Não me agrada desestimular qualquer tipo de entusiasmo em pessoas bem-intencionadas. Por outro lado, é dever de qualquer pessoa, igualmente bem intencionada, tentar mostrar, com argumentos claros, por que tal ou qual iniciativa, ou específica insistência, está destinada a resultados quantitativos pífios se outros fatores, mais gerais, não forem levados em conta. Toda boa solução de problema complexo depende de uma adequada compreensão do panorama completo em que se insere qualquer solução tópica.
Faço tais considerações abstratas pensando nos honrados juristas e advogados que vêem a Arbitragem como grande solução para o notório congestionamento e, portanto, lentidão de nossa justiça na área cível. Sem culpa, frise-se, dos magistrados, salvo um ou outro com problemas pessoais, como ocorre em qualquer coletividade envolvendo milhares de indivíduos. No Brasil, temos cerca de 15.000 magistrados.
Realmente, a arbitragem, em si, tem inegáveis virtudes: é voluntária (ambas as partes a procuram); as partes podem escolher um “juiz” que lhes pareça especialmente capaz (escolha impossível na esfera estatal); é anti-burocrática; é lícito escolher, como árbitro, um técnico não formado em Direito mas que conheça profundamente um assunto especialmente complexo; é possível outorgar ao árbitro o poder de priorizar a observância do simplesmente mais justo, sem absoluta prevalência de tal ou qual norma jurídica. Com tais simplificações formais, obtém-se o ideal desejado: justiça com rapidez. Em poucos meses pode surgir solução, aceita por ambas as partes, para uma disputa que, nas mãos do Estado, poderia durar muitos anos ou, mesmo, se eternizar. E digo isso sem exagero. Há algumas demandas “imorredouras”, não na memória poética das pessoas, mas no sentido rasteiramente cronológico do termo. Graças — ou “desgraças” —, ao uso de recursos, mandados de segurança contra decisões judiciais, reclamações e outras formas de discordância contra o anteriormente decidido. Uma boa explicação para a brevidade da arbitragem está no fato de ambas as partes estarem de boa-fé, convictas de seus respectivos direitos, ansiosas por uma solução. Nenhuma delas quer apenas “ganhar tempo”, desvirtuando o significado do termo “recurso”, concebido, há séculos, como forma de correção de uma decisão injusta.
O tema da arbitragem veio-me à baila porque o jornal “O Estado de S. Paulo”, persistente crítico, com razão, da morosidade de nossa justiça, em editorial de 25-4-10 — “A expansão da arbitragem”, pág.A3 —, parece depositar enormes esperanças nessa forma de solução de conflitos. Argumenta com o aumento percentual das soluções arbitrais e o valor financeiro dos conflitos solucionados sem decisão estatal. Em termos percentuais de decisões arbitrais teria havido um aumento de 42% entre os anos de 2007 e 2008, e de 74% entre os anos de 2008 e 2009.
Obviamente, quanto maior o número de arbitragens — quando não contestadas depois, na justiça estatal, frise-se... —, melhor para o país e para as partes (raras) que a ela recorrem. Devem ser estimuladas em seu uso. Todavia, em termos “macro”, de solução para o congestionamento da justiça brasileira, essa utilização é sub-microscópica porque em 2009 foram solucionados pela arbitragem apenas 134 casos — segundo o jornal —, em um país que “armazena’ de cerca de 50.000.000 de demandas em andamento. Uma “gota d’água” em um oceano de litígios, grandemente estimulados, em sua duração, pela confortável idéia de que, sob o prisma econômico só há vantagem, praticamente, em “esticar” ao máximo a duração do processo em que alguém será obrigado a pagar o que deve, ou entregar algo que a justiça decidiu que não lhe pertence. Como costumo repetir, por se ignorar a máxima de Voltaire — “ A vantagem deve ser igual ao perigo” — a justiça brasileira já pagou um preço excessivamente alto — em desprestígio — pela ingenuidade do legislador ao imaginar que todo recurso processual — ou seu equivalente, o mandado de segurança contra decisão judicial — representa honesta sensação de revolta contra uma injustiça sofrida. Com enorme freqüência, recursos processuais envolvendo grandes quantias visam a mera demora, com imensas vantagens para a parte devedora. — “Por que pagar agora, cumprindo a decisão, se posso jogar isso para um remoto futuro?”, é o que se pergunta cada devedor — inclusive o poder público — quando se vê cobrado?
A arbitragem floresceu nos EUA porque lá a legislação processual, de modo geral — são cinqüenta estados — é invulgarmente severa no encarar o direito de recorrer. Pelo que fui informado, há alguns anos, quando a dívida é em dinheiro, e a sentença de primeira instância condena ao pagamento de uma soma, o devedor só pode apelar depositando judicialmente o valor da condenação. “Garantia da sinceridade do apelante”. Se não dispõe da verba, pode pedir a uma financeira que faça tal depósito. Esta desembolsa o dinheiro mas, antes, garante-se com os bens do devedor. Se este perde o recurso, a financeira fica com os bens. Sistemática que funciona como ducha gelada em quem se sente tentado a usar os recursos jurídicos como forma usual de não-desembolso.
Com tão “mesquinha” e objetiva sistemática norte-americana desaparece, em uma mente normal, o estímulo para apelar visando somente a protelação. Recorre apenas aquele que se sente realmente injustiçado com a decisão de primeiro grau. Ele “paga para ver”, cônscio de seu direito. Além do mais, as custas dos recursos são altas. Isso explica porque floresceu, nos EUA o instituto da arbitragem. Já no Brasil, com o “facilitário” de recorrer para ganhar tempo, com ônus mínimo — as custas dos recursos são inexpressivas — não há qualquer estímulo para o uso generalizado da arbitragem, porque ela apresenta o grave “inconveniente” de solucionar rapidamente a pendência. E nos casos de gratuidade de justiça — são milhões de casos no Brasil — nem mesmo custas de recurso são cobradas. Uma solução tópica para isso seria a lei dizer que a gratuidade de justiça só prevalecerá na primeira instância. Ou, conceda-se, até o julgamento da apelação. “Daí pra cima”, no acesso às instâncias máximas, as custas seriam exigidas normalmente.
Seria o caso de imitarmos a justiça americana? Por enquanto, parece-me perigoso. Juízes brasileiros de primeira instância, apesar de cultos e justos, estão de tal forma habituados a encarar suas decisões como, relativas, “provisórias” — apenas um primeiro degrau na longa escalada de julgamentos sucessivos —, que possivelmente não examinem cada caso com aquela minuciosa e pessoalmente sofrida ânsia de fazer a mais perfeita justiça, porque sua decisão será a primeira e única. Pode também ocorrer o caso de um juiz de primeiro grau, mais temperamental, ou “ideológico”, condenar uma pessoa, física ou jurídica, a uma quantia absurdamente alta, a título de dano moral. Não tendo o réu possibilidade de fazer o depósito da exagerada condenação, estaria consumada a injustiça.
