Lendo hoje, 28-8-15, as
acerbas críticas de empresários e políticos contra a proposta de Joaquim Levy —
de recriar o odiado “imposto do cheque” —, constatamos, data vênia, a contumaz propensão para o imediatismo e estreiteza
de visão no examinar qualquer medida legislativa de opostas consequências.
Qualquer iniciativa ou “presta” ou “não presta”, in totum, sem
nuanças, sempre pensando no efeito presente. “Nem pensar!” em aperfeiçoar algo
momentaneamente ruim mas imensamente promissor, esquecidos de que até o veneno
de cobra pode ser transformado em um remédio que “afina” o sangue ou se
transforma em antídoto contra mordida de cobra. Para quem não sabe, uma gota de
veneno vale muito mais que uma gota de ouro puríssimo em forma líquida.
Assim é a mal compreendida
CPMF se utilizada na forma certa. No
momento, ruim, pela estreiteza de sua meta, mas se houver um curto acréscimo
redacional à pretensão do governo — obrigando-o a reduzir, após “x” meses — ou
um ano —, a carga tributária na mesma proporção do arrecadado com a CPMF, seria algo tremendamente revolucionário, no
seu melhor sentido.
O único inconveniente
político, hoje, dessa ousada e sábia simplificação de nossa arrecadação —
tendente ao ideal político do “imposto único” — é que seu garantido sucesso
econômico prestigiaria o PT, um partido que nunca me agradou pela sua tendência
à demagogia e má escolha de lideranças. Mas o que superiormente interessa é que
nosso país resolva o eterno problema da sonegação fiscal e alivie os
contribuintes, para sempre, de uma imensa burocracia. Esse tributo, a ser novamente testado por
vários meses não deve ser pensado apenas como forma de “fechar as contas”. Ele
deve, futuramente, se tornar permanente, com a vinculante obrigação do governo
— inserida no texto de sua criação — de redução do número de tributos e/ou das
respectivas alíquotas. Eu, particularmente, aceitaria ver descontado até um por
cento em cada transação minha desde que desobrigado de inúmeras obrigações
tributárias e com redução das alíquotas dos tributos que ainda permanecessem.
Vladimir Putin, mesmo sendo um ex-comunista odiado, considerado despótico,
entendeu suficiente, para o governo russo, cobrar uma alíquota de 10% para o
Imposto de Renda. Foi por isso que o ator Gerard Depardieu mudou de cidadania.
Se, neste exato momento, essa alíquota foi alterada — por necessidades
políticas decorrentes de cerco econômico, Ucrânia, etc. —, não sei, mas não é
de causar espanto a sensação que tem um empreendedor brasileiro de que está
sendo “tungado” pelo governo que parece vê-lo como uma vaca leiteira a ser
ordenhada a todo momento e com dezenas de guias e outros papéis caindo dentro
do balde.
A CPMF é o “ovo” de um futuro
tributo generalizante, indesviável — por maus funcionários —, e insonegável —
por maus contribuintes. Se todos contribuírem, os atuais pagadores “certinhos”
— que sofrem o desconto no holerite — pagarão menos, pelo menos no Imposto de
Renda.
Sem um novo “teste” de
arrecadação, no caso a CPMF, o sonhado “imposto único” — apenas uma forma breve
de dizer — nunca se tornará realidade. Qual o governo, de qualquer país, que
arriscaria cancelar todos os seus tributos sem conhecer, de antemão, preto no
branco, o poder de arrecadação de algo parecido com o chamado ‘imposto do
cheque”( na verdade, incidindo em cheques, cartões de crédito e débito e
transferências eletrônicas)?
No nosso sistema tributário, o emperramento e os
desvios continuam firmes, por décadas. Basta ver as guerras fiscais entre
estados e as frequentes divergências interpretativas, nos Tribunais, entre
fisco e contribuinte. Mais de um trilhão de reais de crédito — ou abuso —
tributário está pendente, na justiça federal, aguardando a decisão “final” —
quase um sonho — do Poder Judiciário. E sem culpa dos magistrados, suados
“destrinchadores” de mutáveis “nós” legais. Assim, por que não adotar um
sistema mais simples de arrecadação em que o dinheiro do tributo vá direto para
o Tesouro Nacional? Como, depois, dividir sensatamente o “bolo” entre União,
Estados e Municípios já é outro assunto, a cargo dos interessados na partilha.
Grandes avanços — em qualquer área —, geralmente
dependem de um sacrifício inicial. Se o Brasil levar a sério a dupla função de
alcançar a riqueza no dia a dia, todos contribuindo, e simultaneamente
extinguindo uma enxurrada de tributos e obrigações fiscais, o mundo inteiro nos
seguirá, espantado e se perguntando: — “Por que nós mesmos, europeus e
americanos, não fizemos isso antes? Nós, que primeiro concebemos esse “ovo de
Colombo?”
