A mídia esteve alvoroçada com a breve permanência do presidente do Irã no Brasil. A comunidade judaica, nacional e internacional, obviamente, fez de tudo — tem suas razões políticas — para pressionar o governo brasileiro a evitar esse contato. Provavelmente, a intenção primordial da visita, dias antes, do educado e persuasivo presidente israelense, Shimon Peres, tenha sido a de tentar cancelar a recepção do iraniano. Não conseguiu — nisso o nosso governo acertou — porque se cedesse às pressões semelhantes estaria abrindo mão da própria soberania no que ela ainda tem de útil: o direito de manter contato com qualquer país, sem ter que pedir licença aos inimigos do visitante. Somente países totalmente indefesos e sem aliados fortes é que permitem, coagidos — temerosos de reprimendas comerciais estranguladoras, ou militares —, que outros países controlem seus contatos externos, mesmo a nível de simples conversações.
Deixemos de lado, no presente texto, uma análise do que seja, hoje, a melhor interpretação da sacrossanta “soberania”, que tanto pode ser útil, benéfica, quanto daninha à boa convivência internacional. E daninha até mesmo aos próprios países que dela fazem uso abusivo. Governantes irresponsáveis, amalucados, ou ignorantes, hipnotizados pela abstrata noção de que “tudo podem porque são soberanos” (imaginam-se “reis”) esquecem-se, inebriados por enganadora euforia, que suas asneiras geram conseqüências não apenas internas, tendo em vista a globalização. Isso, porém, ficará para outro artigo. O assunto, aqui, é a questão atômica, vista como problema global e não apenas relacionável com o Irã e a Coréia do Norte. Cedo ou tarde outros países sentir-se-ão tentados, como o Adão da Bíblia, a comer o fruto proibido do conhecimento nuclear para qualquer fim. Se o sentido da presente abordagem causar estranheza, ou mesmo repulsa, a culpa não é minha, mas da própria realidade mundial, que jamais deveria ser ignorada, como, aliás, toda e qualquer realidade.
O “perigo nuclear”, paradoxalmente, teve e ainda terá enorme utilidade para que nosso planeta avance, globalmente, em termos de segurança, justiça, eficiência. Sem ele e seus dois “aliados disfarçados” — poluição ambiental e irresponsabilidade de grandes bancos americanos — mais desanimador seria nosso futuro. Analogamente, o próprio veneno das cobras, na dose certa e cientificamente manipulado, salva vidas. E não só a daqueles por elas picados. “Afina o sangue”, dizem os cientistas. Enquanto George W. Bush não viu, algo intimidado, pela televisão, as inundações no sul de seu país e os telhados das casas voando pela força dos furacões, não se convenceu de que a natureza não engole desaforos.
Com a recente crise econômica mundial, desempregando milhões de trabalhadores, vários líderes — Gordon Brown, por exemplo — concluíram que grandes bancos não podem atuar irresponsavelmente, confiantes no futuro apoio governamental, inevitável para manter a confiança popular no sistema bancário. Isso porque a cobiça, em qualquer setor, só se preocupa com o presente, mas “alguém” — no caso o Estado (não necessariamente socialista) — tem que se preocupar com o futuro. O medo da bomba nuclear, somado aos medos do aquecimento global e da anarquia financeira — com desemprego e protecionismo — é que forçarão a humanidade a pensar seriamente em construir uma federação mundial, ou entidade equivalente, em que todas as nações se sintam, de fato, protegidas contra ambições de outros países. Isso, hoje, não existe. É cada um por si. Todas as nações se armam, da melhor maneira possível, porque não há um sistema que dê real segurança a todas elas. E a soma dessa desconfiança generalizada implica em trilhões de dólares. Riqueza desperdiçada, desviada de funções mais úteis.