A mídia vem mencionando sugestões visando cercear o recurso protelatório. Uma delas seria multar, não a parte, mas o advogado que recorre para ganhar tempo. O fundamento dessa proposta está no fato — quase sempre real — de que é o advogado que orienta o cliente quanto a recorrer, ou não, de uma decisão. É, data vênia, uma proposta inadequada. Por três razões. Primeiro, porque frequentemente vem do próprio cliente a idéia de retardar. Os clientes lêem jornais, assistem à televisão, estão bem informados, e sabem quão fácil é retardar, via recursos. Se o advogado não atende seu pedido o cliente muda de patrono, o que implica em punição dos advogados mais éticos. Segundo, porque é pouco nítida a linha divisória entre a boa e a má-fé. Alguns desembargadores, ou ministros de tribunais, podem achar que tal recurso foi apenas protelatório, e o colega de julgamento pensar o contrário. A mera sorte,ou azar, se apresentaria como uma espada sobre a cabeça do advogado que recorre. A terceira razão — mais poderosa —, contrária à multa do advogado, está no fato de tal multa oferecer uma excelente oportunidade para sucessivos recursos, igualmente protelatório. O advogado astuto recorrerá até a última instância para, alegadamente, “limpar sua reputação profissional”. Nova fonte de protelações.
Qual, então, a melhor solução? Aquela que “mexe” no bolso da parte que sabe não estar com a razão: a “sucumbência recursal”, isto é, em todo recurso totalmente improvido, o tribunal, concluindo o julgamento, condenará o recorrente a pagar novos honorários advocatícios. Um desestímulo ao uso do recurso irresponsável. Se, por exemplo, o devedor foi condenado a pagar 15% na sentença de primeira instância e apela, perdendo em toda a linha, seria condenado, na segunda decisão, a pagar mais honorários à parte contrária, tendo em vista que provocou demora e a obrigou a responder e acompanhar o recurso. Se houver recursos aos Tribunais Superiores, igualmente perdendo-os, mais condenações “sucumbenciais” seriam impostas. Com tal sistemática, o devedor não está impedido de recorrer, mas pagará caro por isso no fim da demanda. E para mitigar eventual injustiça nesta sistemática, a lei dirá que se o tribunal reconhecer que o caso merecia um reexame, pela dubiedade do direito ou da prova, o tribunal expressamente poderá isentar o recorrente da nova condenação em honorários, mesmo tendo ele perdido inteiramente o recurso. Essa isenção de nova sucumbência seria dada de ofício, concorde ou não a parte vencedora no recurso.
Como este artigo já está longo demais, transcrevo abaixo uma sugestão legislativa que redigi bom tempo atrás e talvez tenha o poder de atrair a atenção de algum político ou legislador influente (e corajoso...):
“Art.1º. Nos julgamentos de recursos cíveis, a condenação em honorários advocatícios não se limitará às decisões de primeiro grau.
§ 1º. Os acórdãos condenarão o vencido no recurso ao pagamento de autônomos honorários advocatícios, independentemente dos honorários fixados em decisões anteriores. Tais honorários serão arbitrados em percentual variável entre 5% e 15% do valor atualizado da causa, ou condenação, atendidos o grau de irrazoabilidade e intenção procrastinatória do recurso, bem como o prejuízo advindo à parte contrária com a demora.
§ 2º. Se o valor da causa, mesmo atualizado, for artificialmente baixo, o órgão julgador fixará honorários compatíveis com o caso.
§ 3º. Se o Tribunal “ad quem” concluir que o direito, ou a prova dos autos, objeto do recurso, não conhecido ou improvido, justificava um reexame do caso, mostrando-se de boa-fé, poderá isentar o recorrente de nova condenação em honorários.
§ 4º. Não haverá condenação em honorários nos embargos infringentes negados, nem nos recursos adesivos ou interpostos pelo Ministério Público.
§ 5º. Caso o recorrente desista do recurso — sem concordância da parte contrária — antes de seu julgamento, a desistência implicará em um acréscimo automático de verba honorária no percentual de 8% do valor da condenação.
Art.2º. A condenação em honorários, conforme previsto na presente lei, será imposta nas apelações, agravos de instrumento não retidos, correições parciais, agravos regimentais, reclamações, embargos de declaração, mandados de segurança contra decisões ou despacho judiciais, recursos especiais e extraordinários.
Art. 3º. Caso o recorrente veja finalmente reconhecido o seu direito, as anteriores condenações em honorários, na esfera recursal, serão cancelas, prevalecendo o arbitramento fixado na sentença, valor a ser pago pela parte vencida.
Art. 4º. Esta lei entrará em vigor 30 (trinta) dias após sua publicação.”
Outras propostas legislativas estão resumidas nas linhas abaixo, extraídas de um artigo longo:
1. Sucumbência recursal.
2. Estímulo à concisão e clareza nas petições judiciais e melhor critério na juntada de documentos, resultando em milhares de autos menos volumosos.
3. Terminada a fase de conhecimento, possibilidade de o juiz — por solicitação do credor, que alega não haver encontrado bens —, convocar o devedor para revelar se possui bens e onde estão, sob pena de processo criminal por desobediência.
4. Possibilidade de “reformatio in pejus” tanto nas ações cíveis quanto criminais
5. Obrigação do autor mencionar, na petição inicial, o valor da indenização pleiteada a título de dano moral. Isso desestimularia aventuras judiciais e resistências desnecessárias do réu, temendo condenações milionárias inesperadas.
6. Na justiça gratuita, manter a isenção de custas em todas as instâncias mas autorizar a aplicação da sucumbência recursal depois da decisão de primeiro grau. Do contrário o Estado faz “cortesia com o chapéu alheio”, isto é, a parte que tem razão e que se vê obrigada a acompanhar e contra-arrazoar inúmeros recursos protelatórios.
7. Possibilidade de o S.T.F. desconhecer mais de um embargo de declaração, bem como reclamações, dando por encerrado o processo, se entender, por maioria simples, que tais embargos e reclamações são interpostos com mera intenção de protelar indefinidamente o trânsito em julgado da decisão. Não é razoável supor que o Tribunal máximo do país, onde judicam, os maiores especialistas do Direito, sejam eles incapazes de proferir uma decisão lógica e completa. A se pensar o contrário, a parte interessada em protelar pode, em tese, apresentar dezenas de embargos de declaração, impedindo, ad aeternum o trânsito em julgado de uma decisão.
Qual a utilidade das sugestões acima? Serão meditadas pelo legislador? Duvido muito. De qualquer forma, é possível que desperte a curiosidade de uma ou outra pessoa mais preocupada com a melhoria da justiça brasileira.
(28-4-10)
quarta-feira, 28 de abril de 2010
terça-feira, 20 de abril de 2010
José Alencar e a “bomba iraniana”
José Alencar e a “bomba iraniana”
O vice-presidente José Alencar é um mineiro admirável. Muito inteligente — não obstante avesso a “poses” intelectuais —, objetivo, intelectualmente honesto, coroa suas virtudes com educada persistência e coragem moral a toda prova. Quando diz não temer a morte, apesar do câncer que o desafia com igual persistência, podem acreditar em sua palavra. Parece, pelas suas declarações, estar até mesmo ligeiramente curioso quanto ao que existe “do lado de lá”. Isso porque está em paz com sua consciência, um antídoto contra várias espécies de medo.
Todos sabem de sua insistência, há anos — sem acanhamento quanto à repetição — para que os juros, no Brasil, sejam mais baixos. Palmas para ele e vaias para os juros dos cartões de crédito.