No jornal “O Estado de S. Paulo”, pág. A4, edição de
16/06/15, Joaquim Levy, em artigo publicado no jornal Valor Econômico, edição
de 17 de setembro de 2007, teceu elogios rasgados à CPMF, nos seguintes termos:
“A CPMF é hoje um dos tributos que gera menor distorção na economia. Além de
sua arrecadação, verificável e barata, ela alcança agentes que escapam de
outros impostos, aumentando a equidade do sistema como um todo”. Ele está
certíssimo em seu raciocínio. Não esquecer que muitos que clamam contra a CPMF
assim o fazem por interesse próprio, bem concreto, utilizando as brechas da lei
ou as brechas morais, pessoais, existentes nos mecanismos de fiscalização e
arrecadação de tributos.
Um sistema tributário que colha a parte do governo,
sem desvios e sem burocracia seria ideal tanto para o governo quanto para o
contribuinte. Gasta-se um tempo enorme guardando comprovantes, preenchendo
guias e mais guias, contratando contadores e advogados para solucionar as
constantes e inevitáveis dúvidas jurídicas decorrentes da pletora legislativa e
reguladora, bem como a repercussão de um tributo nos demais. Um péssimo
subproduto desse cipoal tributário é o congestionamento da Justiça, travada por
milhões de demandas tributárias.
Realmente, pelo que se sabe, a nossa carga tributária
é uma das mais altas do mundo, com pouco retorno. Por que isso ocorre? Por
vários fatores: incompetência, desonestidade, inércia, demagogia,
irresponsabilidade pessoal e fiscal, amor à “prole ampliada” (empregos públicos
sem concurso), e tudo o mais relacionável ao caráter. Essa coletânea de
problemas ficaria diminuída com a simplificação tributária de um imposto
arrecadado na fonte, diariamente. Bancos e demais instituições financeiras
certamente não se atreveriam a modificar seus computadores e demais aparelhos
eletrônicos para não registrar as movimentações financeiras, via cheques,
cartões de crédito e débito e transferências eletrônicas. O Banco Central e a
Polícia Federal teriam meios de fazer a fiscalização. É mais fácil fiscalizar
um número relativamente pequeno de bancos do que milhões de pessoas físicas e
jurídicas. Uma das vantagens de um imposto do tipo da CPMF está em preservar a
moral de eventuais funcionários, menos resistentes em resistir às poderosas
tentações do dinheiro. Se é impossível desviar, não há o crime descrito no
desvio.
Obviamente, se a transferência do dinheiro ocorre
entre contas da mesma pessoa, não há o que tributar, porque na verdade o
dinheiro não circulou.
Não se alegue que com o desconto do “imposto do
cheque”, no cartão de crédito/débito e no pagamento via transferência
eletrônica, o sonegador passará a transportar fisicamente — no bolso, cueca,
pasta e mala —, grandes volumes de dinheiro vivo. Se ele assim agir, os
primeiros a saberem disso serão os assaltantes, transfigurados em sanguinários
“fiscais” da sonegação. Após os primeiros tiros ou coronhadas dos meliantes, os
“cofres ou mulas de duas pernas”, assustados e sangrando, voltarão às formas
tradicionais de pagamento.
Hoje, quem paga, de verdade, o Imposto de Renda são os
assalariados e os contribuintes mais íntegros — prejudicados pelos concorrentes
que pagam pouco, ou nada, e com isso podem vender seus produtos e serviços com
preço mais baixo. A obediência fiscal, atualmente, é uma desvantagem.
Não muito tempo atrás li, na imprensa, que os
brasileiros estão, em massa, comprando apartamentos na Flórida, pagando com
dinheiro vivo, “cash”. Essa forma preferencial de pagamento não seria um
indício de “Caixa 2” em grande escala?
Não sou, tecnicamente, um tributarista. Opino aqui
como mero cidadão contribuinte, sempre surpreendido com a imensa complexidade
fiscal. Não consigo entender como ainda existem contadores e tributaristas em
condições de acompanhar, com total rigor, as abundantes e por vezes discutíveis
obrigações fiscais. É pena que somente grandes estadistas ou invulgares
parlamentares terão, hoje, a coragem de convencer os cidadãos de que a obsessão
pelo imediatismo é própria das crianças e dos adultos de curta visão. Quanto
aos espertos, que hoje desfrutam das falhas ou contorções legais, esses jamais
aceitarão a mudança do status
quo.
Vale a pena tentar modificar essa desigualdade, em que
o punido é o contribuinte cumpridor da lei, não o que consegue viver à sua
margem, usando truques contábeis ou tirando proveito da fraqueza moral de
eventual agente público. A ganância enlouquece mas quem sofre as consequências
somos nós, contribuintes.
(28-08-2015)