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A Câmara dos Deputados discute, novamente, propostas para aperfeiçoamento da justiça brasileira. Entre elas, o combate ao nepotismo e a lentidão no término dos processos. Melhorias, espera-se, tanto no item rapidez quanto na qualidade da prestação jurisdicional.
Considerando que a comissão encarregada de estudar o assunto pede sugestões da de toda a comunidade, tomo a liberdade de, como mero cidadão, apresentar as propostas abaixo, em forma tremendamente concisa. Se as propostas abaixo são repetições de textos anteriores, isso ocorre porque sem muita insistência — sem ela, qual a utilidade da propaganda? — as idéias não chegam aos cérebros das pessoas que podem decidir a respeito.
Aqui vão as sugestões:
1. - Nepotismo. Desnecessário mencionar aqui o nepotismo relacionado com a nomeação, sem concurso, de funcionários para trabalhar nos cartórios e secretarias do Judiciário. O assunto já é por demais conhecido e a proibição está em pleno andamento. Todavia, é preciso atentar para o perigo de um eventual nepotismo muito mais lesivo ao país: o famoso “QI” — quem indicou — nos concursos de ingresso na magistratura. O conhecido “pistolão”. Apadrinhamento que pode ocorrer — falo sempre em tese — também na carreira policial e outras atividades jurídicas. Conversando com inscritos nos concursos públicos para carreiras jurídicas é comum a suspeita, em muitos candidatos (desanimados), de que é preciso, ou altamente conveniente, uma certa “ajuda externa”, uma recomendação, para ingressar na carreira, variando o grau de proteção conforme o Estado em que se realizará o concurso. Caso procedente essa suspeita, alguns novos juízes de pouca capacidade decidirão mal — resultando em aumento do número de recursos contra suas decisões — ou simplesmente não decidirão, levando ao desespero a parte que tem razão e à euforia a parte que não a tem. E mais, um dia, por força das promoções inevitáveis, tais protegidos podem vir a ocupar postos na segunda instância, prejudicando a imagem da justiça em escala bem maior.
Como cercear ao máximo o peso da “ajuda externa” em tais concursos? Zelando pela não identificação do candidato. Abolindo os exames orais, porque nele os candidatos são identificados, ao contrário do que ocorre nas provas escritas, não assinadas. Juiz não precisa ser bom orador. Pouco fala fora dos autos. No exame médico, que é obrigatório, verificar-se-á se o candidato é gago, surdo, mudo ou cego. E é preciso também criminalizar a possível “ajuda externa”, a pressão do “padrinho”, seja tal pressão exercida em forma escrita ou oral. A comissão de seleção deve estar blindada, em decorrência do temor da investigação criminal, contra pressões desse tipo. Se, na prova escrita, for constatada alguma clara sinalização gráfica que indique tentativa de identificação do candidato, sua prova seria anulada, não podendo se inscrever no concurso seguinte.
2. – Criar, por lei, a “sucumbência recursal”: em vez da condenação em honorários ser restrita à primeira instância, todos os tribunais arbitrariam nova condenação em honorários em cada recurso totalmente improcedente. Ressalvada, porém, a isenção, de ofício, de nova condenação em honorários quando o tribunal constate que, naquele caso, o recurso foi de boa-fé, considerando a complexidade do caso, ou a dubiedade da lei ou da prova. Isso porque os recursos judiciais foram concebidos para correção de injustiças, não para dar ao recorrente — que sabe não ter razão —, a vantagem da protelação. Atualmente, no Brasil, há mais recursos visando protelar do que tentando corrigir uma injustiça. Sem a “sucumbência recursal” continuaremos afogados em processos, com o velho e cômodo estímulo financeiro de “esticar” quase indefinidamente os processos cíveis. Quem, hoje, quer retardar o pagamento de suas dívidas não precisa pensar muito: basta recorrer de todo despacho ou decisão — mesmo sabendo que não terá sucesso —, porque o “sucesso” estará implícito na própria demora em se pagar o que deve.
3. – Estímulo — econômico, com honorários advocatícios mais altos — à concisão e clareza nas petições judiciais, e pertinência na juntada de documentos. Em vez de esparramadas petições com cinqüenta laudas — para dizer o que poderia ser dito em cinco — o juiz, no momento de fixar honorários à parte vencedora, valorizaria essa economia de palavras. Hoje, a concisão, o “escrever pouco para dizer muito” não é valorizado pelo CPC, ao mencionar os critérios para fixação dos honorários da parte vencedora. E o mesmo se diga quanto à juntada de documentos desnecessários. Grande parte dessa “gordura papeleira” tem apenas a finalidade de desanimar o julgador. Este, sobrecarregado com inúmeros processos aguardando julgamento, tende a deixar de lado o “mastodonte” de quinze volumes, alimentado com centenas de xerox de documentos com difícil ou impossível pertinência no caso em exame. Com tal prática, muito comum, o processo sofre atraso, em todas as instâncias, porque o julgador consciencioso acha-se obrigado a ler tudo o que foi juntado aos autos. Em suma, é preciso premiar, na fixação de honorários, quem é claro e conciso nas suas petições e só junta aos autos documentos que realmente provem alguma coisa.
4. - Terminada a fase de conhecimento, permitir ao juiz — por solicitação do credor, que alega não haver localizado bens penhoráveis —, convocar o devedor para uma audiência. Nela, o juiz verificaria a plausibilidade de o devedor estar escondendo seu patrimônio, descumprindo a decisão. Concluindo que o devedor provavelmente tem bens, mas os esconde, ele seria intimado, no ato, a revelar seus recursos, sob pena de processo criminal por desobediência. Sei de casos em que milionários não pagam, até por capricho, algumas dívidas, porque o credor, após anos de demanda, não tem como localizar o patrimônio do devedor. Por vezes riquíssimo mas com seus recursos aplicados em ações ao portador ou espalhados no país e no Exterior. Com a globalização, devedores abonados podem se dar ao luxo de simplesmente não pagar suas contas, pouco ligando para condenações judiciais.
5. - Obrigação do autor mencionar, na petição inicial, o valor da indenização pleiteada a título de dano moral. Isso desestimularia aventuras judiciais. O valor exagerado de seu pedido, se enormemente reduzido na sentença, traria o ônus da sucumbência. Da parte do réu, se o valor do pedido for modesto, talvez prefira nem mesmo contestar a ação. Sabe qual o valor máximo que terá de pagar. Há alguma previsibilidade, um horizonte à vista. Atualmente, todo réu vê-se obrigado a contestar pedidos de indenização porque paira, sobre sua cabeça, a espada judicial, talvez arbitrária, que pode condená-lo em milhões. Pedidos de indenizações por dano moral, em conseqüência da inerente abstração da expressão, podem se tornar fontes de grandes surpresas para o réu, além de Megas Senas para o autor.
5. - Na justiça gratuita, manter a isenção de custas em todas as instâncias mas autorizar a aplicação da sucumbência recursal depois da decisão de primeiro grau. Do contrário o Estado faz “cortesia com o chapéu alheio”, isto é, a parte que tem razão e que se vê obrigada a acompanhar e contra-arrazoar inúmeros recursos protelatórios do postulante de goza da assistência judiciária. O essencial que não haja abusos, quer do “rico’, quer do “pobre”.
6. - Possibilidade de o S.T.F. desconhecer mais de um embargo de declaração, dando por encerrado o processo. Não é razoável supor que o Tribunal máximo do país, onde judicam, os maiores especialistas do Direito, seja incapaz de proferir uma decisão lógica e completa. Um erro, ou omissão, vá lá, mas não infindáveis erros na redação de um acórdão. A se pensar o contrário, a parte interessada em protelar pode, em tese — e isso já ocorreu —, apresentar dezenas de embargos de declaração, impedindo, ad aeternum o trânsito em julgado de uma decisão. Já houve um caso em que o Tribunal viu-se obrigado a ordenar à sua secretaria que não mais recebesse embargos declaratórios da parte, naquele processo. É raro, mas não impossível, tanta ousadia por parte de um advogado, impedindo, dessa forma, o trânsito em julgado de uma decisão.
Outras sugestões poderiam ser mencionadas aqui, mas se a lista for longa demais desaparece o interesse do leitor. Espero que as sugestões acima sejam examinadas com isenção pela Comissão que examina as propostas de aprimoramento de nossa justiça.
(29-3-09)
domingo, 29 de março de 2009
terça-feira, 24 de março de 2009
Manchetes com segundas Intenções
Não raramente, leitores mais atentos de jornais estranham determinada manchete. “Será que esse político teve a coragem de dizer tal barbaridade!?”, o leitor se pergunta. Aí, se dispõe de tempo, lendo a matéria verifica que há uma certa dissintonia entre o título e o conteúdo. Percebe que, verificado o contexto da declaração, não há “barbaridade” alguma na fala do político. Se o leitor for instruído, inteligente e habituado a ler criticamente — algo não muito comum —, murmura apenas uma leve censura ao redator desconhecido: “Esses jornais são mesmo malandros no envenenamento da opinião pública...” O seu conceito sobre o tal político permanece o mesmo, nem sobre nem desce. Não ocorreu, no final das contas, desinformação pela imprensa. Tal desinformação, porém, só não ocorreu para aquele específico leitor que leu atentamente a matéria, neutralizando a malícia ou descuido do redator do título. Cumpre enfatizar que a função da mídia — pelo menos na teoria — é informar bem, inclusive nas manchetes. Repita-se: inclusive nas manchetes. Isso porque a democracia, para se aperfeiçoar, depende de boas informações.
Muitos que compram jornais nas bancas, ou os recebem em casa, dispõem de tempo mínimo para ler jornais. Para quem tem uma vida muito ocupada, é mínimo o tempo disponível para saber o que ocorre na sua cidade, no seu Estado, no país, no mundo e até fora do planeta — porque há crescente interesse pela Cosmologia, vida extraterrestre, etc. Lê apenas as manchetes e, se estas são tendenciosas, seu julgamento também será tendencioso.
Por que digo tudo isso? Porque na primeira página do jornal “O Estado de S. Paulo”, de 20-3-09, está a manchete “Lula avisa Supremo que não vai extraditar Battisti”. Só faltou o sinal de exclamação. E no subtítulo acrescenta que “Emissário do Planalto ainda sugere saída jurídica para evitar conflito com STF”.
A primeira reação, perfeitamente natural — e emocional —, de quem lê apenas a manchete e o subtítulo é: “Mas esse Lula é mesmo atrevido! Ou ignorante! Já diz, de antemão, antes do julgamento sobre a extradição de Cesare Battisti, que vai afrontar, não cumprir uma decisão do Supremo? Está se tornando um ditador, igual ao Chávez! E ainda sugere uma “saída” legal, como se fosse um grande jurista, quando não passa de um operário que conseguiu chegar à presidência.”
