Inicialmente, justifico porque
sugiro que “Roda Viva”, o interessantíssimo programa de entrevistas da TV
Cultura — às 22:00 horas, nas segundas-feiras —, convide o jornalista Ivan
Sant’Anna para falar sobre seu último livro, “O Terceiro Templo. Os conflitos
árabe-israelenses e os choques do petróleo”.
Para mim, esse “livro-síntese”
foi bastante esclarecedor, ligando e explicando fatos políticos e econômicos
que quase sempre são mencionados isoladamente nos jornais. O livro “encaixa as
peças” de dois grandes quebra-cabeças oriundos do Oriente Médio. Poucas pessoas,
mesmo bem informadas, conhecem os bastidores e sequenciamento da luta política
e econômica na disputa do petróleo. Causas e efeitos. Subida e descida no preço
da sopa negra e oleosa, de origem orgânica — cozida nas entranhas quentes do
Planeta — e por enquanto insubstituível,
embora poluidora. Esse o principal mérito da obra, que também auxilia o
entendimento do conflito israelo-árabe. Não há, na Terra, problema político
igual, em termos de complexidade, porque ambos os lados têm razão. O problema é
essencialmente físico: dois corpos — inteiros — não podem ocupar o mesmo
espaço.
Há vários anos acompanho, pela
imprensa, o que corre pelo mundo. Considerando que a televisão já nos fornece
alguma informação sobre a política nacional, inicio a leitura do jornal pelas notícias
internacionais. Mesmo assim, não tinha uma visão sequencial, resumível, do que
aconteceu no Oriente Médio. Todo jornal, repito, é essencialmente fragmentário,
mesmo porque o espaço para informar é curto. Aborda os assuntos do dia ou da
semana, mas somente o livro, ou pelo menos o livreto, pode sintetizar o que
ocorreu, no decurso de décadas. Resultado: nosso destino está sendo construído —
ou destruído... —, sem que o saibamos, em áreas por vezes bem distantes. Se a
humanidade estiver destinada a ser fritada, que pelo menos saiba depois porque
isso aconteceu. Sempre restarão alguns sobreviventes esfarrapados que, sentados
nos escombros, poderão ler algumas folhas que escaparam do grande incêndio.
Com a crescente globalização — a
exigir algum aperfeiçoamento normativo mundial —, uma “guerrinha” aparentemente
menor, “apenas mais uma”, iniciada no Oriente Médio, ou na Ucrânia, poderá se
transformar em conflito nuclear. O risco atômico tem conseguido,
paradoxalmente, desde o início da Guerra Fria, que o ar poluído que respiramos não
seja também radioativo. Palmas, portanto, para esse lado imprevistamente virtuoso
do medo atômico que inibiu tanto Stálin quanto os presidentes americanos de
iniciarem uma Terceira Guerra Mundial, mal encerrada a anterior. Ocorre que
esse efeito positivo do perigo nuclear só existe quando é recíproco o medo.
Quando duas ou mais nações se
odeiam, cultivando velhos ressentimentos, e o poder nuclear está nas mãos de
uma só, a prepotência cresce. A sensação de possuir uma força temível e
irresistível estimula, até mesmo inconscientemente, o abuso. Isso ocorre tanto
no reino animal quanto no meio-animal, como é o caso do bicho-homem. Leopardo
não come leopardo. Come a frágil gazela mas nem tenta comer o rinoceronte,
apesar de sua abundância proteica. Dentes e garras, peso, chifre e
agressividade definem quem pode viver ou morrer. Os homens utilizam instrumentos
mais sofisticados, chamados política e poder.
