Há décadas estou afastado do Direito Penal. Quando magistrado em atividade, nunca pretendi ser promovido para Varas Criminais, ou Seção Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Quando escrevo sobre crimes, na internet e revistas, faço-o de forma genérica, preocupado apenas com o aumento da criminalidade e uma difusa sensação de impunidade, sentimento bastante compartilhado pela coletividade. De modo geral, essa impunidade é conseqüência de um legislação bem intencionada, mas ingênua.
Se confesso essa minha falta de convivência com a aplicação diuturna do Direito Penal, porque me atrevo a sugerir — como de fato sugiro — que a lei permita a doação ao Estado, pelo presidiário, de um rim — e talvez, futuramente, de parte do fígado, ou medula óssea — em troca da redução de sua pena?
Faço isso porque soube, casualmente, hoje, pela internet, que o Deputado Federal Alessandro Molon (PT-RJ), Relator da Subcomissão Especial sobre Crimes e Penas, pretende apresentar seu relatório final até o dia 31 do corrente mês de março. O tempo é curto para um extenso estudo da matéria mas o prazo para o relatório final poderá, talvez, ser prorrogado, ouvindo-se os especialistas, tanto do Direito Penal quanto da Medicina.
Acredito que se a lei brasileira iniciar essa abertura — que considero virtuosa e não afrontosa dos direitos humanos — será seguida por outros países. Com tal inovação, todos serão beneficiados: doentes que temem morrer — e muitos morrem mesmo — antes de encontrarem um doador; presos que ficarão menos anos na cadeia porque salvaram uma vida, com isso aumentando sua auto-estima; potenciais vítimas de homicídios cometidos pelo crime organizado, que lucra torpemente com o tráfico de órgãos, principalmente de crianças e jovens; avanços técnico-cirúrgicos decorrentes da prática mais freqüente de transplantes intervivos.
Não conheço o teor das propostas de modificação legislativa, existentes na mencionada Subcomissão da Câmara dos Deputados, mas, certamente proposta igual, ou parecida, não chegou a ser apresentada. Se o fosse, jornais e TV teriam mencionado o assunto, considerando sua relevância .
Estou plenamente consciente de que o mero enunciado dessa idéia provocará reações quase automáticas. Instintivamente contra ou a favor, porque todo ser humano tem dentro de si, uma “lista pétrea”— consciente ou inconsciente —, de idéias consolidadas que o dispensa do trabalho de analisar qualquer idéia nova: — “Não li, nem ouvi direito, mas já adianto que sou contra! Vamos transformar os presídios em um açougue?!”. Ou o contrário: — “Nada mais oportuno! Se essa for a vontade do presidiário, por que não? Tenho um parente doente que provavelmente morrerá por falta de doadores! Está no fim da lista de espera do órgão”.
Diariamente, no Brasil, morrem pessoas por falta de doadores de órgãos. Já li que 15 pessoas morrem por dia. Essa carência, como disse acima, estimula o crime organizado, sempre alerta, esperando alguma oportunidade — o seqüestro e assassinato de “fornecedores” jovens. Sendo jovens, suas “peças” valem mais porque estariam com menor “quilometragem”.
Por que pessoas necessitadas não vendem um rim? Porque esse comércio é ilegal e se legalizado configuraria o abuso de um dos direitos humanos: o de desfrutar de sua integridade física. Abuso porque o vendedor seria sempre um ser humano pobre. Homens ricos jamais venderão seus órgãos. Correta, portanto, a nossa legislação quando proíbe o comércio de órgãos.
No entanto, caso prevaleça a proposta legislativa de voluntária entrega de um rim ao Estado —, obrigatoriamente ao Estado —, em troca de uma significativa diminuição da sua permanência na prisão, o recluso apenas exerceria o seu direito de optar pela liberdade, sem prejuízo de levar, depois da extração do órgão, uma vida normal. Pelo que sei, doadores vivem normalmente. Talvez não possam praticar esportes pesados, mas essa restrição será menos pesada, moralmente, que passar mais alguns anos na cadeia, sujeito a terríveis constrangimentos. A família do preso também sofre os efeitos da separação forçada do chefe da casa.
Desde que não haja coação contra o condenado — o Ministério Público seria sempre ouvido, devendo entrevistar o detento —, nem “comércio de órgãos”, não vejo onde estaria a violação de seus direitos humanos.
Violação de seu direito seria, pelo contrário, impedir que o condenado possa escolher o que melhor satisfaça seu particular interesse. Saindo mais cedo da prisão, isso fará bem a ele à sua família. Ressalte-se que pessoas que precisam de um transplante de rim também têm o direito humano de obterem um serviço de saúde que os salve da morte. Esse direito não está hoje acessível por falta de doadores em número suficiente. E contar com rins extraídos de pessoas mortas em acidentes de trânsito é sempre problemático, por razões relacionadas com a demora na extração, preservação cuidadosa do órgão em local frio, desespero da família do acidentado e a inevitável burocracia decorrente de todas essas situações.
Faria bem ao condenado, moralmente, essa doação, porque o preso sentir-se-ia valorizado por ter salvo uma vida humana, mesmo desconhecendo quem recebeu seu rim. O Estado, recebendo o rim, o encaminhará ao órgão competente para o transplante, obedecendo ao critério cronológico de atendimento. “Furar fila” já é proibido. Ricos e pobres são tratados igualmente, pelo que sei.
A cadeia, como todos sabem, degrada o homem. Só ainda existe porque não foi descoberto um método legal, eficaz, que intimide os cidadãos propensos a cometerem um crime. E que satisfaça, também, o natural desejo da vítima, ou sua família, de ser, de alguma forma, compensada ou “vingada” em sua dor. Ainda não existe uma espécie de “vacina” que provoque, em todos os seres humanos, uma instintiva repulsa, moral e física, a atos de desonestidade, e egoísmo censurável.
O mal do crime, já praticado, dificilmente pode ser reparado. O passado é imutável. Nem Deus pode alterá-lo. No caso do homicídio, nada trará o assassinado de volta à vida. Se o recluso tiver sido condenado por homicídio, em um momento de ódio, poderá pensar, doando o órgão: — “Se tirei uma vida, posso conceder outra, com a doação de parte de meu corpo. E com o privilégio de continuar vivendo. Privilégio, porque o homem que matei continuará morto”.
Algum parente de vítima de homicídio poderá discordar da proposta em exame, alegando: —“Não é justo abreviar o tempo de prisão e consequente sofrimento moral, de um homem que matou outro homem. Voto contra! Que ele apodreça na prisão!” Contra esse argumento pode-se contra-argumentar: —“Não ocorrendo a doação, esse parente de vítima esquece-se de que à morte de seu parente terá adicionado outra morte: a de um estranho (que morrerá porque precisa urgentemente desse órgão e não há outros disponíveis). Duas mortes, em lugar de apenas uma.
Quanto ao percentual de diminuição da pena, no caso de tais doações de rim, cabe aos especialistas opinar; não eu, com pouca vivência nessa interessante área do Direito.
Prevendo objeções, apresento o argumento de que se um preso comprovar que precisa de um rim para continuar vivo, e um seu parente se dispõe a doar o seu, penso que se a administração penitenciária recusasse o transplante, isso causaria imensa polêmica. A recusa da administração implicaria em sentença de morte contra um preso doente. Aí será o caso de se perguntar: se o preso pode receber um rim, por que, em contra-partida, não pode fornecê-lo, salvando a vida de um estranho? Isso não representaria um privilégio moral em favor de um criminoso?
Um detalhe que a eventual lei precisaria examinar e decidir é se a diminuição da pena também seria concedida quando o preso doa o rim a um parente dele. Penso que, nesse caso, não haveria diminuição de pena. Ele que dê seu rim ao parente, mas sem com isso diminuir seu tempo de reclusão, porque seu gesto não seria humanitário, visaria apenas o benefício de sua própria família. Somente o sentido humanitário da inovação legislativa é que a justificaria.
Quanto a doação de fígado, pulmão e medula óssea — não confundir com medula espinal — esse assunto poderia ser examinado em outro momento legislativo, porque o lado médico é mais complexo. Além disso, a ampla e voluntária permissão de doação de órgãos, para diminuição da pena, reforçaria o argumento habilidoso de que os presídios se tornariam um “açougue de carne humana”. Traficantes de órgãos vão, se possível, criar um lobby disfarçado para evitar que a presente sugestão se transforme em lei. Ela seria péssima para os “business”.