No entanto, lida a matéria, na capa e na página interna, A4, verifica-se que a intenção do presidente, enviando um recado por mensageiro — algo que certamente era para permanecer confidencial — foi a de evitar futuros desconfortos políticos: com seu próprio partido, o PT, e com o Poder Judiciário. Com o bom efeito colateral de corrigir uma falha de nosso ordenamento legal. Se o “meio” , o recado, foi um tanto inábil — porque a tradição, nessa área, é esperar o desastre acontecer e depois tentar cuidar dos feridos —, a intenção foi boa, o que não ocorreu depois, na redação da manchete.
Como sabem os medianamente informados, em casos como o de Cesare Battisti o STF apenas verifica a legalidade do pedido de extradição feito pelo governo estrangeiro. Se tal pedido é tecnicamente ilegal, a extradição é negada, dispensando a opinião do presidente da república. Não há mais o que discutir, pelo menos no Brasil, restando apenas à Itália, no caso em questão, o direito de, eventualmente, discutir o assunto na Corte Internacional de Justiça.
Se, entretanto, o STF decide que o pedido de extradição atende às formalidades legais, tal decisão assemelha-se mais a um “parecer”, porque a palavra final de efetiva entrega, ou não, do refugiado transfere-se às mãos do Presidente da República, que decide soberanamente, seguindo critérios políticos de oportunidade, ideologia, etc.
O Presidente Lula, no caso, adiantou, através de emissário — garanto que não fará, futuramente, coisa parecida... —, que não concederia a extradição, caso o STF autorizasse a extradição, isto é, deixasse ao Executivo a decisão final. Isso porque não pretende desautorizar o ato do presidente de seu Partido, que já concedera o asilo. Adiantou qual seria sua palavra final sobre o rumoroso caso, mas deixou bem expresso que também não gostaria de “desprestigiar” o STF. Para evitar, de alguma forma, “contrariar” o STF, sugeriu que este alterasse a jurisprudência seguida até agora e que realmente contém uma incoerência, como reconhecem os juristas sem preferências políticas apaixonadas .
Caso o STF altere a sua jurisprudência — dispensando a manifestação do Presidente da República após o julgamento do pedido de extradição —, o Brasil dará um passo acima no tratar desse tipo de problema. Acabará com a dubiedade, a incoerência atual de, no mesmo assunto, o STF dar — e não dar — a última palavra, conforme o que decidiu. Isso porque a função essencial do Judiciário é decidir os conflitos, não emitir uma espécie de “parecer”, como vem ocorrendo até o momento, conseqüência de uma certa dubiedade na legislação.
Ao contrário do que possa superficialmente parecer, há, no caso, opiniões concordantes entre o presidente Lula e o presidente do STF. Ambos querem que ao Tribunal caiba, sempre, a palavra final em conflitos levados ao STF, como é inerente ao Poder Judiciário. Não houve, no “recado”, um “desafio” ou provocação do Executivo. Apenas disse que faria aquilo que a lei lhe permite fazer: entregar ou não o refugiado.
A única censura que se poderia fazer ao Executivo, no caso, teria sido a falta de “diplomacia”, externando uma opinião que só teria obrigação de externar depois da decisão judicial, criando um “mal estar” que alimentaria dois apetites: o de alguns homens públicos buscando notoriedade, e a gula da mídia mais voraz, que necessita de querosene para nutrir o fogo, o “thriller” da novela política.
Espera-se que, modificada a atual jurisprudência — conjunto de decisões judiciais num determinado sentido — desapareça o atual duplo critério, acima apontado, que só tumultua uma situação já suficientemente tumultuada, o caso Cesare Battisti.
Estou aqui fazendo apologia do Presidente Lula? Não. Não fui seu eleitor. Apenas procuro, do “alto” de minha insignificância, fazer justiça ao pernambucano de origem humilde que, sem fingir o que não é — um homem culto, refinado — tem agido com boa intenção, tem bom discernimento, é paciente, pensa com independência e contorna conflitos desnecessários. Quem se revolta contra o fato de um operário ter chegado à presidência deveria, por coerência, revoltar-se também contra o próprio regime democrático, que permite a “barbaridade” do critério “um homem, um voto”, sem exigir formação superior. Aqueles que censuram a distribuição de dinheiro à população pobre não podem esquecer que essa política permitiu um aumento do mercado interna, agora útil porque o Brasil está sendo menos afetado, proporcionalmente, que os países mais dependentes da exportação.
Quem se revoltou lendo as linhas acima precisa lembrar-se que a justiça – não me refiro à estatal — é a rainha das virtudes e obrigação não apenas dos juízes profissionais. É dever individual, de cada cidadão, em todas as profissões. O mundo seria imensamente melhor se todo cidadão se conscientizasse da obrigação moral de ser justo com o próximo. Amigo ou inimigo. O “amar nosso inimigo”, pregado pelo Cristianismo, é exigente demais. Violenta nosso íntimo. Exige algo que não está em nós. Já ser apenas justo com o inimigo é algo mais tolerável e factível. E pode até nos beneficiar materialmente, porque pode ocorrer futura reciprocidade.
Finalmente, deixo expresso que sou assinante do jornal “O Estado de S. Paulo”, há vários anos, e assim pretendo continuar, porque o considero o jornal mais completo do Brasil na área internacional, área de meu particular interesse. Não poupa despesa publicando traduções de grandes comentaristas estrangeiros. Se parece manter uma certa simpatia por Israel, no conflito com os palestinos, nem por isso deixa de publicar textos que revelam solidariedade com os árabes, quando o governo israelense comete suas barbaridades. O “mal” nunca está nos povos — alemão, judeu, árabe, chinês, americano, venezuelano, o que for. O “mal” está nos governantes e nos formadores de opinião pública. O ser humano é mais ou menos o mesmo, intimamente, em toda parte. Dança conforme a música que agrada mais a seu ouvido. E o que não falta é músico habilidoso.
(24-3-09)
Muitos que compram jornais nas bancas, ou os recebem em casa, dispõem de tempo mínimo para ler jornais. Para quem tem uma vida muito ocupada, é mínimo o tempo disponível para saber o que ocorre na sua cidade, no seu Estado, no país, no mundo e até fora do planeta — porque há crescente interesse pela Cosmologia, vida extraterrestre, etc. Lê apenas as manchetes e, se estas são tendenciosas, seu julgamento também será tendencioso.
Por que digo tudo isso? Porque na primeira página do jornal “O Estado de S. Paulo”, de 20-3-09, está a manchete “Lula avisa Supremo que não vai extraditar Battisti”. Só faltou o sinal de exclamação. E no subtítulo acrescenta que “Emissário do Planalto ainda sugere saída jurídica para evitar conflito com STF”.
A primeira reação, perfeitamente natural — e emocional —, de quem lê apenas a manchete e o subtítulo é: “Mas esse Lula é mesmo atrevido! Ou ignorante! Já diz, de antemão, antes do julgamento sobre a extradição de Cesare Battisti, que vai afrontar, não cumprir uma decisão do Supremo? Está se tornando um ditador, igual ao Chávez! E ainda sugere uma “saída” legal, como se fosse um grande jurista, quando não passa de um operário que conseguiu chegar à presidência.”
No entanto, lida a matéria, na capa e na página interna, A4, verifica-se que a intenção do presidente, enviando um recado por mensageiro — algo que certamente era para permanecer confidencial — foi a de evitar futuros desconfortos políticos: com seu próprio partido, o PT, e com o Poder Judiciário. Com o bom efeito colateral de corrigir uma falha de nosso ordenamento legal. Se o “meio” , o recado, foi um tanto inábil — porque a tradição, nessa área, é esperar o desastre acontecer e depois tentar cuidar dos feridos —, a intenção foi boa, o que não ocorreu depois, na redação da manchete.
Como sabem os medianamente informados, em casos como o de Cesare Battisti o STF apenas verifica a legalidade do pedido de extradição feito pelo governo estrangeiro. Se tal pedido é tecnicamente ilegal, a extradição é negada, dispensando a opinião do presidente da república. Não há mais o que discutir, pelo menos no Brasil, restando apenas à Itália, no caso em questão, o direito de, eventualmente, discutir o assunto na Corte Internacional de Justiça.
Se, entretanto, o STF decide que o pedido de extradição atende às formalidades legais, tal decisão assemelha-se mais a um “parecer”, porque a palavra final de efetiva entrega, ou não, do refugiado transfere-se às mãos do Presidente da República, que decide soberanamente, seguindo critérios políticos de oportunidade, ideologia, etc.
O Presidente Lula, no caso, adiantou, através de emissário — garanto que não fará, futuramente, coisa parecida... —, que não concederia a extradição, caso o STF autorizasse a extradição, isto é, deixasse ao Executivo a decisão final. Isso porque não pretende desautorizar o ato do presidente de seu Partido, que já concedera o asilo. Adiantou qual seria sua palavra final sobre o rumoroso caso, mas deixou bem expresso que também não gostaria de “desprestigiar” o STF. Para evitar, de alguma forma, “contrariar” o STF, sugeriu que este alterasse a jurisprudência seguida até agora e que realmente contém uma incoerência, como reconhecem os juristas sem preferências políticas apaixonadas .
Caso o STF altere a sua jurisprudência — dispensando a manifestação do Presidente da República após o julgamento do pedido de extradição —, o Brasil dará um passo acima no tratar desse tipo de problema. Acabará com a dubiedade, a incoerência atual de, no mesmo assunto, o STF dar — e não dar — a última palavra, conforme o que decidiu. Isso porque a função essencial do Judiciário é decidir os conflitos, não emitir uma espécie de “parecer”, como vem ocorrendo até o momento, conseqüência de uma certa dubiedade na legislação.
Ao contrário do que possa superficialmente parecer, há, no caso, opiniões concordantes entre o presidente Lula e o presidente do STF. Ambos querem que ao Tribunal caiba, sempre, a palavra final em conflitos levados ao STF, como é inerente ao Poder Judiciário. Não houve, no “recado”, um “desafio” ou provocação do Executivo. Apenas disse que faria aquilo que a lei lhe permite fazer: entregar ou não o refugiado.
A única censura que se poderia fazer ao Executivo, no caso, teria sido a falta de “diplomacia”, externando uma opinião que só teria obrigação de externar depois da decisão judicial, criando um “mal estar” que alimentaria dois apetites: o de alguns homens públicos buscando notoriedade, e a gula da mídia mais voraz, que necessita de querosene para nutrir o fogo, o “thriller” da novela política.
Espera-se que, modificada a atual jurisprudência — conjunto de decisões judiciais num determinado sentido — desapareça o atual duplo critério, acima apontado, que só tumultua uma situação já suficientemente tumultuada, o caso Cesare Battisti.
