Para iniciar, peço aos leitores um favor todo especial: leiam, antes ou depois deste artigo, o meu texto anterior sobre o mesmo assunto Sérgio Moro e a ONU: “A Lava Jato será mais valorizada se mundial”, no blog francepiro.blogspot.com, ou no site www.500toques.com.br.
Por causa da extensão do artigo anterior, achei melhor interrompê-lo, antes de completá-lo, prometendo voltar à carga, embora condoído do sacrifício visual e mental exigível dos meus bem-aventurados leitores para nova leitura de assunto complexo. Na realidade, para ser franco, assunto muito simples, mas que exige boa dose de coragem moral — ou seria intelectual? — para encarar a dura realidade: a de que sem algum constrangimento, medo da cadeia, nenhum ladrão do indefeso dinheiro público confessa seu crime nem delata seus cúmplices simplesmente porque teve uma “crise de consciência”.
Crises muitas, de todo tipo, existem nos tempos atuais mas não “de consciência” quando o assunto é dinheiro — muito dinheiro —, com chance de impunidade: — “Roubei, sim, mas quero ver se ‘eles’ conseguem provar!”
Complemento agora o artigo anterior porque a operação Lava Jato está na iminência de ser enterrada no Brasil, com a decisão de 23/03/2021, por 3x2, na 2ª Turma do STF, afirmando que Sérgio Moro foi parcial quando condenou Lula da Silva na ação do tríplex do Guarujá. Tal decisão, somada à decisão anterior, isolada, do Min. Edson Fachin — anulando quatro ações contra o mesmo réu —, mostra que os ministros da Corte Máxima não podem, não devem ser vitalícios porque ninguém pode corrigir decisões contaminadas pela parcialidade política.
A vitaliciedade, na última instância, equivale ao poder absoluto que, como dizia Lord Acton — e todos repetem — tende ao abuso, ou termo mais pesado. Não me refiro a suborno, neste caso, no STF, mas ao mútuo apoio automático, instintivo, quando criticado por “gente de fora”. Brigam, ofendem-se entre eles, em plenário, mas se algum estiver sob ataque externo os onze se unem para defendê-lo, Certamente, menos por amizade pessoal do que pelo perigo do precedente.
Se o plenário não alterar a decisão monocrática de Fachin, e a colegiada, contra Moro — alterações improváveis —, estará comprovado que o combate verdadeiro, sem firulas jurídicas, no Brasil, contra o crime do colarinho branco não interessa à elite política, empresarial e profissional liberal. Um excesso de “certinhos” demais parece “encher a paciência. Prendam o xerife!”
Defendo a Lava Jato e Sérgio Moro, seu “fundador” no Brasil, porque foi a única operação judicial, no Brasil, que conseguiu a proeza — essa a palavra certa — de investigar, provar, punir e trazer de volta bilhões de dólares subtraídos ilicitamente do povo brasileiro. Se bem funcionou no Brasil, em termos de eficácia, de resultado, fará ainda melhor em escala planetária, beneficiando outros países, também saqueados, porque esse tipo de criminalidade — não violenta mas astuta, tremendamente lucrativa e bem defendida —, tornou-se difusa, internacional, dificultando imensamente sua prova em juízo, nos países democratas. Sem alguma pressão psicológica contra os investigados — detenção provisória, para que digam onde está escondido o butim —, seria impossível provar um tipo de crime que ficaria 95% impune, como demonstrarei neste artigo.
Esclareço que não consultei o próprio Sérgio Moro sobre seu interesse em integrar algum órgão de chefia na ONU. Conheço-o apenas de vista. Talvez ele não se interesse por minha sugestão, enquanto não se decidir sobre sua candidatura na próxima eleição presidencial.
O meu artigo anterior sobre Moro foi muito acessado no Facebook. Essa curiosidade pelo tema — o combate à criminalidade, em nível mundial — comprova que nem tudo está perdido. Ainda há muita gente boa, honesta, de todas as cores, bilhões deles, que gostariam de acreditar que o dinheiro que sai de seu bolso, pagando tributos, não é desviado para o bolso, particular e insaciável, de alguns governantes e seus comparsas espertos.