As armas nucleares podem, pelo simples medo de sua utilização, impedir guerras convencionais duradouras e não menos mortíferas. Apesar do arsenal atômico mundial ser estimado em milhares de ogivas nucleares, somente duas bombas, até gora, foram detonadas em guerra: no Japão, em 1945. Outras bombas explodiram, mas em testes, sem vítimas. O medo, é um sentimento negativo e mesquinho, mas, no momento certo, poupa milhões de vidas. O Direito Penal, no mundo todo, sabe disso há séculos. Não dá conselhos, ameaça com punições. Idem o Código de Trânsito. Autoridades na área de saúde fazem suas campanhas contra o fumo acenando com o medo do câncer e do enfisema pulmonar.
Ao tempo “quentíssimo” da Guerra Fria, com Stalin ambicionando dominar a maior extensão possível da Europa, só não surgiu uma guerra entre União Soviética e EUA — tensão não faltou —, porque, se ela ocorresse não seria convencional. Ambos os lados sofreriam devastações capazes de calcinar e esterilizar seus próprios países. Não haveria vencedores. As guerras da Coréia, Vietnam e Camboja foram prolongadas porque os combatentes sabiam que armas nucleares não seriam utilizadas, tendo em vista a possibilidade do revide assustador. Os EUA não aceitaram a sugestão dos “falcões” de então, inclusive do Gen. Douglas MacArthur, favorável a utilização de algumas bombas atômicas no Vietnã. Não foi o medo de aviões, tanques de guerra, metralhadoras e baionetas que evitou uma Terceira Guerra Mundial. A antevisão do “cogumelo” é que forçou a mútua e indigesta tolerância. Medos “pequenos” não seguram nosso impulsos guerreiros. Somente medos “gigantes” acionam mecanismos de conveniente prudência.
Nas guerras convencionais, reis, presidentes e generais, bem como suas famílias, estão praticamente livres do perigo físico pessoal. Por isso a história da humanidade foi tão “rica” em guerras. Em guerras nucleares o medo é democratizado. Mesmo refugiados em abrigos, tais poderosos — que mandam os jovens brigar por eles —, serão envenenados pela radiação se saírem das tocas. E nelas não podem ficar indefinidamente. Daí a paradoxal utilidade, favorável à paz, da sensação de que “o outro” também tenha armamentos nucleares. Toda valentia tem limites.
Insistamos na demonstração da utilidade e mesmo necessidade do medo para que o homem seja, pelo menos, mais “cooperativo”.
O que explica, em parte, originalmente, a criação da mais poderosa nação do planeta, os EUA? O medo das treze colônias americanas de perderem a guerra da independência. Sozinhas, isoladas, tais colônias sabiam que não conseguiriam se libertar do domínio britânico. Unidas, talvez conseguissem, como ocorreu. Enfim, o medo da provável derrota levou as colônias a se unirem, embora, para isso abdicando de algumas prerrogativas da chamada soberania — na política externa, por exemplo – que teria que ser única. O fato inegável, na política internacional, é que somente o interesse e o medo forçam os países a se unirem e se comportarem de modo civilizado. E quanto mais unidas estiverem as nações, melhor o clima se segurança global. Quando se fala em “interesse”, isso subentende uma forma de medo, o receio de “perder” algo.
Como um parêntese, censura-se muito, até hoje, o então presidente americano, Harry S. Truman, na sua decisão de lançar duas bombas atômicas contra Hiroshima e Nagasaki, nos dias 6 e 9 de agosto de 1945. Ocorre que, se não houvesse a utilização de tais armas, extremamente mortíferas, o império japonês provavelmente continuaria lutando até o fim, porque eram os militares, não os civis, que então decidiam sobre a rendição ou continuação da guerra. Lançada a primeira bomba, em Hiroshima, o Japão não se rendeu. Não se convenceu de que a guerra estava perdida. Foi preciso uma segunda bomba, três dias depois, com a ameaça americana, pelo rádio, de que dispunha de outras armas iguais, o que — segundo afirmam historiadores — não era verdade.
