claras, alto e bom som, que os demais estão errados. E dizer
isso até mesmo sob vaias, ovos,
cuspidas, tapas e pontapés. A firmeza de caráter quando todos vacilam é algo
admirável, quase sobre-humano. Principalmente quando, por dentro, o “atrevido”
está tremendo de medo mas sente-se obrigado a fingir que não está. Tudo isso
pressupondo, claro, que o destemido herói, ou heroína, não esteja somente com a intenção de sensacionalismo
demagógico, visando captar a admiração de uma audiência especialmente ignorante
e predisposta a ouvir mentiras como sendo verdades.
Mídia e pesquisas de opinião
parecem acovardar políticos de todas as tendências, nos variados países. Eles querem
apenas elogios, como se o público e a mídia estivessem sempre certos,
esquecidos de que as mesmas fraquezas dos políticos estão espalhadas na
população e nas redações de jornais e revistas. “Líderes” existem para liderar,
não para serem liderados pela opinião pública que, frequentemente, não passa da
opinião da mídia mais poderosa, capaz de alugar os melhores cérebros redatores.
Putin não merece elogios no que se
refere ao “truque” eleitoral do revezamento do poder na Rússia, com seu amigo que
hoje é vice-presidente e antes estavam em posições trocadas. Mas é elogiável na
sua posição de exigir provas confiáveis de que o ataque contra a Síria só deve
ser realizado se ficar provado — sem mutretas — que foi o governo sírio e não a
oposição armada que utilizou armas químicas contra a população síria. O veto da
China e da Rússia, no Conselho de Segurança, foi um dos poucos exemplos de que
o poder de veto também pode ser necessário em determinadas situações.
Putin também mostrou personalidade
na questão de dar abrigo provisório, por um ano, a Edward Snowden —
ex-prestador de serviço de uma agência de segurança americana — que está sendo
procurado pelos EUA sob acusação de espionagem. O presidente russo até mostrou,
inicialmente, má vontade, em acolher uma pessoa odiada por uma nação de enorme
poder econômico e militar, com a qual pretende manter boas relações. Essa
decisão não foi nem um pouco lucrativa, em qualquer sentido, para Putin ou para
a Rússia, mas, moralmente era a única possível. Isso porque o “crime” de
Snowden não foi, na verdade, um ato de má-fé, como todo delito. Foi um crime
apenas de conveniência, que garante a permanência de algo moralmente errado: a
hipocrisia dos governos. E quem, em sã consciência, pode elogiar e torcer pela
manutenção da hipocrisia?
Snowden estava, há vários dias —
antes da concessão do abrigo —, na área de trânsito de um aeroporto russo. Não
poderia ficar nessa situação indefinidamente. Se saísse do aeroporto seria
capturado por agentes americanos. Se Putin deportasse Snowden para os EUA ele
seria julgado por traição. Talvez condenado à morte, apesar do governo americano
dizer, mais recentemente, que não seria aplicada a pena capital. Ele receberia
“apenas” a prisão perpétua. Essa promessa de Barack Obama teria valor relativo
porque se a legislação americana diz que, nos casos de “traição”, a pena é de
morte, o Judiciário poderia, em tese, condená-lo à morte, ignorando a proposta
do presidente da república.
Parece-nos evidente que Snowden não
cometeu um crime de “traição”, porque esta pressupõe a intenção dolosa de
transferir determinados segredos aos inimigos do próprio país. E o corajoso
ex-funcionário claramente não agiu com essa específica e traiçoeira intenção.
Apenas mostrou, aos cidadãos do próprio país, e aos demais países — sem
selecioná-los entre amigos ou inimigos —, que os EUA espiam todo o planeta, no
âmbito público e privado, tirando proveito de sua superior tecnologia. Espionam
até os governos amigos. Essa superioridade “espionática”, somada à
superioridade bélica, inclusive nuclear, permite à sua nação um predomínio e
controle quase absoluto sobre o resto da humanidade. E o poder excessivo está sempre sob tentação
do abuso.