Esse “desvio” impune do dinheiro público só acontecia, antes da Lava Jato, porque a legislação contra o crime não evoluiu com a mesma velocidade da tecnologia, em geral, que acabou favorecendo o crime organizado, uma “especialidade” hoje “respeitável”, abonada, quase intocável e que se julga completamente liberta de restrição. Seja ela da Lei, da Moral, da Religião, da Ciência, e da Tecnologia, ao passo que o combate contra o crime está cercado de minuciosas limitações legais, processuais e jurisprudenciais.
O processo penal, em alguns
momentos — é o caso do Brasil — parece encarar o Estado como um monstro cego e
sanguinário, precisando ser amarrado com mil detalhes. Exigências que, se
descumpridas, ensejam habeas corpus “anulando tudo”, sentenças e acórdãos — a
qualquer tempo —, protegendo o infrator como se este fosse um pobre diabo,
santo e indefeso.
No caso do crime do colarinho branco, a parte fraca não é o acusado, mas a sociedade e seus representantes — o promotor e o juiz. Por isso, a tecnologia, teoricamente neutra, ajuda muito mais o crime que a sua repressão.
Entre 1988, data da última Constituição Federal brasileira, e 2021 passaram-se 33 anos. Nesse período, como já disse, a tecnologia da informática, dos bancos e da comunicação em geral, evoluiu com grande rapidez, ao contrário da legislação penal e processual, muito morosa.
Para compensar essa desvantagem, na corrida entre a lebre (o crime) e a tartaruga (a justiça), Sérgio Moro utilizou a “delação premiada” porque sem ela, as investigações ficariam travadas, pela metade, ou menos, porque só com a confissão e a delação — bem detalhadas e documentadas em juízo — é possível saber por onde andou e afinal estacionou o grande dinheiro que “sumiu”. Todos sabem que a “grana” salta, como ágil perereca, de um banco para outro, do “laranja A” para o “laranja B”, ou C, impossibilitando uma prova segura e rápida, capaz de ser confirmada judicialmente em duas ou mais instâncias decisórias. E a Lava Jato conseguiu, via Moro, a necessária rapidez na obtenção da prova de crimes difíceis de provar sem algum grau de “cooperação informativa” dos próprios participantes, via confissão e delação.
Quase toda tecnologia, em si, é neutra. Digo
“quase” porque certamente há uma tecnologia inventada para arrombar cofres, sem
precisar dinamitá-lo. A tecnologia, no geral, foi concebida para “facilitar” a
vida, mas não, em especial, a vida do infrator doloso, que pretende assaltar,
sem arma e sem risco, seus concidadãos se “a coisa for bem feita”, isto é, “todos
de bico calado!”. Daí a necessidade da legislação vigente ser interpretada com
alguma audácia e energia “pró” sociedade, como fez Sérgio Moro, de forma
inovadora — e pessoalmente arriscada, como se constatou agora —, utilizando a condução
coercitiva, sem pré-aviso, para esclarecimento, seguida da prisão preventiva,
havendo fundamento para ela, conforme a lei.
Infelizmente, Moro acabou prejudicado pela sua firmeza e bom resultado enfrentando um crime todo especial. Se ele fosse um mau caráter teria, ilicitamente, mandado um hacker gravar, durante dias seguidos — fizeram isso contra ele, com, posterior tolerância do STF —, os celulares de advogados de defesa e de altos magistrados hostis a Sérgio Moro. Se tivesse assim agido, gravando conversas dos inimigos, Moro estaria agora em melhor situação no julgamento de sua “suspeição” no STF, nos processos em que Lula era o réu. Em melhor situação porque em conversas entre amigos, companheiros de trabalho e pessoas com interesse comum, existe total liberdade de expressão. Dizem palavrões, confessam antipatias, ou mesmo ódios impublicáveis e até ilícitos deles mesmos, dando risada, totalmente desinibidos.
