Outro tópico, este mais amargo, está na menção de que nossos
jovens e adultos — mesmo alfabetizados e tendo frequentado escola por vários
anos — continuam com dificuldade para compreender textos ligeiramente mais complexos.
Fenômeno rotulado, diplomaticamente, como “analfabetismo funcional”. Pelo menos
não utilizam palavras mais grosseiras como “burros”, ou outros elogios equinos,
porque se há também “burros” entre nós, isso não é fatalidade apenas
brasileira.
Pelo contrário. Somos até bem espertos, “pegamos a coisa no
ar”, vivaldinos, capazes de “dar nó em pingo d’água” quando o assunto envolve
cifrões, como descoberto na Lava Jato. Não fosse a delação premiada, jamais saberíamos
o que ocorria nas altas — ou baixas? — esferas, tal a escorregadia habilidade
na utilização das transferências bancárias.
O que digo, salvando a reputação de nossa inteligência, não
é patriotada. Inteligência natural nós temos, como em todos os países. O que
nos falta é o estímulo à responsabilidade, à persistência, à verdade, mesmo
quando desagradável. Gostamos demais da novidade que “viralizou” e “empoderou”
os “memes”, “hashtagueando” com grande pompa.
Poucos sabem que o caráter é uma espécie de músculo da
inteligência. Triplica os resultados da própria inteligência. Um texto lido ou
escrito três vezes, com cuidado, tem, provavelmente, melhor qualidade, ou
“inteligência”, que lido ou escrito uma única vez. Mas é preciso “caráter”,
persistência para tanto zelo, hábito que não prestigiamos. Leonardo Da Vinci
levou cinco anos pintando a Mona Lisa, um pouco cada dia. Já Picasso, esse astuto
psicólogo — melhor psicólogo que pintor —, gabava-se de poder, em poucos dias,
encher uma grande pinacoteca.
Segundo Ney Prado, em
artigo do Estadão de 24-10-17, pag. 2, o notável economista Roberto Campos,
para retratando o caráter nacional, se deu ao trabalho de contar quantas vezes
a palavra “produtividade” aparece na Constituição de 1988: uma única vez.
“Garantias” aparece 44 vezes; “direito”, 76 e “deveres” apenas 4 vezes. Cumprir
o dever, para nós, é uma chatice, pois não? A honestidade mental é muito menos
valorizada que a honestidade financeira de “pagar contas em dia”. Deveria ser
maior, ou, pelo menos igual.
Industriais, homens práticos,
informam que a dificuldade para ler e entender os manuais de instrução
prejudica a economia porque retarda a montagem e o funcionamento de aparelhos
mais complicados. O mesmo ocorre nas profissões liberais. A falta de leitura inteligente
também repercute na capacidade de redação, porque para escrever bem é preciso
ler bem.
A Ordem dos Advogados do Brasil dá como fundamento da
exigência do Exame de Ordem não só a precariedade da formação jurídica como
também a péssima redação de muitos bacharéis recém-formados. Se autorizados a
advogar, sem tais exames — diz a OAB — eles prejudicariam seus futuros
clientes. Petições mal redigidas, confusas — inclusive na descrição da matéria
de fato —, dificultam a tarefa dos juízes na compreensão exata do conflito. O
Código de Processo Civil não prevê a possibilidade de o juiz, mesmo em questões
complexas, ficar consultando os advogados da causa, pedindo-lhes que expliquem
melhor, nos autos, o que exatamente requereram e quais os fundamentos. Mesmo porque
se perguntar, a resposta dada possibilitará à parte contrária falar de novo,
ensejando novas contraditas.
Para corrigir deficiências culturais, políticos e educadores
apelam para uma melhor remuneração do professor e respeito por sua autoridade
nas salas de aula. Outros sugerem a construção de novas bibliotecas, construídas
pelo governo, porque pessoas de poucos recursos disporiam de milhares de livros
para ler sem desembolsar qualquer quantia.
O que disse até aqui tem minha concordância. Discordo,
porém, de qualquer prioridade direcionada a construção de bibliotecas, pelo
menos na atual conjuntura econômica. Prédios amplos e confortáveis são
caríssimos e pouco frequentados. Quando frequentados, tornam-se mais locais de “bate-papo
revolucionário” ou paquera da moçada mais intelectualizada. Assim era, pelo
menos, no meu tempo de adolescente, quando frequentava a Biblioteca Municipal Mário
de Andrade, no centro de São Paulo. Alguns que lá conheci se tornaram, décadas
depois, intelectuais conhecidos. Hoje, presumo, há outros locais mais atraentes
e confortáveis, com café, etc., para tais reuniões, longes de bibliotecas.
Melhor fariam os governos interessados no aumento da cultura
— ou na diminuição do “analfabetismo funcional”—, se utilizassem seus magros orçamentos
incentivando o autodidatismo. Permitindo que pessoas, de qualquer idade,
comprassem livros vendidos em “sebos”, e ainda com descontos. Livros
interessantes e úteis, que não se limitassem a ensinar planejamento e execução
de roubo de bancos e carros fortes. Livros transformados em filmes tendo Robert
De Niro como ator principal. Mas, se tais livros, mesmo “mauzinhos”, adquiridos
em “sebos”, forem lidos, pelo menos ensinarão o leitor a escrever e falar melhor.