Estou aqui fazendo apologia do Presidente Lula? Não. Não fui seu eleitor. Apenas procuro, do “alto” de minha insignificância, fazer justiça ao pernambucano de origem humilde que, sem fingir o que não é — um homem culto, refinado — tem agido com boa intenção, tem bom discernimento, é paciente, pensa com independência e contorna conflitos desnecessários. Quem se revolta contra o fato de um operário ter chegado à presidência deveria, por coerência, revoltar-se também contra o próprio regime democrático, que permite a “barbaridade” do critério “um homem, um voto”, sem exigir formação superior. Aqueles que censuram a distribuição de dinheiro à população pobre não podem esquecer que essa política permitiu um aumento do mercado interna, agora útil porque o Brasil está sendo menos afetado, proporcionalmente, que os países mais dependentes da exportação.
Quem se revoltou lendo as linhas acima precisa lembrar-se que a justiça – não me refiro à estatal — é a rainha das virtudes e obrigação não apenas dos juízes profissionais. É dever individual, de cada cidadão, em todas as profissões. O mundo seria imensamente melhor se todo cidadão se conscientizasse da obrigação moral de ser justo com o próximo. Amigo ou inimigo. O “amar nosso inimigo”, pregado pelo Cristianismo, é exigente demais. Violenta nosso íntimo. Exige algo que não está em nós. Já ser apenas justo com o inimigo é algo mais tolerável e factível. E pode até nos beneficiar materialmente, porque pode ocorrer futura reciprocidade.
Finalmente, deixo expresso que sou assinante do jornal “O Estado de S. Paulo”, há vários anos, e assim pretendo continuar, porque o considero o jornal mais completo do Brasil na área internacional, área de meu particular interesse. Não poupa despesa publicando traduções de grandes comentaristas estrangeiros. Se parece manter uma certa simpatia por Israel, no conflito com os palestinos, nem por isso deixa de publicar textos que revelam solidariedade com os árabes, quando o governo israelense comete suas barbaridades. O “mal” nunca está nos povos — alemão, judeu, árabe, chinês, americano, venezuelano, o que for. O “mal” está nos governantes e nos formadores de opinião pública. O ser humano é mais ou menos o mesmo, intimamente, em toda parte. Dança conforme a música que agrada mais a seu ouvido. E o que não falta é músico habilidoso.
(24-3-09)
sábado, 21 de março de 2009
Relação entre o Capitalismo e o naufrágio do “Titanic”
(Escrito em 20-11-08)
Não, não vou dizer aqui que o Capitalismo é o Capeta, fonte de todo o mal, e por causa dele todos os países sofrerão na carne, digo, no bolso, “naufragando” nas dificuldades concebidas no útero das hipotecas americanas. Neste artigo, o “Titanic” não metáfora, é o próprio, aquele do filme, o transatlântico de luxo que afundou em 1912, levando para fundo do mar 1.522 pessoas. “Onde, então, a correlação?” — perguntará leitor, impaciente com rodeios.
A analogia entre o naufrágio do “Titanic” e o Capitalismo está na comprovação de que toda forma de energia — elétrica, térmica, atômica ou humana (ambiciosa, voraz mas incentivadora da produção) — precisa de algum controle. E este é mais eficaz se externo — estatal ou seu equivalente — do que interno, exercido pelos próprios interessados, que optam, claro, por uma “meiga” auto-regulação. O dogma de que “o mercado se auto-regula” de modo perfeito já demonstrou sua fragilidade, porque o egoísmo é inerente a todo ser humano, com exceção dos santos — uma espécie de ornitorrinco moral, destinada à extinção. De fato, o mercado tem um inegável poder de se auto-regular, mas apresenta brechas, pontos fracos, como ocorreu no naufrágio do Titanic, que matou tantos porque, à época, confiava-se um tanto na “auto-regulação” dos ambiciosos proprietários do navio. No início do século a regulamentação das construções navais estava meio atrasada, em cotejo com o grande impulso na utilização dos grandes transatlânticos. A intensa movimentação de pessoas entre a América e a Europa era obviamente marítima, não aérea.
A revista “Newsweek”, de 20-10-08 traz, na pág. 56, um artigo, ou resenha, do livro “Titanic’s Last Secrets” (Últimos Segredos do Titanic”) escrito por Brad Matsen. A resenha, inteligente e detalhada, foi redigida por Jeneen Interlandi. No livro, o autor — aparentemente com argumentos irrespondíveis — sustenta a tese de que se o navio tivesse sido construído segundo a especificação da sua planta não teria afundado tão rapidamente, como ocorreu. Haveria tempo dos passageiros e tripulantes — todos eles — serem transferidos para outros navios que, distantes, tentavam se aproximar antes que o Titanic afundasse de vez. Mas não chegaram a tempo. Entre o momento da colisão — na verdade um extenso “raspão” cortante, lateral, no iceberg — e o naufrágio passaram-se exíguas duas horas e quarenta minutos. No fator tempo, não propriamente na colisão, reside a tragédia do número imenso de mortos.
O autor do livro menciona que enquanto o Titanic estava sendo construído houve um choque entre dois transatlânticos de luxo — o “Republic” e o “Florida” — perto de Nantucket, Massachusetts, EUA. A colisão causou muito mais danos do que o longo “raspão” do Titanic no iceberg. No entanto, o “Flórida” conseguiu navegar até o porto de Nova Iorque, salvando todos os passageiros. Quanto ao “Republic”, ficou flutuando durante 38 horas, o que permitiu o transbordo de todos os 750 passageiros. Ninguém morreu. Já com o Titanic, repito, a nave afundou em duas horas e quarenta minutos. Só se salvaram aqueles quinhentos e poucos que conseguiram lugar nos botes. Insuficientes, porque o “Titanic” era “inafundável”. Dizia-se que “nem Deus conseguirá afundar o Titanic”. Crentes um tanto caluniadores do divino chegaram a dizer, após o naufrágio, que este ocorreu porque Deus quis punir o orgulho humano. Uma grande bobagem porque, se assim fosse, o Criador seria terrivelmente mesquinho, um modelo a não ser imitado.
O que tem a ver o Capitalismo com o naufrágio rápido do Titanic? É que uma investigação sigilosa, após o acidente, comprovou que os construtores do navio — no estaleiro da Harland and Wolff, de Belfast, Irlanda —, foram pressionados pelos proprietários a utilizar, no casco, placas de aço, mais finas do que constava no projeto de construção. Além disso, foram usados menos rebites para fixação das placas. E por que fizeram essa alteração? Por causa da pressa em lançar ao mar um transatlântico já famoso antes de “nascer”. E com a diminuição da espessura do casco o navio ficava mais leve em 2.500 toneladas, com isso movimentando-se mais velozmente do que os concorrentes no transporte de passageiros no Canal da Mancha. Em suma, por razões de lucro brincou-se com o perigo, resultando na morte de 1.522 pessoas.
O autor procura convencer o leitor de que se o Titanic tivesse flutuado por mais tempo — com um rasgão menor no casco — a quantidade de mortos teria sido bem inferior, ou mesmo nenhuma. Para escrever o livro o autor entrevistou um arquivista aposentado da firma construtora tendo ele localizado a planta original do navio, com especificação da espessura e número de rebites. Essa desconformidade entre a planta original e a obra pronta, não me parece excessiva, mas como não sou engenheiro naval não tenho condições técnicas para avaliar a conseqüência dessa alteração do projeto inicial. O autor deve saber muito mais do que eu. O casco ficou mais fino em um quarto de polegada.
Essa diferença de espessura deve ter sido significativa porque após o afundamento do Titanic a empresa dona do navio — J. P. Morgan era um dos proprietários — decidiu reforçar o casco de um outro transatlântico ainda em construção, o “Britannic”. Este último acabou sendo construído conforme especificava a planta. O casco ficou mais resistente do que o do Titanic. Toda a culpa da tragédia foi manobrada para recair somente sobre o capitão do navio, que também se afogou. Se J. P. Morgan e demais sócios tivessem que indenizar as famílias dos 1.522 mortos iriam certamente à falência.
O livro, segunda a detalhada resenha, explica que para medir exatamente a espessura do casco foi contratada uma equipe de mergulhadores que recortou amostras das chapas, constatando-se o descumprimento do que determinavam os engenheiros navais para maior segurança da nave.
Uma consideração, talvez não existente no livro, mas que penso ser cabível, é a seguinte: com um peso maior do navio — conseqüência da maior espessura do casco —, é provável que o Titanic não passasse apenas “se esfregando” no iceberg. A colisão seria frontal. Os danos da autêntica “trombada” seria mais sério, porém é altamente provável que o navio não afundaria. Isso porque o navio, na parte submersa, dispunha de várias câmaras — ou que outro nome tenham — isoladas umas das outras. Uma, duas, três, talvez quatro câmaras, poderiam ser inundadas mas o navio não afundaria. Essa hipótese fora calculada. Daí a afirmação orgulhosa de que o Titanic não poderia jamais afundar. Os engenheiros pensavam apenas na colisão frontal, não em um extenso rasgo lateral, como ocorreu. Rasgo que seria menor se o casco fosse mais reforçado, como exigia a planta original. Sua capacidade de assimilação de água seria enorme. Ou, se afundasse, isso levaria muitas horas, propiciando o socorro, a tempo, de outros navios.
O autor do livro, em referência, provavelmente não correlaciona Capitalismo com o naufrágio do famoso transatlântico. Se, porém, as conclusões do autor estão certas — e tudo indica que estão — a tragédia marítima serve como lição para os tempos atuais, de abalo financeiro causado por falta de mecanismos capazes de manter rédeas curtas e sensatas nos cavalos selvagens e eufóricos que, freios nos dentes, desembestaram nas vendas de imóveis e operações relacionadas, querendo enriquecer rapidamente. Sem pensar nas conseqüências.
Espera-se que, logo após a medidas urgentes para evitar o caos atual, examine-se com minúcia o grau de culpa daqueles executivos que, com seus bônus, engordaram suas contas-correntes e depois deram o fora, confiando, impunemente, que os governos fatalmente se veriam obrigados a socorrer investidores e correntistas.
Bêbados no volante já são punidos. Falta agora examinar a dosagem de um outro tipo de álcool que circulava nas veias de alguns financistas embriagados com a sensação de impunidade. Esse tipo de álcool não se evaporou nem saiu com a urina. Pode ser examinado com investigações contábeis. Culpados, ou inocentes, é preciso que se examine, a fundo, a origem da tragédia, com o retorno do dinheiro relacionado com a irresponsabilidade.
Finalizando, quero deixar claro que o presente texto não repudia o sistema de mercado, sempre necessário. Um Titanic, e seus assemelhados, não naufragaram nos países estritamente socialistas simplesmente porque nem mesmo havia recursos e técnicas para construí-los. O alerta, aqui, é de que a bem estar humano só avançará, sem periódicos traumas arrasadores, se os dois regimes se derem as mãos, mesclando ambição e liberdade com eficazes freios na boca dos fogosos corcéis das finanças. Ia dizer “cavalos loucos”, mas de loucos eles não têm nada. O que lhes sobra é esperteza.