É pouco provável que em quilométricas conversas “hackeadas” entre advogados de defesa e entre altos magistrados — ou eventuais conversas entre juízes e advogados —, não houvesse frases comprometedoras que, se publicadas, beneficiariam Sérgio Moro, e tornariam suspeitos alguns de seus futuros julgadores, no STF, na questão da imparcialidade. Pergunto: tudo o que foi “grampeado”, ilegalmente, já foi periciado? Há certeza técnica de que seu conteúdo não foi editado pelos “piratas”, apagando frases, mentiras e estratégias contra Moro? Nas gravações há como saber se há trechos extirpados ao gosto dos “piratas” ou de quem recebeu as fitas ilícitas?
Como Sérgio Moro não usou hackers, ficou em grande desvantagem midiática e jurídica, frente aos seus notórios inimigos, inclusive no STF.
Legalmente, gravações de conversas particulares, sem prévia autorização judicial, são nulas e ponto final. Deveriam ser simplesmente incineradas. Não poderiam gerar qualquer efeito mas, como eram contra Moro geraram um inesperado apoio, com resultado fulminante: anular quatro decisões judiciais, de grande repercussão política e jurídica. Façanha que os mais competentes criminalistas de Lula não conseguiram, em anos de esforço jurídico defendendo um ex-presidente.
Isso demonstra que, no Brasil
atual contratar um bom hacker é muito mais eficaz que contratar os melhores
advogados do país, quando o julgamento tem um forte componente político. Se a
moda pega, os grandes escritórios de criminalistas cogitarão se não seria conveniente
criar, doravante, um departamento de “operações especiais”, mais ou menos como
o MI6 dos filmes de 007, com “licença para matar”. Não pessoas, mas reputações
— de juízes, promotores e delegados de polícia.
E mais: essas longas gravações de conversas particulares — “Operação Spoofing” — de centenas de pessoas — importantes e comuns — permitirá eventuais chantagens. Se um cidadão qualquer confessou no celular, a um amigo, por exemplo, que teve um filho fora do casamento; ou se ele lembrou, falando com sua parceira, carinhos sensuais impublicáveis, ou rotulou seu patrão, ou superior, com nomes feios, poderá ser chantageado. Qualquer segredo, nessas fitas de muitas horas, já não será mais segredo e terá grande “valor comercial”.
Todo acusado, por pior que seja o
seu crime, tem, claro, o direito de se defender, mas — repetindo — como a
informática e a prática bancária evoluem mais rapidamente que a legislação
anticrime, a justiça deve se adaptar aos novos tempos. Foi o que fez Sérgio
Moro, utilizando a prisão temporária e a preventiva, previstas em lei, que têm
várias utilidades: impedir a fuga do suspeito, a destruição das provas, a “combinação”,
entre os cúmplices sobre o que vão dizer ao delegado ou promotor, evitando
contradições; alertar os “laranjas” para logo transferirem verbas para novos “laranjas”;
eventualmente contratar hackers para entrar nos computadores e celulares do promotor
e do juiz, que têm uma missão comum: descobrir a verdade e, constatado um
crime, punir seu autor. Geralmente estes dois trabalham próximos, isto é, no
mesmo prédio, talvez no mesmo andar, talvez em salas vizinhas. Natural que,
tomando um café, troquem impressões, porque a missão de ambos é, no fundo, a
mesma: fazer justiça, um acusando e outro julgando. São funções complementares
e buscam a verdade. Não ganham dinheiro havendo condenação ou absolvição, nos
casos em que atuam.
O advogado criminal, porém, tem uma missão muito diferente, limitada no seu objetivo, mas não menos importante: “salvar o cliente”; não investigá-lo, ou julgá-lo. Sentindo, eventualmente, invencível repulsa moral pelo cliente — depois de conhecer a verdade real — o advogado pode renunciar ao mandato, sem muitas explicações, quando sentiu-se enganado pelo cliente, mas jamais servirá como testemunha da acusação porque sua função não é ir atrás da verdade, mas evitá-la, ou “moldá-la”, como quer o cliente, quando sabe que é culpado e não dá para negar tudo.