Vejam, por exemplo, o que ocorre
com a Coreia do Norte, governada hoje por um jovem ditador, excêntrico e
matador, que jamais seria eleito por cidadãos com um mínimo de discernimento e liberdade de expressão. Ele é
o produto de uma estranha forma de aristocracia: a comunista, o poder
transmitido pelo sangue, um sistema arcaico de governança, supostamente rejeitado
desde 1789, com a Revolução Francesa. O atual “líder” norte-coreano foi “ungido”
presidente pelo pai, que governou ditatorialmente o país por décadas. No
entanto, com todas as suas venetas e vendetas — o jovem “monarca” elimina os
próprios ministros com total desenvoltura —, a comunidade internacional não se
atreve a tomar medidas de força contra esse país, temendo o disparo de alguns
foguetes com ogiva nuclear. Resumindo: quem tem a força atômica é sempre respeitado
e temido. Não é à-toa que os cinco países com assento permanente e poder de
veto no Conselho de Segurança da ONU, são potências nucleares.
A menção do tema nuclear lembra
naturalmente o que ocorre no Oriente Médio, onde o único país, na região, com
poder atômico, Israel, “exige” que a comunidade internacional impeça que seu
maior rival político, o Irã, desenvolva a tecnologia nuclear. “Exige” o privilégio
com tanta autoconfiança que promete usar todos os “meios” — obviamente
violentos, a seu exclusivo critério — para impedir qualquer atividade que
permita ao Irã crescer na tecnologia nuclear de qualquer natureza, civil ou
militar. Expressa-se duramente, mesmo após as grandes potências chegarem a um recente
acordo, em Viena — trabalho de mais de dez anos —, permitindo ao Irã algum
nível de evolução nessa tecnologia. Essa arrogância — desafiando até seu velho
aliado, os EUA (pelo menos no governo de B. Obama) — é mais uma comprovação do embriagador
efeito cerebral causado pela posse de armas nucleares.
O “livro-síntese” (uma forma de
dizer) de Ivan Sant’Anna obrigou-me a retificar um argumento que venho repetindo, na internet, há vários,
anos sobre Israel.
Essa retificação relaciona-se
com a sinceridade, ou insinceridade, dos pronunciamentos do governo israelense
quando justifica sua dura política contra o Irã, Síria e o Hamas. Explico
melhor: Benjamin Netanyahu costuma justificar sua ojeriza e intransigência
contra a criação de um Estado palestino vizinho alegando que os árabes não
aceitam a existência de Israel, a ponto de prometerem “varrê-lo do mapa”. Não
aceitando, os árabes, a existência de Israel, não haveria razão para conversar
com os palestinos sobre qualquer forma de divisão da terra palestina. “Como
ajudar a criar um país que pretende arrasá-lo?”
Sempre interpretei essa alegação
israelense como sendo um pretexto, tirando proveito político de uma frase somente
demagógica, proferida com frequência pelo então presidente iraniano, Mahmoud
Ahmadinejad, e outros inimigos fanáticos de Israel. Considerando o tamanho de
Israel, com mais de oito milhões de habitantes, seria impensável, apenas bafo, nada
sério, pretenderem os árabes um segundo Holocausto judeu, algo tão doentio
quanto o primeiro.
Todavia, lendo a história
abreviada da criação de Israel — conforme a explicação detalhada de Ivan
Sant’Anna —, constatei que por duas ou três décadas, após a criação do Estado judeu,
os países árabes tinham realmente a intenção, de destruir esse país. Não era
demagogia da ala mais radical islâmica.
O livro de Sant’Anna descreve,
com números — tanques, soldados, aviões, etc. —, o imenso esforço bélico de
nações árabes decididas a destruir Israel, só não o conseguindo porque os
judeus lutaram com rara determinação, habilidade e, convenhamos, com o socorro
bélico e urgente dos americanos. Israel esteve, realmente, à beira do
desaparecimento, chegando a pensar no uso da bomba atômica, talvez apenas uma
ou duas, naquele momento. Impossível saber o número porque Israel é uma
caixa-preta.
