O presente
artigo foi “estimulado” pela pergunta de capa da revista “Veja” de 4 de junho:
“E agora, Joaquim?”
A
indagação é pertinente, tal a repercussão política do julgamento da Ação Penal
470. Caso algum partido da oposição divulgue a promessa de — caso vença a
eleição para a presidência —, nomear Joaquim Barbosa como ministro da justiça —
tornando a justiça mais célere e respeitada —, bem mais de quinze milhões de
votos serão acrescidos à soma das intenções de votos dos partidos da oposição.
Haveria, um segundo turno e o PT teria — se
derrotado —, a necessária pausa para um exame de consciência. Meditaria onde foi que errou e, em 2018,
poderia tentar voltar ao poder, caso “as zelites” tenham fracassado nos itens hoje
em falta: honestidade; senso de responsabilidade; melhor instrução e compostura
— nas escolas e fora delas —; crença dos jovens de que o “sucesso” pode estar a
seu alcance através do estudo sério e não apenas no futebol, na depredação, no
crime, na contravenção e em tudo o mais que o leitor bem informado conhece. Sem
uma educativa derrota eleitoral — a derrota ensina mais que a vitória — o PT
não se modificará, para tristeza de inúmeros petistas que fundaram o partido
por idealismo. A “velha guarda” já deve ter notado que seu partido assemelha-se a um ônibus cada vez
mais cheio de aproveitadores que apenas querem subir na vida, usar cartões
corporativos e obter cargos onde possam se perpetuar e lucrar.
É
impressionante o número de desonestidades que pipocam mensalmente na mídia,
relacionando “malfeitos” de empresas e
indivíduos com pessoas do governo federal. Note-se que tais desonestidades —,
ou “irresponsabilidades” — com o dinheiro público, não são inventadas pela
mídia. Resultam de investigações da Polícia Federal que, sendo federal, não
brotaram do nada. Não se pode presumir que um órgão federal fique inventando
calúnias financeiras contra o governo a que pertence.
De certa
forma pode-se dizer, resignadamente, que não fossem os “malfeitos” praticados
por alguns políticos da situação, e seus colaboradores da área financeira — ensejando
o famoso processo do “mensalão” —, o Brasil estaria pior, embora menos agitado.
Ignorando a “doença” invisível do desvio do dinheiro público na compra de apoio
parlamentar, o País sentiria apenas um difuso mal estar, na dúvida se era
desonestidade ou falta de cabeça para uma boa administração.
Algo
assim como um diabético que, não conhecendo sua doença, vem a saber da extrema
“doçura” de seu sangue porque desmaiou e foi levado a um pronto-socorro. Ali, é
alertado pelo médico que só não ficará cego, nem amputará uma perna — tratando-se
— por causa do desmaio.
Bendito
desmaio, pois! Sem ele, o “navio brasileiro”, continuaria navegando em aparente
normalidade legislativa, embora com o casco cheio de furos, continuamente piorando
nos índices mundiais de corrupção, pública e privada. Esta última costuma
“dançar” conforme a música que vem de cima.
Uma coisa
é certa: sem a existência dos desvios e o corretivo do “mensalão” a classe
média e os estudantes não adeptos da depredação não sairiam à rua, em movimento
espontâneo, assustando aquela fatia da classe política que supõe que na tomada
ou manutenção do poder não cabem “firulas” éticas.
Os réus
políticos condenados no processo mencionando provavelmente pensavam assim: — “Sejamos
realistas! Alguns parlamentares exigem dinheiro para votar? Atenda-os! Se não
exigirem, ofereçam! Dourem a pílula dizendo que compreendem suas agruras
financeiras, alguns endividados para se elegerem. Expliquem a eles que a causa,
no fundo, é santa, tanto para o partido quanto para eles mesmos e para o povão.
Dizendo desse modo, invocando nobres ideais, logo concordarão com essa bonita justificação.
Lembrem aos vacilantes que as quantias pagas com dinheiro público, apesar de
altas, são relativamente modestas considerando os futuros benefícios legais para
“as massas’, embora sempre apareça um ou outro espirito de porco, da oposição, dizendo
que nossas propostas são apenas demagógicas.
E o diabo
continuaria assoprando sua sulforosa filosofia nas orelhas dos compradores de adesão
parlamentar: — “Guerra é guerra e ninguém, em política, é santo! Se Deus, que é
Deus, escreve certo por linhas tortas, por que não podemos nós, simples mortais,
fazer o mesmo? Cada país tem a democracia que merece. O que não se pode, em
hipótese alguma, é descuidar na execução do nosso plano: no fundo, ético, embora
mal compreendido pelo moralismo estreito”.