Segundo a enciclopédia da internet, “Wikipédia”, no dia seguinte ao lançamento da bomba de Hiroshima, o presidente Truman avisou, pelo rádio, que poderia repetir o castigo esmagador aplicado no dia anterior. Qual a resposta do alto comando japonês? Disse que o aviso era “propaganda dos aliados”. Sobre isso, o então Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Stimson, explicou depois que “As bombas que lançamos eram as únicas de que dispúnhamos, e a velocidade de sua fabricação era muito lenta naquele tempo”.
O povo japonês sempre foi extremamente brioso e combativo — não foi ele que inventou o “kamikaze”? — e é mais do que provável que, não fosse o medo do lançamento de sucessivas bombas nucleares, os japoneses continuariam lutando por muitos meses, até mesmo, finalmente, em corpo-a-corpo, nas ruas do Japão, após bombardeios americanos devastadores que arrazariam as principais cidades. O patriotismo japonês daquela época não aceitaria a rendição a não ser afogado em sangue, próprio e americano. Mesmo hoje, os descendentes de samurais gozam, no país, de um alto prestígio social. Pelo que sei, até superior ao status dos grandes capitães da indústria. Lutadores brasileiros de “vale tudo”, morando no Japão, espantam-se, andando pelas ruas, com o prestígio de que desfrutam, só pelo fato de serem lutadores profissionais.
Inegavelmente, as armas atômicas são uma tragédia, mas sem elas as carnificinas teriam sido ainda maiores, com milhões morrendo, não em poucos minutos mas diariamente, em vários meses ou anos. Elas são úteis justamente pelo efeito de psicológico de “proibição de uso’. Que isso seja levado em conta quando se examina a posição da Coréia do Norte e do Irã, que sempre podem perguntar, partindo do pressuposto da igualdade de direito: “Por que só nós é que não temos o direito de não ter medo dos países que já dispõem de armas atômicas?” A Coréia do Norte já foi signatária do Tratado de Não Proliferação Nuclear, datado de 1.968. Acabou se retirando em 2.003, como permitia o próprio Tratado, desde que avisando sua intenção de afastamento com a antecedência de três meses. E, segundo o Tratado, basta alegar que sai tendo vista o “supremo interesse do país”, segundo o próprio critério e não o dos demais membros do Tratado. Esse Tratado não é considerado um modelo de precisão jurídica quanto aos direitos dos países que a ele aderem ou se retirem. Se a Coréia do Norte dele se retirou, regularmente, por que sofreu depois ameaças pelo fato de possuir armas nucleares? Israel nem mesmo assinou o Tratado, deixa subentendido que dispõe da bomba atômica e nunca foi incomodado por isso. Desigualdade de tratamento que muitos não conseguem entender se partirmos do pressuposto de que todos os países devem dispor dos mesmos direitos. É simples questão de coerência internacional, não de prevenção jurídica ou política contra tal ou qual Estado.
Segundo o mesmo Tratado, o Irã poderia também se retirar desse compromisso, escapando da pecha de descumpridor de um tratado, mas é previsível que, mesmo se retirando, continuaria sendo pressionado, como é próprio de nosso imperfeito sistema internacional que mais decide por conveniências políticas do que pelo Direito.
Ahmadinejad é destemperado no uso das palavras e esse é seu principal problema. Cometeu, anos atrás, dois grandes erros, dos quais deve ter se arrependido mas não tem coragem de voltar atrás, para não parecer “fraco”. A primeira insensatez foi negar globalmente — sem maiores explicações — o Holocausto. A segunda foi dizer que Israel — um país com cerca de sete ou oito milhões de habitantes — deveria ser “varrido do mapa”, algo inconcebível e impraticável. Com isso, tornou-se o pior inimigo involuntário de seu próprio país porque legitimou seu maior inimigo, Israel, a buscar simpatias da comunidade internacional e agir com grande agressividade contra palestinos.