Espero ter, pelo menos, levantado o problema, que será melhor examinado pelos especialistas da área. E o Dep. Alessandro Molon certamente terá condições de decidir se a proposta deve ser incluída, já, nos trabalhos da Subcomissão, ou relegada para lei avulsa. De qualquer forma, haverá um benefício geral caso a proposta em exame seja transformada em direito positivo.
(14-3-2012)
quinta-feira, 15 de março de 2012
segunda-feira, 12 de março de 2012
Os mistérios políticos do Oriente Médio
Os mistérios políticos do Oriente Médio
Se existe o perigo de uma Terceira Guerra Mundial — e existe mesmo — a ponta do estopim da explosão localiza-se no Oriente Médio. Esse perigo está materializado, em carne e osso, em duas figuras mundialmente bem conhecidas porque estão na mídia de todos os dias: Benjamin Netanyahu e Mahmoud Ahmadinejad.
Historiadores podem ser classificados em dois grupos principais: aqueles que valorizam muito mais as “condições objetivas” dos países — sua história, a política, a geografia, a economia, os movimentos sociais, as religiões, a índole do povo, etc. — do que as características individuais dos seus líderes, os “homens decisivos”: ditadores ou democratas de forte personalidade, capazes de moldar nações ou criar impérios.
Já os historiadores mais propensos a valorizar a Biografia que a Geografia pensam o contrário. Argumentam que se “Fulano de Tal” não houvesse nascido o mundo seria totalmente diferente. Diriam: — “Como seria a história do planeta se não tivessem existido Alexandre, Júlio Cesar, Marco Aurélio, Constantino, Pedro (o Grande), Gengis Khan, Átila, Napoleão, Washington, Lincoln, os dois Roosevelt (Theodor e Franklin), Lenine, Stálin, Gorbachev, Mao, Gandhi, Hitler, Adenauer, Churchill, Mandela, Ben Gurion, Al Arafat e outros políticos que realmente alteraram — para o bem ou para o mal — os rumos da História Universal?”.
De minha parte, valorizo muito mais a biografia que a geografia. No tempo de Alexandre, o Grande, por exemplo, a Grécia não precisava conquistar o globo para continuar existindo. Megalomania, em escritor ou atleta, pode até resultar em Prêmio Nobel de Literatura ou Medalha Olímpica — conforme o caso —, mas, em político, o resultado mais usual é a desgraça, o sofrimento tanto para os povos conquistados quanto, depois, para o país conquistador. Hitler, na década de 1930, queria o milênio de supremacia racial ariana, projeto de foi para o brejo em 1945. Curtíssimo sonho de “grandiosidade”.
Netanyahu e Ahmadinejad são dois nomes que provavelmente integrarão (com nota baixíssima, até agora) a seleta relação acima, quando historiadores do futuro fizerem suas avaliações sobre essas ilustres e pouco lúcidas figuras. Como todo ser humano comporta alguma imprevisibilidade, somente depois de ambos mortos e queimados — em crematórios normais ou fogo nuclear — é que poderão ser julgados, moral e intelectualmente. Penso que nenhum dos dois tem plena consciência do que acontecerá nos meses e anos seguinte ao ameaçador ataque israelense contra as instalações nucleares iranianas.
A utilidade de Netanyahu e Ahmadinejad, hoje, é praticamente nenhuma, exceto para a venda de jornais, projeções de lucros mirabolantes da indústria armamentista, remuneração de articulistas de grandes jornais — raramente imparciais — e o anedotário internacional. Mas, como disse, a esperança é como o gato — tem nove vidas — e pode, em tese, ocorrer uma súbita “revelação” sobrenatural que ilumine um pouco essas duas cabeças. Algo assim como um sonho, ou “aviso” fantasmagórico que até os derrube da cama, puxados pelos cabelos por, respectivamente, Moisés e Maomé, mil vezes mais sábios do que eles e certamente, hoje, grandes amigos. No Paraíso, esses grandes profetas tiveram tempo de sobra para trocar idéias, chegando à conclusão — arre! — de que o objetivo de ambas as religiões é coincidente: melhorar o ser humano. Por isso os profetas gritarão indignados para os dois vivos: “Pensem um pouco, malditas crianças grandes! Procurem entender o outro, não intimidação e a morte! Releiam a os livros sagrados, segundo a intenção deles! Não foi isso que pregamos, seus analfabetos funcionais!”
Diariamente, os jornais mencionam que Ahmadinejad viola suas “obrigações internacionais”. Que “obrigações internacionais’ são essas? Resposta: abster-se de fabricar bombas nucleares. Consequentemente permitindo aos inspetores da AIEA – Agência Internacional de Energia Atômica que examinem in loco se as atividades nucleares são para fins pacíficos ou militares. E por que a AIEA tem esse direito de inspeção? Porque o Irã, em 1968, quando era governado pelo Xá da Pérsia, Reza Pahlevi (grande amigo dos americanos), assinou o TNP – Tratado de Não Proliferação Nuclear, que entrou em vigor em 1970, assinado finalmente por 188 países.
A preocupação, justa — em tese —, da Não Proliferação era evitar o que está claramente expresso no título do tratado: diminuir, ao máximo, a difusão da técnica de fabricar armas que, usadas em grande escala, poderão até mesmo extinguir a vida na face da Terra. O que explica, então, que os cinco membros do Conselho de Segurança da ONU mantenham o privilégio de usufruir essas poderosas armas que nem precisam ser utilizadas para impor respeito aos demais países — tenham eles, ou não, tais armas?
A explicação é simples. Primeiro, porque sem esse privilégio das grandes potências o TNP não teria sido sequer votado. Todos os países fortes desconfiam dos demais. Os fracos também desconfiam mas nem podiam — então e ainda agora —, se dar ao luxo de protestar contra essa evidente prova de desigualdade de direitos na área internacional. Segundo, porque dificilmente um país vai ser louco de atacar, com armas nucleares ou convencionais, um país capaz de reagir rapidamente com armas desse porte. Se ambos os países usarem armas nucleares os dois, vencedor e vencido, sofrerão com a loucura. Milhares, ou milhões, morrerão na hora; outros milhares morrerão lentamente, vítimas da radiação. Foi por isso que, paradoxalmente, EUA e União Soviética — potências atômicas — viram-se forçados a travar uma guerra apenas “Fria”, de espionagem e jogo de influência, após terminada a 2ª. Guerra Mundial. Sem um único tiro, que me lembre, nem mesmo de espingarda enferrujada, a mostrar a eficaz e paradoxal utilidade da arma atômica na manutenção da paz, embora uma paz contrariada. Mesmo na carnificina do Vietnã não houve o emprego de arma nuclear porque se o Vietnã não tinha tais armas, a União Soviética as tinha.
Em suma: a mera posse de armas nucleares, mesmo não usadas, é garantia de segurança. Por isso é de interesse do Irã dominar a técnica nuclear porque com ela poderá utilizá-la tanto para fins pacíficos — justificados, porque o petróleo é finito e poluidor — quanto, eventualmente, para fins militares, porque desconfia de possíveis ou reais ambições expansionistas de Israel, demonstradas em sucessivas autorizações de colônias na Cisjordânia, não obstante a Corte Internacional de Justiça já tenha decidido que essa ocupação é ilegal. A Netanyahu não interessa entrar em acordo com a Autoridade Palestina, estabelecendo fronteiras entre dois estados porque com fronteiras, limitativas de espaço, Israel não poderá acolher o máximo possível de judeus que estão em outros países, principalmente nos EUA. Na verdade, hoje os judeus não mais são perseguidos, vivem muito bem, ocupam altas posições na economia e na política e não se justifica que sacrifiquem palestinos só para acolherem, ilimitadamente, irmãos de sangue ou de religião que venham de toda parte.
Como disse acima, o Irã, no tempo do Xá, assinou o TNP. No entanto, esse mesmo documento permite que qualquer país signatário peça sua exclusão, alegando que se sente ameaçado em sua segurança. A única exigência é que peça a exclusão com a antecedência de 90 dias. E há muito Israel faz ameaças de atacar preventivamente as instalações nucleares iranianas, desconfiado das suas intenções armamentistas.
