Não obstante nossa “total”
liberdade de opinião, na imprensa e na internet, essa liberdade é teórica,
fictícia — mesmo quando exercida sem abuso. Isso ocorre por causa de uma
ameaçadora possível ação de “indenização por dano moral”, movida por quem
errou, sabe que errou, continua errando mas pretende silenciar seus críticos —
mesmo quando mentalmente honestos —, “usando” a Justiça para seu astuto
objetivo.
Espero que as entidades encarregadas da defesa da liberdade de expressão leiam
este despretensioso texto, redigido em estilo coloquial, compreendendo que com
a atual legislação — em um país atolado em milhões de processos demorados —, o receio
de uma arrasadora condenação por “dano moral” paralisará a busca da verdade ou
a tornará imensamente arriscada.
Friso que este artigo não ataca o demandante bem intencionado que
realmente foi caluniado, ou difamado. Visa apenas os que utilizam o “medo
financeiro” como forma de manter escondidos seus malfeitos.
Em toda ação judicial, deve estar presente a máxima genial de Voltaire
que gosto de invocar: “A vantagem deve ser igual ao perigo”. Hoje, na ação por
dano moral movida pelo poderoso contra o remediado — por exemplo um jornalista
—, este pode perder todo o seu patrimônio, enquanto o risco patrimonial do poderoso
é praticamente nenhum, “coisinhas”. Isso leva o poderoso a abusar de seu poder
de intimidação econômica, forçando o jornalista a calar a boca porque, se não o
fizer, poderá perder o pouco que tem.
O presente artigo sugere uma curta modificação legislativa, no processo
civil, que funcionará como desestímulo para tais ações quando visam apenas
intimidar o réu — jornal, jornalista, repórter, revista, rádio, televisão, blogs
e opinião desfavorável de qualquer modo publicada. Ao mesmo tempo, essa lei,
aqui sugerida, teria o bom efeito colateral de desestimular, na mídia, críticas
desnecessariamente ácidas — até com obscenidades, dando uma péssima imagem do
país, — com ofensas pessoais que aproveitam a oportunidade da crítica, talvez justa,
para insultar e desmoralizar uma pessoa física ou jurídica. A tentação do abuso,
tanto de um lado quanto do outro, é uma constante na história do Direito.
O sofrimento apenas moral varia muito, conforme a sensibilidade de cada um. Tais ações podem
demorar vários anos — quanto mais, melhor para o autor, em certos casos, porque
sua verdadeira intenção é calar o réu, que precisa ser silenciado “a qualquer
custo!”. Um custo financeiro previsível para o autor da ação, mas imprevisível
para o réu, pois não há uma tabela legal impondo limites máximos para
indenizações por dano moral. A quantia em jogo é uma caixa misteriosa.
Penso, até, que a legislação poderia
fixar o limite máximo da condenação do réu nessas ações, mas com um parágrafo,
de exceção, permitindo condenação indenizatória superior ao teto, se confirmado,
nos autos, que o autor agiu com indiscutível má-fé, na certeza de que poderia
insultar à vontade porque o juiz estaria impossibilitado de aplicar uma
condenação alta, exemplar, acima da tabela.
A propósito, diz a história, ou lenda, que na Roma antiga uma lei previa
que um tapa da cara tinha como castigo uma pequena indenização de xis moedas de
cobre, o sestércio. Apoiado nessa legislação, um ousado gaiato rico saía na rua,
acompanhado de um escravo forte carregando um saco de moedas. Quando o
excêntrico topava com alguma pessoa cuja cara não lhe agradava o maldoso a esbofeteava
e seu escravo pagava, no ato, à própria vítima, a multa prevista em lei, que
era modesta. Daí a minha sugestão de que se houver uma eventual fixação de teto
para indenização do dano moral que a lei preveja também uma indenização alta,
caso bem comprovado o permissivo abuso do poder econômico.
Em algumas ações de indenização por dano moral, paradoxalmente — porque
nas ações judiciais, é o autor quem tem pressa no término da demanda —, quanto
mais tempo ela demorar, melhor para o criticado, autor, porque sua verdadeira
intenção não é obter o dinheiro da indenização mas incutir medo paralisante —
na alma e/ou no “bolso” — de quem apontou suas falhas. O réu sabe que o tema
“dano moral” é, por natureza subjetivo, “escorregadio”, e os juízes variam
muito na quantificação da dor moral. A sorte do réu vai depender, em muito, da distribuição
do processo, ou do recurso.
É por causa da desigualdade de forças financeiras entre autor e réu que
muitas investigações importantes, iniciadas por órgão de imprensa, somem do
noticiário. A investigação, a “busca da verdade” contra um poderoso pode
significar um pesadelo capaz de arruinar uma vida ou uma empresa.