Não, não vou dizer aqui que o Capitalismo é o Capeta, fonte de todo o mal, e por causa dele todos os países sofrerão na carne, digo, no bolso, “naufragando” nas dificuldades concebidas no útero das hipotecas americanas. Neste artigo, o “Titanic” não metáfora, é o próprio, aquele do filme, o transatlântico de luxo que afundou em 1912, levando para fundo do mar 1.522 pessoas. “Onde, então, a correlação?” — perguntará leitor, impaciente com rodeios.
A analogia entre o naufrágio do “Titanic” e o Capitalismo está na comprovação de que toda forma de energia — elétrica, térmica, atômica ou humana (ambiciosa, voraz mas incentivadora da produção) — precisa de algum controle. E este é mais eficaz se externo — estatal ou seu equivalente — do que interno, exercido pelos próprios interessados, que optam, claro, por uma “meiga” auto-regulação. O dogma de que “o mercado se auto-regula” de modo perfeito já demonstrou sua fragilidade, porque o egoísmo é inerente a todo ser humano, com exceção dos santos — uma espécie de ornitorrinco moral, destinada à extinção. De fato, o mercado tem um inegável poder de se auto-regular, mas apresenta brechas, pontos fracos, como ocorreu no naufrágio do Titanic, que matou tantos porque, à época, confiava-se um tanto na “auto-regulação” dos ambiciosos proprietários do navio. No início do século a regulamentação das construções navais estava meio atrasada, em cotejo com o grande impulso na utilização dos grandes transatlânticos. A intensa movimentação de pessoas entre a América e a Europa era obviamente marítima, não aérea.
A revista “Newsweek”, de 20-10-08 traz, na pág. 56, um artigo, ou resenha, do livro “Titanic’s Last Secrets” (Últimos Segredos do Titanic”) escrito por Brad Matsen. A resenha, inteligente e detalhada, foi redigida por Jeneen Interlandi. No livro, o autor — aparentemente com argumentos irrespondíveis — sustenta a tese de que se o navio tivesse sido construído segundo a especificação da sua planta não teria afundado tão rapidamente, como ocorreu. Haveria tempo dos passageiros e tripulantes — todos eles — serem transferidos para outros navios que, distantes, tentavam se aproximar antes que o Titanic afundasse de vez. Mas não chegaram a tempo. Entre o momento da colisão — na verdade um extenso “raspão” cortante, lateral, no iceberg — e o naufrágio passaram-se exíguas duas horas e quarenta minutos. No fator tempo, não propriamente na colisão, reside a tragédia do número imenso de mortos.
O autor do livro menciona que enquanto o Titanic estava sendo construído houve um choque entre dois transatlânticos de luxo — o “Republic” e o “Florida” — perto de Nantucket, Massachusetts, EUA. A colisão causou muito mais danos do que o longo “raspão” do Titanic no iceberg. No entanto, o “Flórida” conseguiu navegar até o porto de Nova Iorque, salvando todos os passageiros. Quanto ao “Republic”, ficou flutuando durante 38 horas, o que permitiu o transbordo de todos os 750 passageiros. Ninguém morreu. Já com o Titanic, repito, a nave afundou em duas horas e quarenta minutos. Só se salvaram aqueles quinhentos e poucos que conseguiram lugar nos botes. Insuficientes, porque o “Titanic” era “inafundável”. Dizia-se que “nem Deus conseguirá afundar o Titanic”. Crentes um tanto caluniadores do divino chegaram a dizer, após o naufrágio, que este ocorreu porque Deus quis punir o orgulho humano. Uma grande bobagem porque, se assim fosse, o Criador seria terrivelmente mesquinho, um modelo a não ser imitado.
O que tem a ver o Capitalismo com o naufrágio rápido do Titanic? É que uma investigação sigilosa, após o acidente, comprovou que os construtores do navio — no estaleiro da Harland and Wolff, de Belfast, Irlanda —, foram pressionados pelos proprietários a utilizar, no casco, placas de aço, mais finas do que constava no projeto de construção. Além disso, foram usados menos rebites para fixação das placas. E por que fizeram essa alteração? Por causa da pressa em lançar ao mar um transatlântico já famoso antes de “nascer”. E com a diminuição da espessura do casco o navio ficava mais leve em 2.500 toneladas, com isso movimentando-se mais velozmente do que os concorrentes no transporte de passageiros no Canal da Mancha. Em suma, por razões de lucro brincou-se com o perigo, resultando na morte de 1.522 pessoas.
O autor procura convencer o leitor de que se o Titanic tivesse flutuado por mais tempo — com um rasgão menor no casco — a quantidade de mortos teria sido bem inferior, ou mesmo nenhuma. Para escrever o livro o autor entrevistou um arquivista aposentado da firma construtora tendo ele localizado a planta original do navio, com especificação da espessura e número de rebites. Essa desconformidade entre a planta original e a obra pronta, não me parece excessiva, mas como não sou engenheiro naval não tenho condições técnicas para avaliar a conseqüência dessa alteração do projeto inicial. O autor deve saber muito mais do que eu. O casco ficou mais fino em um quarto de polegada.
Essa diferença de espessura deve ter sido significativa porque após o afundamento do Titanic a empresa dona do navio — J. P. Morgan era um dos proprietários — decidiu reforçar o casco de um outro transatlântico ainda em construção, o “Britannic”. Este último acabou sendo construído conforme especificava a planta. O casco ficou mais resistente do que o do Titanic. Toda a culpa da tragédia foi manobrada para recair somente sobre o capitão do navio, que também se afogou. Se J. P. Morgan e demais sócios tivessem que indenizar as famílias dos 1.522 mortos iriam certamente à falência.
O livro, segunda a detalhada resenha, explica que para medir exatamente a espessura do casco foi contratada uma equipe de mergulhadores que recortou amostras das chapas, constatando-se o descumprimento do que determinavam os engenheiros navais para maior segurança da nave.
Uma consideração, talvez não existente no livro, mas que penso ser cabível, é a seguinte: com um peso maior do navio — conseqüência da maior espessura do casco —, é provável que o Titanic não passasse apenas “se esfregando” no iceberg. A colisão seria frontal. Os danos da autêntica “trombada” seria mais sério, porém é altamente provável que o navio não afundaria. Isso porque o navio, na parte submersa, dispunha de várias câmaras — ou que outro nome tenham — isoladas umas das outras. Uma, duas, três, talvez quatro câmaras, poderiam ser inundadas mas o navio não afundaria. Essa hipótese fora calculada. Daí a afirmação orgulhosa de que o Titanic não poderia jamais afundar. Os engenheiros pensavam apenas na colisão frontal, não em um extenso rasgo lateral, como ocorreu. Rasgo que seria menor se o casco fosse mais reforçado, como exigia a planta original. Sua capacidade de assimilação de água seria enorme. Ou, se afundasse, isso levaria muitas horas, propiciando o socorro, a tempo, de outros navios.
O autor do livro, em referência, provavelmente não correlaciona Capitalismo com o naufrágio do famoso transatlântico. Se, porém, as conclusões do autor estão certas — e tudo indica que estão — a tragédia marítima serve como lição para os tempos atuais, de abalo financeiro causado por falta de mecanismos capazes de manter rédeas curtas e sensatas nos cavalos selvagens e eufóricos que, freios nos dentes, desembestaram nas vendas de imóveis e operações relacionadas, querendo enriquecer rapidamente. Sem pensar nas conseqüências.
Espera-se que, logo após a medidas urgentes para evitar o caos atual, examine-se com minúcia o grau de culpa daqueles executivos que, com seus bônus, engordaram suas contas-correntes e depois deram o fora, confiando, impunemente, que os governos fatalmente se veriam obrigados a socorrer investidores e correntistas.
Bêbados no volante já são punidos. Falta agora examinar a dosagem de um outro tipo de álcool que circulava nas veias de alguns financistas embriagados com a sensação de impunidade. Esse tipo de álcool não se evaporou nem saiu com a urina. Pode ser examinado com investigações contábeis. Culpados, ou inocentes, é preciso que se examine, a fundo, a origem da tragédia, com o retorno do dinheiro relacionado com a irresponsabilidade.
Finalizando, quero deixar claro que o presente texto não repudia o sistema de mercado, sempre necessário. Um Titanic, e seus assemelhados, não naufragaram nos países estritamente socialistas simplesmente porque nem mesmo havia recursos e técnicas para construí-los. O alerta, aqui, é de que a bem estar humano só avançará, sem periódicos traumas arrasadores, se os dois regimes se derem as mãos, mesclando ambição e liberdade com eficazes freios na boca dos fogosos corcéis das finanças. Ia dizer “cavalos loucos”, mas de loucos eles não têm nada. O que lhes sobra é esperteza.
Vitória provisória do colarinho branco
(Escrito em 19-3-09)
Os jornais de 18-3-09 trazem uma notícia desanimadora: os dois delegados que se atreveram a ir fundo nas investigações relacionadas com a operação Satiagraha estão sob risco de processo e prisão. Desânimo ou indignação é a reação da maioria dos brasileiros que acompanham, pela mídia, a evolução de uma investigação que ocupou, durante meses, a primeira página de todos os jornais e simboliza muita coisa. Um dos delegados, Protógenes Queiroz, já foi indiciado pela polícia federal. O outro, Paulo Lacerda, está também na mira, sendo provável o seu indiciamento.
Só falta, agora, para a desmoralização total de nosso sistema repressivo, ver o banqueiro investigado ser absolvido — talvez com direito a uma vultosa indenização a título de “danos morais” — e os delegados condenados. Um alerta aos policiais mais dedicados às suas funções. “Cautela!, não investiguem, a fundo, gente poderosa! Convém, nesses casos, uma investigação “maneira”, pró-forma. Assim todos saem ganhando”.
Obviamente, antes de escrever este artigo, não fui ler as centenas de páginas relacionadas com o inquérito em referência. Mesmo porque talvez ele esteja sob segredo de justiça. No entanto, dá para se fazer uma idéia razoável do que acontece. Um dos fundamentos do indiciamento de Protógenes Queiroz está no fato do delegado ter solicitado a colaboração de funcionários ABIN – Agência Brasileira de Inteligência.
Seja qual for o contorcionismo interpretativo que se faça para extrair da legislação uma proibição rígida da ABIN em fornecer dados à Polícia Federal — com isso favorecendo a impunidade —, o mero bom-senso recomenda uma interpretação mais construtiva, mais direcionada ao bem comum. Isso porque nenhum texto, por bem elaborado que seja, é imune a uma interpretação tendenciosa. Bons juízes conseguem extrair, de leis deficientes, excelentes decisões. Maus juízes, mesmo dispondo de boas leis, podem decidir muito mal. Se duas opiniões jurídicas forem conflitantes e igualmente sustentáveis, qual a que deve prevalecer? A que melhor sirva ao país. É o caso em exame.