Poucos dias atrás, José Alencar fez uma afirmação certíssima, profunda, que causou um certo alvoroço abafado, não difundido por conveniência de alguns críticos simpatizantes da atual política israelense com relação aos palestinos. Abordando a mera possibilidade do Irã estar tentando fabricar armas atômicas, Alencar disse, corajosamente, que “mesmo quando é para um artefato nuclear, é também para fins pacíficos porque é para dissuasão”.
Políticos de pouca visão, ou sem personalidade, autênticas estações meteorológicas em forma humana, sempre atentos à direção dos ventos dos mais fortes, aproveitaram o falso “escorregão” de Alencar para atacar sua idéia de que o “perigo” — hipotético ou verdadeiro — do Irã fabricar uma bomba nuclear pode, na verdade, ser útil como pacificação no Oriente Médio. Cinqüenta anos de conflitos e discussões azedas, com solução dificílima, em distante nevoeiro — se depender apenas da boa-vontade das duas partes —, comprovam que é justamente a grande desigualdade de forças bélicas entre israelenses e árabes que tem impedido a paz. Esta é muito mais fácil entre iguais que entre desiguais. “Lobo não come lobo”, como diz o aforismo. Já os carneiros são facilmente devorados, bastando colocar sobre eles uma conveniente pele de lobo.
De “escorregão”, a opinião de Alencar não tem nada. Pelo contrário, é brilho de julgamento, vazado em estilo coloquial. Como Israel tem imensa superioridade em armas convencionais e também — todos sabem — dispõe de armas nucleares, essa dupla superioridade de forças representa um obstáculo à criação de um Estado Palestino, status jurídico que lhe permitiria ter voz na justiça internacional — coisa que não tem agora — e anularia qualquer justificação teórica para a rebelde permanência do terrorismo islâmico. Este, com freqüência, justifica-se — ou tenta se justificar —, dizendo que pelas vias normais, jurídicas, nada ou quase nada pode conseguir para cessar a arrogante ocupação militar de uma área que era sua há quase dois mil anos, com muros abusivos, postos de controle e proibições de toda ordem visando empobrecer áreas habitadas por palestinos.
Na área internacional a força ainda tem imensa função. Não acreditem na teórica igualdade de direitos de todos os países. Responda, o leitor, rapidamente: quem pode mais, os EUA ou a Colômbia? A China ou a Nicarágua? Os EUA possui bases militares — prima facie nada a opor, de minha parte, porque se comportam bem — em dezenas de países, mas qual seria a reação americana se a Colômbia pretendesse instalar bases militares em solo americano? Que tal a louca idéia de a China pedir licença para instalar duas bases, em Washington e Nova Iorque? Ou, ao contrário, bases americanas em Pequim? O diplomata transmissor da solicitação seria de imediato colocado em camisa-de-força.
Por que americanos e russos não se atracaram, em guerra convencional ou nuclear, após a Segunda Guerra Mundial? Porque um temia o outro, só por isso. O medo em função virtuosa, o que não é moralmente atraente, mas retrata a vida real. A União Soviética dispunha de muito mais divisões que os americanos. Em luta no chão, cobrindo áreas imensas, não seria provável a vitória americana na disputa territorial por uma Europa Ocidental, exaurida na Segunda Guerra. E qual o interesse do povo americano em novamente sacrificar a vida de milhões de jovens soldados em combates infindáveis no outro lado do Atlântico? Mesmo que o governo americano estivesse disposto a massacrar novamente sua juventude, o povo não aprovaria tal sacrifício para libertação de outros povos. Vencer Hitler, tudo bem, porque o ditador simbolizava o mal e também contrariaria tremendamente os interesses americanos. Uma “sovietização” de toda a Europa seria ruim, mas não tão horrenda quanto sua “nazificação”.
Restaria, como forma rápida de decidir quem ficaria com a Europa, essa outra alternativa: ataques nucleares. Só que, nesse caso, não haveria vencedor. Os dois lados — EUA e URSS — dispunham de ogivas. A mera radioatividade, no ar, no solo e nas águas, impossibilitava a utilização de armas atômicas. E com isso o mundo viveu um período original chamado de “guerra fria”, uma forma “light” de conflito em que não correu sangue, pelo menos na Europa, onde quase não havia mesmo sangue para extrair dos exangues sobreviventes. Tonéis de sangue foram poupados e muitos livros e filmes de espionagem fizeram as delícias de escritores e produtores cinematográficos, bem como do público, que não quer participar de guerras mas adora ler sobre elas. Hostilidade ideológica houve, claro, mas sem disparos de armas convencionais ou atômicas. O medo recíproco serviu como garantia da paz na Europa. Se, na Ásia — Coréia, Vietnã, Camboja — e no Oriente Médio ocorreram guerras convencionais, com centenas de milhares de mortes, isso aconteceu porque havia a convicção dos beligerantes de que ogivas atômicas não seriam lançadas. Por que lutavam? Porque cada lado no conflito tinha esperança de conseguir a vitória.
É com base nesse raciocínio simples, claro e direto — “o medo da consequência trava a agressividade, favorecendo a paz” —, que José Alencar disse que mesmo que, eventualmente, o Irã passe a utilizar seus conhecimentos na técnica nuclear para também fabricar ogivas, esse perigo de desvio de utilização diminuirá a posição de arrogante superioridade mantida pelos atuais dirigentes políticos de Israel. Estes utilizam o medo autêntico de seu povo — carregado de más lembranças do Holocausto — para se manterem na preferência do eleitorado israelense. Cada foguete do Hamas que explode em Israel, raramente causando vítimas, significa alguns milhares de votos nas eleições, ou pontos em pesquisas de opinião, favorecendo a ala dos “falcões”. Mas se os foguetes deixam de ser disparado, por meses, nem por isso diminuem os assentamentos, como ficou demonstrado.
Ao escrever, atrás, “arrogante superioridade” do governo israelense — esqueçamos o povo, geralmente manipulável — estarei sendo injusto? Não vejo como. Basta lembrar que Israel jamais negou possuir força atômica. Nem mesmo se deu ao trabalho de assinar o Tratado de Não Proliferação Nuclear, o que lhe permite, “legalmente” — aberrante atraso do vigente Direito Internacional, baseados apenas em tratados e declarações — fabricar armas atômicas, sem permitir inspeções das suas instalações pela Agência Internacional de Energia Atômica. Com isso, garante-se duplamente, com superioridade de armas convencionais e atômicas. Despreza até as sugestões de seu grande aliado, os EUA, pedindo que pare com os assentamentos. E faz ameaças de que pode atacar preventivamente instalações iranianas, como se fosse a polícia incontestável de toda a região. Por que se dá a esse luxo? Porque sabe que o Irã ainda está distante de possuir armas atômicas. É o uso político da força contra oponentes mais fracos que estimula toda sorte de abusos.
Estive lendo sobre Theodor Herzl, o fundador do sionismo. Para minha surpresa — supunha, erroneamente, que ele deveria se assemelhar mentalmente com os atuais dirigentes de Israel — verifiquei que era um idealista, com boas intenções. Queria simplesmente criar um lar para os judeus porque estes eram indesejados, perseguidos e humilhados em toda parte, principalmente na Europa.