Enfim, Snowden agiu como um idealista,
um saneador enojado do que via. E nada lucrou com isso. Pelo contrário,
tornou-se um pária internacional, correndo de lá pra cá, perseguido, até
conseguiu chegar a um dos aeroportos de Moscou. onde passou a viver na área
aberta ao público. Certamente sem poder sequer tomar banho normal, porque os
banheiros dos aeroportos não dispõem dessas facilidades. Snowden, movido por um
impulso ético, tornou-se um improvisado corregedor dos maus costumes políticos.
Atitude desassombrada que certamente influirá para que a política, doravante, progressivamente,
seja menos mentirosa, o que é algo bom para a humanidade. Um passo que se
mostrará histórico, bem aceito pelas pessoas de bem que gostariam que os
governos fossem menos falsos uns com os outros e com os próprios cidadãos.
Há quem diga, em análises medíocres
de jornais, que Snowden errou, porque a espionagem é generalizada. Ele,
portanto, não passaria de um “ingênuo”.
Ora, o tráfico de entorpecentes, o desvio de
dinheiro público, o assassinato por encomenda, o trabalho escravo, o
estelionato, a propaganda enganosa, o tráfico de mulheres, a pornografia
infantil e toda uma vasta gama de crimes também existe em todos os países e, no
entanto, nenhum governo pensou em não combatê-los só porque isso é prática
generalizada.
Putin também está certo ao solicitar
à justiça providências legais contra chargistas russos que o desrespeitam e também
ao seu primeiro-ministro, desenhando-os como mulheres em situações de carinho
íntimo ou coisa assemelhada.
Qual o embasamento para meu apoio a
Putin? A consideração de que o mesmo grau de respeito devido aos seres humanos,
em geral, deve subsistir quando chefes de estado são criticados. Aquilo que não
se tolera seja feito contra um coletor de lixo (“resíduos”,) não pode ser permitido
contra um político, dentro ou fora do poder. Não é porque um cidadão se tornou
chefe de estado, ou de governo, que poderá ser avacalhado sem qualquer
restrição. Não me refiro à censura prévia. Refiro-me à permanência “residual”
dos direitos humanos mesmo para os cidadãos em posição de mando.
Poucos anos atrás, um cidadão
comum, no Brasil, moveu ação cível, ou trabalhista — não me lembro desse detalhe
— pedindo danos morais de seu ex-patrão porque este o obrigava a dançar
ridiculamente em cima de uma mesa, enquanto os demais empregados caçoavam.
Qual o motivo da punição patronal?
O reclamante, participante da equipe de vendas, fora aquele que menos vendera em
determinado período. O castigo, claro, não era físico. Era apenas moral, mas
não menos doloroso. Visava desmoralizá-lo. O patrão, certamente, defendendo-se,
argumentou que o vexame visava “estimulá-lo’. Mas a Justiça deu ganho de causa
ao ex-empregado — ele pediu demissão ou foi demitido —, dando como fundamento o
direito de todo ser humano de ser tratado com dignidade.
Se esse vendedor não conseguia
vender tanto quanto seus colegas, a solução do patrão seria colocá-lo em outra
função, ou dispensá-lo. E certamente ficou demonstrado nos autos — li a notícia
em site jurídico — que a dança ridicularizante foi executada com perceptível
constrangimento do empregado. Se o
empregado era um brincalhão ou palhaço nato, desses que até gostam de qualquer
“palco”, não teria ele direito a qualquer indenização.
Foi uma decisão justa. Tão justa
quanto seria se um diretor de empresa,
homem severo e exigente, fosse retratado, em jornalzinho interno dos empregados,
em posições ridículas. Como, por exemplo, nu, agachado, fazendo, suas
necessidades fisiológicas. ou dançando o cancã francês mostrando o traseiro
empinado à plateia. Em suma: empregados e patrões, governados e governantes são
portadores do mesmo direito humano de conservar sua dignidade.