E o
jeitoso Lúcifer prosseguiria: —“ E caso descoberto o esquema, será dificílimo,
ao acusador, provar isso na justiça porque há tanta gente graúda envolvida,
tanto detalhe burocrático a considerar, tanta papelada, que somente por milagre
ocorrerá alguma condenação. E se, na pior das hipóteses, ela ocorrer, teremos a
arma usual: a prescrição, fácil de obter, considerando a possibilidade de
infindáveis recursos. Pergunto: você acha, meu eventual parlamentar escrupuloso,
que o STF, afogado em milhares de recursos, vai ter resistência física e mental
para destrinchar o tremendo angu probatório envolvendo mais de quarenta
acusados, brilhantemente defendidos? Nenhum Ministro, servindo como Relator do
caso, tentará essa loucura, em prejuízo de milhares de processos aguardando
julgamento. Seria até impatriótico! Ainda mais tendo que trabalhar
simultaneamente em outros casos. Só um magistrado “meio louco’ e doentiamente persistente
assumiria tal sacrifício”.
Ocorre
que os seres humanos são imprevisíveis. O magistrado “meio louco” tinha juízo
de sobra, conhecia a área penal, era tenaz e sua única doença localizava-se não
na cabeça, mas na coluna vertebral, forçando-o a trabalhar também de pé.
Depois de
muito pensar e, certamente, sentir — raramente alguém decide sobre mudanças
drásticas em sua vida com base apenas no raciocínio — o Min. Joaquim Barbosa decidiu
se aposentar. Não havia mais clima para continuar. Criara muitas antipatias, tanto
na magistratura quanto entre os advogados, com sua postura combativa de
ex-promotor, franca — às vezes áspera —, vendo as coisas como são, sem o diplomático
“faz de contas”.
Se foi,
em alguns momentos, franco demais, ou até mesmo grosseiro — não deve ser fácil
trabalhar em jaula de leões altamente instruídos —, compensou esse defeito com outras raras
qualidades. Não há pessoa no mundo sem algum defeito e, com o tempo, o
esforçado magistrado cairá em si — já deve ter caído —, consciente de que, se realmente
abusou da franqueza, em certos momentos, isso ocorreu porque sua missão era
especialmente difícil, tanto em termos de ciência penal abstrata quanto na
análise concreta da vasta prova documental, pericial e testemunhal. Talvez, após
um ou outro incidente, tenha reconhecido, intimamente, que exagerou. Mas não
pediu público perdão porque se o fizesse
provavelmente seria atacado com redobrada virulência. Infelizmente, tem razão
quem já disse que ficar pedindo desculpa pelo que já disse é caminho seguro para a desmoralização. Seria
considerado fraco.
O ex-Ministro
Ayres Britto, modelo de magistrado culto, além de admirado literato —
educadíssimo mas enérgico quando necessário —, em entrevista recente a um
jornal paulista, sabendo da intenção de se aposentar do Min. Joaquim Barbosa —
e das críticas contra ele —, elogiou seu exaustivo esforço no cumprimento do
dever. Apesar de Ayres Britto possuir um temperamento invulgarmente diplomático
— nesse ponto bem diferente do de Joaquim Barbosa —, fez questão de ressaltar
que as qualidades do Relator, do famoso caso, suplantavam, com folga, alguns
momentos de exasperação, inadequados para um local que deveria ser quase
sagrado.
Essa
“defesa” do ex-colega negro, vinda de quem veio, Ayres Britto, mostra que no julgamento da conduta
de magistrados algumas qualidades valem muito mais que outras. O que importa
mais? Um juiz bonzinho, todo sorrisos mas hesitante; ou um magistrado
estudioso, perseverante, capaz de enfrentar a enérgica discordância de seus inteligentes
colegas e dos aguerridos advogados, bastante francos na defesa de seus
clientes?
O entendimento
pré-mensalão, vigorante na jurisprudência do STF, era no sentido de que o
Estado, na área penal, é um monstro frio e todo-poderoso. Abusa da sua
superioridade, esmaga os seres humano — muitos deles praticamente “empurrados”
para o crime, à míngua de melhor formação familiar ou oportunidades na vida. E
como a “única” finalidade da pena criminal é recuperar — e isso é
impossível em nossas prisões —, a
solução mais “humana” seria, dizem, peneirar argumentos que evitem a reclusão
dos acusados, impedindo que eles se degradem ainda mais no convívio “com a
ralé”.
Até pouco
tempo atrás, a tendência judicial era a de proteger o “fraco” — o réu, Davi, —,
contra Golias, o “monstro” estatal. A legislação processual penal serviria
unicamente como um escudo para os cidadãos acusados e assim deveria ser
interpretada. Hoje já se sabe que não é bem assim. A legislação processual
penal também deve proteger as vítimas e a sociedade, porque se não o fizer, a
sensação de impunidade se alastra. Para evitar esse indireto e “bondoso”
estímulo à criminalidade, ou indiferença no encarar o mal, o juiz deve
pessoalmente envolver-se na busca da verdade. Assim pensa a sociedade e J.
Barbosa diz amém.
Os tempos
modernos inverteram os papéis de Davi e Golias. Hoje o Estado é que se encontra
acuado, e a população não pode ajudá-lo —
reagindo quando pessoalmente atacada — porque está totalmente desarmada.