O autodidata tem uma vantagem sobre o indivíduo que condiciona
seu crescimento cultural à frequência a escolas. O autodidata acaba confiando
no próprio taco e não para de estudar. À noite, mesmo cansado, não consegue
dormir sem antes ler alguma coisa. E quando apaga a luz faz isso contrariado.
Isso porque, com o hábito, a leitura torna-se agradável, ou até viciante. É o
“vício” virtuoso. O tal “oximoro”, termo pedante de grande sucesso no momento.
Os judeus, apesar de minoria na população mundial,
destacam-se nas letras, nas ciências, na imprensa, no cinema e nas finanças
porque, tradicionalmente, valorizaram a leitura e a busca da eficiência. Esse
viés — mais cultural que biológico —, lhes possibilitou várias premiações
Nobel. Quando perseguidos mundo afora, sem um lar próprio, percebiam que
somente com o estudo e a cultura poderiam se destacar e sobreviver como raça ou
religião. Com esse focado direcionamento da energia destacaram-se; a tal ponto
que, provocando inveja, tornaram-se alvo preferencial de políticos interessados
em tirar proveito do ressentimento popular contra uma minoria que estava enriquecendo
demais para o gosto da maioria, como foi o caso de Hitler.
O Brasil precisa diminuir a onipresença do futebol e
estimular a leitura e valores mais cerebrais. Esporte é bom, faz bem à saúde,
mas depende muito mais de músculos que de cérebro. E o melhor futuro da
humanidade está na mente, não nos músculos e nervos.
Quem lê biografias de
homens célebres — condutores de povos, artistas, pensadores, ou mesmo tiranos de
grande envergadura — constata que, com ou sem curso superior, eles gostavam de
ler. Até Stalin, um grosseirão, sempre estava lendo um livro, nas horas vagas.
Biografias de gente ilustre estimulam pessoas de capacidade mediana a serem
também ilustres. E as vezes isso se torna realidade. Se não tivessem lidos os
exemplos, nem tentariam.
De vez em quando, claro, ocorrem “acidentes” oriundos de
leitura desordenada: um autodidata qualquer, meio louco — Hitler, por exemplo —
põe fogo no mundo, cismando em destruir outras raças, pensando (torto) em
eugenia, mal interpretada: judeus, ciganos, negros, gays e eslavos. Mas para corrigir tais acidentes
desagradáveis do autodidatismo o remédio estará no aprimoramento das normas
internacionais — uma grande proposta a ser abraçada também pelo povo brasileiro
—, a exigir muito estudo. Lembremo-nos que também pessoas com curso superior
podem adotar atitudes de criança birrenta que podem terminar em guerras
devastadoras. Pensei agora no loiro da maior potência, que certamente não é
dado às leituras, embora tenha curso superior.
Fico revoltado quando vejo, no Brasil, jovens desanimados
com a ociosidade forçada pela falta de emprego. Se fossem ensinados a estudar sozinhos
—, ou mesmo ler sem a preocupação de “estudar” — poderiam adquirir
conhecimentos que poderiam ser até superiores àqueles ministrados em salas de
aula. Nestas o aluno não se atreve a interromper o professor, pedindo a ele que
explique melhor o que acabou de dizer. Sozinho, com o livro na mão, o
autodidata pode reler quantas vezes quiser o trecho confuso, como que mandando
o autor repetir o que disse. E o escritor, imobilizado no papel, sempre
obedece, sem cara feia.
O caminho do saber não passa necessariamente pelo fundilho
das calças, sentado numa sala de aula. Nem, nem pelo sovaco, com um livro
embaixo do braço, indo e voltando da escola, dentro do ônibus ou do metrô
superlotado. Cada hora passada no trânsito seria melhor aproveitada lendo em
casa.
Todavia, para que o esforço de estudar sozinho seja mais
atraente e compensador — profissionalmente —, é preciso que o legislador
brasileiro tenha a coragem de propor que qualquer cidadão, de qualquer idade, ou
grau anterior de escolaridade, possa participar de concursos públicos ou
habilitação profissional — concursos rigorosamente policiados e vigiados pelas
entidades profissionais — e, sendo aprovado, possa exercer a profissão
relacionada com o concurso.
Se o acesso a tais conhecimentos específicos depende apenas
de leituras — história, sociologia, economia, direito, literatura, psicologia,
matemática, filosofia, ciência política, línguas, etc. — não vejo porque exigir
que o interessado em tais campos do saber seja obrigado a percorrer o longo
caminho de centenas ou milhares de horas perdidas, sentado em veículos de
transporte e carteiras escolares. O autodidata não para de estudar por causa de
férias e feriados. Pelo contrário, só os aproveita para crescer interiormente.
Se um cidadão leu e releu, por exemplo, os melhores dez,
vinte ou trinta livros de História geral, dando até uma possível “aula” aos
componentes da banca examinadora — inquirição que poderia ser acompanhada pela
televisão — não é racional, nem honesto, impedir que esse candidato, tão
ilustrado, seja proibido de lecionar História em universidades, tal qual o
aluno estudioso que aprendeu em sala de aula.