Quanto ao Holocausto, se Ahmadinejad tivesse se limitado a colocar em dúvida o número de judeus realmente exterminados, sua opinião — embora acusada de “mesquinha” pelos israelenses —, teria sido bem menos repudiada. Seria uma dúvida tolerável, teórica, histórica, quantitativa, estatística, sujeita ao crivo daqueles historiadores mais preocupados com a exatidão, ou buscando notoriedade. Penso que a estranhável decisão do Parlamento Europeu, de “criminalizar a negação do holocausto”, não chegaria ao ponto de proibir um exame do assunto. Mesmo se, eventualmente, menor o número de vítimas, não seria descabido o uso de um termo forte, holocausto, para descrever um extermínio de grande proporção. Pelo menos centenas de milhares ou mesmo alguns milhões perderam suas vidas em tais perseguições.
Fosse Ahmadinejad melhor estrategista, ou astuto, ou pelo menos prudente, diria, hoje, frente aos microfones, o seguinte:
“Sempre fui contra a criação do Estado de Israel na Palestina, ocupada por quase vinte séculos por árabes palestinos, os quais não foram os autores da expulsão dos judeus. Esse “retorno”, conforme seu volume, implicaria, cedo ou tarde, em expulsão injusta das populações locais, como ocorreu. Reconheço hoje, porém, que Israel se tornou um fato consumado, histórico, político e geográfico que deve ser aceito desde que com compensações políticas e econômicas que façam justiça aos repelidos”.
“Essa — Justiça! — será, doravante, nossa luta política exterior, sem violência, presumindo que as grandes potências ajam com um mínimo de honestidade e espírito de equidade. Quando neguei o Holocausto referia-me à possível ocorrência de exagero quantitativo na sua avaliação, como mero tema de interesse histórico. Quanto à dúvida sobre nossa intenção de usar a energia nuclear, para fins pacíficos ou militares, nossa intenção é pacífica, mas temos também o direito de ter medo da agressividade de países vizinhos, ou distantes, afinados politicamente com nosso maior inimigo, o qual não esconde o fato de possuir bombas nucleares mas não admite inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica nas suas instalações. As obrigações teriam que ser iguais”.
“Finalmente, não aceitamos a recente proposta de enviar nosso combustível nuclear para ser tratado na Rússia, depois na França e finalmente devolvido ao Irã, porque não há garantias absolutas de que, ocorrendo tal envio, nosso urânio acabe retido em tais países, pelos motivos ou pretextos os mais variados. Isso ocorrendo, ficaríamos com mãos atadas, impedidos de dominar a técnica nuclear, necessária porque a riqueza do petróleo é finita e não dispomos de riqueza hidrográfica. Pelo que vimos até agora, a política dos estados não é confiável e a justiça internacional, apesar da boa intenção de seus juízes, ainda não tem estatutos capazes de tratar igualmente todas as nações e povos ainda sem o status de Estado. Se nossa “falha jurídica” é não cumprir o Tratado de Não Proliferação Nuclear, de 1968, será fácil para nós saná-la simplesmente dele nos retirando, como permite seu artigo X. Resta-nos, porém, o direito de tratamento igual de todas as nações, sem privilégios. Esta é nossa posição. Responda-nos o Conselho de Segurança”.
Fico imaginando qual seria a resposta do referido Conselho.
(30-11-09)
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Prezado sr. Francisco, realmente o Brasil não deve se curvar com visita de quem quer que seja! nos temos bons relacionamento com a maioria dos países, os EUA, se acham xerife do planeta, que seja, mais respeitem os relacionamentos dos países livre e democráticos como nosso. Sou a favor que os paises desenvolva energia nuclear para fins pacífico, O Iran também tem este direito igual seu visinho Israel, que veio pra ficar, quanto aos japoneses quem quizer ver realmente o que aconteceu na segunda guerra, veja os filmes, "Hiroshima, O mundo diante da ameaça nuclear", documentário da BBC, "Cartas de IWO JIMA e a CONQUISTA DA HONRA" filme vencedor do diretor Clint Eastwood e descubram a verdade!
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