Outro exemplo admirável de
“atitude” verificamos em Dwight Eisenhower, presidente dos EUA entre 1953 e
1961. Conta-se que, quando esse general, especialmente inteligente e
organizador, comandava as forças aliadas na luta contra o nazismo, ficou
sabendo que um seu general subordinado, George Patton — militar valoroso mas
especialmente intolerante e agressivo —, havia ofendido e esbofeteado um
soldado que encontrava-se em tratamento no hospital do exército. O soldado
estava com a “síndrome de fadiga de combate”, ou exaustão nervosa. Patton não
admitia tais “sensibilidades” e por isso, além de chama-lo de “covarde”,
ordenou que fosse expulso do hospital.
Esse fato chegou aos ouvidos de
Eisenhower. E o que ele fez? Exigiu que o Gen. Patton, na frente da tropa, solenemente,
pedisse desculpa ao soldado esbofeteado. E assim foi feito. Nem todo chefe de
operações faria isso, considerando o prestígio do Gen. Patton, muito admirado
por ser um “linha dura” especialmente admirado pela coragem. Conta-se também
que Eisenhower, competentíssimo militar, era inimigo declarado de todas as
guerras e recusara oito vezes pedidos políticos para novas aventuras guerreiras.
Cito agora três exemplos de “personalidade”,
desta vez de um general brasileiro, hoje e sempre desprezado pela mentalidade
de esquerda. Trata-se do Gen. Castelo Branco, primeiro presidente da ditadura
militar.
Segundo noticiou um respeitado
jornalista, Carlos Chagas, quando Castelo Branco morreu, em um acidente de
aviação, deixou como bens um apartamento em Ipanema e algumas poucas ações de
empresas públicas e privadas. Era um homem honesto. E demonstrava grande
respeito pela Justiça do Brasil. A tal ponto que quando o então presidente do
STF, Min. Ribeiro da Costa, o procurou, logo após instalada a Revolução de
1964, propondo que nas ações judiciais envolvendo reivindicações salariais de
magistrados, tais ações não seriam mais julgadas por juízes, mas por senadores, Castelo Branco afastou logo a sugestão,
dizendo confiar na Justiça Brasileira.
Outra atitude corajosa, sua — porque
desagradaria muitos colegas militares —, foi com relação a um juiz paulista,
Dr. Antônio Carlos Alves Braga, que teve a audácia de contrariar uma ordem do
Movimento Revolucionário, logo no seu início, quando todos temiam o poder
ilimitado dos militares. O fato me foi contado pelo próprio juiz, e o resumo
aqui: instaurada a Revolução, um oficial do exército, na cidade onde o Dr.
Alves Braga era juiz, ordenou a apreensão, sem maiores formalidades, do gado de
algumas fazendas da comarca. Um dos fazendeiros locais, não se conformou com
essa forma sumária de perder o rebanho e entrou com um mandado de segurança
contra a autoridade militar que ordenara o confisco.
O Dr.
Alves Braga — outro cidadão vocacionado para atitudes firmes —, deferiu a
liminar, impedindo a apreensão do gado. Pouco depois, um oficial do exército
foi ao fórum para falar com o juiz, pretendendo a revogação da liminar,
encarecendo a necessidade de carne para os quarteis e os ilimitados poderes
inerentes à situação revolucionária. Esforço inútil, porque o juiz disse ao
oficial que, pelo que sabia, a legislação civil ainda estava em vigor e o gado
só poderia ser apreendido com obediência aos procedimentos legais.
O oficial não gostou do que ouviu e
retirou-se, obviamente ressentido, ou abertamente indignado. Na noite do mesmo
dia o juiz chegou a confessar à esposa que ela precisaria se acostumar com a
ideia de tornar-se a mulher de um ex-juiz desempregado, porque alguns magistrados
estavam sendo “caçados” pela Revolução, sob suspeita de serem esquerdistas.
Qual não foi a surpresa do juiz
quando, dias depois, recebeu uma carta, ou ofício, assinado pelo próprio
Castelo Branco, elogiando sua atitude firme e dizendo que o oficial que o
visitara no fórum havia sido punido.