Segundo o mesmo livro, na página
132, na Guerra dos Seis dias, em 1967, o ministro da Defesa de Israel, Moshe
Dayan, angustiado com a inferioridade de forças, chegou a dizer, em uma reunião
com a cúpula israelense: “Só nos resta o último recurso, preparar o show
nuclear”. Golda Meir, porém, cabeça fria, de imediato respondeu: “Esqueça
isso”. Esse fato comprova que desde 1967 Israel já dispunha de pelo menos uma bomba
atômica. E pretende, mesmo agora, continuar com o privilégio da exclusividade nesse
poder estrutivo.
São esses detalhes, entre
outros, que tornam o livro de Ivan Sant’Anna especialmente didático. E também interessante,
porque esse autor pinça traços de personalidades de pessoas que influíam na subida
e descida do preço do petróleo, explicando o porquê das oscilações. O ex-ministro
do petróleo da Arábia Saudita, Ahmed Zaki Yamani, que aparecia nas manchetes dos
jornais todas as semanas, décadas atrás, é explicado nas suas táticas para
manter o preço do petróleo no nível mais conveniente aos interesses de seu país
e dos demais produtores. Era um homem muito inteligente e equilibrado, fazendo
seu papel enquanto manteve sua influência junto ao rei da Arábia Saudita.
Mudando o rei, mudou sua relação com a monarquia.
Voltando ao mantra árabe da
“varredura” de Israel “do mapa” do Oriente Médio, cumpre, porém, lembrar aos
árabes que se havia, inicialmente, algum grau de justificação moral na
tentativa de impedir a “invasão” judaica, o passar do tempo tornou obsoleta essa
pretensão. Israel cresceu, consolidou-se e tornou-se um fato consumado. Em
termos civilizatórios, não tem sentido falar em sua destruição.
A única solução, hoje, para a difícil
convivência, será a criação de fronteiras estabelecidas pela comunidade
internacional — caso as partes não cheguem a um acordo (porque não chegarão...)
—, após ouvidas as reivindicações dos interessados. A decisão final do traçado
será, inevitavelmente, de um “terceiro”, um tribunal internacional. Ou já
existente, ou “ad hoc”, criado especialmente para o caso e com largos poderes
de equidade, não apenas verificando “direitos”, tratados oriundos de pressões
de todo tipo.
Quanto ao problema do retorno
dos palestinos expulsos — morando precariamente em abrigos nos países vizinhos
—, e do excesso de judeus querendo morar em “seu país”, a solução também deve
vir de “de fora” de um órgão internacional. Não por decisão unilateral de
qualquer das partes. Para isso a civilização concebeu um sistema de resolver
problemas, o poder judiciário, que pode até não ser o ideal, na prática, mas
sempre é melhor do que deixar prevalecer a força bruta, pura e simples, com
sangue e ruínas por toda parte.
Inconformidades futuras contra a
solução internacional poderão ser atendidas ou mitigadas com pagamento de
indenizações aos prejudicados — talvez o gasto com elas seja inferior às
despesas imensas e infindáveis com armamentos, mortes e outras consequências
guerreiras — e/ou com a compra de áreas na África para instalação de
comunidades judaicas e/ou palestinas, conforme for acordado ou decidido.
No começo do século XX foram oferecidas
ao movimento sionista, grandes áreas, para instalação, provisória ou definitiva
de uma pátria judaica. Terras no Congo, Uganda, Moçambique e outros locais
foram propostas. Uganda, com um clima próximo do existente ao sul do
Mediterrâneo, não muito quente, foi recusada pelos líderes sionistas por três
motivos: a existência de muitos animais ferozes; a proximidade de tribo selvagem
(não me lembro agora qual delas) e por razões religiosas, relacionadas com a
“necessidade” de retorno a um lugar considerado sagrado. Segundo os sionistas,
somente Jerusalém poderia sediar a nova nação. Havia um certo fundamento na
recusa, tendo em vista a distância, clima africano, dificuldade de transporte e
acesso..