Se o Irã tivesse, há muito, requerido sua exclusão do TNP, já estaria, juridicamente, em pé de igualdade com Israel, que nunca negou possuir robusto arsenal nuclear e está isento de qualquer inspeção da AIEA somente porque não assinou o tratado. Israel sente-se muito confortável porque pode ameaçar sem ser ameaçado seriamente. A ameaça contra Israel é não só hipotética como também futura. Argumenta, claramente, que precisa atacar o Irã antes que ele tenha condições de se defender, o cúmulo da arrogância. Sente-se protegido triplamente: com armas convencionais avançadíssimas, com armas nucleares e com a proteção da maior potência militar e econômica do planeta. Mais segurança do que isso é impossível. O “medo” é mais um pretexto para outros fins.
Israel alega temer que o Irã consiga apressar a fabricação da “bomba” e, sem mais aquela, lança-la contra Israel. Esse “receio” é aberrante ficção porque, fazendo isso o Irã — grande amigo dos palestinos —, acabaria matando também milhares de árabes, tal a proximidade física entre judeus e os árabes em Israel. E um insano ataque desses, por parte do Irã, significaria praticamente a destruição definitiva desse país porque no dia seguinte, ou no mesmo dia, o Irã ficaria reduzido a cinzas radioativas, tal a reação israelense e americana. Poucos meses atrás Netanyahu conseguiu, com Hillary Clinton, um tratado de defesa de tal forma que se Israel entrar em qualquer guerra os EUA o apoiará.
Toda vez que Netanyahu vai aos Estados Unidos, consegue alguma coisa. Pede mais e recebe menos, mas sempre recebe, e não pouco. Dias atrás, não conseguindo “autorização” americana — como se os EUA fossem os donos do mundo — para bombardear, já, instalações nucleares iranianas, conseguiu armas e aviões especiais, capazes de, tudo indica, despejar bombas capazes de perfurar grandes camadas de rocha e destruir laboratórios e fábricas que lidam com material atômico. Tira proveito da necessidade de Barack Obama contar com o apoio do lobby judaico para ganhar a eleição deste ano.
Com esse panorama de perigo, por que o Irã não pede sua exclusão do TNP, podendo fazê-lo? Esse, um dos mistérios referidos no título do artigo. Um outro mistério, que não prestigia a inteligência de Ahmadinejad — para nos exprimirmos em linguagem amena — está na demagógica insistência de que pretende “Varrer Israel do mapa”. É uma idéia louca que pode até lhe render alguns votos, em eleição, mas só atraiu antipatia internacional e ódio de judeus merecedores de máximo respeito, capazes até de sentir alguma simpatia pelos palestinos inferiorizados mas temem a destruição de Israel, um país de quase oito milhões de habitantes. Essa asneira do presidente iraniano era justamente o que os governantes israelitas queriam ouvir, porque, escorados nela, podem dizer, com seu primeiro-ministro, que “Israel tem o direito e o dever de preservar sua própria existência! Tem o direito soberano de tomar suas decisões, de controlar seu destino”.
Tivesse Ahmadinejad um mínimo de habilidade, de argúcia, convocaria a imprensa e diria que já não é mais intenção do Irã destruir Israel, porque isso significaria um Segundo Holocausto, intolerável para o globo e incompatível com a paz que beneficiaria a todos . Admitiria também a existência do Holocausto, algo inegável. Poderia até admitir — dando a impressão de que estaria sendo sincero — que ainda tinha dúvidas quando a quantidade de judeus mortos na carnificina mas que a exatidão numérica, no caso, é irrelevante. Insistiria apenas na questão da injustiça praticada contra os palestinos expulsos ou vivendo pessimamente.
Excluído o Irã do TNP, nenhum jornal poderia mais — sem confissão de ignorância na área do Direito Internacional Público — alegar que o Irã viola “obrigações internacionais”. Não há, ainda, “normas internacionais” porque não há um governo internacional. Há apenas tratados entre países, cada uma mandando no seu próprio terreiro e, se suficientemente fortes, mandando no terreiro alheio. Ou, se muito fracos, não mandando no próprio território. Com o desligamento do TNP o Irã ficaria em pé de igualdade jurídica com Israel, que nunca pôde, tecnicamente, ser acusado de violar as normas internacionais somente porque não assinou o tratado de 1968.
Quanto à Natanyahu, o maio mistério está nele ainda contar com o apoio da maioria de um povo que muito de distinguiu no campo intelectual. Não que, biologicamente, esse povo seja melhor, diferente do resto da humanidade. Destacou-se porque seguiu suas tradições e foi orientado, de pai para filho, para procurar no estudo, no saber, “no livro”, uma compensação contra as perseguições se sofria. Tornaram-se financistas porque essa atividade não era vista com bons olhos pelos cristãos, sempre olhando para o céu. Mas para mostrar que não são apenas movidos pela ganância, os judeus cultivaram e as ciências e as artes, tanto assim que foram premiadíssimos pelo Nobel de Literatura.
Eva Todor, Nathalia Timberg, Ziebinski, Dina Sfat, Clarice Linspector, Adolpho Block, Alberto Dines, Alberto Goldman, André Singer, Arnaldo Niskier, Gilberto Dimenstein, Dustin Hoffman, Woody Allen e Steven Spielberg e Harrison Ford são judeus. Só nessa singela lista de pessoas de caráter e talento, vemos que é impossível encarar os judeus como um povo “ruim”. Se não se opõem, vivamente, contra o político Netanyahu é porque sentem medo, um medo astutamente cultivado por políticos agressivos que contam com ele para se manter no poder. Medo dá voto. Até mais do que o dinheiro.
Não sei se o leitor já ouviu falar na doutrina do “destino manifesto”. Essa “doutrina”, segundo a Wikipédia, esteve em vigor no século XIX e “expressa a crença de que o povo dos Estados Unidos foi eleito por Deus para comandar o mundo, e por isso o expansionismo americano é apenas o cumprimento da vontade Divina”. Um presidente americano, James Buchanan, no discurso de sua posse em 1857 chegou a dizer que “A expansão dos Estados Unidos sobre o continente americano, desde o Ártico até a América do Sul, é o destino de nossa raça (...) e nada pode detê-la”. Uma bobabem dessas não seria repetida hoje, pelo menos de forma tão explicita. Espera-se que Netanyahu não sinta grande admiração por essa doutrina de “destino manifesto”, pretendendo aplicá-la no Oriente Médio.
Nem tudo, porém, está perdido. Netanyahu certamente terá algumas qualidades. E pode, em tese — se tiver coragem suficiente — tornar-se um gênio da construção de um mundo melhor. Basta ousar, propondo à Autoridade Palestina que aceite passar às mãos da ONU a delimitação das fronteiras entre os dois povos e o que fazer com os refugiados palestinos espalhados em países árabes vizinhos. Os dois povos apresentação seus argumento e pretensões a um órgão da ONU decidirá, com base na equidade. Na Jordânia, pelo que sei, centenas ou milhares de palestinos já se integraram na economia jordaniana. Os refugiados palestinos, recebendo uma indenização razoável, poderão — em troca — instalarem-se em diversos países, voltando a esperada paz na região.
Desaparecida a “inflamação aguda” na ferida da expulsão de palestinos o terrorismo islâmico desaparecerá em pouco tempo. E o mundo evitará a auto-destruição. A indústria armamentista vai estrilar, mas ela pode se adaptar, receber alguma compensação pela perda de lucros. Há atividades mais úteis que fabricar máquinas de matar.
(12-3-2012)
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Se existe o perigo de uma Terceira Guerra Mundial — e existe mesmo — a ponta do estopim da explosão localiza-se no Oriente Médio. Esse perigo está materializado, em carne e osso, em duas figuras mundialmente bem conhecidas porque estão na mídia de todos os dias: Benjamin Netanyahu e Mahmoud Ahmadinejad.
Historiadores podem ser classificados em dois grupos principais: aqueles que valorizam muito mais as “condições objetivas” dos países — sua história, a política, a geografia, a economia, os movimentos sociais, as religiões, a índole do povo, etc. — do que as características individuais dos seus líderes, os “homens decisivos”: ditadores ou democratas de forte personalidade, capazes de moldar nações ou criar impérios.
Já os historiadores mais propensos a valorizar a Biografia que a Geografia pensam o contrário. Argumentam que se “Fulano de Tal” não houvesse nascido o mundo seria totalmente diferente. Diriam: — “Como seria a história do planeta se não tivessem existido Alexandre, Júlio Cesar, Marco Aurélio, Constantino, Pedro (o Grande), Gengis Khan, Átila, Napoleão, Washington, Lincoln, os dois Roosevelt (Theodor e Franklin), Lenine, Stálin, Gorbachev, Mao, Gandhi, Hitler, Adenauer, Churchill, Mandela, Ben Gurion, Al Arafat e outros políticos que realmente alteraram — para o bem ou para o mal — os rumos da História Universal?”.