A ABIN é um órgão direcionado à busca de informação. Pode colhê-las em qualquer lugar, mesmo entre marginais e prostitutas. Armazena dados relacionados à espionagem, contra-espionagem, terrorismo e assuntos afins. Dispõe, salvo engano, de cerca de 1.600 funcionários. Como não estamos em guerra e não há clima, no momento, para golpes de estado, não era irrazoável, aos delegados em questão, a idéia da Polícia Federal solicitar, e a ABIN conceder, sua colaboração em investigação difícil de andar em razão do poder do investigado, um banqueiro muito bem relacionado e capaz de perseguir até uma juíza de direito, como revelou a mídia, mencionando uma juíza que trabalha no Rio de Janeiro.
Pelo que se ensina nas Faculdades de Direito, à Polícia Federal, bem como as demais polícias, cabe investigar a existência de crimes, não levando em conta a “importância” da “figura” investigada. Isso porque nas democracias ninguém está acima do bem e do mal, todos devem responder por seus atos. Em exemplo deliberadamente grosseiro, até mesmo caricato — apenas para ressaltar o argumento —, se chegar aos ouvidos da polícia a notícia — bem fundamentada, com toda a aparência de veracidade, inclusive com fotos comprometedoras —, de que um ministro de estado, ou alta autoridade da República, em momento de desatino, matou e enterrou no quintal de sua casa a amante, é obrigação da polícia investigar o fato, embora com todas as cautelas e reservas pertinentes. Não pode, porém, deixar de investigar; fingir que não ouviu a notícia, razoavelmente documentada.
Não existe, em nosso ordenamento jurídico, uma lista oficial de autoridades, ou personalidades importantes, “blindadas” contra investigações. Se a polícia precisou da colaboração da ABIN, para investigação tão delicada, não se vê porque processar o delegado porque pediu essa colaboração, e o chefe da ABIN porque colaborou. Seria até uma forma de dar utilidade a um órgão, a ABIN, que, em tempos de paz, pouco tem a fazer. Uma boa utilização do dinheiro do contribuinte.
A democracia aprimora-se com a busca da verdade. No caso, se, eventualmente, houve algum excesso nessa busca da verdade — somente a leitura dos autos poderá esclarecer isso com mais exatidão —, o máximo de punição que seria cabível contra os delegados referidos seria uma pena administrativa de advertência, não um processo criminal. Afinal, pelo que diz a mídia — mesmo aquela mais favorável ao banqueiro investigado —, os delegados não estariam agindo, no caso, por interesse financeiro, nem falsificando provas.
O Brasil é um país contraditório: a polícia sempre foi criticada por falta de empenho no seu trabalho. Esse desinteresse, falta de tenacidade nas investigações, fragilidade no resistir às tentações do dinheiro, eram sinais de nosso subdesenvolvimento. Quando, porém, alguns delegados resolvem investigar a fundo um caso envolvendo um poderoso, o que acontece? Os policiais acabam sendo indiciados.
Felizmente, temos hoje, no Brasil, uma instituição de grande valor e que se chama Ministério Público Federal, o qual, à semelhança das Promotorias Estaduais, dispõe de independência, competência e espírito de justiça. Capazes de separar o joio do trigo em matéria de hermenêutica. O Procurador Geral talvez — espera-se — mande arquivar o inquérito contra os dois delegados, não oferecendo denúncia. Certamente pesará, com competência e sensatez, os interesses em jogo. Como dito atrás, muitos textos legais podem ser interpretado de forma estreita, medíocre, favorecedora da impunidade, ou de forma mais útil, inteligente e moral.
Mais felizmente ainda, temos, no Supremo Tribunal Federal, magistrados independentes, com personalidade, antenados com a vida real, sensíveis à necessidade de forjar uma reputação internacional desmentindo a vulgar noção de que no Brasil o crime só não compensa aos ignorantes e desdentados.
Os jornais de 18-3-09 trazem uma notícia desanimadora: os dois delegados que se atreveram a ir fundo nas investigações relacionadas com a operação Satiagraha estão sob risco de processo e prisão. Desânimo ou indignação é a reação da maioria dos brasileiros que acompanham, pela mídia, a evolução de uma investigação que ocupou, durante meses, a primeira página de todos os jornais e simboliza muita coisa. Um dos delegados, Protógenes Queiroz, já foi indiciado pela polícia federal. O outro, Paulo Lacerda, está também na mira, sendo provável o seu indiciamento.
Só falta, agora, para a desmoralização total de nosso sistema repressivo, ver o banqueiro investigado ser absolvido — talvez com direito a uma vultosa indenização a título de “danos morais” — e os delegados condenados. Um alerta aos policiais mais dedicados às suas funções. “Cautela!, não investiguem, a fundo, gente poderosa! Convém, nesses casos, uma investigação “maneira”, pró-forma. Assim todos saem ganhando”.
Obviamente, antes de escrever este artigo, não fui ler as centenas de páginas relacionadas com o inquérito em referência. Mesmo porque talvez ele esteja sob segredo de justiça. No entanto, dá para se fazer uma idéia razoável do que acontece. Um dos fundamentos do indiciamento de Protógenes Queiroz está no fato do delegado ter solicitado a colaboração de funcionários ABIN – Agência Brasileira de Inteligência.
Seja qual for o contorcionismo interpretativo que se faça para extrair da legislação uma proibição rígida da ABIN em fornecer dados à Polícia Federal — com isso favorecendo a impunidade —, o mero bom-senso recomenda uma interpretação mais construtiva, mais direcionada ao bem comum. Isso porque nenhum texto, por bem elaborado que seja, é imune a uma interpretação tendenciosa. Bons juízes conseguem extrair, de leis deficientes, excelentes decisões. Maus juízes, mesmo dispondo de boas leis, podem decidir muito mal. Se duas opiniões jurídicas forem conflitantes e igualmente sustentáveis, qual a que deve prevalecer? A que melhor sirva ao país. É o caso em exame.
A ABIN é um órgão direcionado à busca de informação. Pode colhê-las em qualquer lugar, mesmo entre marginais e prostitutas. Armazena dados relacionados à espionagem, contra-espionagem, terrorismo e assuntos afins. Dispõe, salvo engano, de cerca de 1.600 funcionários. Como não estamos em guerra e não há clima, no momento, para golpes de estado, não era irrazoável, aos delegados em questão, a idéia da Polícia Federal solicitar, e a ABIN conceder, sua colaboração em investigação difícil de andar em razão do poder do investigado, um banqueiro muito bem relacionado e capaz de perseguir até uma juíza de direito, como revelou a mídia, mencionando uma juíza que trabalha no Rio de Janeiro.
Pelo que se ensina nas Faculdades de Direito, à Polícia Federal, bem como as demais polícias, cabe investigar a existência de crimes, não levando em conta a “importância” da “figura” investigada. Isso porque nas democracias ninguém está acima do bem e do mal, todos devem responder por seus atos. Em exemplo deliberadamente grosseiro, até mesmo caricato — apenas para ressaltar o argumento —, se chegar aos ouvidos da polícia a notícia — bem fundamentada, com toda a aparência de veracidade, inclusive com fotos comprometedoras —, de que um ministro de estado, ou alta autoridade da República, em momento de desatino, matou e enterrou no quintal de sua casa a amante, é obrigação da polícia investigar o fato, embora com todas as cautelas e reservas pertinentes. Não pode, porém, deixar de investigar; fingir que não ouviu a notícia, razoavelmente documentada.
Não existe, em nosso ordenamento jurídico, uma lista oficial de autoridades, ou personalidades importantes, “blindadas” contra investigações. Se a polícia precisou da colaboração da ABIN, para investigação tão delicada, não se vê porque processar o delegado porque pediu essa colaboração, e o chefe da ABIN porque colaborou. Seria até uma forma de dar utilidade a um órgão, a ABIN, que, em tempos de paz, pouco tem a fazer. Uma boa utilização do dinheiro do contribuinte.
A democracia aprimora-se com a busca da verdade. No caso, se, eventualmente, houve algum excesso nessa busca da verdade — somente a leitura dos autos poderá esclarecer isso com mais exatidão —, o máximo de punição que seria cabível contra os delegados referidos seria uma pena administrativa de advertência, não um processo criminal. Afinal, pelo que diz a mídia — mesmo aquela mais favorável ao banqueiro investigado —, os delegados não estariam agindo, no caso, por interesse financeiro, nem falsificando provas.
O Brasil é um país contraditório: a polícia sempre foi criticada por falta de empenho no seu trabalho. Esse desinteresse, falta de tenacidade nas investigações, fragilidade no resistir às tentações do dinheiro, eram sinais de nosso subdesenvolvimento. Quando, porém, alguns delegados resolvem investigar a fundo um caso envolvendo um poderoso, o que acontece? Os policiais acabam sendo indiciados.
Felizmente, temos hoje, no Brasil, uma instituição de grande valor e que se chama Ministério Público Federal, o qual, à semelhança das Promotorias Estaduais, dispõe de independência, competência e espírito de justiça. Capazes de separar o joio do trigo em matéria de hermenêutica. O Procurador Geral talvez — espera-se — mande arquivar o inquérito contra os dois delegados, não oferecendo denúncia. Certamente pesará, com competência e sensatez, os interesses em jogo. Como dito atrás, muitos textos legais podem ser interpretado de forma estreita, medíocre, favorecedora da impunidade, ou de forma mais útil, inteligente e moral.
Mais felizmente ainda, temos, no Supremo Tribunal Federal, magistrados independentes, com personalidade, antenados com a vida real, sensíveis à necessidade de forjar uma reputação internacional desmentindo a vulgar noção de que no Brasil o crime só não compensa aos ignorantes e desdentados.
sábado, 14 de março de 2009
Uma proposta à meditação de Lula
Texto produzido em 9-3-09
Poucos dias atrás, o site de relações internacionais “MundoRI.com” publicou, entre outros, texto meu, “Parabéns, Gordon Brown!”, em que elogio artigo do primeiro-ministro britânico que teve a “audácia”, digamos assim, de reconhecer que para tirar a comunidade internacional da atual crise econômica e financeira é necessário um “New Deal” global — ou “Global New Deal” —, isto é, não mais apenas norte-americano, como foi o caso do famoso plano salvador de Franklin D. Roosevelt, na década de 1930.
Segundo a opinião do político inglês, é preciso que todos os países, mormente os mais desenvolvidos, estimulem o crescimento da economia em seus respectivos países, não deixando o ônus do crescimento global nas mãos exclusivas de Washington. De fato, pelo que deflui da mídia internacional — o Brasil é corajosa exceção —, todos parecem aguardar uma recuperação da economia americana, após o que os demais países voltariam a prosperar: produzindo, vendendo, comprando e, consequentemente, empregando. Brown Gordon discorda dessa passividade global e promete o apoio de seu país nesse esforço de normalização da economia internacional via “produção e emprego”. É de se presumir, pela seriedade de Gordon, que ele fará o que for de seu alcance para que o Reino Unido continue produzindo, tanto quanto possível, em vez de apenas lamentar o atual estado de coisas.