Finalmente, mais uma passagem do
Mal. Castelo Branco: quando ele estava na Itália, no fim da 2ª. Guerra Mundial,
comandando os soldados brasileiros que lutavam contra os alemães, na véspera de
um combate especialmente arriscado um oficial de baixa patente, ou sargento —
não me lembro do detalhe — disse que não iria participar dessa batalha.
Justificou-se dizendo que era pai de uma criança bem nova e que não queria que
o menino ficasse órfão no dia seguinte.
Castelo Branco foi chamado para
resolver o caso e depois de ouvir as razões do insubordinado, lhe disse —
desabotoando o coldre e pondo a mão sobre o revolver —, que se ele fugisse ao
seu dever de soldado o filho dele estaria órfão no dia seguinte. O aviso era
bem claro e o subordinado achou mais prudente participar do combate. Resultado:
esse militar recebeu uma das mais importantes condecorações de guerra,
conferida por ato de bravura. Se ele tivesse fugido a seu dever certamente
carregaria até o fim de seus dias, a etiqueta de “covarde”. Se o general,
conforme insinuado, o mataria, ou não, caso persistisse na sua recusa, não dá
para saber, mas essa ameaça fez um grande bem ao jovem militar que seria carimbado
como medroso, apesar de não o ser. A própria recusa, inicial, de não combater,
já era um sinal de sua valentia, depois confirmada com sua ação, reconhecida
por medalha.
Ao buscar informações na internet,
sobre nomes de militares, deparei com a informação de que todos — todos —
os cinco presidentes militares, de
Castelo Branco a João Figueiredo, foram
homem honestos, que saíram de seus cargos sem qualquer acréscimo patrimonial. Saíram
como entraram: classe média, bem média mesmo. Isso é raro, hoje em dia, e
mostra que eram pessoas idealistas, convictos de que se a esquerda tomasse o
poder o Brasil se tornaria uma Cuba ampliada, com baixa renda per capta.
Se houve — como realmente houve —,
torturas e abusos contra direitos humanos, isso ocorreu muito mais em razão da
presença de indivíduos sádicos nos escalões inferiores dos governos. Sádicos há
em toda parte, até dando trotes cretinos em faculdades. E o sadismo — caso a
esquerda, tomasse o poder —, também afloraria, igualmente na forma de torturas
e largo uso do “paredón contra “terroristas de direita”. O ser humano é assim,
quando em situação de desafio e conflito. Daí a necessidade da permanência do
estado de direito e da democracia, com alternância do poder, mesmo com toda a
carga de eventual ineficácia que a acompanha. Ocorre que a democracia
frequentemente degringola, vitimada pelo próprio relaxamento. Por falta de
“atitude” dos governantes.
Para escrever os dois parágrafos
acima, confesso que precisei pedir emprestado uma boa dose da bravura, ou
“atitude”, dos ilustres nomes acima mencionados. É tabu dizer a verdade, no
Brasil, elogiando a honestidade de militares ex-presidentes quando os ventos
sopram com quase unanimidade e preconceituosos, em sentido contrário. Agora,
esconder esse fato relevante seria até mesmo falta de caráter.
Não sou saudoso da ditadura militar
mas acho que alguns governadores e magistrados são excessivamente medrosos de
agir com a energia que algum situações exigem. A anarquia das depredações, com
vândalos de rosto coberto, tem sido tolerada em excesso. Se o manifestante está
de rosto coberto está confessada a sua vontade de depredar ou atacar policiais.
Se o motorista recusa o uso do bafômetro isso implicaria em confissão de que
bebeu antes de dirigir. Caberia ao autuado, depois, na justiça, tentar, em ação
ajuizada por ele, invalidar a punição, com o ônus da prova de que não estava
embriagado, nem havia bebido antes de dirigir. Os professores, nas salas de
aula devem mandar e ensinar, sem medo de apanhar dos alunos. Ainda falta muita
“atitude” no nosso país. Espero que a excessiva tolerância com a anarquia não
desperte crescentes saudades de tempos mais rígidos e militarizados.
(11-09-2013)