De minha parte, valorizo muito mais a biografia que a geografia. No tempo de Alexandre, o Grande, por exemplo, a Grécia não precisava conquistar o globo para continuar existindo. Megalomania, em escritor ou atleta, pode até resultar em Prêmio Nobel de Literatura ou Medalha Olímpica — conforme o caso —, mas, em político, o resultado mais usual é a desgraça, o sofrimento tanto para os povos conquistados quanto, depois, para o país conquistador. Hitler, na década de 1930, queria o milênio de supremacia racial ariana, projeto de foi para o brejo em 1945. Curtíssimo sonho de “grandiosidade”.
Netanyahu e Ahmadinejad são dois nomes que provavelmente integrarão (com nota baixíssima, até agora) a seleta relação acima, quando historiadores do futuro fizerem suas avaliações sobre essas ilustres e pouco lúcidas figuras. Como todo ser humano comporta alguma imprevisibilidade, somente depois de ambos mortos e queimados — em crematórios normais ou fogo nuclear — é que poderão ser julgados, moral e intelectualmente. Penso que nenhum dos dois tem plena consciência do que acontecerá nos meses e anos seguinte ao ameaçador ataque israelense contra as instalações nucleares iranianas.
A utilidade de Netanyahu e Ahmadinejad, hoje, é praticamente nenhuma, exceto para a venda de jornais, projeções de lucros mirabolantes da indústria armamentista, remuneração de articulistas de grandes jornais — raramente imparciais — e o anedotário internacional. Mas, como disse, a esperança é como o gato — tem nove vidas — e pode, em tese, ocorrer uma súbita “revelação” sobrenatural que ilumine um pouco essas duas cabeças. Algo assim como um sonho, ou “aviso” fantasmagórico que até os derrube da cama, puxados pelos cabelos por, respectivamente, Moisés e Maomé, mil vezes mais sábios do que eles e certamente, hoje, grandes amigos. No Paraíso, esses grandes profetas tiveram tempo de sobra para trocar idéias, chegando à conclusão — arre! — de que o objetivo de ambas as religiões é coincidente: melhorar o ser humano. Por isso os profetas gritarão indignados para os dois vivos: “Pensem um pouco, malditas crianças grandes! Procurem entender o outro, não intimidação e a morte! Releiam a os livros sagrados, segundo a intenção deles! Não foi isso que pregamos, seus analfabetos funcionais!”
Diariamente, os jornais mencionam que Ahmadinejad viola suas “obrigações internacionais”. Que “obrigações internacionais’ são essas? Resposta: abster-se de fabricar bombas nucleares. Consequentemente permitindo aos inspetores da AIEA – Agência Internacional de Energia Atômica que examinem in loco se as atividades nucleares são para fins pacíficos ou militares. E por que a AIEA tem esse direito de inspeção? Porque o Irã, em 1968, quando era governado pelo Xá da Pérsia, Reza Pahlevi (grande amigo dos americanos), assinou o TNP – Tratado de Não Proliferação Nuclear, que entrou em vigor em 1970, assinado finalmente por 188 países.
A preocupação, justa — em tese —, da Não Proliferação era evitar o que está claramente expresso no título do tratado: diminuir, ao máximo, a difusão da técnica de fabricar armas que, usadas em grande escala, poderão até mesmo extinguir a vida na face da Terra. O que explica, então, que os cinco membros do Conselho de Segurança da ONU mantenham o privilégio de usufruir essas poderosas armas que nem precisam ser utilizadas para impor respeito aos demais países — tenham eles, ou não, tais armas?
A explicação é simples. Primeiro, porque sem esse privilégio das grandes potências o TNP não teria sido sequer votado. Todos os países fortes desconfiam dos demais. Os fracos também desconfiam mas nem podiam — então e ainda agora —, se dar ao luxo de protestar contra essa evidente prova de desigualdade de direitos na área internacional. Segundo, porque dificilmente um país vai ser louco de atacar, com armas nucleares ou convencionais, um país capaz de reagir rapidamente com armas desse porte. Se ambos os países usarem armas nucleares os dois, vencedor e vencido, sofrerão com a loucura. Milhares, ou milhões, morrerão na hora; outros milhares morrerão lentamente, vítimas da radiação. Foi por isso que, paradoxalmente, EUA e União Soviética — potências atômicas — viram-se forçados a travar uma guerra apenas “Fria”, de espionagem e jogo de influência, após terminada a 2ª. Guerra Mundial. Sem um único tiro, que me lembre, nem mesmo de espingarda enferrujada, a mostrar a eficaz e paradoxal utilidade da arma atômica na manutenção da paz, embora uma paz contrariada. Mesmo na carnificina do Vietnã não houve o emprego de arma nuclear porque se o Vietnã não tinha tais armas, a União Soviética as tinha.
Em suma: a mera posse de armas nucleares, mesmo não usadas, é garantia de segurança. Por isso é de interesse do Irã dominar a técnica nuclear porque com ela poderá utilizá-la tanto para fins pacíficos — justificados, porque o petróleo é finito e poluidor — quanto, eventualmente, para fins militares, porque desconfia de possíveis ou reais ambições expansionistas de Israel, demonstradas em sucessivas autorizações de colônias na Cisjordânia, não obstante a Corte Internacional de Justiça já tenha decidido que essa ocupação é ilegal. A Netanyahu não interessa entrar em acordo com a Autoridade Palestina, estabelecendo fronteiras entre dois estados porque com fronteiras, limitativas de espaço, Israel não poderá acolher o máximo possível de judeus que estão em outros países, principalmente nos EUA. Na verdade, hoje os judeus não mais são perseguidos, vivem muito bem, ocupam altas posições na economia e na política e não se justifica que sacrifiquem palestinos só para acolherem, ilimitadamente, irmãos de sangue ou de religião que venham de toda parte.
Como disse acima, o Irã, no tempo do Xá, assinou o TNP. No entanto, esse mesmo documento permite que qualquer país signatário peça sua exclusão, alegando que se sente ameaçado em sua segurança. A única exigência é que peça a exclusão com a antecedência de 90 dias. E há muito Israel faz ameaças de atacar preventivamente as instalações nucleares iranianas, desconfiado das suas intenções armamentistas.
Se o Irã tivesse, há muito, requerido sua exclusão do TNP, já estaria, juridicamente, em pé de igualdade com Israel, que nunca negou possuir robusto arsenal nuclear e está isento de qualquer inspeção da AIEA somente porque não assinou o tratado. Israel sente-se muito confortável porque pode ameaçar sem ser ameaçado seriamente. A ameaça contra Israel é não só hipotética como também futura. Argumenta, claramente, que precisa atacar o Irã antes que ele tenha condições de se defender, o cúmulo da arrogância. Sente-se protegido triplamente: com armas convencionais avançadíssimas, com armas nucleares e com a proteção da maior potência militar e econômica do planeta. Mais segurança do que isso é impossível. O “medo” é mais um pretexto para outros fins.
Israel alega temer que o Irã consiga apressar a fabricação da “bomba” e, sem mais aquela, lança-la contra Israel. Esse “receio” é aberrante ficção porque, fazendo isso o Irã — grande amigo dos palestinos —, acabaria matando também milhares de árabes, tal a proximidade física entre judeus e os árabes em Israel. E um insano ataque desses, por parte do Irã, significaria praticamente a destruição definitiva desse país porque no dia seguinte, ou no mesmo dia, o Irã ficaria reduzido a cinzas radioativas, tal a reação israelense e americana. Poucos meses atrás Netanyahu conseguiu, com Hillary Clinton, um tratado de defesa de tal forma que se Israel entrar em qualquer guerra os EUA o apoiará.
Toda vez que Netanyahu vai aos Estados Unidos, consegue alguma coisa. Pede mais e recebe menos, mas sempre recebe, e não pouco. Dias atrás, não conseguindo “autorização” americana — como se os EUA fossem os donos do mundo — para bombardear, já, instalações nucleares iranianas, conseguiu armas e aviões especiais, capazes de, tudo indica, despejar bombas capazes de perfurar grandes camadas de rocha e destruir laboratórios e fábricas que lidam com material atômico. Tira proveito da necessidade de Barack Obama contar com o apoio do lobby judaico para ganhar a eleição deste ano.