Havendo algum interessado nesse tema, meu modesto artigo — que resume os argumentos de G. Brown e acrescenta outros —, encontra-se no site www.franciscopinheirorodrigues.com.br Nele, recorda-se que F. D. Roosevelt diminuiu consideravelmente o desemprego — ao assumir a primeira presidência, o percentual era de 25% — investindo fortemente na infra-estrutura do seu país. Com isso, passada a crise, os EUA tornaram-se mais fortes do que estariam se esperassem que as coisas melhorassem “espontaneamente”, pelo livre jogo do mercado. Frisei que se o “mercado” é sábio, nem sempre os mercadores também o são, como ficou comprovado com as mega-fraudes recentes no mundo da alta finança. E mesmo que, segundo alguns, a 2ª Guerra Mundial tenha complementado a recuperação da economia americana, esse dado não invalida a conclusão de que o único erro que as nações não podem se permitir é a imobilidade, o medo de investir e trabalhar.
Em resumo, a ênfase de meu artigo era a de que os governos, em todos os países, devem se esforçar para, na medida do possível, “construir”, “fazer coisas” que, no futuro, serão úteis à nação. E para produzir é preciso criar empregos, porque nenhum setor está cem por cento automatizado.
Publicado meu artigo, os sócios fundadores — Luiz Bellini e Thiago Pereira — do site MundoRI.com perguntaram-me se na recomendação de “fazer”, “produzir”, estava incluído o estímulo à educação, em geral e, principalmente, nas áreas específicas deles — as relações internacionais. Disse a eles que, ao escrever o artigo não havia pensado em termos de educação. Pensava somente em termos de construções físicas — portos, aeroportos, estradas, açudes, poços artesianos, indústria pesada, etc. Em resposta, o MundoRI enfatizou que o Brasil poderia também aproveitar a ociosidade forçada, decorrente do desemprego, para incentivar os desempregados a fazerem cursos que elevem consideravelmente o nível de conhecimento técnico em áreas mais especializadas e necessárias na esfera internacional. Ocupar, não só as mãos, em empregos, mas também as mentes, em aprendizado. Em suma, transformar as “férias forçadas” em trampolim para maior reconhecimento do Brasil fora das tradicionais áreas do futebol, carnaval, música, etc.
Pensando sobre a sugestão, concordei com ela. Lembrei-me que, poucos anos atrás, a próspera Alemanha, precisando urgentemente de especialistas em informática, teve que buscar na Índia os técnicos de que não dispunha. Na Índia, vejam só! País por nós mentalmente associado à ioga, elefantes, faquires, banhos no Ganges poluído, castas intocáveis, vacas e macacos nas ruas. Um país de sabedoria milenar mas voltado essencialmente à espiritualidade, técnicas de meditação e atividades distanciadas do vil metal.
O que explica esse imenso salto qualitativo da quente e populosa Índia? A longa visão de Rajiv Gandhi, filho de Indira Gandhi. Ambos, mãe e filho, foram assassinados, por motivos políticos, em momentos distintos, mas deixaram um legado de realizações. Rajiv Gandhi previu que o mundo precisaria, cada vez mais, da ciência da computação. Ciente desse potencial, investiu fortemente no ensino da informática, pouco importando que naquele exato momento essa técnica não teria muita aplicação em um país de segundo ou terceiro mundo. Viu longe, e acertou na mosca. Hoje a Índia impressiona, para quem esteve lá — como Thiago Pereira —, pelo chocante contraste entre as imponentes escolas de ciência da computação em bairros pobres que logo se tornarão menos pobres, à medida que o país, como um todo, cresça. E crescerá rapidamente, boa parte graças à visão inteligente de Rajiv Gandhi. Ressalte-se que a Índia já dispõe de bomba nuclear e — milagre! —, goza de tão sólida reputação pacifista que esse perigoso conhecimento não inquieta o Primeiro Mundo. Certamente, sem o destacado conhecimento da informática os avanços no domínio das técnicas, em geral, seriam bem menores. Todas as técnicas, hoje, “passam” pelo computador.
O Brasil, seguindo o exemplo indiano, poderia, aproveitando o momento de desemprego e ociosidade forçada de milhares de desempregados — com bom nível de estudo — estimular especializações na área da informática, técnicas de comércio exterior e até mesmo na área do Direito Internacional, tanto Público e Privado. Se o mundo tende à globalização, o Direito o acompanhará inevitavelmente.
Nosso atual Presidente já intuiu que o Brasil precisa crescer “por dentro e por fora”, isto é, em presença na área internacional. Tivemos, até meses atrás, em Genebra, Suíça, um brasileiro que presidiu o Órgão de Apelação da Organização do Comércio, Dr. Luiz Olavo Baptista. Em Haia, na Corte Internacional de Justiça, tivemos e temos brasileiros, os ilustres juízes Francisco Rezek e Cançado Trindade. No Tribunal Penal Internacional estamos bem “representados” por uma competente jurista brasileira, Sylvia Steiner. O que falta mais, na área jurídica, para projetar o Brasil?
Resposta: um aumento na quantidade de grandes especialistas — advogados e “diplomatas empresariais” — capazes de atuar nessa complexa e concorrida área. Pelo que fui informado na cidade de Haia, mais de metade dos advogados que trabalham nos tribunais internacionais são ingleses, conseqüência de uma natural especialização de um povo que orgulhava-se de o sol nunca se pôr fora do império britânico. Como resíduo da quase ubiqüidade desse império diplomaticamente hábil é natural que advogados ingleses continuem a ocupar lugar de destaque na disputadíssima advocacia internacional.
Ocorre que o Brasil tem legítimos anseios — e talentos —, para crescer na esfera internacional. O “pré-sal’ e o álcool, com repercussões globais, estimulam a idéia do crescimento. Anseio legítimo e não pernicioso, porque é um país sem ambições territoriais, sem tendências racistas e notoriamente tolerante. Não tem “pavio curto”, como comprovou nos desacertos com a Bolívia e Equador. Sua ambição de ocupar assento permanente no Conselho de Segurança não representa perigo para país algum, a não ser o suplantável risco do ciúme. Sua voz ponderada terá um efeito calmante nas grandes discussões sobre temas nada calmos por natureza. Rui Barbosa, na Conferência de Haia, em 1907, e o Barão do Rio Branco, no Ministério das Relações Exteriores, só enriqueceram a biografia brasileira na área dos conflitos internacionais.
Por que digo isso? Porque nosso atual Presidente pode criar, no Brasil, aproveitando o agudo momento — que pode não se repetir —, um importante centro de estudos de Direito e Relações Internacionais, capaz de habilitar não só brasileiros mas também jovens estudiosos do mundo inteiro. Não ficaria nada mal, para a América do Sul, um respeitadíssimo centro de estudos na área do Direito e Relações Internacionais, incluindo, também as práticas do comércio internacional. Professores de alto nível nós já temos. O que faltar, pode ser contratado no Primeiro Mundo. Até mesmo com aulas ministradas em inglês ou francês. O apoio de investimento, por parte do governo, não seria tão pesado como se imagina. Francisco Rezek e Olavo Baptista, entre outros, poderiam ser convidados para a importante missão de organizar tal empreendimento, pois são, acima de tudo, entusiastas do magistério superior e com longa experiência no ramo. Conhecem a Teoria e a Prática. Não os consultei para mencioná-los aqui, mas essa menção não é ofensiva. Por que o jovem brasileiro terá que, forçosamente, ir à Universidade de Paris, ou à Academia Hague de Direito Internacional, ou a universidades inglesas e americanas para estudar algo que pode também ser ensinado aqui? A excelência desses grandes centros de estudo pode ser transplantada para cá, inclusive com a colaboração dessas grandes universidades. Presume-se que quanto menos ignorância no conhecimento das normas e práticas entre os povos, melhor para todos.
Construída a reputação do país nessa área técnica internacional seria muito mais “natural” a aceitação do Brasil para ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Dispensaria a um tanto vulgar “garra” — forma rude, inadequada, de conseguir indicação . Prestígio internacional não se consegue “na marra”. É algo invisível; sutil, mas poderoso. E o Presidente Lula pode, com uma canetada, sem imensas despesas, designar um grupo de estudo para a construção de uma obra educacional que enriqueceria muito sua biografia. Seria lembrado, por décadas, findo o governo, como o ex-torneiro mecânico que também viu longe, como Rajiv Gandhi.
Detalhes dessa construção exigiriam grande espaço e seriam desnecessários caso seja criado esse grupo de trabalho, que contará com gente muito mais especializada do que eu. Limitei-me, aqui, a completar meu artigo anterior, conforme boa lembrança do MundoRI.
Poucos dias atrás, o site de relações internacionais “MundoRI.com” publicou, entre outros, texto meu, “Parabéns, Gordon Brown!”, em que elogio artigo do primeiro-ministro britânico que teve a “audácia”, digamos assim, de reconhecer que para tirar a comunidade internacional da atual crise econômica e financeira é necessário um “New Deal” global — ou “Global New Deal” —, isto é, não mais apenas norte-americano, como foi o caso do famoso plano salvador de Franklin D. Roosevelt, na década de 1930.
Segundo a opinião do político inglês, é preciso que todos os países, mormente os mais desenvolvidos, estimulem o crescimento da economia em seus respectivos países, não deixando o ônus do crescimento global nas mãos exclusivas de Washington. De fato, pelo que deflui da mídia internacional — o Brasil é corajosa exceção —, todos parecem aguardar uma recuperação da economia americana, após o que os demais países voltariam a prosperar: produzindo, vendendo, comprando e, consequentemente, empregando. Brown Gordon discorda dessa passividade global e promete o apoio de seu país nesse esforço de normalização da economia internacional via “produção e emprego”. É de se presumir, pela seriedade de Gordon, que ele fará o que for de seu alcance para que o Reino Unido continue produzindo, tanto quanto possível, em vez de apenas lamentar o atual estado de coisas.
Havendo algum interessado nesse tema, meu modesto artigo — que resume os argumentos de G. Brown e acrescenta outros —, encontra-se no site www.franciscopinheirorodrigues.com.br Nele, recorda-se que F. D. Roosevelt diminuiu consideravelmente o desemprego — ao assumir a primeira presidência, o percentual era de 25% — investindo fortemente na infra-estrutura do seu país. Com isso, passada a crise, os EUA tornaram-se mais fortes do que estariam se esperassem que as coisas melhorassem “espontaneamente”, pelo livre jogo do mercado. Frisei que se o “mercado” é sábio, nem sempre os mercadores também o são, como ficou comprovado com as mega-fraudes recentes no mundo da alta finança. E mesmo que, segundo alguns, a 2ª Guerra Mundial tenha complementado a recuperação da economia americana, esse dado não invalida a conclusão de que o único erro que as nações não podem se permitir é a imobilidade, o medo de investir e trabalhar.