Um “detalhezinho” jurídico-processual que facilita a intimidação de
jornalistas e críticos em geral — mesmo quando mentalmente honestos — está na
permissão de o Autor da ação dar à causa um valor mínimo, “simbólico”, como,
por exemplo, R$1.000,00, frisando o Autor, na petição inicial, que deixa “a critério
de Vossa Excelência” (o juiz cível) “fixar o valor da indenização”. Esse “valor simbólico” representa uma enorme
vantagem psicológica para o autor da ação, o criticado — quando mentalmente
desonesto —, porque caso ele perca a demanda — algo bem previsível para ele —,
sua condenação pela “sucumbência” (pagar honorários à parte contrária) será
mínima, eis que a condenação dele não poderá exceder 20% do valor da causa. 20%
de R$1.000,00 é R$200,00. Essa ridícula “condenação”, de duzentos reais em honorários,
estimula sua prepotência, o uso “baratinho” da Justiça para silenciar, durante muitos anos de demanda, quem revelou suas
faltas.
Ocorre, no entanto, que como o valor da causa, dada pelo autor da ação,
foi “simbólico”, esse baixo valor não proíbe o juiz — segundo a jurisprudência
— de condenar o réu (o jornalista, p. ex.) a pagar uma altíssima indenização,
sem valor previsível, caso entenda que a crítica ofendeu moralmente o autor.
Enfim, o réu, mesmo ciente de que não fez nada errado, vê-se obrigado, por mera
prudência, a sempre contestar a ação, mesmo com baixo “valor da causa”, contratando
advogado e sofrendo um longo desgaste emocional. Nenhum jornalista previdente,
p. ex., se absterá de contestar uma ação dessa natureza presumindo que, se
condenado, a condenação será pequena. O juiz pode pensar diferente. Se o autor
não contestar a ação será revel, “confesso”. Perde a ação por omissão.
É, portanto, de urgente necessidade moral e jurídica — tendo em vista que
tais ações podem estender-se por muitos anos — que o legislador conceda ao réu
— um jornalista, por exemplo — o direito de, quando citado em ação cobrando
“danos morais’, apresentar “reconvenção”, pedindo contra o autor uma indenização,
de igual valor ao pretendido pelo autor, também por dano moral, só pelo fato de
estar sendo processado injustamente. Na sentença, o juiz decidirá, com base na
prova, a boa e a má intenção do criticado e do crítico. Não tem cabimento, é
injusto exigir que o jornalista seja obrigado a ser “fritado” vários anos,
apenas se defendendo, aguardando o remoto trânsito em julgado de sua inocência
para, só depois, poder processar quem o processou injustamente. Propõe-se aqui,
em vez de duas ações, em sucessão, apenas uma, simultânea.
Alguém poderá alegar que a lei agora proposta é desnecessária porque se o
autor perder sua ação poderá ser condenado por “litigância de má-fé. Ocorre que
os que frequentam o fórum sabem que, nessas ações, a condenação por “litigância
de má-fé” do autor é raríssimamente aplicada tendo em vista que a sensibilidade
moral é muito variável na sua ocorrência e medição.
Se, com a legislação atual, um juiz admitir — por economia processual —, a
utilização da reconvenção nessas ações de indenização por dano moral, essa
decisão ensejará infindáveis e sutis discussões acadêmicas e judiciais, com o
argumento de que a “mera” condição de Réu em ações desse tipo não representa um
“sofrimento moral” já ocorrido, passado. “Seria necessário” — dirão os críticos
da ideia — “um prolongado tempo de sofrimento do jornalista, após sua citação,
para justificar o pedido do Réu”. Este teria — “tecnicamente” — que sofrer
longamente para, só depois, muitos anos depois, transitada em julgado sua
absolvição, ter o direito de pretender cobrar do Autor a mesma quantia
pretendida pelo Autor que o intimidou financeiramente por longo período.
Ponha-se o leitor na pele de um jornalista que foi citado judicialmente
para pagar, digamos, uma indenização de cinco milhões de reais, porque não
comprovou uma falcatrua — ouvida de fonte confiável, em tese crível. Essa
ameaça tira-lhe todo o estímulo para o jornalismo investigativo. E pode ocorrer
que, devido a globalização, a ação por danos morais seja processada em país
estrangeiro propenso a indenizações milionárias.
O jornalista Paulo Francis, por exemplo, na década de 1990, foi
condenado, pela justiça americana, a pagar uma indenização de cem milhões de
dólares por haver mencionado — em entrevista, divulgada também nos EUA —, que a
diretoria de uma empresa estatal brasileira, teria desviado altas somas da
empresa para contas particulares dos diretores, em banco suíço. Como Francis
não comprovou em juízo esse desvio — o sigilo bancário era inviolável —, o
jornalista foi condenado a pagar os cem milhões. Ele justificava-se, dizendo
que ao fazer suas denúncias pensava que o governo brasileiro iria investigar o
fato, supostamente ilícito, mas a investigação não ocorreu. Pelo que presumia a
mídia, nos anos 1990, o enfarte do jornalista foi apressado com tal condenação.