Com esse panorama de perigo, por que o Irã não pede sua exclusão do TNP, podendo fazê-lo? Esse, um dos mistérios referidos no título do artigo. Um outro mistério, que não prestigia a inteligência de Ahmadinejad — para nos exprimirmos em linguagem amena — está na demagógica insistência de que pretende “Varrer Israel do mapa”. É uma idéia louca que pode até lhe render alguns votos, em eleição, mas só atraiu antipatia internacional e ódio de judeus merecedores de máximo respeito, capazes até de sentir alguma simpatia pelos palestinos inferiorizados mas temem a destruição de Israel, um país de quase oito milhões de habitantes. Essa asneira do presidente iraniano era justamente o que os governantes israelitas queriam ouvir, porque, escorados nela, podem dizer, com seu primeiro-ministro, que “Israel tem o direito e o dever de preservar sua própria existência! Tem o direito soberano de tomar suas decisões, de controlar seu destino”.
Tivesse Ahmadinejad um mínimo de habilidade, de argúcia, convocaria a imprensa e diria que já não é mais intenção do Irã destruir Israel, porque isso significaria um Segundo Holocausto, intolerável para o globo e incompatível com a paz que beneficiaria a todos . Admitiria também a existência do Holocausto, algo inegável. Poderia até admitir — dando a impressão de que estaria sendo sincero — que ainda tinha dúvidas quando a quantidade de judeus mortos na carnificina mas que a exatidão numérica, no caso, é irrelevante. Insistiria apenas na questão da injustiça praticada contra os palestinos expulsos ou vivendo pessimamente.
Excluído o Irã do TNP, nenhum jornal poderia mais — sem confissão de ignorância na área do Direito Internacional Público — alegar que o Irã viola “obrigações internacionais”. Não há, ainda, “normas internacionais” porque não há um governo internacional. Há apenas tratados entre países, cada uma mandando no seu próprio terreiro e, se suficientemente fortes, mandando no terreiro alheio. Ou, se muito fracos, não mandando no próprio território. Com o desligamento do TNP o Irã ficaria em pé de igualdade jurídica com Israel, que nunca pôde, tecnicamente, ser acusado de violar as normas internacionais somente porque não assinou o tratado de 1968.
Quanto à Natanyahu, o maio mistério está nele ainda contar com o apoio da maioria de um povo que muito de distinguiu no campo intelectual. Não que, biologicamente, esse povo seja melhor, diferente do resto da humanidade. Destacou-se porque seguiu suas tradições e foi orientado, de pai para filho, para procurar no estudo, no saber, “no livro”, uma compensação contra as perseguições se sofria. Tornaram-se financistas porque essa atividade não era vista com bons olhos pelos cristãos, sempre olhando para o céu. Mas para mostrar que não são apenas movidos pela ganância, os judeus cultivaram e as ciências e as artes, tanto assim que foram premiadíssimos pelo Nobel de Literatura.
Eva Todor, Nathalia Timberg, Ziebinski, Dina Sfat, Clarice Linspector, Adolpho Block, Alberto Dines, Alberto Goldman, André Singer, Arnaldo Niskier, Gilberto Dimenstein, Dustin Hoffman, Woody Allen e Steven Spielberg e Harrison Ford são judeus. Só nessa singela lista de pessoas de caráter e talento, vemos que é impossível encarar os judeus como um povo “ruim”. Se não se opõem, vivamente, contra o político Netanyahu é porque sentem medo, um medo astutamente cultivado por políticos agressivos que contam com ele para se manter no poder. Medo dá voto. Até mais do que o dinheiro.
Não sei se o leitor já ouviu falar na doutrina do “destino manifesto”. Essa “doutrina”, segundo a Wikipédia, esteve em vigor no século XIX e “expressa a crença de que o povo dos Estados Unidos foi eleito por Deus para comandar o mundo, e por isso o expansionismo americano é apenas o cumprimento da vontade Divina”. Um presidente americano, James Buchanan, no discurso de sua posse em 1857 chegou a dizer que “A expansão dos Estados Unidos sobre o continente americano, desde o Ártico até a América do Sul, é o destino de nossa raça (...) e nada pode detê-la”. Uma bobabem dessas não seria repetida hoje, pelo menos de forma tão explicita. Espera-se que Netanyahu não sinta grande admiração por essa doutrina de “destino manifesto”, pretendendo aplicá-la no Oriente Médio.
Nem tudo, porém, está perdido. Netanyahu certamente terá algumas qualidades. E pode, em tese — se tiver coragem suficiente — tornar-se um gênio da construção de um mundo melhor. Basta ousar, propondo à Autoridade Palestina que aceite passar às mãos da ONU a delimitação das fronteiras entre os dois povos e o que fazer com os refugiados palestinos espalhados em países árabes vizinhos. Os dois povos apresentação seus argumento e pretensões a um órgão da ONU decidirá, com base na equidade. Na Jordânia, pelo que sei, centenas ou milhares de palestinos já se integraram na economia jordaniana. Os refugiados palestinos, recebendo uma indenização razoável, poderão — em troca — instalarem-se em diversos países, voltando a esperada paz na região.
Desaparecida a “inflamação aguda” na ferida da expulsão de palestinos o terrorismo islâmico desaparecerá em pouco tempo. E o mundo evitará a auto-destruição. A indústria armamentista vai estrilar, mas ela pode se adaptar, receber alguma compensação pela perda de lucros. Há atividades mais úteis que fabricar máquinas de matar.
(12-3-2012)
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segunda-feira, 5 de março de 2012
Orelha versus cotovelo no "vale-tudo"
Orelha versus cotovelo no “vale-tudo”
Tomo a liberdade de abordar um assunto menos intelectualizado, mas de alguma utilidade geral, considerando que os esportes exercem um papel não desprezível na formação moral dos cidadãos. Eles ajudam no fortalecimento do caráter, incentivam a auto-disciplina, a auto-confiança, a tenacidade. Servem de escoadouro legal para o componente de agressividade que faz parte da nossa herança animal. Isso sem mencionar os benefícios para a saúde, quando praticado. Um atleta dominado pela gula, pelo álcool, pelas drogas, pela preguiça e pela atividade sexual sem controle pode dar adeus ao estrelato nos esportes. Se chegar a campeão, será por pouco tempo. Logo um outro atleta, talvez menos dotado porém mais disciplinado, o humilhará, no campo, na quadra, no ringue ou no “octógono” do “vale-tudo”.
Sempre gostei de esportes de luta, embora tenha-os praticado muito pouco e com reduzido talento. Tinha pouca resistência, cansava logo; talvez falta de treino. Um pouco de boxe, quando no ginásio, e outro tanto de judô, quando juiz da comarca de Cachoeira Paulista- SP. A academia de judô, onde estive algumas vezes, localizava-se na vizinha cidade de Lorena. Notei que alguns dos meus adversários, nos treinos, caiam muito facilmente, provavelmente para agradar “sua Excelência”. Era uma época em que os juízes eram altamente respeitados — e tenho a certeza de que voltarão a sê-lo, passada a maré baixa atual, desencadeada por variados fatores, a maior parte sem culpa dos próprios magistrados, em sua vasta maioria.
Justamente por apreciar esportes de luta é que sinto-me motivado a externar alguma preocupação com o progresso — ou regresso — das artes marciais. Tudo o que é bom pode se tornar mau, conforme o rumo. O equilíbrio, em tudo, é raro e precário. Neste artigo abordarei o “vale-tudo”, um esporte que cada vez mais atrai entusiastas. Até mesmo do sexo feminino, assistindo as lutas ou até mesmo praticando-o — o que é um tanto contrário à natureza da mulher. Presumo, no entanto, que boa parte das moças — as menos moças certamente confessam que “odeio essa barbárie!” — que comparecem aos estádios estão ali apenas para vigiar e agradar aos namorados ou maridos, porque a concorrência feminina na caça e guarda dos varões é sempre tenaz, embora sutil. Digo isso porque as mulheres são, no geral, menos apreciadoras de cenas de violência e sangue.
Por que eu “evoluí” para o “vale-tudo” atual, bem mais violento que o boxe, o judô e outras formas orientais de luta? Porque o “vale-tudo” na sua fase inicial, de muitos anos atrás, era apenas um “show”, uma simulação de luta, com espetaculares “tesouras-voadoras”, golpes e cambalhotas artisticamente combinadas. Não eram permitidos nem socos nem pontapés. Apenas golpes com macios e carnudos antebraços. Usar os cotovelos? Nem pensar! E havia sempre, no ringue, um “herói’ e um ‘bandido”, quando não quatro artistas, digo, lutadores, dois contra dois. Até mesmo, vez por outra, anões enfeitavam o espetáculo. Quando — conforme o combinado —, era a vez do “bandido” bater, o “herói” só apanhava, sem reagir, parecendo um “zumbi” sonolento. De repente, o “zumbi” virava uma fera e espancava o “bandido”, agarrado pela barba, em submissão humilhante, um castigo por ser tão mau.