Agora, porém, são os leões, não os seres
humanos, que precisam de proteção; as tribos africanas já usam mais celulares do
que flechas e a maioria dos judeus é agnóstica. Considerando o tamanho da
África e a tecnologia hoje disponível contra o calor excessivo em lojas, casas,
fábricas e escritórios, tanto judeus quanto palestinos poderiam ajudar
imensamente no progresso econômico deles mesmos e da África, que carece de
investimento e mão de obra qualificada. O tamanho gigantesco da África, microscopicamente
aproveitado hoje, é mais uma prova da estupidez política da humanidade como um
todo.
Ivan Sant’Anna, no final de seu
livro, considera impossível uma solução pacífica para o conflito Israel-
Palestinos, raciocinando apenas em termos de ocupação da Palestina. Quem sabe,
se incluirmos a imensidão africana na solução do problema — , e também a
opinião dos próprios africanos, que também teriam suas vantagens com o
surgimento de empregos em larga escala —, o antigo conflito racial, político e
cultural terá um fim.
Os palestinos não são equiparáveis,
culturalmente, aos antigos índios peles-vermelhas, expulsos pelos colonizadores
ingleses e hoje reduzidos a alguns milhares de indivíduos morando em reservas. São
muito mais instruídos que os índios do Velho Oeste, naquela época. Não
esquecerão, jamais, a ofensa da expulsão e a mesquinharia com que foram
tratados por Israel. Essa lembrança de injustiça sofrida fermenta na memória.
Anseia por vingança, assim como os judeus europeus — espezinhados, espancados e
assassinados em campos de extermínios —, anseiam por vingança, ou justiça, até
hoje, sessenta nos depois, exigindo cadeia ou forca para velhos alemães, que
cumpriam ordens nazistas, sabendo o que ocorria. Mesmo sabendo, quem se
recusava cumprir ordens estaria em risco de vida.
Os judeus, por sua vez, uma raça
— ou comunidade — culta, poliglota, especializada em finanças — até mesmo por
não terem outro caminho, impedidos de serem industriais e fazendeiros —
precisam compreender, com muita tolerância, a reação violenta dos palestinos
mais aguerridos à ocupação maciça de suas terras. Ocorresse o contrário, com
palestinos chegando em ondas a Israel, os judeus locais reagiriam como reagiram
os árabes à chegada dos judeus. Recorreriam também ao terrorismo, como
realmente recorreram contra os ingleses, a ponto de dinamitar um hotel, em
Jerusalém, em 1946, o King David, que
servia como moradia dos funcionários ingleses encarregados de administrar a Palestina,
finda a Primeira Guerra Mundial.
Enfim, o livro de Ivan Sant’Anna
é bastante informativo e explicativo, principalmente no item petróleo.
Segundo a mídia, está havendo um
recrudescimento do antissemitismo na Europa. Isso corre em maior parte por causa
do estilo truculento e arrogante de seu Primeiro Ministro que não quer “dar
satisfação” à opinião pública internacional.
Netanyahu não explica nada, e nada
concede. Só reage, “na bruta”, esmagando com seus aviões e tanques, os inimigos
de Israel, muito inferiorizados em armas. Para cada israelense morto morrem dez
ou vinte árabes. Quer representar apenas a força e talvez uma imaginária
superioridade racial, esquecido que essa força não foi apenas a própria, teve o
anterior apoio americano.
Netanyahu considera-se — e é —, um patriota,
mas no seu sentido mais estreito, primitivo, nunca tentando entender a
motivação do adversário. Ama Israel, mas Hitler também amava a Alemanha. Só que
“amava em excesso” e por isso teve um triste fim. Se Israel tratasse melhor a
população palestina, compreendendo sua reação de “país invadido” e fornecendo a
ela serviços básicos, saúde, educação, transporte e o usual para uma vida
digna, essa conduta obviamente levaria a população árabe, paulatinamente, a
diminuir sua animosidade. Não é com vinagre que se atrai abelhas. Não podemos
esquecer que elas transportam mel mas também têm ferrão.
Fiquemos por aqui. Quem sabe
assistiremos a entrevista de Ivan Sant’Anna. Não consultei o jornalista antes
de redigir este texto.
(18-07-2015)