Ao que tudo indica, Israel não existiria hoje caso não tivesse ocorrido o famoso “caso Dreyfus”, de 1894, em que um oficial judeu do exército francês foi acusado falsamente de espionagem em favor da Alemanha. Nessa época Theodor Herzl era o correspondente, em Paris, de um influente jornal austríaco, o Neue Freie Presse. Cobrindo o famoso julgamento — em que o escritor francês Emile Zola convenceu a justiça a inocentar Dreyfus — T. Herzl ficou chocado com o anti-semitismo da população que, gratuitamente, gritava pelas ruas “Morte aos judeus!” Até então, Herzl pensava que a solução para o “problema judeu” seria resolvido com a assimilação e outras variantes que não implicavam em criação de uma nação própria — idéia, por sinal, ridicularizada inicialmente, por muitos judeus influentes.
Meditando sobre o que viu em Paris, concluiu que o anti-semitismo é estável e imutável na sociedade humana e que a única forma de proteger, realmente, seus irmãos de origem seria a de conseguir um lar próprio, constituído em Estado, como acabou ocorrendo, graças à sua imensa persistência, esforço que, tudo indica, abreviou sua vida, pois morreu com 44 anos de idade.
Seu único “erro”, se podemos dizer assim, foi não prever o risco de seu idealismo se transformar, com novos governantes, em forma virulenta de expansão territorial, com o incessante afluxo de judeus vindo de todas as partes do mundo. Calcula-se que 40% dos judeus do mundo estejam hoje em Israel, o que implica em expulsão de milhares de palestinos que ali estavam há quase dois mil anos. Alguém já disse que nunca houve, na história humana, caso igual, de um povo voltar ao lugar que ocupava depois de tão larga ausência. Esse fenômeno social raro teve e ainda tem preço sangrento: um clima de permanente ódio — por parte dos palestinos expulso e grupos árabes com eles identificados — e a sensação de insegurança dos que moram em Israel.
Nossa esperança é que Barack Obama acabe se conscientizando da quase inutilidade de deixar apenas nas mãos das duas partes mentalmente envenenadas, palestinos e israelenses, a solução da criação de dois Estados. O mundo agradeceria se os EUA e a Organização das Nações Unidas, ampliassem a jurisdição da Corte Internacional de Justiça para que ela encontrasse a solução mais justa possível para um problema que, agora com contornos nucleares, pode incendiar o mundo. Daí o acerto da sensata observação de José Alencar.
(19-4-10)
O vice-presidente José Alencar é um mineiro admirável. Muito inteligente — não obstante avesso a “poses” intelectuais —, objetivo, intelectualmente honesto, coroa suas virtudes com educada persistência e coragem moral a toda prova. Quando diz não temer a morte, apesar do câncer que o desafia com igual persistência, podem acreditar em sua palavra. Parece, pelas suas declarações, estar até mesmo ligeiramente curioso quanto ao que existe “do lado de lá”. Isso porque está em paz com sua consciência, um antídoto contra várias espécies de medo.
Todos sabem de sua insistência, há anos — sem acanhamento quanto à repetição — para que os juros, no Brasil, sejam mais baixos. Palmas para ele e vaias para os juros dos cartões de crédito.
Poucos dias atrás, José Alencar fez uma afirmação certíssima, profunda, que causou um certo alvoroço abafado, não difundido por conveniência de alguns críticos simpatizantes da atual política israelense com relação aos palestinos. Abordando a mera possibilidade do Irã estar tentando fabricar armas atômicas, Alencar disse, corajosamente, que “mesmo quando é para um artefato nuclear, é também para fins pacíficos porque é para dissuasão”.
Políticos de pouca visão, ou sem personalidade, autênticas estações meteorológicas em forma humana, sempre atentos à direção dos ventos dos mais fortes, aproveitaram o falso “escorregão” de Alencar para atacar sua idéia de que o “perigo” — hipotético ou verdadeiro — do Irã fabricar uma bomba nuclear pode, na verdade, ser útil como pacificação no Oriente Médio. Cinqüenta anos de conflitos e discussões azedas, com solução dificílima, em distante nevoeiro — se depender apenas da boa-vontade das duas partes —, comprovam que é justamente a grande desigualdade de forças bélicas entre israelenses e árabes que tem impedido a paz. Esta é muito mais fácil entre iguais que entre desiguais. “Lobo não come lobo”, como diz o aforismo. Já os carneiros são facilmente devorados, bastando colocar sobre eles uma conveniente pele de lobo.
De “escorregão”, a opinião de Alencar não tem nada. Pelo contrário, é brilho de julgamento, vazado em estilo coloquial. Como Israel tem imensa superioridade em armas convencionais e também — todos sabem — dispõe de armas nucleares, essa dupla superioridade de forças representa um obstáculo à criação de um Estado Palestino, status jurídico que lhe permitiria ter voz na justiça internacional — coisa que não tem agora — e anularia qualquer justificação teórica para a rebelde permanência do terrorismo islâmico. Este, com freqüência, justifica-se — ou tenta se justificar —, dizendo que pelas vias normais, jurídicas, nada ou quase nada pode conseguir para cessar a arrogante ocupação militar de uma área que era sua há quase dois mil anos, com muros abusivos, postos de controle e proibições de toda ordem visando empobrecer áreas habitadas por palestinos.
Na área internacional a força ainda tem imensa função. Não acreditem na teórica igualdade de direitos de todos os países. Responda, o leitor, rapidamente: quem pode mais, os EUA ou a Colômbia? A China ou a Nicarágua? Os EUA possui bases militares — prima facie nada a opor, de minha parte, porque se comportam bem — em dezenas de países, mas qual seria a reação americana se a Colômbia pretendesse instalar bases militares em solo americano? Que tal a louca idéia de a China pedir licença para instalar duas bases, em Washington e Nova Iorque? Ou, ao contrário, bases americanas em Pequim? O diplomata transmissor da solicitação seria de imediato colocado em camisa-de-força.
Por que americanos e russos não se atracaram, em guerra convencional ou nuclear, após a Segunda Guerra Mundial? Porque um temia o outro, só por isso. O medo em função virtuosa, o que não é moralmente atraente, mas retrata a vida real. A União Soviética dispunha de muito mais divisões que os americanos. Em luta no chão, cobrindo áreas imensas, não seria provável a vitória americana na disputa territorial por uma Europa Ocidental, exaurida na Segunda Guerra. E qual o interesse do povo americano em novamente sacrificar a vida de milhões de jovens soldados em combates infindáveis no outro lado do Atlântico? Mesmo que o governo americano estivesse disposto a massacrar novamente sua juventude, o povo não aprovaria tal sacrifício para libertação de outros povos. Vencer Hitler, tudo bem, porque o ditador simbolizava o mal e também contrariaria tremendamente os interesses americanos. Uma “sovietização” de toda a Europa seria ruim, mas não tão horrenda quanto sua “nazificação”.
Restaria, como forma rápida de decidir quem ficaria com a Europa, essa outra alternativa: ataques nucleares. Só que, nesse caso, não haveria vencedor. Os dois lados — EUA e URSS — dispunham de ogivas. A mera radioatividade, no ar, no solo e nas águas, impossibilitava a utilização de armas atômicas. E com isso o mundo viveu um período original chamado de “guerra fria”, uma forma “light” de conflito em que não correu sangue, pelo menos na Europa, onde quase não havia mesmo sangue para extrair dos exangues sobreviventes. Tonéis de sangue foram poupados e muitos livros e filmes de espionagem fizeram as delícias de escritores e produtores cinematográficos, bem como do público, que não quer participar de guerras mas adora ler sobre elas. Hostilidade ideológica houve, claro, mas sem disparos de armas convencionais ou atômicas. O medo recíproco serviu como garantia da paz na Europa. Se, na Ásia — Coréia, Vietnã, Camboja — e no Oriente Médio ocorreram guerras convencionais, com centenas de milhares de mortes, isso aconteceu porque havia a convicção dos beligerantes de que ogivas atômicas não seriam lançadas. Por que lutavam? Porque cada lado no conflito tinha esperança de conseguir a vitória.