O público, porém, acabou cansando da brincadeira que era também uma ofensa à inteligência. Alguns brasileiros da área de luta, porém, os aguerridos Gracie, arregaçaram as mangas do quimono e deram um basta na palhaçada. Um deles foi morar nos EUA, abriu academia e ali deram início às lutas de verdade. Um pioneirismo brasileiro, porque o ser humano realmente gosta de assistir uma boa briga. Eu, por exemplo, não acho a mínima graça no futebol mas quando surge uma briga no campo só mudo de canal quando o jogo prossegue. O mesmo ocorre, aliás, quando surge pancadaria entre parlamentares de qualquer país. Suponho que o nível de audiência sobe na proporção direta das “porradas” e chutes dos ilustres representantes do povo. No noticiário televisivo as cenas de pancadaria, nos parlamentos, são anunciadas no início do programa mas somente exibidas no encerramento, uma técnica para manter o telespectador ligado no canal.
O “vale-tudo real” venceu — talvez ainda venha a suplantar o futebol e o basquete no número de adeptos — porque preencheu um vazio existente desde que foram proibidas as lutas entre gladiadores na antiga Roma, em que os gladiadores realmente se matavam com armas metálicas. Com o avanço do Cristianismo as lutas entre gladiadores foram proibidas no tempo de Constantino I, no ano de 325, embora, dizem, não cessassem totalmente na clandestinidade.
Mais recentemente, passou a vigorar, no “vale- tudo”, uma arma que, embora feita de osso, também pode cortar. Refiro-me aos cotovelos. Por sinal, dizem os arqueólogos que no Neanderthal as tíbias dos esqueletos já eram usadas como porretes nas lutas tribais, porque era uma arma que combinava leveza com dureza. Umas boas “ossadas”, ou “tibiadas” no crânio do adversário provocavam uma instantânea resignação ou desmaio.
Poucos dias atrás, acessando, por outros motivos, o “Terra” , apareceu uma cena de “vale-tudo” em que boa parte da orelha de um dos atletas foi realmente “cortada”, ou melhor, decepada pelo cotovelo do adversário. Os seguidos e violentos golpes no pavilhão auricular funcionaram como uma tesoura de jardineiro e o pedaço de cartilagem saltou, apavorada, quase um metro distante do cotovelo assassino. Orelhas foram providenciadas, pela Natureza, para auxiliarem na audição. Funcionam como concha acústica. Devem, portanto, ser preservadas, jamais cortadas ou fatiadas em lutas. E o fato — agora comprovado na referida cena —, é que o cotovelo pode arrancar orelhas, pelo menos parcialmente. E não sei se podem ser costuradas de volta. De qualquer maneira, o incidente deve ser encarado como um aviso de que o uso do cotovelo deve ser banido do “vale-tudo”, pelo menos na cabeça e no pescoço. Os maiores sangramentos que aparecem nas lutas — cenas que estimulam inconscientemente a barbárie — ocorrem com os cortes provocados pelas pontas ossudas. Isso sem mencionar as cotoveladas no olho que, talvez, possam cegar. Se, eventualmente, alguém já ficou cego de um olho, por causa de cotovelada especialmente certeira, essa notícia dificilmente seria difundida, porque prejudicaria a disseminação de um esporte que cresce cada vez mais, gerando negócios até milionários.
Alguém poderá argumentar que sendo o “vale-tudo” uma arte marcial em que “tudo vale”, seria contraditório estabelecer regras que cerceiem o principal atrativo desse tipo: refletir os conflitos corporais da vida real. Quando dois homens se enfrentam de verdade, em uma briga, eles não se preocupam com regras. Querem, normalmente, apenas não chegar ao ponto de matar o adversário, porque isso traria complicações e prisão. Sendo assim — argumentaria esse hipotético argumentador —, por que não permitir o uso do cotovelo, mesmo que isso implique em mais freqüente derramamento de sangue?
Contra tal argumento cabe dizer que o “vale-tudo” já está parcialmente civilizado. Nem tudo é permitido. Pontapés nos órgãos genitais; mordidas; enfiar o dedo no olho; beliscões; impedir, com a mão, que o adversário respire; socos na nuca e joelhadas na cabeça, quando o adversário está de quatro, estão proibidos há bom tempo. Tais restrições não transformaram o “vale-tudo” em esporte de “mariquinhas”. Socos quebram narizes e pontapés altos, nocauteando o oponente, já são triviais. Essa forma de combate já é muito mais agressiva que o boxe, que nunca foi acusado de esporte de “mocinhas”, sendo considerado muito violento. A desvantagem do boxe para o “vale-tudo” está no excesso de limitação do primeiro: na proibição do uso das pernas como arma; na impossibilidade da luta se desenvolver no chão e na infinita capacidade de combinar golpes. Por causa da criatividade, da constante inovação, o “vale-tudo” é muito menos monótono que o boxe, e por isso é fácil prever que o boxe se tornará um esporte que perderá muito público para o seu concorrente principal. O “vale-tudo” é, em suma, muito mais dinâmico e “real”.
A “sede de sangue”, ou de “hiper-realismo” nos combates — presumível justificativa para os golpes de cotovelo no rosto e no crânio —, pode levar algum maluco a, futuramente, sugerir — em espaços clandestinos —, que lutadores muito necessitados de dinheiro, usem soco-inglês, ou pequenos canivetes, porque na “vida real” tais armas são utilizadas.Digo isso porque a violência pode se tornar um vício, necessitando de doses crescentes de adrenalina.
A visão diária ou quase diária de sangue na televisão, oriunda de lutas, estimula o uso da violência, quando surge algum desentendimento no trânsito ou em qualquer lugar. Com freqüência a mídia revela agressões ocorridas em casas noturnas em que algum freguês quase morre de apanhar, por discussão sobre o preço das bebidas ou porque olhou de modo especial para uma moça acompanhada.
Sei que nas boas academias de artes marciais os professores alertam constantemente os alunos para que não briguem na rua. Insistem que em vez de brigar, devem lutar, obedecendo às regras de seu esporte. O perigo da violência sanguinolenta não está, porém, no comportamento dos alunos de academia mas no fato de que tais lutas são vistas na televisão, sem aconselhamento algum por parte de professores. Jovens revoltados — desempregados ou empregados, mas ganhando muito pouco — vendo os lutadores com o rosto coberto de sangue, aplaudidos e admirados pela combatividade, podem ser estimulados para buscar na violência uma forma de serem admirados e valorizados. Um desejo justo, humano, mas concretizados em forma errada.
De 1934 a 1967 vigorou, nos EUA, um código de produção cinematográfica denominado “Código Hays” — assim chamado porque seu criador chamava-se William H. Hays, um dos líderes do Partido Republicano. Esse “código” foi concebido por iniciativa da associação de produtores cinematográficos, preocupados com a influência, que pode ser muito negativa, dos filmes na formação moral do país. Como esse “Código” acabou exagerando nas proibições — uma tendência natural de algumas censuras — acabou sendo paulatinamente desobedecido e finalmente foi substituído pela “Classificação por idade”, partir de 1967.
Descontado o exagero, o “Código Hays” tinha o seu lado bom, tanto assim que vigorou por mais de trinta anos. Entre suas proibições, figuravam as seguintes: não se autorizará a exibição de filme que possa rebaixar o nível moral dos espectadores, induzindo-o a tomar partido em favor do crime, do mal e do “pecado” (?!); a técnica do assassinato deverá ser apresentada de maneira a não suscitar imitação; não se apresentarão detalhes dos assassinatos brutais; as técnicas de roubo, de arrombamento de cofres-fortes, a dinamitação de trens, minas e edifícios não devem ser detalhadas; as feridas devem mostrar un mínimo estrito de sangue, mesmo em filmes de guerra. A lista é longa e exagerada, para os padrões modernos, mas tinha o seu lado positivo: a tentativa de livrar o público da influência do cinema na prática do mal, que ninguém pode alegar que não existe. Esse Código, em resumo, tinha a preocupação — acabou exagerando, reconheça-se — de não habituar o público à vulgaridade, ao desrespeito à leis, às religiões e aos valores da família (aconselhava a não apresentar o adultério sob um ângulo atraente). Mesmo as cenas de enforcamento e eletrecutação deveriam ser amenizadas, não insistindo nos detalhes. Cenas prolongadas de sangue, de modo geral, não eram bem vistas pelo referido Código, o mesmo acontecendo nos filmes em que os criminosos saem-se muito bem nas suas empreitadas.
