segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Será pertinente uma “Sorbonne” brasileira?

O honrado presidente Lula pretende comprar 36 aviões Rafale; 4 submarinos; casco (como?!) de um submarino nuclear e 50 helicópteros, além de itens conexos. Gasto total, dizem, de 12 bilhões de euros. Por enquanto. Despesa a ser paga por futuros governos. O que está acontecendo com o Brasil?

Certamente, milhares de brasileiros sentem-se perplexos, se perguntando qual a explicação para tal preocupação bélica (nada modesta) quando existem tantas carências não-militares e urgentes, ainda não atendidas. Será isso resultado inevitável de qualquer “pensar grande”? É para nos proteger quando o “pré-sal” estiver mais próximo de ser tornar riqueza concreta, desfrutável?

Difícil uma resposta com certeza, porque nos falta especialização de informação. Nossas forças armadas — que precisam ser valorizadas porque contam, realmente, com pessoas capacitadas, patriotas e mal pagas — há tempo vêm insistindo na necessidade de modernizar nossos instrumentos de defesa, hoje quase reduzidos a sucata. Se não bastasse a Amazônia, indefesa e mal policiada, surge agora no horizonte u’a mina de ouro, negro, o pré-sal. Fato novo que fará com que nosso país seja visto de outra forma, como acontece com países com grandes reservas de petróleo. Se Irã, Iraque e Líbia fossem ricos apenas de pedra e areia, sem petróleo, não teriam ocupado o noticiário internacional com a mesma polêmica intensidade.

Em suma, há que se dar um voto de confiança ao juízo de nossas Forças Armadas e do Presidente da República quanto à necessidade de tanto gasto em defesa. Na dúvida, pró-governo. Havendo, conforme prometido, efetiva transferência de tecnologia, nossos engenheiros e técnicos aprenderão — na prática, e não só nos livros —, como penetrar nos complicados segredos de uma tecnologia que esteve sempre distante demais dos países em desenvolvimento. Além disso, haverá criação de empregos. Nosso país está, pelo visto, ensaiando seus passos visando tornar-se grande potência. Que assim seja, mas, espera-se, mantendo a atual aura pacifista.

O possível mau efeito colateral da compra de tais armas modernas — em tal montante —, está no incentivo de uma corrida armamentista na América do Sul. Por sinal, já desencadeada por Hugo Chaves, cheio do dinheiro do petróleo e sempre preocupado com um inexistente ou remoto perigo real americano. E alguns argentinos, mais competitivos, certamente passarão a pressionar o governo portenho para não ficar atrás, comprando também aviões e submarinos. Quem indiretamente pode, em tese, sofrer com essa política são os mais pobres, de ambos os países, caso os empregos gerados não compensem despesa tão elevada.

Para compensar esse aparente “espírito guerreiro” do nosso presidente — só aparente, porque Lula é paciente, “pavio longo”, diplomata por temperamento — atrevemo-nos a sugerir a S. Exa. — ou ao próximo Presidente, seja ele quem for — uma idéia que, sem tantos gastos, neutralizaria a configuração algo guerreira da compra em andamento (não houve, ainda, contrato fechado). Essa “idéia’, transformada em realidade, projetaria imensamente o Brasil na área internacional, em um conjuntura tão favorável a nosso país.

Refiro-me a criação de uma espécie de “Sorbonne” brasileira, por assim dizer. Um centro de estudos de Direito e Relações Internacionais que seria não só novidade no Hemisfério Sul como poderia ter um diferencial, um “plus”, com relação aos seus equivalentes do Hemisfério Norte — Sorbonne, Cambridge, Oxford, Harvard e onde mais houver centros de estudos semelhantes. Em Tóquio, por exemplo, há um centro que prepara jovens para trabalhar na ONU, algo que não temos aqui.

Qual seria esse “plus”? Uma maior ênfase em estudos e sugestões, bem fundamentadas, no sentido de sanar, tanto quanto possível, as atuais deficiências da justiça internacional e da própria Organização das Nações Unidas.