É com base nesse raciocínio simples, claro e direto — “o medo da consequência trava a agressividade, favorecendo a paz” —, que José Alencar disse que mesmo que, eventualmente, o Irã passe a utilizar seus conhecimentos na técnica nuclear para também fabricar ogivas, esse perigo de desvio de utilização diminuirá a posição de arrogante superioridade mantida pelos atuais dirigentes políticos de Israel. Estes utilizam o medo autêntico de seu povo — carregado de más lembranças do Holocausto — para se manterem na preferência do eleitorado israelense. Cada foguete do Hamas que explode em Israel, raramente causando vítimas, significa alguns milhares de votos nas eleições, ou pontos em pesquisas de opinião, favorecendo a ala dos “falcões”. Mas se os foguetes deixam de ser disparado, por meses, nem por isso diminuem os assentamentos, como ficou demonstrado.
Ao escrever, atrás, “arrogante superioridade” do governo israelense — esqueçamos o povo, geralmente manipulável — estarei sendo injusto? Não vejo como. Basta lembrar que Israel jamais negou possuir força atômica. Nem mesmo se deu ao trabalho de assinar o Tratado de Não Proliferação Nuclear, o que lhe permite, “legalmente” — aberrante atraso do vigente Direito Internacional, baseados apenas em tratados e declarações — fabricar armas atômicas, sem permitir inspeções das suas instalações pela Agência Internacional de Energia Atômica. Com isso, garante-se duplamente, com superioridade de armas convencionais e atômicas. Despreza até as sugestões de seu grande aliado, os EUA, pedindo que pare com os assentamentos. E faz ameaças de que pode atacar preventivamente instalações iranianas, como se fosse a polícia incontestável de toda a região. Por que se dá a esse luxo? Porque sabe que o Irã ainda está distante de possuir armas atômicas. É o uso político da força contra oponentes mais fracos que estimula toda sorte de abusos.
Estive lendo sobre Theodor Herzl, o fundador do sionismo. Para minha surpresa — supunha, erroneamente, que ele deveria se assemelhar mentalmente com os atuais dirigentes de Israel — verifiquei que era um idealista, com boas intenções. Queria simplesmente criar um lar para os judeus porque estes eram indesejados, perseguidos e humilhados em toda parte, principalmente na Europa.
Ao que tudo indica, Israel não existiria hoje caso não tivesse ocorrido o famoso “caso Dreyfus”, de 1894, em que um oficial judeu do exército francês foi acusado falsamente de espionagem em favor da Alemanha. Nessa época Theodor Herzl era o correspondente, em Paris, de um influente jornal austríaco, o Neue Freie Presse. Cobrindo o famoso julgamento — em que o escritor francês Emile Zola convenceu a justiça a inocentar Dreyfus — T. Herzl ficou chocado com o anti-semitismo da população que, gratuitamente, gritava pelas ruas “Morte aos judeus!” Até então, Herzl pensava que a solução para o “problema judeu” seria resolvido com a assimilação e outras variantes que não implicavam em criação de uma nação própria — idéia, por sinal, ridicularizada inicialmente, por muitos judeus influentes.
Meditando sobre o que viu em Paris, concluiu que o anti-semitismo é estável e imutável na sociedade humana e que a única forma de proteger, realmente, seus irmãos de origem seria a de conseguir um lar próprio, constituído em Estado, como acabou ocorrendo, graças à sua imensa persistência, esforço que, tudo indica, abreviou sua vida, pois morreu com 44 anos de idade.
Seu único “erro”, se podemos dizer assim, foi não prever o risco de seu idealismo se transformar, com novos governantes, em forma virulenta de expansão territorial, com o incessante afluxo de judeus vindo de todas as partes do mundo. Calcula-se que 40% dos judeus do mundo estejam hoje em Israel, o que implica em expulsão de milhares de palestinos que ali estavam há quase dois mil anos. Alguém já disse que nunca houve, na história humana, caso igual, de um povo voltar ao lugar que ocupava depois de tão larga ausência. Esse fenômeno social raro teve e ainda tem preço sangrento: um clima de permanente ódio — por parte dos palestinos expulso e grupos árabes com eles identificados — e a sensação de insegurança dos que moram em Israel.
Nossa esperança é que Barack Obama acabe se conscientizando da quase inutilidade de deixar apenas nas mãos das duas partes mentalmente envenenadas, palestinos e israelenses, a solução da criação de dois Estados. O mundo agradeceria se os EUA e a Organização das Nações Unidas, ampliassem a jurisdição da Corte Internacional de Justiça para que ela encontrasse a solução mais justa possível para um problema que, agora com contornos nucleares, pode incendiar o mundo. Daí o acerto da sensata observação de José Alencar.
(19-4-10)
sábado, 10 de abril de 2010
Miopia política na “doutrina nuclear
”
Alguém já disse — impossível localizar a fonte de tudo o que se lê — que determinada pessoa armazenara mais conhecimentos do que comportava seu cérebro. Algo assim como uma senhora desorganizada que, subitamente, precisa pegar um avião, está atrasada e só pode levar uma mala. Na dúvida cruel sobre o que deve ou não levar, vai enfiando roupas e variados objetos, sem qualquer ordem, a tal ponto que para poder fechar a mala precisa sentar-se em cima. A mala, gemendo, acaba entregando os pontos, mas parte das roupas fica de fora, pendurada nas beiradas, balançando como idéias loucas ao sabor do vento.
A mesma coisa acontece com alguns intelectos, que não conseguem digerir adequadamente certos assuntos. Primeiro, porque moralmente indigestos e complicados; segundo, porque no cérebro altamente guloso — e esforçado — daquele intelectual, não havia espaço natural, orgânico, para digerir tantas idéias e informações. O resultado é o que se vê, com alguma freqüência, no tratamento de algumas questões mais polêmicas: não se consegue enxergar o óbvio que está mais distante. Daí a comparação com a miopia, propriamente dita, que se caracteriza pela dificuldade de distinguir objetos mais distantes, embora enxergue bem objetos próximos. E para agravar o problema, existe a quase necessária “pose” profissional, ou a impossibilidade de contrariar interesses poderosos que nos alimentam e convém não contrariar.
Ampliando as analogias, na área mental existe o equivalente ao estômago e ao fígado. O “estômago” mental representa o mecanismo neurológico de perceber o que se lê ou ouve. — “Você leu aquele artigo?” — “Li, sim!” —. Leu mas não digeriu adequadamente. Ao “fígado” mental é atribuída a missão de filtrar o que conseguiu chegar ao “estômago”. Algumas mentes são lentas na capacidade de ingerir conhecimentos mas até que têm um “fígado” mental bem razoável, o chamado “bom senso”. Seu problema é talvez mais glandular, ou neurológico, resultante de problemas visuais, auditivos ou conseqüência de uma alfabetização mal feita. Lê pouco mas “digere” bem o pouco que lê. São pessoas que denominamos “sensatas”, confiáveis no seu juízo. Não são “brilhantes”, mas, como crianças inocentes, dizem o que os adultos não se atrevem a dizer: que “o rei está nu”.