Em resumo, a ênfase de meu artigo era a de que os governos, em todos os países, devem se esforçar para, na medida do possível, “construir”, “fazer coisas” que, no futuro, serão úteis à nação. E para produzir é preciso criar empregos, porque nenhum setor está cem por cento automatizado.
Publicado meu artigo, os sócios fundadores — Luiz Bellini e Thiago Pereira — do site MundoRI.com perguntaram-me se na recomendação de “fazer”, “produzir”, estava incluído o estímulo à educação, em geral e, principalmente, nas áreas específicas deles — as relações internacionais. Disse a eles que, ao escrever o artigo não havia pensado em termos de educação. Pensava somente em termos de construções físicas — portos, aeroportos, estradas, açudes, poços artesianos, indústria pesada, etc. Em resposta, o MundoRI enfatizou que o Brasil poderia também aproveitar a ociosidade forçada, decorrente do desemprego, para incentivar os desempregados a fazerem cursos que elevem consideravelmente o nível de conhecimento técnico em áreas mais especializadas e necessárias na esfera internacional. Ocupar, não só as mãos, em empregos, mas também as mentes, em aprendizado. Em suma, transformar as “férias forçadas” em trampolim para maior reconhecimento do Brasil fora das tradicionais áreas do futebol, carnaval, música, etc.
Pensando sobre a sugestão, concordei com ela. Lembrei-me que, poucos anos atrás, a próspera Alemanha, precisando urgentemente de especialistas em informática, teve que buscar na Índia os técnicos de que não dispunha. Na Índia, vejam só! País por nós mentalmente associado à ioga, elefantes, faquires, banhos no Ganges poluído, castas intocáveis, vacas e macacos nas ruas. Um país de sabedoria milenar mas voltado essencialmente à espiritualidade, técnicas de meditação e atividades distanciadas do vil metal.
O que explica esse imenso salto qualitativo da quente e populosa Índia? A longa visão de Rajiv Gandhi, filho de Indira Gandhi. Ambos, mãe e filho, foram assassinados, por motivos políticos, em momentos distintos, mas deixaram um legado de realizações. Rajiv Gandhi previu que o mundo precisaria, cada vez mais, da ciência da computação. Ciente desse potencial, investiu fortemente no ensino da informática, pouco importando que naquele exato momento essa técnica não teria muita aplicação em um país de segundo ou terceiro mundo. Viu longe, e acertou na mosca. Hoje a Índia impressiona, para quem esteve lá — como Thiago Pereira —, pelo chocante contraste entre as imponentes escolas de ciência da computação em bairros pobres que logo se tornarão menos pobres, à medida que o país, como um todo, cresça. E crescerá rapidamente, boa parte graças à visão inteligente de Rajiv Gandhi. Ressalte-se que a Índia já dispõe de bomba nuclear e — milagre! —, goza de tão sólida reputação pacifista que esse perigoso conhecimento não inquieta o Primeiro Mundo. Certamente, sem o destacado conhecimento da informática os avanços no domínio das técnicas, em geral, seriam bem menores. Todas as técnicas, hoje, “passam” pelo computador.
O Brasil, seguindo o exemplo indiano, poderia, aproveitando o momento de desemprego e ociosidade forçada de milhares de desempregados — com bom nível de estudo — estimular especializações na área da informática, técnicas de comércio exterior e até mesmo na área do Direito Internacional, tanto Público e Privado. Se o mundo tende à globalização, o Direito o acompanhará inevitavelmente.
Nosso atual Presidente já intuiu que o Brasil precisa crescer “por dentro e por fora”, isto é, em presença na área internacional. Tivemos, até meses atrás, em Genebra, Suíça, um brasileiro que presidiu o Órgão de Apelação da Organização do Comércio, Dr. Luiz Olavo Baptista. Em Haia, na Corte Internacional de Justiça, tivemos e temos brasileiros, os ilustres juízes Francisco Rezek e Cançado Trindade. No Tribunal Penal Internacional estamos bem “representados” por uma competente jurista brasileira, Sylvia Steiner. O que falta mais, na área jurídica, para projetar o Brasil?
Resposta: um aumento na quantidade de grandes especialistas — advogados e “diplomatas empresariais” — capazes de atuar nessa complexa e concorrida área. Pelo que fui informado na cidade de Haia, mais de metade dos advogados que trabalham nos tribunais internacionais são ingleses, conseqüência de uma natural especialização de um povo que orgulhava-se de o sol nunca se pôr fora do império britânico. Como resíduo da quase ubiqüidade desse império diplomaticamente hábil é natural que advogados ingleses continuem a ocupar lugar de destaque na disputadíssima advocacia internacional.
Ocorre que o Brasil tem legítimos anseios — e talentos —, para crescer na esfera internacional. O “pré-sal’ e o álcool, com repercussões globais, estimulam a idéia do crescimento. Anseio legítimo e não pernicioso, porque é um país sem ambições territoriais, sem tendências racistas e notoriamente tolerante. Não tem “pavio curto”, como comprovou nos desacertos com a Bolívia e Equador. Sua ambição de ocupar assento permanente no Conselho de Segurança não representa perigo para país algum, a não ser o suplantável risco do ciúme. Sua voz ponderada terá um efeito calmante nas grandes discussões sobre temas nada calmos por natureza. Rui Barbosa, na Conferência de Haia, em 1907, e o Barão do Rio Branco, no Ministério das Relações Exteriores, só enriqueceram a biografia brasileira na área dos conflitos internacionais.
Por que digo isso? Porque nosso atual Presidente pode criar, no Brasil, aproveitando o agudo momento — que pode não se repetir —, um importante centro de estudos de Direito e Relações Internacionais, capaz de habilitar não só brasileiros mas também jovens estudiosos do mundo inteiro. Não ficaria nada mal, para a América do Sul, um respeitadíssimo centro de estudos na área do Direito e Relações Internacionais, incluindo, também as práticas do comércio internacional. Professores de alto nível nós já temos. O que faltar, pode ser contratado no Primeiro Mundo. Até mesmo com aulas ministradas em inglês ou francês. O apoio de investimento, por parte do governo, não seria tão pesado como se imagina. Francisco Rezek e Olavo Baptista, entre outros, poderiam ser convidados para a importante missão de organizar tal empreendimento, pois são, acima de tudo, entusiastas do magistério superior e com longa experiência no ramo. Conhecem a Teoria e a Prática. Não os consultei para mencioná-los aqui, mas essa menção não é ofensiva. Por que o jovem brasileiro terá que, forçosamente, ir à Universidade de Paris, ou à Academia Hague de Direito Internacional, ou a universidades inglesas e americanas para estudar algo que pode também ser ensinado aqui? A excelência desses grandes centros de estudo pode ser transplantada para cá, inclusive com a colaboração dessas grandes universidades. Presume-se que quanto menos ignorância no conhecimento das normas e práticas entre os povos, melhor para todos.
Construída a reputação do país nessa área técnica internacional seria muito mais “natural” a aceitação do Brasil para ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Dispensaria a um tanto vulgar “garra” — forma rude, inadequada, de conseguir indicação . Prestígio internacional não se consegue “na marra”. É algo invisível; sutil, mas poderoso. E o Presidente Lula pode, com uma canetada, sem imensas despesas, designar um grupo de estudo para a construção de uma obra educacional que enriqueceria muito sua biografia. Seria lembrado, por décadas, findo o governo, como o ex-torneiro mecânico que também viu longe, como Rajiv Gandhi.
Detalhes dessa construção exigiriam grande espaço e seriam desnecessários caso seja criado esse grupo de trabalho, que contará com gente muito mais especializada do que eu. Limitei-me, aqui, a completar meu artigo anterior, conforme boa lembrança do MundoRI.
Parabéns, Gordon Brown
Ao sentar-me para escrever estas mal digitadas linhas estou trinta por cento triste e setenta por cento alegre. O percentual de tristeza decorre do fato de Gordon Brown, o primeiro-ministro do Reino Unido, ter antecipado “minha idéia” — ou pelo menos sua verbalização — porque muita gente, no Brasil e no resto do mundo, já vinha intuindo isso — : para males globais, soluções globais. Daí a um governo mundial é um salto. Pelo menos, inicialmente, como tema de conversação.
Meu percentual de alegria vem de saber que um primeiro-ministro de país importante se conscientizou de que a reação à atual crise tem que ser global. Seu artigo termina dizendo que (...) “no momento em que os Estados Unidos se erguem em sua aurora de esperança, é meu desejo que essa esperança seja realizada com todos nós reunidos para moldar o século 21 como o primeiro século de uma sociedade verdadeiramente global”.
Isso cabe como uma luva para quem acredita que é preciso começar, já, amigavelmente, a conversar sobre como construir um governo mundial democrático. Com a devida vênia, não existe sociedade — global ou não —, sem um governo equivalente.
Em artigo do jornal “O Estado de S. Paulo” (B4, Economia), desta manhã (3-3-09), quando me preparava para redigir minha crônica, li que Gordon Brown afirmou que para solucionar a presente crise econômica mundial é preciso um “new deal” global. Era exatamente sobre isso que eu ia escrever. Todos, eu inclusive, gostam de se imaginar “descobrindo a pólvora” e, no caso, Brown externou primeiro aquela síntese verbal que resume uma idéia ainda não usualmente “concretizada” em frase. Queiramos ou não, os povos “pensam” com chavões e frases feitas. Inexistente a frase, não existiria, talvez, a coisa que ela representa. O homem pensa muito mais com palavras do que com idéias. Se não existissem os termos “infinito”, “subconsciente”, “incongruência”, quantas centenas de palavras teríamos que usar para dizer algo próximo desses substantivos? Na linguagem dos surdos certamente existem movimentos de mãos com tais significados, mas creio que os gestos só poderão ser compreendidos perfeitamente pelos deficientes auditivos que já conheçam tais conceitos.
Voltando ao “new deal” global, o que eu ia dizer, antes de espiar o jornal, é que com a globalização irreversível — fruto da internet, da intensa troca de informações, mercadorias e serviços entre todos os países — , um “new deal number two”, se apenas norte-americano, não resolveria nem mesmo as dificuldades americanas, ao contrário do que aconteceu com a política de Franklin D. Roosevelt. Ao tempo de seu governo — foi eleito quatro vezes —, na década de trinta do século passado, os EUA viviam politicamente isolados, algo que não mais ocorre. O americano tornou-se um exagerado consumidor e o mundo inteiro necessita desse rico comprador. Quando este se retrai nos negócios, todos sofrem, inclusive quem mora nos EUA.