Não sei se Paulo Francis tinha, ou
não, razão no que disse, mas de qualquer forma, é impossível escapar da insônia
— do enfarte, ou do mesmo do câncer induzido por angústia — com tal espada
sobre a nuca. Não tem cabimento impor tal sofrimento moral, por muitos anos, a qualquer
réu que vive da escrita, para só depois de transitar em julgado sua absolvição
ter ele, réu, o direito legal de requerer uma indenização por dano moral contra
alguém que o processou sem razão, conforme reconhecida pela justiça. O dano
moral, o sofrimento psíquico, começa a existir a partir do momento em que o
jornalista é citado e prolonga-se enquanto o processo caminha lentamente, como uma
máquina de moer neurônios, no processo de milhões em que só sofre o réu.
Por que não, repita-se, decidir as culpas recíprocas no mesmo processo?
Se ficar provado, no conjunto da prova, que o jornalista abusou, que pague pelo
abuso. Se ficou provado que não abusou, que receba do “ofendido” a mesma
quantia que este lhe cobra. Justo, não? Quem ganhar, leva tudo. Se ambos
erraram e também acertaram, que a justiça fixe a divisão da quantia em disputa,
na medida e proporção do abuso de cada um. E tem mais: se o conflito em exame
exigir dois processos, um após o outro, pode acontecer que a prova apresentada
no segundo processo seja diferente da prova produzida no primeiro processo,
acarretando uma contradição da justiça, abalando a confiança da comunidade.
Há mais a ser modificado com essa futura lei. Ela exigirá que em toda
ação de indenização por dano moral — seja qual for o motivo — o Autor será
obrigado a mencionar expressamente, na petição inicial, o valor que pretende
receber do Réu, não podendo deixar isso “o critério do juiz”, na sentença. Nada
mais racional que cada ofendido quantifique, ele mesmo, monetariamente, o grau
de seu sofrimento psíquico. Só ele é quem melhor pode revelar o grau de seu
sentimento. Que assuma sua responsabilidade, e o risco processual da
sucumbência.
A menção obrigatória desse “quantum” pelo autor teria a vantagem de
permitir a qualquer réu, quando demandado, abster-se de contestar a ação,
quando o valor mencionado for mínimo, não justificando maiores gastos com sua defesa
judicial. Como está hoje a legislação — ensejando ao Autor não quantificar o
valor que pretende cobrar —, todo Réu sente-se forçado, por prudência, a
contestar qualquer ação de danos morais, mesmo que a considere risível.
A lei a ser proposta também deveria ter a virtude “extra” de forçar maior
urbanidade, ou compostura, nas críticas, impressas ou orais, antes e depois de
proposta a ação, contra pessoas ou instituições. Isso porque, se os fatos
criticados forem verdadeiros, mas o crítico aproveitou a oportunidade para
enxovalhar, mesmo com algum “brilhantismo”, a reputação do criticado e de
sua família — muito além da intenção de apenas criticar um ato —, ele verá
reduzida sua indenização. Não pela sua crítica
— na essência verdadeira —, mas pela forma abusiva, insultuosa, ou obscena, de se
expressar.
Essa possível lei teria também um “efeito colateral” civilizador,
educador. O direito de livre crítica, reconhecido mundialmente, foi concebido
“para o bem”. Não como maldosa oportunidade para ofensas, verbais ou escritas,
que estimulam imitadores, do pior nível imaginável, transformando a mídia em um
bordel vocal, com insultos de baixíssimo calão, que estimularão novas ações
judiciais, ou vinganças à bala. Quem insultar desnecessariamente a parte
contrária, mesmo com o direito de receber uma indenização, ficará sabendo que o
seu montante indenizatório será diminuído, na decisão, na proporção do exagero
no insulto desnecessário. Analogamente, se a lei processual permite que o juiz,
nas ações cíveis, pode mandar riscar, nos autos, os insultos incompatíveis com
o decoro judicial, poderá também punir financeiramente os palavrões e ofensas
equivalentes. Será útil, para a boa imagem do país no exterior, que políticos,
economistas e “filósofos” de boca suja policiem seu linguajar, mesmo que façam
isso só pensando no dinheiro, não por virtude.
Encerro, aqui, minha sugestão. Observo ao leitor que não escrevo para
juristas, mas para pessoas em geral. Daí meu estilo coloquial. Vou encaminhar esta proposta às entidades de
defesa da liberdade de imprensa, as maiores interessadas no direito de informar
o que ocorre no município, no estado, no país e no planeta.
Desnecessário, de minha parte, apresentar agora um esboço de projeto de
lei a respeito, pois há advogados e juristas do mais alto nível que podem fazer
isso melhor do que eu, afastado que estou, há anos, da atividade forense.
FIM