Outras mentes são capazes de leitura rápida mas, paradoxalmente, são fracas na junção das peças necessárias à formação de convicções mais sensatas e equilibradamente inovadoras. Enfim, julgam mal. Um determinado indivíduo — novamente peço desculpa por não ter guardado seu nome — foi considerado o leitor mais rápido do mundo. Certamente, um acidente genético, capricho da natureza, porque não fez curso nenhum de “leitura dinâmica”. Ele tinha uma espécie de grande “calombo” na parte posterior de seu crânio, o que possivelmente teria relação com a capacidade de ler e entender, incrivelmente depressa, o que lia. No entanto ele nada escreveu e parece que pouco falava. Faltava-lhe, certamente, o “fígado” mental, o filtro capaz de metabolizar o que leu e compor algo próprio. Vivesse ele em uma época mais avançada na engenharia genética, poderia ceder — para enxertos — alguns neurônios ou genes responsáveis pela rapidez da leitura, preenchendo uma necessidade cada vez mais necessárias à compreensão e reestruturação do nosso mundo. Quem se interessa vivamente pelo que ocorre no planeta e fora dele, em diversas áreas, via escrita — meu caso e certamente o caso do leitor —, provavelmente agradeceria a possibilidade de triplicar ou decuplicar sua capacidade de leitura. Desde, claro, que isso não custasse a diminuição do juízo crítico.
Este longo “nariz de cera” vem a propósito da notícia de que os EUA anunciam uma nova doutrina nuclear (novo Start). Em apertada síntese: Estados Unidos e Rússia resolveram diminuir em um terço, até 2020, seus respectivos arsenais nucleares. Atualmente, estima-se que cada um desses dois países disponha de 3.000 ogivas nucleares. A “boa nova” seria que, no espaço de dez anos, cada um fique com “apenas” 2.000 ogivas. Suficientes para destruir o planeta Terra várias vezes. Menos vezes que agora, mas de qualquer forma poder de sobra para ceder às baratas o direito de nos substituir.
Primeiramente, cabe a observação de que no espaço de dez anos muita coisa pode acontecer, tornando ridícula essa intenção de “desnuclearizar” o mundo — na verdade, apenas dois países — em tão longo decurso de tempo. Se surgir um novo clima de tensão mundial, com a China ou outro país assumindo, eventualmente, um papel mais agressivo no frágil equilíbrio de forças, é evidente que, por questão de segurança, tanto os EUA quanto a Rússia deixariam de cumprir essa estreita e incompleta meta. Dentro de poucos anos, menos de dez, outros atores, além de EUA e Rússia, estarão também participando em igualdade — se não de forças, pelo menos de periculosidade — desse astuto jogo de pôquer que se chama política internacional, em que a força nuclear tem papel significativo. Quando Israel de “atomizou” e o Irã, eventualmente, talvez pense em atomizar, o objetivo de ambos é de se fazer respeitar. Mais fortes, mais armados, será menor a chance de serem agredidos. O problema é que, com a força unilateral vem a tentação do abuso. Como já disse em outro artigo, só não houve uma terceira guerra mundial, nos anos 1960 — a “crise dos foguetes’, lembram-se? —, porque tanto os EUA quanto a União Soviética dispunham de força nuclear.
Outra faceta “interessante”, para não dizer ridícula, da nova “doutrina nuclear” foi o compromisso americano — Obama precisa reagir mais às pressões que vem sofrendo dentro do próprio governo, leia-se Gates e Hillary — de não utilizar armas atômicas contra países sem capacidade nuclear militar, mesmo quando forem atacados com arsenais químicos e biológicos. Até aqui, tudo bem. Vem agora o motivo do “interessante”, que digitei pouco acima: a única exceção, na “doutrina”, permitindo o uso de ataque nuclear dos EUA, “seria no caso de países que desrespeitarem o Tratado de Não Proliferação Nuclear, o que representaria um recado ao Irã. “Desrespeitar” é um termo vago, elástico. Não significa, necessariamente, atacar outro país com bombas atômicas. O simples discordar de uma resolução pode significar “desrespeitar”, autorizando um ataque nuclear americano.
Ao que parece, os redatores da nova “doutrina nuclear” esqueceram que se o Irã, várias décadas atrás, no tempo do Xá da Pérsia, assinou o TNP - Tratado de Não Proliferação Nuclear, bastar-lhe-ia — para se livrar da pecha de infrator do Tratado — pedir sua exclusão do TNP, com base no seu artigo 10, alegando, por exemplo, que faz isso por motivo de segurança, considerando que seu inimigo mortal, Israel, dispõe de inegável superioridade bélica e, tudo indica, também nuclear, como deixa sempre subentendido. O Irã, dizendo isso, estaria, dentro de três meses, juridicamente livre para prosseguir fazendo o que bem entendesse dentro de suas instalações nucleares, sem inspeções, como vem fazendo Israel, que não assinou o TNP e, por isso, não vem sendo incomodado pela comunidade internacional.
O governo Obama, bem intencionado — pelo menos ele, pessoa física — no seu desejo de obter a paz no mundo, precisa, convenhamos, ousar mais em seus objetivos. Precisa colocar como agenda prioritária, desarmar o mundo, tanto na área nuclear como na área de armas convencionais, que matam mais que as atômicas justamente porque não intimidam quem as dispara. Não basta restringir a limitação à área do átomo. Estima-se que cerca de cinqüenta milhões de pessoas morreram na Segunda Guerra Mundial, entre civis e militares, vitimados por canhões, torpedos, metralhadoras, bombas e baionetas. É isso que precisa acabar. Para mostrar que armas atômicas até inibem o morticínio, basta dizer que de 1945 (Hirossima e Nagasaki) até agora, não houve uma única morte causada por explosão nuclear. Houve apenas testes atômicos, sem mortes. Mortes por radiação só ocorreram por acidente, como ocorreu em Chernobyl, Ucrânia, em 1986. E quantos milhões, nesse período, já morreram, vitimados por armas convencionais? Guerra da Coréia, Vietnã, Camboja, Oriente Médio, África, etc. ?
Acordem, Gates e Hillary! A grande solução é desarmar o mundo! E como fazer isso? Criando uma agenda ativa discutindo mecanismos que garantam, efetivamente, a segurança de todos os países e áreas populacionais que aspirem à condição de Estados, como ocorre, por exemplo, com os palestinos. Uma campanha esclarecedora visando explicar ao mundo, em todas as línguas, que é preciso discutir, desde já, como ampliar os poderes da ONU, no sentido de se criar uma espécie de governo único, global, à maneira de uma Federação que dispense todos os países das imensas despesas necessárias à manutenção de forças armadas individuais. Por que manter perto de duzentos exércitos, marinhas e aeronáuticas? Bastaria a manutenção de uma força de manutenção da ordem interna, como já ocorre com todos os estados de qualquer federação.