Não se trata aqui de se apregoar a volta da censura, mas de demonstrar que o cinema e a televisão podem influir muito, tanto para elevar quanto para rebaixar o gosto e atitudes da população. E lutadores com nariz quebrado, boca, olho, testa e couro cabeludo sangrando bundantemente não estimulam sentimentos mais delicados, ou pelo menos civilizados. Principalmente considerando que é justamente onde o sangue escorre mais que o adversário procurará centralisar seus golpes. Só falta o árbitro consultar a platéia sobre se o derrotado deve ou não morrer, virando o polegar para baixo ou para cima.
Acredito que o prestígio de todo esporte, mostrado em um gráfico, tem uma curva sinuoso. Chegando a um ponto máximo — no item violência sangrenta —, o exagero poderá suscitar um progressivo sentimento de repulsa (que já existia, mesmo sem o uso de cotovelos), levando o público mais equilibrado a procurar distração em esportes com valores mais humanos. E há que pensar também na integridade física dos atletas.
Antes de encerrar, mais uma sugestão, que não será acatada: quando os atletas, de pé, trocam socos e um é nocauteado, seria mais justo — e coerente com a preocupação de saber quem realmente luta melhor — que o árbitro parasse a luta e contasse até dez para saber se o nocauteado está realmente fora de combate. Se o atleta consegue se levantar, em condições, antes do fim da contagem, a luta continua. Tal e qual acontece no boxe. Isso porque não é raro que o lutador menos forte ou menos técnico, na troca estabanada de socos, acabe acertando, por mera sorte, o queixo do adversário. Com essa melhoria de regras as lutas diminuiriam o fator sorte e seriam mais longas, não decepcionando o público. Afinal, as lutas procuram verificar a força e a habilidade dos lutadores, não a sorte ou azar deles quando trocam socos ou joelhadas. Essa susgestão, porém, não será jamais aceita porque pareceria “imitação do boxe”, um crime inominável na aguerrida competição entre os tipos de esporte.
Por enquanto, vou assistindo minhas lutas. Quando, porém, o líquido vermelho cobre o rosto do atleta, já exausto e meio cego, estimulando seu carrasco a aumentar o castigo localizado, sinto vontade de mudar de canal.
Tudo que é demais, enjoa. Isso aconteceu com o “Código Hays” e poderá acontecer também com a versão moderna da luta de gladiadores.
(5-3-2012)
Tomo a liberdade de abordar um assunto menos intelectualizado, mas de alguma utilidade geral, considerando que os esportes exercem um papel não desprezível na formação moral dos cidadãos. Eles ajudam no fortalecimento do caráter, incentivam a auto-disciplina, a auto-confiança, a tenacidade. Servem de escoadouro legal para o componente de agressividade que faz parte da nossa herança animal. Isso sem mencionar os benefícios para a saúde, quando praticado. Um atleta dominado pela gula, pelo álcool, pelas drogas, pela preguiça e pela atividade sexual sem controle pode dar adeus ao estrelato nos esportes. Se chegar a campeão, será por pouco tempo. Logo um outro atleta, talvez menos dotado porém mais disciplinado, o humilhará, no campo, na quadra, no ringue ou no “octógono” do “vale-tudo”.
Sempre gostei de esportes de luta, embora tenha-os praticado muito pouco e com reduzido talento. Tinha pouca resistência, cansava logo; talvez falta de treino. Um pouco de boxe, quando no ginásio, e outro tanto de judô, quando juiz da comarca de Cachoeira Paulista- SP. A academia de judô, onde estive algumas vezes, localizava-se na vizinha cidade de Lorena. Notei que alguns dos meus adversários, nos treinos, caiam muito facilmente, provavelmente para agradar “sua Excelência”. Era uma época em que os juízes eram altamente respeitados — e tenho a certeza de que voltarão a sê-lo, passada a maré baixa atual, desencadeada por variados fatores, a maior parte sem culpa dos próprios magistrados, em sua vasta maioria.
Justamente por apreciar esportes de luta é que sinto-me motivado a externar alguma preocupação com o progresso — ou regresso — das artes marciais. Tudo o que é bom pode se tornar mau, conforme o rumo. O equilíbrio, em tudo, é raro e precário. Neste artigo abordarei o “vale-tudo”, um esporte que cada vez mais atrai entusiastas. Até mesmo do sexo feminino, assistindo as lutas ou até mesmo praticando-o — o que é um tanto contrário à natureza da mulher. Presumo, no entanto, que boa parte das moças — as menos moças certamente confessam que “odeio essa barbárie!” — que comparecem aos estádios estão ali apenas para vigiar e agradar aos namorados ou maridos, porque a concorrência feminina na caça e guarda dos varões é sempre tenaz, embora sutil. Digo isso porque as mulheres são, no geral, menos apreciadoras de cenas de violência e sangue.
Por que eu “evoluí” para o “vale-tudo” atual, bem mais violento que o boxe, o judô e outras formas orientais de luta? Porque o “vale-tudo” na sua fase inicial, de muitos anos atrás, era apenas um “show”, uma simulação de luta, com espetaculares “tesouras-voadoras”, golpes e cambalhotas artisticamente combinadas. Não eram permitidos nem socos nem pontapés. Apenas golpes com macios e carnudos antebraços. Usar os cotovelos? Nem pensar! E havia sempre, no ringue, um “herói’ e um ‘bandido”, quando não quatro artistas, digo, lutadores, dois contra dois. Até mesmo, vez por outra, anões enfeitavam o espetáculo. Quando — conforme o combinado —, era a vez do “bandido” bater, o “herói” só apanhava, sem reagir, parecendo um “zumbi” sonolento. De repente, o “zumbi” virava uma fera e espancava o “bandido”, agarrado pela barba, em submissão humilhante, um castigo por ser tão mau.
O público, porém, acabou cansando da brincadeira que era também uma ofensa à inteligência. Alguns brasileiros da área de luta, porém, os aguerridos Gracie, arregaçaram as mangas do quimono e deram um basta na palhaçada. Um deles foi morar nos EUA, abriu academia e ali deram início às lutas de verdade. Um pioneirismo brasileiro, porque o ser humano realmente gosta de assistir uma boa briga. Eu, por exemplo, não acho a mínima graça no futebol mas quando surge uma briga no campo só mudo de canal quando o jogo prossegue. O mesmo ocorre, aliás, quando surge pancadaria entre parlamentares de qualquer país. Suponho que o nível de audiência sobe na proporção direta das “porradas” e chutes dos ilustres representantes do povo. No noticiário televisivo as cenas de pancadaria, nos parlamentos, são anunciadas no início do programa mas somente exibidas no encerramento, uma técnica para manter o telespectador ligado no canal.
O “vale-tudo real” venceu — talvez ainda venha a suplantar o futebol e o basquete no número de adeptos — porque preencheu um vazio existente desde que foram proibidas as lutas entre gladiadores na antiga Roma, em que os gladiadores realmente se matavam com armas metálicas. Com o avanço do Cristianismo as lutas entre gladiadores foram proibidas no tempo de Constantino I, no ano de 325, embora, dizem, não cessassem totalmente na clandestinidade.
Mais recentemente, passou a vigorar, no “vale- tudo”, uma arma que, embora feita de osso, também pode cortar. Refiro-me aos cotovelos. Por sinal, dizem os arqueólogos que no Neanderthal as tíbias dos esqueletos já eram usadas como porretes nas lutas tribais, porque era uma arma que combinava leveza com dureza. Umas boas “ossadas”, ou “tibiadas” no crânio do adversário provocavam uma instantânea resignação ou desmaio.