Quanto ao promotor e ao juiz, nenhum dos dois pode recusar o seu trabalho apenas porque o crime sob julgamento é “horrível demais”. Imaginemos um crime, especialmente sórdido, longamente discutido na mídia, com fotos e depoimentos, cometido por um homem poderoso e vingativo. Terminado o inquérito policial, os autos vão para o promotor apresentar a denúncia. Só pela barbaridade do crime não pode o promotor tirar o corpo fora dizendo que não pode funcionar no caso apenas porque ele fere a “sua delicada sensibilidade”.
O mesmo acontece com o juiz, que
deve receber a denúncia, mesmo que, intimamente, se revolte com a maldade do
denunciado, conforme descrito na mídia e na prova colhida no inquérito. Se a
denúncia está formalmente correta, conforme o apurado pela polícia, não é o
caso de impedimento legal, ou suspeição, conforme a lei, seu dever funcional é
recebê-la e iniciar a instrução do processo, mesmo com a instintiva repulsa inicial
— uma “parcialidade” provisória de um
ser humano com “estômago” normal.
Não teria sentido, nesses casos escabrosos, a Justiça aceitar sucessivas recusas de juízes em funcionar no caso, tendo que procurar algum juiz “diferente”, “meio anormal”, que aceite, com a maior indiferença, um caso tão revoltante, vendo, por exemplo, fotos de criancinhas estupradas. Se, porém, com as alegações e provas apresentadas pela defesa, um juiz constatar, no decorrer do processo, que o réu é inocente, ou com atenuantes, ou vítima de um complô midiático, decidirá conforme a prova e sua consciência, se for o caso até absolvendo o réu.
O mesmo critério se aplica nos
casos que envolvem subtração do dinheiro público e corrupção nas “altas
esferas”. Se uma testemunha, depondo, diz que soube de um detalhe importante,
mencionado por uma pessoa, não arrolada como testemunha, o juiz pode convocar
essa pessoa para depor. Não precisa de “autorização” do promotor ou da defesa.
Em suma, o juiz realmente útil à sociedade, pago por ela, deve empenhar-se para
conhecer a verdade e colocá-la no processo. Justiça e legislação devem conviver
em harmonia. Pode haver corrupção até na elaboração da lei. “Cágados em árvore” já se
tornou frase comum.
Interessa, sim, à comunidade, que o juiz, quanto à prova, não fique dependente apenas do requerido ou produzido pelas partes se desconfia que algo importante foi omitido ou falseado pela acusação ou defesa. A decisão judicial tem que buscar a verdade real, não apenas formal, trazendo-a para os autos.
Relembre-se que toda decisão judicial termina sendo “parcial”, isto é, a favor de uma das partes.
O advogado só luta pela verdade, pela justiça, quando o cliente é inocente, situação minoritária na advocacia criminal. Essa grande diferença entre as obrigações do promotor e do juiz — de um lado — e a obrigação do defensor — de outro lado —, recomenda uma maior tolerância sobre a comunicação profissional entre promotor e juiz, ambos procurando a mesma coisa: a verdade, os fatos que envolvem o acusado. Já o defensor não está interessado em saber “o que realmente aconteceu”, porque isso ele já sabe, através do cliente, quando este não mente para o próprio advogado, como às vezes acontece, temendo que seu defensor torne-se menos combativo e eloquente.
A tradicional “criminalidade simplória” — assaltos, homicídios, furtos, estupros, etc. — continuam mais ou menos como eram antes, na forma de investigar, não havendo muita necessidade de alteração legislativa ou táticas mais duras e eficazes de combate ao crime. O mesmo não ocorre, porém, de uns poucos anos para cá — com já repeti mil vezes —, com o desvio instantâneo de milhões ou bilhões de dinheiro público bastando um clique de computador, ou talvez no smartphone.