Se ocorresse, hipoteticamente, uma invasão da Terra por alienígenas, certamente todas as nações se uniriam para, de forma organizada, com comando único, combater o inimigo. Como não há tal perigo, que o estímulo — infelizmente necessário... — do medo do invasor extraterrestre seja substituído pelo medo do “invasor interno” já presente entre nós na forma de poluição ambiental, guerras locais, tentativa de aquisição de capacidade bélica nuclear, crises econômicas mundiais, desemprego, movimentos migratórios desordenados — com reações virulentas dos países mais “invadidos” —, fome, seca e misérias em geral.
É claro que um empreendimento desse vulto — a criação de um governo mundial democrático — consumirá anos, mas dar um primeiro passo equivale à abertura de uma lanterna no fundo do túnel escuro percorrido pela humanidade. Obviamente, a indústria armamentista nuclear sentir-se-á ameaçada e argumentará que tal pacifismo significará milhares de desempregados, além da diminuição de impostos. Por outro lado, as indústrias que fabricam armas convencionais certamente serão favoráveis à restrição nuclear porque com tal “doutrina” haverá mais procura por armas tradicionais. “Afinal’ — devem argumentar —, “todo país, ou grupo, precisa se defender, seja com que for”. Esse problema, de desemprego na indústria armamentista, seria solucionável com a ajuda financeira governamental para mudança de atividade em “x” anos. Com menos despesas na compra de armas, a mesma verba seria direcionada para a fabricação de coisas mais úteis que o sempre inovado material da morte.
Alguns leitores dirão que essa história de “governo mundial” — com todos os países cedendo parte de sua soberania, no que se refere aos assuntos externos e direitos humanos — é louca utopia e que o mundo não pode — e talvez nem deva — funcionar como um relógio bem ajustado.
Discordo, e nada mais faço que seguir grandes pensadores — a lista seria imensa — que é direito, e mesmo dever da raça humana, tentar imitar um relógio bem ajustado, com todos os ponteiros trabalhando em harmonia. É dever de todo político lutar para ver, não só seu país mas todo planeta, livre das misérias e conflitos que originam-se do suposto direito de cada governante decidir o que lhe der na veneta, balbuciando o velho mantra de que “No meu país mando eu! Os demais países que se virem! O sofrimento deles até educa, ah, ah, ah!” Patriotismo desse tipo, hoje, com a globalização, é vício, não virtude.
O ideal de ver o mundo funcionando como uma máquina bem regulada, com um mínimo de sofrimento, é, no fundo, brasa que brilha, fracamente, com pouca esperança, na imaginação de muitos seres humanos. Pelo menos dos que sofrem, a vasta maioria. E o sopro na brasa da esperança não precisa vir de bochechas ideológicas opostas. Ideologias em armas já mataram mais que tuberculose, sífilis e lepra reunidas — com perdão pelo mau gosto da ênfase patogênica.
(9-4-2010)
Alguém já disse — impossível localizar a fonte de tudo o que se lê — que determinada pessoa armazenara mais conhecimentos do que comportava seu cérebro. Algo assim como uma senhora desorganizada que, subitamente, precisa pegar um avião, está atrasada e só pode levar uma mala. Na dúvida cruel sobre o que deve ou não levar, vai enfiando roupas e variados objetos, sem qualquer ordem, a tal ponto que para poder fechar a mala precisa sentar-se em cima. A mala, gemendo, acaba entregando os pontos, mas parte das roupas fica de fora, pendurada nas beiradas, balançando como idéias loucas ao sabor do vento.
A mesma coisa acontece com alguns intelectos, que não conseguem digerir adequadamente certos assuntos. Primeiro, porque moralmente indigestos e complicados; segundo, porque no cérebro altamente guloso — e esforçado — daquele intelectual, não havia espaço natural, orgânico, para digerir tantas idéias e informações. O resultado é o que se vê, com alguma freqüência, no tratamento de algumas questões mais polêmicas: não se consegue enxergar o óbvio que está mais distante. Daí a comparação com a miopia, propriamente dita, que se caracteriza pela dificuldade de distinguir objetos mais distantes, embora enxergue bem objetos próximos. E para agravar o problema, existe a quase necessária “pose” profissional, ou a impossibilidade de contrariar interesses poderosos que nos alimentam e convém não contrariar.
Ampliando as analogias, na área mental existe o equivalente ao estômago e ao fígado. O “estômago” mental representa o mecanismo neurológico de perceber o que se lê ou ouve. — “Você leu aquele artigo?” — “Li, sim!” —. Leu mas não digeriu adequadamente. Ao “fígado” mental é atribuída a missão de filtrar o que conseguiu chegar ao “estômago”. Algumas mentes são lentas na capacidade de ingerir conhecimentos mas até que têm um “fígado” mental bem razoável, o chamado “bom senso”. Seu problema é talvez mais glandular, ou neurológico, resultante de problemas visuais, auditivos ou conseqüência de uma alfabetização mal feita. Lê pouco mas “digere” bem o pouco que lê. São pessoas que denominamos “sensatas”, confiáveis no seu juízo. Não são “brilhantes”, mas, como crianças inocentes, dizem o que os adultos não se atrevem a dizer: que “o rei está nu”.
Outras mentes são capazes de leitura rápida mas, paradoxalmente, são fracas na junção das peças necessárias à formação de convicções mais sensatas e equilibradamente inovadoras. Enfim, julgam mal. Um determinado indivíduo — novamente peço desculpa por não ter guardado seu nome — foi considerado o leitor mais rápido do mundo. Certamente, um acidente genético, capricho da natureza, porque não fez curso nenhum de “leitura dinâmica”. Ele tinha uma espécie de grande “calombo” na parte posterior de seu crânio, o que possivelmente teria relação com a capacidade de ler e entender, incrivelmente depressa, o que lia. No entanto ele nada escreveu e parece que pouco falava. Faltava-lhe, certamente, o “fígado” mental, o filtro capaz de metabolizar o que leu e compor algo próprio. Vivesse ele em uma época mais avançada na engenharia genética, poderia ceder — para enxertos — alguns neurônios ou genes responsáveis pela rapidez da leitura, preenchendo uma necessidade cada vez mais necessárias à compreensão e reestruturação do nosso mundo. Quem se interessa vivamente pelo que ocorre no planeta e fora dele, em diversas áreas, via escrita — meu caso e certamente o caso do leitor —, provavelmente agradeceria a possibilidade de triplicar ou decuplicar sua capacidade de leitura. Desde, claro, que isso não custasse a diminuição do juízo crítico.
Este longo “nariz de cera” vem a propósito da notícia de que os EUA anunciam uma nova doutrina nuclear (novo Start). Em apertada síntese: Estados Unidos e Rússia resolveram diminuir em um terço, até 2020, seus respectivos arsenais nucleares. Atualmente, estima-se que cada um desses dois países disponha de 3.000 ogivas nucleares. A “boa nova” seria que, no espaço de dez anos, cada um fique com “apenas” 2.000 ogivas. Suficientes para destruir o planeta Terra várias vezes. Menos vezes que agora, mas de qualquer forma poder de sobra para ceder às baratas o direito de nos substituir.