Pensa-se, em círculos respeitáveis, e não só agora, em reformar a ONU. Talvez um contingente de “sangue novo” — não o propriamente dito, derramado em batalhas e terrorismo — composto de gotas brasileiras e sul-americanas, possa ajudar a convencer o mundo que o atual Direito Internacional Público já se tornou um tanto anquilosado, e por isso precisa ser rejuvenescido. Exemplos não faltam dessa falta de modernização das normas internacionais: imigração incontrolada dos miseráveis da África e do Leste Europeu, obrigando a União Européia a fechar fronteiras, gerando um racismo de origem econômica; judeus e palestinos que não conseguem se acertar, o que aconselharia a uma decisão internacional. “vinda de fora”. Lembre-se que não existindo um “Estado palestino” estes não pode acionar Israel na Corte Internacional de Justiça. Este Tribunal, que reúne as melhores cabeças jurídicas do planeta, permanece “travado”, porque seus juízes não pode alterar seus estatutos, fixados com critério político pela ONU. E não ficaria bem, moralmente, que seus magistrados, depois de nomeados, passassem a reivindicar maior poder decisório.

Essa evidente insuficiência legal internacional estimula, por exemplo, alguns maus políticos israelenses — os bons, mais lúcidos, ainda não conseguiram o poder — a criar obstáculos nas negociações de paz com os palestinos, tolerando a ampliação dos assentamentos. E mesmo que seja criado o Estado palestino, os países só podem ser processados na Corte Internacional se com isso concordarem. Sabendo que não têm razão, obviamente não concordam. Como ainda é permissível, juridicamente, algo tão grotesco em um século tão avançado no conhecimento?

Outra questão que comprova a necessidade de alterações na moldura jurídica internacional: a atual proibição de alguns estados progredirem no conhecimento nuclear, enquanto outros não sofrem restrições. EUA, França, Inglaterra, Rússia, China, Índia e Paquistão têm, confessadamente, armas nucleares e certamente podem aprimorar seu poder destrutivo. Israel, todo mundo sabe que possui armas nucleares, mas não fala sim nem não e não permite que inspetores entrem no país para investigar a situação. Deixa subentendido que possui “a bomba”, uma forma — alega —, de se proteger contra o ressentimento árabe. Diz, claramente, que se o mundo ocidental não agir contra o Irã ele, Israel, fará os ataques aéreos necessários, segundo seu particular entendimento. .

No entanto o Conselho de Segurança exige que a Coréia do Norte e o Irã não só fiquem proibidos de fabricar armas atômicas como também fiquem abertos às inspeções da agência internacional para acompanhar a evolução da tecnologia, de modo a não fabricarem — nem agora nem nunca —, “elementares” bombas atômicas que, bem mais evoluídas, acumulam-se, às centenas, ou milhares, em arsenais das grandes potências. Tais países, com razão, sentem-se vítimas de duplo critério. Pensam: “Só nós não temos o direito de ter medo de agressões?”. Isso porque o maior “fundamento” da posse de armas nucleares está na necessidade de defesa.

Keneth Waltz, respeitado professor “neorealista” da Universidade de Colúmbia, EUA, disse que “o mundo existe em estado perpétuo de anarquia internacional”. Não havendo uma “autoridade central”, os Estados devem agir de forma a garantir sua segurança acima de tudo, ou então arriscar ficarem para trás. “Este seria um fato fundamental da vida política, enfrentado por democracias e ditaduras igualmente: exceto em raros casos, eles não podem contar com a boa vontade dos outros pra ajudá-los, portanto devem estar sempre prontos pra defenderem-se”. Em suma, para iranianos e norte-coreanos, fica difícil entender porque eles estão proibidos de fazer o que outros, mais fortes, fazem sem qualquer acanhamento. Se a proliferação nuclear é desaconselhável — obviamente o é —, torna-se preciso criar mecanismos internacionais que dêm absoluta segurança a tais países mais fracos, embora verbalmente atrevidos. Essa segurança total ainda não existe e precisa ser pensada. Talvez com mais intensidade na “futura” “Sorbonne” brasileira.