Agora, é um Davi mascarado que assusta o Golias, manietado por regras de todo
tipo.
Presos
condenados a mais de cem anos de cadeia — sem mais nada a perder — dão-se ao
luxo de ordenar assassinatos de desafetos, concorrentes, policiais e — se isso for
muito necessário —, até de juízes e promotores. Basta querer. Quem está
contendo, em grande parte, os caçadores, à bala, de juízes e promotores são os
advogados de defesa, que, por boa formação moral e intelectual — felizmente —,
sabem que se não contiverem seus clientes mais afoitos, o caos será total;
talvez eles mesmos finalmente engolidos no vórtice da anarquia.
Chegamos,
finalmente, à pergunta da Revista Veja: o que fará Joaquim Barbosa?
Ele disse
que talvez vá lecionar. Seus inimigos afirmam que irá advogar, tratar de ganhar
dinheiro e depois entrar na política.
Os
admiradores mais sensatos do “Batman jurídico” pensam que a invejável coroa de
prata conquistada com o “mensalão” derreterá se ele se tornar um advogado ou parecerista
interessado apenas em ganhar dinheiro. Lecionar seria adequado, mas pouco
compensador, para ele e para o país. O que ele pode ensinar, outros juristas —
de equivalente competência — podem ensinar igual. Magistério, no caso dele, doravante,
somente se for pelo prazer. Há gente assim, felizmente, capaz de dar aulas até
de graça.
A marca
registrada de J. Barbosa não foi só seu conhecimento jurídico. Foi,
principalmente, sua atitude. A coragem de enfrentar gregos e troianos, a imensa
tenacidade de levar até o fim uma desgastante missão que poucos enfrentariam —
não propriamente por ausência de coragem, mas por um natural comodismo
profissional que seria fácil disfarçar. O Direito é uma grande xícara com
muitas asas. Todo profissional do direito sabe que, conforme sua posição no
processo, pode pegar a “xícara” pelo lado que lhe interessar.
Para não alongar,
ainda mais, este artigo, a melhor sugestão, pelo menos para este ano de 2014,
seria, após um curto descanso, J. Barbosa oferecer aos dois principais partidos
da oposição, a nível federal, seus préstimos de jurista e julgador experiente,
aceitando o cargo de Ministro da Justiça, caso as oposições vençam a eleição
para presidente da república. Com seu prestígio, acrescido do cargo de Ministro
da Justiça, o Brasil poderia corrigir muitas falhas da nossa legislação, muito
disfuncional, só não corrigidas, até agora, por falta de maior
persistência e mesmo ousadia de alguns
ocupantes desse cargo. Há, no país, notáveis conhecedores do Direito, mas nem
sempre com o temperamento aguerrido, necessário para enfrentar hostilidades e
possíveis grosserias vindas de todo canto. São grandes analistas, inteligentes e
corteses, mas sem vocação para autênticas touradas e retribuição de alfinetadas.
Pelas
pesquisas das atuais intenções de voto, a soma dos eleitores que querem uma
mudança na área federal não será suficiente para impedir a reeleição de Dilma.
Se, porém, os principais candidatos da oposição se comprometerem a nomear J.
Barbosa ministro da justiça — pelo tempo necessário às profundas reformas na
legislação federal —, pelo menos quinze, vinte ou mais milhões de votos serão
somados aos atuais votos da oposição, permitindo uma interrupção no já longo
desfrute do partido hoje no poder e que já não pode se gabar, como antes, de
ser o único partido brasileiro movido por idealismo e honestidade.
O
ex-presidente Lula não é um homem mau, perverso. Seu prestígio advém de sua
postura franca, brincalhona, simpática, igualitária, quando discursa, mesmo
arriscando-se a dizer algo que não está na gramática. O “povão” sente nele, “um
igual, por isso confio nesse cara!”
Ocorre
que nem só da simpatia presidencial vive um país. E muita gente astuta, insincera,
querendo apenas subir rápido na vida, corre para perto de Lula, apoiando-o.
Mesmo sendo um bom psicólogo prático, com longo tirocínio de negociador sindical,
tais qualidades não são suficientes para corrigir os rumos do Brasil.
Para
muita gente sensata, a valorização excessiva do futebol contribui para que a
mocidade mais pobre só pense em jogar futebol, não em estudar. E por falar em
estudar, será salutar, para o país, colocar, por uns tempos, na chefia da
nação, um homem que tenha estudado muito. E vez de valorizar tanto os “pés” —
no futebol —, priorizar, por uns tempos, a “cabeça” dos nossos cidadãos, como
fez, anos atrás, um primeiro ministro indiano, priorizando o ensino da
informática em um país de extremas carências.
Quando a Alemanha percebeu que estava atrasada
na informática, onde foi buscar os técnicos? No vasto país de um bilhão de
habitantes, pobre, mas que vem crescendo muito mais rápido que o Brasil. Graças ao estudo e não ao críquete, o
esporte nacional indiano.
E
fiquemos por aqui, embora muito mais poderia ser dito.
(15-06-2014)