Quantas agências bancárias
existem no mundo? Milhares. Como o Ministério Público ou o juiz vai saber onde
está guardado o dinheiro de origem ilícita a não ser com a “ajuda”, embora contrariada
dos infratores. Afirmar que somente o “remorso” — sem qualquer pressão exterior
— tem valor jurídico é de uma (falsa) ingenuidade de causar risos.
Se Sérgio Moro conseguir, na ONU, apressar a investigação da situação bancária de pessoas em países membros da entidade, eliminando uma infindável burocracia internacional, isso já será um grande avanço. O combate ao roubo do dinheiro público é especialmente difícil de reprimir quando é o próprio governante que rouba. Daí a vantagem da privatização de empresas públicas em comparação com a empresa privada. Nestas, os sócios não saqueiam eles mesmos. Na empresa pública, rouba-se de uma abstração indefesa, a coletividade, a “viúva”. Mas este é outro assunto.
Sérgio Moro merece a presente “defesa” pelo seu “conjunto da obra”. Tinha realmente um propósito honesto e ambicioso: acabar ou restringir a impunidade do colarinho branco. Fazer o que fez na Itália, a operação “Mãos Limpas”. Aproveitando a legislação brasileira — que permite a condução coercitiva, a pedido do Ministério Público —, deferiu, a partir de 2014, várias prisões provisórias, dadas como necessárias para esclarecimento dos fatos, toleradas pelo STF. Sem aviso prévio do suspeito ou investigado, porque se avisasse, o suspeito entraria em contado imediato com seu defensor que, por dever profissional, o orientaria da maneira mais inteligente possível, porque essa é sua profissão: defender o cliente.
O jurista Roberto Delmanto Júnior, em livro, informou que na Alemanha a prisão provisória pode durar seis meses, mas se necessária pode ser estender por igual prazo. E a Alemanha atual, a “locomotiva” da Europa”, é um país civilizado. Nada impede que qualquer país, ou a ONU, estabeleça um prazo limite de detenção, mas o ponto mais importante não é o prazo, mas a possibilidade da condução coercitiva sem aviso prévio, permitindo ao Estado “colher na fonte”, ouvindo os infratores, os detalhes probatórios sem os quais nunca será possível condenar quem enriquece desviando para si o dinheiro público.
Não é raro, nas prisões, que um preso mate ou mande matar outro preso, ou mesmo não preso, e pague para que um terceiro encarcerado “confesse” o crime. Com dezenas de anos de cadeia à frente esse terceiro confessa, inventa um motivo e recebe a recompensa, entregue a um parente fora da prisão. O promotor, sobrecarregado de serviço, aceita essa “confissão”, mas o juiz suspeita, com razão, dessa “confissão” que lhe pareça estranha, mas o promotor não cede no seu ponto de vista.
Nesse caso, pergunto: o juiz nada
pode fazer, porque não é o titular da ação penal, a não ser encaminhar a
divergência a um órgão superior do Ministério Público? Se fizer apenas isso, o caso será arquivado,
porque o órgão ignora completamente os
detalhes. Em vez disso, o mais certo, e
moral, é o juiz, por sua livre deliberação, reinquirir algumas testemunhas, ou
réu, ou ouvir outras pessoas — carcereiros, por exemplo, não sendo tratado como
um magistrado palerma. Quando juiz, no cível, fiz, antes de sentenciar, inquirições
em casos confusos, com excelentes resultados, porque a mentira tem perna curta
e memória fraca.
Com relação à imparcialidade do juiz criminal é lícito aqui fazer algumas considerações relacionáveis com o comportamento de Sérgio Moro fora dos autos. Seus inimigos alegam que ele condenou Lula da Silva apenas porque não gostava dele e do PT. Errado. Suas condenações foram confirmadas por unanimidade, por magistrados experientes, na apelação e no STJ.