O presente artigo ficaria por demais longo se ficássemos expondo os pontos débeis do nosso regramento internacional. A OMC, mais um exemplo, não consegue impedir que os EUA e a França protejam seus fazendeiros. “Represálias” comerciais, ou que outro nome tenham, podem ser tomadas mas tudo demanda muito tempo, em um mercado bastante mutável. O Tribunal Penal Internacional, por sua vez, aceitando denúncia, mandou prender o presidente do Sudão, Omar al-Bashir, acusado de alguns massacres. Mas a ordem dificilmente será cumprida porque os países vizinhos o apoiam. Se, eventualmente, o TPI autorizasse uma operação de “comando” — talvez não prevista no estatuto da Corte —, para sequestrar o acusado, difícil prever o que ocorreria depois, com um possível “revide” terrorista de seus seguidores. O atual impasse provavelmente redundará em um cancelamento da ordem de prisão, visando preservar o prestígio de uma instituição que ainda pode vir a representar um imenso e eficaz avanço da justiça penal no planeta. Outro caso: Cesare Battisti é, hoje, um espinho no pé da justiça, vista como um todo. Há margem subjetiva para interpretações completamente opostas.

O “diferencial” da “Sorbonne” brasileira, sugerida acima, estará em estudar com mais amplitude as possíveis e necessárias modificações da justiça internacional, sem, obviamente, descurar o currículo usual de matérias ensinadas na Universidade de Paris e outros centros. Essa “Sorbone cabocla” — maneira de dizer — não terá qualquer conotação política de “esquerda”, ou de oposição às universidades, de igual finalidade, hoje existentes.. Será apenas mais uma universidade ensinando Direito e Relações Internacionais, a primeira, contudo, como disse, do Hemisfério Sul.

Um outro objetivo, agora prático, da “nossa” Sorbonne: permitir que não só brasileiros, mas também sul-americanos — notadamente filhos de famílias mais modestas —, possam adquirir, sem ter que morar em países mais distantes, uma preparação que os habilite a trabalhar na sede da ONU, nas suas agências e em variados foros internacionais.

Alguém dirá que algumas universidades brasileiras dispõem de professores de Direito Internacional que conhecem, por exemplo, o Direito Norte-Americano tão bem, ou melhor, que muitos advogados daquele país, o mesmo ocorrendo com o Direito Internacional.

Não se nega isso. Ocorre que tais professores, ou advogados, conhecem o Direito Internacional em português. Isso faz a diferença, porque o português não é língua oficial usada na ONU. Quando e se o for, será menos necessário o conhecimento de novas línguas. Há um movimento dos países de língua espanhola no sentido de tornar o castelhano também lingua oficial no âmbito da ONU. Se o mais competente professor monoglota brasileiro de Direito Internacional quiser defender oralmente o interesse de algum cliente nos tribunais internacionais, terá que substabelecer seu mandato a um colega estrangeiro, que fale inglês ou francês fluentemente.

Para quem quiser trabalhar na Cruz Vermelha Internacional, no Banco Mundial, no FMI, na sede da ONU, etc,. não basta se apresentar com bons conhecimentos — apenas em português — das matérias necessárias.

Daí, a necessidade da sugerida “Sorbonne” brasileira ministrar suas aulas também em inglês e/ou francês. E o inglês comum, ou de “turismo’, não é suficiente para trabalhar fora do país, em centros realmente importantes.

Alguèm dirá: “Se a língua é tão necessária, mais fácil e prático é o pai do moço mandar o filho estudar na Europa ou nos EUA”. Prático é, mas nem sempre economicamente fácil. Famílias mais abonadas já fazem isso, e devem continuar fazendo, porque aprenderão a língua mais depressa. As famílias mais modestas, no entanto, não podem ser dar a tal luxo, por escassez de recursos. As universidades particulares são caras e há o problema da acomodação e despesas variadas. Promissores talentos perdem a oportunidade de projetar o Brasil lá fora, por escassez de recursos familiares.

A “Sorbonne” brasileira poderia convidar alguns professores estrangeiros de especial prestígio para dar suas aulas, que seriam gravadas e transforadas em DVDs — com pagamento de direitos autorais — e depois utilizados para acostumar o “ouvido” dos alunos a entender o que talvez já saibam em português. Talvez fosse conveniente primeiro ouvir a aula em português, ao vivo, com professores brasileiros, e depois ouvir a “versão inglesa ou francesa” do mesmo tema, presente o professor para “pausar” o DVD quando necessário para explicar, em português, o que não foi bem compreendido.

Como o presente artigo é apenas uma exemplificação do que poderá vir a ser a “Sorbonne” brasileira, fico por aqui.

Vejamos se o governo, ou algum grande empreendedor educacional de maior visão reage à presente sugestão, que não poderia ser detalhista.

(21-9-09)

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