Poucos dias atrás, acessando, por outros motivos, o “Terra” , apareceu uma cena de “vale-tudo” em que boa parte da orelha de um dos atletas foi realmente “cortada”, ou melhor, decepada pelo cotovelo do adversário. Os seguidos e violentos golpes no pavilhão auricular funcionaram como uma tesoura de jardineiro e o pedaço de cartilagem saltou, apavorada, quase um metro distante do cotovelo assassino. Orelhas foram providenciadas, pela Natureza, para auxiliarem na audição. Funcionam como concha acústica. Devem, portanto, ser preservadas, jamais cortadas ou fatiadas em lutas. E o fato — agora comprovado na referida cena —, é que o cotovelo pode arrancar orelhas, pelo menos parcialmente. E não sei se podem ser costuradas de volta. De qualquer maneira, o incidente deve ser encarado como um aviso de que o uso do cotovelo deve ser banido do “vale-tudo”, pelo menos na cabeça e no pescoço. Os maiores sangramentos que aparecem nas lutas — cenas que estimulam inconscientemente a barbárie — ocorrem com os cortes provocados pelas pontas ossudas. Isso sem mencionar as cotoveladas no olho que, talvez, possam cegar. Se, eventualmente, alguém já ficou cego de um olho, por causa de cotovelada especialmente certeira, essa notícia dificilmente seria difundida, porque prejudicaria a disseminação de um esporte que cresce cada vez mais, gerando negócios até milionários.
Alguém poderá argumentar que sendo o “vale-tudo” uma arte marcial em que “tudo vale”, seria contraditório estabelecer regras que cerceiem o principal atrativo desse tipo: refletir os conflitos corporais da vida real. Quando dois homens se enfrentam de verdade, em uma briga, eles não se preocupam com regras. Querem, normalmente, apenas não chegar ao ponto de matar o adversário, porque isso traria complicações e prisão. Sendo assim — argumentaria esse hipotético argumentador —, por que não permitir o uso do cotovelo, mesmo que isso implique em mais freqüente derramamento de sangue?
Contra tal argumento cabe dizer que o “vale-tudo” já está parcialmente civilizado. Nem tudo é permitido. Pontapés nos órgãos genitais; mordidas; enfiar o dedo no olho; beliscões; impedir, com a mão, que o adversário respire; socos na nuca e joelhadas na cabeça, quando o adversário está de quatro, estão proibidos há bom tempo. Tais restrições não transformaram o “vale-tudo” em esporte de “mariquinhas”. Socos quebram narizes e pontapés altos, nocauteando o oponente, já são triviais. Essa forma de combate já é muito mais agressiva que o boxe, que nunca foi acusado de esporte de “mocinhas”, sendo considerado muito violento. A desvantagem do boxe para o “vale-tudo” está no excesso de limitação do primeiro: na proibição do uso das pernas como arma; na impossibilidade da luta se desenvolver no chão e na infinita capacidade de combinar golpes. Por causa da criatividade, da constante inovação, o “vale-tudo” é muito menos monótono que o boxe, e por isso é fácil prever que o boxe se tornará um esporte que perderá muito público para o seu concorrente principal. O “vale-tudo” é, em suma, muito mais dinâmico e “real”.
A “sede de sangue”, ou de “hiper-realismo” nos combates — presumível justificativa para os golpes de cotovelo no rosto e no crânio —, pode levar algum maluco a, futuramente, sugerir — em espaços clandestinos —, que lutadores muito necessitados de dinheiro, usem soco-inglês, ou pequenos canivetes, porque na “vida real” tais armas são utilizadas.Digo isso porque a violência pode se tornar um vício, necessitando de doses crescentes de adrenalina.
A visão diária ou quase diária de sangue na televisão, oriunda de lutas, estimula o uso da violência, quando surge algum desentendimento no trânsito ou em qualquer lugar. Com freqüência a mídia revela agressões ocorridas em casas noturnas em que algum freguês quase morre de apanhar, por discussão sobre o preço das bebidas ou porque olhou de modo especial para uma moça acompanhada.
Sei que nas boas academias de artes marciais os professores alertam constantemente os alunos para que não briguem na rua. Insistem que em vez de brigar, devem lutar, obedecendo às regras de seu esporte. O perigo da violência sanguinolenta não está, porém, no comportamento dos alunos de academia mas no fato de que tais lutas são vistas na televisão, sem aconselhamento algum por parte de professores. Jovens revoltados — desempregados ou empregados, mas ganhando muito pouco — vendo os lutadores com o rosto coberto de sangue, aplaudidos e admirados pela combatividade, podem ser estimulados para buscar na violência uma forma de serem admirados e valorizados. Um desejo justo, humano, mas concretizados em forma errada.
De 1934 a 1967 vigorou, nos EUA, um código de produção cinematográfica denominado “Código Hays” — assim chamado porque seu criador chamava-se William H. Hays, um dos líderes do Partido Republicano. Esse “código” foi concebido por iniciativa da associação de produtores cinematográficos, preocupados com a influência, que pode ser muito negativa, dos filmes na formação moral do país. Como esse “Código” acabou exagerando nas proibições — uma tendência natural de algumas censuras — acabou sendo paulatinamente desobedecido e finalmente foi substituído pela “Classificação por idade”, partir de 1967.
Descontado o exagero, o “Código Hays” tinha o seu lado bom, tanto assim que vigorou por mais de trinta anos. Entre suas proibições, figuravam as seguintes: não se autorizará a exibição de filme que possa rebaixar o nível moral dos espectadores, induzindo-o a tomar partido em favor do crime, do mal e do “pecado” (?!); a técnica do assassinato deverá ser apresentada de maneira a não suscitar imitação; não se apresentarão detalhes dos assassinatos brutais; as técnicas de roubo, de arrombamento de cofres-fortes, a dinamitação de trens, minas e edifícios não devem ser detalhadas; as feridas devem mostrar un mínimo estrito de sangue, mesmo em filmes de guerra. A lista é longa e exagerada, para os padrões modernos, mas tinha o seu lado positivo: a tentativa de livrar o público da influência do cinema na prática do mal, que ninguém pode alegar que não existe. Esse Código, em resumo, tinha a preocupação — acabou exagerando, reconheça-se — de não habituar o público à vulgaridade, ao desrespeito à leis, às religiões e aos valores da família (aconselhava a não apresentar o adultério sob um ângulo atraente). Mesmo as cenas de enforcamento e eletrecutação deveriam ser amenizadas, não insistindo nos detalhes. Cenas prolongadas de sangue, de modo geral, não eram bem vistas pelo referido Código, o mesmo acontecendo nos filmes em que os criminosos saem-se muito bem nas suas empreitadas.
Não se trata aqui de se apregoar a volta da censura, mas de demonstrar que o cinema e a televisão podem influir muito, tanto para elevar quanto para rebaixar o gosto e atitudes da população. E lutadores com nariz quebrado, boca, olho, testa e couro cabeludo sangrando bundantemente não estimulam sentimentos mais delicados, ou pelo menos civilizados. Principalmente considerando que é justamente onde o sangue escorre mais que o adversário procurará centralisar seus golpes. Só falta o árbitro consultar a platéia sobre se o derrotado deve ou não morrer, virando o polegar para baixo ou para cima.
Acredito que o prestígio de todo esporte, mostrado em um gráfico, tem uma curva sinuoso. Chegando a um ponto máximo — no item violência sangrenta —, o exagero poderá suscitar um progressivo sentimento de repulsa (que já existia, mesmo sem o uso de cotovelos), levando o público mais equilibrado a procurar distração em esportes com valores mais humanos. E há que pensar também na integridade física dos atletas.
Antes de encerrar, mais uma sugestão, que não será acatada: quando os atletas, de pé, trocam socos e um é nocauteado, seria mais justo — e coerente com a preocupação de saber quem realmente luta melhor — que o árbitro parasse a luta e contasse até dez para saber se o nocauteado está realmente fora de combate. Se o atleta consegue se levantar, em condições, antes do fim da contagem, a luta continua. Tal e qual acontece no boxe. Isso porque não é raro que o lutador menos forte ou menos técnico, na troca estabanada de socos, acabe acertando, por mera sorte, o queixo do adversário. Com essa melhoria de regras as lutas diminuiriam o fator sorte e seriam mais longas, não decepcionando o público. Afinal, as lutas procuram verificar a força e a habilidade dos lutadores, não a sorte ou azar deles quando trocam socos ou joelhadas. Essa susgestão, porém, não será jamais aceita porque pareceria “imitação do boxe”, um crime inominável na aguerrida competição entre os tipos de esporte.
Por enquanto, vou assistindo minhas lutas. Quando, porém, o líquido vermelho cobre o rosto do atleta, já exausto e meio cego, estimulando seu carrasco a aumentar o castigo localizado, sinto vontade de mudar de canal.
Tudo que é demais, enjoa. Isso aconteceu com o “Código Hays” e poderá acontecer também com a versão moderna da luta de gladiadores.
(5-3-2012)
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