Dizer que Moro aceitou o convite de Bolsonaro para ser Ministro da Justiça para depois ser nomeado Ministro do STF, não coincide com a lógica. Se assim fosse ele não teria discordado do Presidente no caso da escolha, pelo presidente, do chefe da Polícia Federal, como diz a lei. Deixaria a coisa rolar e provavelmente hoje Moro seria Ministro do STF, no lugar do Min. Nunes Marques.
Por que Sérgio Moro não concordou
com a intenção de Bolsonaro, substituindo o Diretor Geral da Polícia Federal?
Porque temia, apenas temia —, com boa probabilidade de acerto, que o Presidente
pudesse estar com a intenção de proteger um dos filhos, acusado da prática de
“rachadinha” vários anos antes do pai ser presidente.
Como Bolsonaro é um pai que se preocupa demais com os filhos e já tinha dito que os filhos merecem o “filé mignon”, Moro, temendo uma possível desmoralização da Lava Jato, e sua, preferiu — prejudicando-se terrivelmente — pedir demissão mesmo sabendo que não poderia retornar ao seu cargo de juiz. Com isso ficou desempregado e com muitos inimigos na sua cola, sem direito à proteção pessoal diária por conta do estado. Poucos juízes teriam igual coragem. Ganhar a vida como criminalista, defendendo criminosos seria contraditório demais, impensável, no seu caso.
Filhos são uma dádiva mas às vezes um problema. Felizmente, no meu caso não posso me queixar, tive muita sorte. Anatole France, Prêmio Nobel de Literatura, já disse que todo pai é um banco proporcionado pela natureza. O homem ainda tem uma boa dose de componente animal. Um caçador pode, na floresta, se encontrar com uma ursa, que talvez não o ataque. Mas se ela estiver com seu filhote nas redondezas, ela ataca o caçador, não para devorá-lo. Mata só por causa do potencial perigo do ursinho. O mesmo ocorre com o ser humano, do mendigo ao rei ou ao presidente da república. Incluam-se os jornalistas, artistas, e todos os profissionais.
Chico Anísio inventou uma palavra nova, “pãe”, aplicável aos pais tão dedicados aos filhos quanto a mãe. Bolsonaro é “pãe”, como a maioria dos pais em todo o mundo. Lula da Silva também tem essa característica, sofrendo por isso, politicamente — vide BNDS. Kofi Annan, da ONU, e Margaret Thatcher, no Reino Unido também tiveram problemas a respeito. Quanto mais filhos, mais perigos à vista, repercussão negativa na reputação do pai. E o perigo triplica quando os filhos também atuam na política, uma profissão muito falante, por natureza.
Por que a reforma administrativa não anda no item de demitir funcionários não concursados nas repartições públicas? Porque todos os que exigem essa “limpeza” não têm algum filho, ou neto, ou genro, ou nora, ou sobrinho, etc. nomeado sem concurso. Tendo, pais e mães não suportam a ideia de ver seus filhos e netos em dificuldade financeira. Isso é humano e geral. E de tão grande relevância que causou uma ruptura de imensas consequências para país: Moro saiu do governo, enfraquecendo a luta contra a corrupção. Bolsonaro perdeu um grande apoio jurídico e político e o STF não conta com um Ministro imensamente popular, Sérgio Moro. Sem desdouro para o nomeado em seu lugar, que não era um nome famoso, embora trabalhador e responsável. O Brasil teve seu futuro fortemente alterado por causa de uma minúscula falha humana.
Encerro esse longo arrazoado pedindo desculpa pela “esparramada” conversa, com muitas repetições. Justifico-me dessa falha argumentando que quando o autor de um texto quer convencer o leitor em assunto de interesse público, não apenas literário, não pode se limitar à beleza do texto. A repetição é uma feiura, mas sem ela a tese sustentada pelo autor tem menos chance de convencer. Ás vezes convém repetir, com a mesma ou outras palavras. É como enfiar um prego no crânio. Se exagerei, sangrei demais, peço desculpa. Espero apenas que tenham lido até aqui. Um milagre.
FIM
(27/03/2021)