Primeiramente, cabe a observação de que no espaço de dez anos muita coisa pode acontecer, tornando ridícula essa intenção de “desnuclearizar” o mundo — na verdade, apenas dois países — em tão longo decurso de tempo. Se surgir um novo clima de tensão mundial, com a China ou outro país assumindo, eventualmente, um papel mais agressivo no frágil equilíbrio de forças, é evidente que, por questão de segurança, tanto os EUA quanto a Rússia deixariam de cumprir essa estreita e incompleta meta. Dentro de poucos anos, menos de dez, outros atores, além de EUA e Rússia, estarão também participando em igualdade — se não de forças, pelo menos de periculosidade — desse astuto jogo de pôquer que se chama política internacional, em que a força nuclear tem papel significativo. Quando Israel de “atomizou” e o Irã, eventualmente, talvez pense em atomizar, o objetivo de ambos é de se fazer respeitar. Mais fortes, mais armados, será menor a chance de serem agredidos. O problema é que, com a força unilateral vem a tentação do abuso. Como já disse em outro artigo, só não houve uma terceira guerra mundial, nos anos 1960 — a “crise dos foguetes’, lembram-se? —, porque tanto os EUA quanto a União Soviética dispunham de força nuclear.
Outra faceta “interessante”, para não dizer ridícula, da nova “doutrina nuclear” foi o compromisso americano — Obama precisa reagir mais às pressões que vem sofrendo dentro do próprio governo, leia-se Gates e Hillary — de não utilizar armas atômicas contra países sem capacidade nuclear militar, mesmo quando forem atacados com arsenais químicos e biológicos. Até aqui, tudo bem. Vem agora o motivo do “interessante”, que digitei pouco acima: a única exceção, na “doutrina”, permitindo o uso de ataque nuclear dos EUA, “seria no caso de países que desrespeitarem o Tratado de Não Proliferação Nuclear, o que representaria um recado ao Irã. “Desrespeitar” é um termo vago, elástico. Não significa, necessariamente, atacar outro país com bombas atômicas. O simples discordar de uma resolução pode significar “desrespeitar”, autorizando um ataque nuclear americano.
Ao que parece, os redatores da nova “doutrina nuclear” esqueceram que se o Irã, várias décadas atrás, no tempo do Xá da Pérsia, assinou o TNP - Tratado de Não Proliferação Nuclear, bastar-lhe-ia — para se livrar da pecha de infrator do Tratado — pedir sua exclusão do TNP, com base no seu artigo 10, alegando, por exemplo, que faz isso por motivo de segurança, considerando que seu inimigo mortal, Israel, dispõe de inegável superioridade bélica e, tudo indica, também nuclear, como deixa sempre subentendido. O Irã, dizendo isso, estaria, dentro de três meses, juridicamente livre para prosseguir fazendo o que bem entendesse dentro de suas instalações nucleares, sem inspeções, como vem fazendo Israel, que não assinou o TNP e, por isso, não vem sendo incomodado pela comunidade internacional.
O governo Obama, bem intencionado — pelo menos ele, pessoa física — no seu desejo de obter a paz no mundo, precisa, convenhamos, ousar mais em seus objetivos. Precisa colocar como agenda prioritária, desarmar o mundo, tanto na área nuclear como na área de armas convencionais, que matam mais que as atômicas justamente porque não intimidam quem as dispara. Não basta restringir a limitação à área do átomo. Estima-se que cerca de cinqüenta milhões de pessoas morreram na Segunda Guerra Mundial, entre civis e militares, vitimados por canhões, torpedos, metralhadoras, bombas e baionetas. É isso que precisa acabar. Para mostrar que armas atômicas até inibem o morticínio, basta dizer que de 1945 (Hirossima e Nagasaki) até agora, não houve uma única morte causada por explosão nuclear. Houve apenas testes atômicos, sem mortes. Mortes por radiação só ocorreram por acidente, como ocorreu em Chernobyl, Ucrânia, em 1986. E quantos milhões, nesse período, já morreram, vitimados por armas convencionais? Guerra da Coréia, Vietnã, Camboja, Oriente Médio, África, etc. ?
Acordem, Gates e Hillary! A grande solução é desarmar o mundo! E como fazer isso? Criando uma agenda ativa discutindo mecanismos que garantam, efetivamente, a segurança de todos os países e áreas populacionais que aspirem à condição de Estados, como ocorre, por exemplo, com os palestinos. Uma campanha esclarecedora visando explicar ao mundo, em todas as línguas, que é preciso discutir, desde já, como ampliar os poderes da ONU, no sentido de se criar uma espécie de governo único, global, à maneira de uma Federação que dispense todos os países das imensas despesas necessárias à manutenção de forças armadas individuais. Por que manter perto de duzentos exércitos, marinhas e aeronáuticas? Bastaria a manutenção de uma força de manutenção da ordem interna, como já ocorre com todos os estados de qualquer federação.
Se ocorresse, hipoteticamente, uma invasão da Terra por alienígenas, certamente todas as nações se uniriam para, de forma organizada, com comando único, combater o inimigo. Como não há tal perigo, que o estímulo — infelizmente necessário... — do medo do invasor extraterrestre seja substituído pelo medo do “invasor interno” já presente entre nós na forma de poluição ambiental, guerras locais, tentativa de aquisição de capacidade bélica nuclear, crises econômicas mundiais, desemprego, movimentos migratórios desordenados — com reações virulentas dos países mais “invadidos” —, fome, seca e misérias em geral.
É claro que um empreendimento desse vulto — a criação de um governo mundial democrático — consumirá anos, mas dar um primeiro passo equivale à abertura de uma lanterna no fundo do túnel escuro percorrido pela humanidade. Obviamente, a indústria armamentista nuclear sentir-se-á ameaçada e argumentará que tal pacifismo significará milhares de desempregados, além da diminuição de impostos. Por outro lado, as indústrias que fabricam armas convencionais certamente serão favoráveis à restrição nuclear porque com tal “doutrina” haverá mais procura por armas tradicionais. “Afinal’ — devem argumentar —, “todo país, ou grupo, precisa se defender, seja com que for”. Esse problema, de desemprego na indústria armamentista, seria solucionável com a ajuda financeira governamental para mudança de atividade em “x” anos. Com menos despesas na compra de armas, a mesma verba seria direcionada para a fabricação de coisas mais úteis que o sempre inovado material da morte.
Alguns leitores dirão que essa história de “governo mundial” — com todos os países cedendo parte de sua soberania, no que se refere aos assuntos externos e direitos humanos — é louca utopia e que o mundo não pode — e talvez nem deva — funcionar como um relógio bem ajustado.
Discordo, e nada mais faço que seguir grandes pensadores — a lista seria imensa — que é direito, e mesmo dever da raça humana, tentar imitar um relógio bem ajustado, com todos os ponteiros trabalhando em harmonia. É dever de todo político lutar para ver, não só seu país mas todo planeta, livre das misérias e conflitos que originam-se do suposto direito de cada governante decidir o que lhe der na veneta, balbuciando o velho mantra de que “No meu país mando eu! Os demais países que se virem! O sofrimento deles até educa, ah, ah, ah!” Patriotismo desse tipo, hoje, com a globalização, é vício, não virtude.
O ideal de ver o mundo funcionando como uma máquina bem regulada, com um mínimo de sofrimento, é, no fundo, brasa que brilha, fracamente, com pouca esperança, na imaginação de muitos seres humanos. Pelo menos dos que sofrem, a vasta maioria. E o sopro na brasa da esperança não precisa vir de bochechas ideológicas opostas. Ideologias em armas já mataram mais que tuberculose, sífilis e lepra reunidas — com perdão pelo mau gosto da ênfase patogênica.
(9-4-2010)
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