Embora minha opinião possa, em tese, prejudicar a indústria
do ensino, é preciso lembrar que a vasta maioria dos jovens da classe média
continuará preferindo frequentar uma Faculdade, considerando a necessidade de
contato humano, a possibilidade de romance, sexo e diversão. Dizer que nas
Faculdades o aluno está em constante contato com seus mestres, em animadas
tertúlias educativas — e por isso é necessário frequentar a escola superior —, é
demagogia. O professor, em sua vasta maioria, prefere, após seu trabalho, voltar
pra casa, ou ir dar sua aula em outra escola.
As “dicas” de leitura, mencionadas no título não são muitas,
e é necessário resumir.
No ensino fundamental e médio, em que o autodidatismo será
mais difícil, cumpre lembrar o óbvio: a necessidade de verificar se o aluno
está bem nutrido, se não tem doenças debilitantes e se enxerga bem — de perto e
de longe —, e com ambos os olhos. Se há necessidade de óculos corretivos e não
tiver recursos, os receberá gratuitamente. Parece que isto já está sendo feito em São
Paulo. Merece parabéns quem pôs a ideia em execução.
Como sou “dotô” em problemas pessoais de leitura, tenho
algumas dicas para as pessoas que gostariam de se instruir, por conta própria,
mas não conseguem avançar na leitura de assuntos para elas novos. Querendo ler
as páginas linha por linha, na ordem em que foram impressas, não conseguem
entender e desanimam. Por isso ficam aqui minhas dicas.
A técnica que uso — que descobri por acaso —, é a seguinte:
digamos, por exemplo, a página 2 do Estadão, sempre com dois artigos longos
redigidos por grandes jornalistas, sociólogos, economistas, juristas,
políticos, cientistas, etc. Tento ler os artigos a partir da primeira linha. Se,
porém, eles são desinteressantes ou difíceis de entender — o “economês”, por
exemplo —, não fico “atolado” ali. Se é questão de nomenclatura, ponho ao lado
um dicionário de Economia. A não compreensão pode ser deficiência minha, ou
falta de didática do autor. Mas para não ficar perdendo tempo procuro um ponto
final qualquer, no meio de algum parágrafo do artigo e leio, sempre atento, a
frase que se segue ao ponto final.
Em seguida, procuro
outro ponto final, em qualquer outro parágrafo — de preferência no meio do
parágrafo, sempre com mais “miolo” que os inícios do parágrafo — e leio, com
atenção, o que está escrito.
Faço isso algumas vezes, colhendo flashes de argumentos —
incompletos, claro, mas que vão me dando uma vaga ideia do que pretende o
redator. Fazendo isso algumas vezes minha curiosidade pelo texto também aumenta.
Então, só depois desse “apanhado”, fragmentado e geral, familiarizado com as
palavras e ideias do autor, começo a leitura, a sério, do texto, a partir da
primeira linha juntando as “peças soltas”.
Considero essa uma boa técnica. É até mesmo divertida, nada
monótona. Uma técnica já adotada pelo cinema, com a exibição dos trailers. É
muito mais fácil seguir uma longa narrativa quando você já sabe qual é o
assunto, e leu alguns tópicos.
Uma variante, também muito útil, seria a seguinte: leio as
primeiras linhas iniciais de cada parágrafo e depois leio tudo do começo ao
fim.
Outra técnica, para quem não gosta de “confusão”, pulando de
galho” atrás de um ponto final, consiste em —, antes de ler, propriamente, um
parágrafo—, apenas “espiar”, sem ler, o parágrafo inteiro, ou parte dele e só
então ler as linhas, na ordem com que foram escritas.
Essa união de técnicas visuais, pode ser de grande ajuda
para pessoas, normalmente inteligentes, que têm alguma dificuldade para leitura
de assuntos mais difíceis. E acrescento que cada leitor, com problemas nessa
área, deve utilizar o método, ou técnica, que lhe parecer melhor e mais
confortável, mental e visualmente.
A técnica de ler é assunto sério, caro leitor desconfiado.
Goethe, que foi um gênio da literatura, chegou a dizer que, mesmo com mais de
oitenta anos, ainda não conseguira descobrir a forma mais perfeita de ler. Rui
Barbosa também, na Oração aos Moços, frisou, “en passant”, que sabia como
estudar. Posso apostar que livros de Kant, nas estantes de milhares, não foram
lidos porque o filósofo não se preocupava em facilitar sua compreensão, e os
leitores não usavam métodos, não usuais, de extrair o ouro misturado com a
areia da redação comum.
Não vejo com bons olhos a “leitura dinâmica”. Comigo não deu
certo. Lembro a opinião de Woody Allen. Diz ele que após um curso de leitura
dinâmica, conseguiu ler “Guerra e Paz”, de
Leon Tolstoy, em vinte minutos: “Tem a ver com a Rússia”. Mas já conheci
um jurista que disse que, com ele, essa técnica funcionou. Sorte dele.
Encerro por aqui. Que venham as bordoadas.
(28-10-2017)