Penso que a maioria dos historiadores concorda que Franklin Roosevelt era, em Economia, um pragmático. Assumindo o governo em um dos piores momentos da história de seu país, precisava, com urgência, de soluções, não de teorias. Após ouvir as propostas das melhores cabeças que o rodeavam, decidia por tal ou qual caminho. Em vez da “problemática”, a “solucionática”. Se não desse certo — em certos assuntos só o tempo dá a última palavra — mudava de orientação, sem traumas ideológicos. A Economia é uma ciência (hum...) muito impregnada de Filosofia e Psicologia. Quem lê, mesmo fragmentariamente, livros e artigos de Economia espanta-se com a grande quantidade de subjetivismo que impregna um ramo de conhecimento que só com alguma boa-vontade pode se chamar de “Ciência”. A menos que dela se exclua a previsibilidade, um dos pontos de honra de toda ciência. Se Economia é ciência, o é em menor escala, embora útil porque algumas de suas poucas verdades resistem ao fluir das décadas. O que avacalha a ciência é o seu objeto de estudo, a sua cobaia gananciosa: o rato de laboratório, digo, o homem.
Qual foi a brilhante intuição que norteou o “new deal”? A idéia de que em tempo de crise econômica, é melhor fazer, construir algo de útil, do que ficar em casa, deprimido, inútil, ruminando a infelicidade de seu desemprego ou a falta de perspectiva de seus negócios. Assim, Roosevelt resolveu fazer, construir. Investiu pesadamente em obras públicas. Com isso deu emprego a milhões e desenvolveu uma infra-estrutura que, passadas as dificuldades, tornou o país muito mais rico e poderoso. Se isso gerou inflação, não sei, mas o certo é que se um governo, qualquer governo, emite dinheiro mas, ao mesmo tempo, aumenta o produto interno bruto, esse aumento neutraliza, cedo ou tarde, o efeito inflacionário das emissões. Inflação é um excesso de dinheiro em relação aos bens. Se os bens crescem na mesma proporção das emissões, o equilíbrio continua. Não há inflação. É, por exemplo, o que o Brasil promete fazer: construir e reparar estradas, ampliar portos e aeroportos, construir estradas de ferro, açudes, redes de esgotos, escolas, etc. Se o Brasil possuísse portos funcionando de forma ideal, o quanto esse detalhe beneficiaria o país quando passasse a crise global? Enfim, é melhor utilizar as mãos em um trabalho útil do que deixá-lo roendo unhas. Trabalho, frise-se, não emprego público em que não haja trabalho.
Mesmo em regimes ditatoriais o pleno, ou quase pleno emprego faz maravilhas na área econômica. Hitler, um ditador algo ignorante — sua oratória, aos berros, mais excitava e hipnotizava que incentivava o pensamento racional — conseguiu erguer economicamente a Alemanha. Graças ao investimento maciço do Estado. Basta dizer que em 1933 havia 6.000,000 de desempregados. Em 1939 esse número baixou para 300.000, uma redução considerável.
Alguns estudiosos do “milagre econômico” alemão, preocupados — desnecessariamente — com um possível elogio a uma figura moralmente execrável, procuram invalidar esse bom resultado econômico alegando que a partir de 1933 as mulheres deixaram de ser contadas como desempregadas. Além disso, depois de 1935 os judeus perderam a condição de cidadãos, não constando como tais nas estatísticas. Acresce que aumentaram as convocações para as forças armadas, tudo isso para explica que o tal “milagre” alemão não pode, em mínino grau que seja, ser atribuído a Hitler.
Na verdade, parece óbvio que a Alemanha, partindo de uma hiperinflação, chegou a ser uma grande potência em 1939. Não, propriamente, um mérito de Hitler, mas da idéia elementar de que qualquer país, para crescer, precisa produzir bens, seja por iniciativa privada, seja por impulso governamental. Estados Unidos e Alemanha nazista, embora com filosofias políticas opostas, livraram-se da depressão e do desemprego seguindo a mesma receita: “construindo coisas”. Algo assim como um pedreiro desempregado que, para ocupar as mãos, resolve construir quartos no fundo do seu quintal. Com o tempo, esse “hobby” pode se tornar uma fonte de rendimentos, com a locação de dormitórios.
O diferencial entre Roosevelt e Hitler estava no “tipo de coisas” que faziam durante a depressão. A Alemanha hitlerista direcionou sua energia produtiva no sentido armamentista, porque estava em seus planos expandir o “espaço vital”, sem escrúpulo, nem piedade. Armada, a Alemanha, até os dentes, o que fazer com tanto poder? Só podia ser declarando guerras, invadindo e escravizando países vizinhos. Submarinos, tanques, couraçados e aviões de combate não servem para turismo.
Já os Estados Unidos fizeram outro tipo de “coisas”: aplicaram seus recursos em melhorar sua infra-estrutura. Só investiram pesadamente na indústria bélica bem depois, após o ataque de Pearl Harbor. Essa boa e pacífica infra-estrutura, criada com o “new deal”, permitiu, depois que os EUA entraram na guerra contra as potências do Eixo, fabricar aviões bombardeiros cobrindo os céus da Alemanha por horas e horas, em uma única missão. Um poder bélico avassalador. Não tivesse havido o “new deal” teria sido isso possível?
Retornando ao artigo de Gordon Brown, todo o seu texto é no sentido de reconhecer que sem uma reação global, e não apenas dos EUA, o planeta não sairá tão cedo do buraco em que se meteu. Frases suas, pinçadas ao acaso, revelam o sentido de seu artigo: “...embora possamos fazer muita coisa nacionalmente, podemos fazer ainda mais trabalhando juntos internacionalmente”; “Um novo conjunto de desafios se coloca para o mundo todo, impondo uma parceria de propósitos que deve envolver o mundo inteiro. Reconstruir a estabilidade financeira mundial é um desafio global, que exige soluções globais”; “É por isso que o presidente Obama e eu discutiremos nesta semana um novo acordo global”; “Vejo esse novo acordo global como um acordo em que cada continente injetará recursos em sua economia”. E por aí afora. Mesmo mencionando especificamente o país de Obama, que visitará brevemente a Inglaterra, está explícita sua opinião de que todos os países com algum grau de riqueza devem continuar a trabalhar, a produzir, sem pensar apenas nos problemas internos, notadamente na reserva de mercado.
Quem sabe, a presente crise mundial ainda ajudará os países a compreender algo que ainda é visto como uma utopia, e assim mesmo muito discutível. O homem é um paradoxo no campo das idéias: inteligente no exame do detalhe mas bronco no manejo dos conjuntos. Só isso, mais que a maldade, explica tanto sofrimento espalhado pelo mundo.
Meu percentual de alegria vem de saber que um primeiro-ministro de país importante se conscientizou de que a reação à atual crise tem que ser global. Seu artigo termina dizendo que (...) “no momento em que os Estados Unidos se erguem em sua aurora de esperança, é meu desejo que essa esperança seja realizada com todos nós reunidos para moldar o século 21 como o primeiro século de uma sociedade verdadeiramente global”.
Isso cabe como uma luva para quem acredita que é preciso começar, já, amigavelmente, a conversar sobre como construir um governo mundial democrático. Com a devida vênia, não existe sociedade — global ou não —, sem um governo equivalente.
Em artigo do jornal “O Estado de S. Paulo” (B4, Economia), desta manhã (3-3-09), quando me preparava para redigir minha crônica, li que Gordon Brown afirmou que para solucionar a presente crise econômica mundial é preciso um “new deal” global. Era exatamente sobre isso que eu ia escrever. Todos, eu inclusive, gostam de se imaginar “descobrindo a pólvora” e, no caso, Brown externou primeiro aquela síntese verbal que resume uma idéia ainda não usualmente “concretizada” em frase. Queiramos ou não, os povos “pensam” com chavões e frases feitas. Inexistente a frase, não existiria, talvez, a coisa que ela representa. O homem pensa muito mais com palavras do que com idéias. Se não existissem os termos “infinito”, “subconsciente”, “incongruência”, quantas centenas de palavras teríamos que usar para dizer algo próximo desses substantivos? Na linguagem dos surdos certamente existem movimentos de mãos com tais significados, mas creio que os gestos só poderão ser compreendidos perfeitamente pelos deficientes auditivos que já conheçam tais conceitos.
Voltando ao “new deal” global, o que eu ia dizer, antes de espiar o jornal, é que com a globalização irreversível — fruto da internet, da intensa troca de informações, mercadorias e serviços entre todos os países — , um “new deal number two”, se apenas norte-americano, não resolveria nem mesmo as dificuldades americanas, ao contrário do que aconteceu com a política de Franklin D. Roosevelt. Ao tempo de seu governo — foi eleito quatro vezes —, na década de trinta do século passado, os EUA viviam politicamente isolados, algo que não mais ocorre. O americano tornou-se um exagerado consumidor e o mundo inteiro necessita desse rico comprador. Quando este se retrai nos negócios, todos sofrem, inclusive quem mora nos EUA.
Penso que a maioria dos historiadores concorda que Franklin Roosevelt era, em Economia, um pragmático. Assumindo o governo em um dos piores momentos da história de seu país, precisava, com urgência, de soluções, não de teorias. Após ouvir as propostas das melhores cabeças que o rodeavam, decidia por tal ou qual caminho. Em vez da “problemática”, a “solucionática”. Se não desse certo — em certos assuntos só o tempo dá a última palavra — mudava de orientação, sem traumas ideológicos. A Economia é uma ciência (hum...) muito impregnada de Filosofia e Psicologia. Quem lê, mesmo fragmentariamente, livros e artigos de Economia espanta-se com a grande quantidade de subjetivismo que impregna um ramo de conhecimento que só com alguma boa-vontade pode se chamar de “Ciência”. A menos que dela se exclua a previsibilidade, um dos pontos de honra de toda ciência. Se Economia é ciência, o é em menor escala, embora útil porque algumas de suas poucas verdades resistem ao fluir das décadas. O que avacalha a ciência é o seu objeto de estudo, a sua cobaia gananciosa: o rato de laboratório, digo, o homem.
Qual foi a brilhante intuição que norteou o “new deal”? A idéia de que em tempo de crise econômica, é melhor fazer, construir algo de útil, do que ficar em casa, deprimido, inútil, ruminando a infelicidade de seu desemprego ou a falta de perspectiva de seus negócios. Assim, Roosevelt resolveu fazer, construir. Investiu pesadamente em obras públicas. Com isso deu emprego a milhões e desenvolveu uma infra-estrutura que, passadas as dificuldades, tornou o país muito mais rico e poderoso. Se isso gerou inflação, não sei, mas o certo é que se um governo, qualquer governo, emite dinheiro mas, ao mesmo tempo, aumenta o produto interno bruto, esse aumento neutraliza, cedo ou tarde, o efeito inflacionário das emissões. Inflação é um excesso de dinheiro em relação aos bens. Se os bens crescem na mesma proporção das emissões, o equilíbrio continua. Não há inflação. É, por exemplo, o que o Brasil promete fazer: construir e reparar estradas, ampliar portos e aeroportos, construir estradas de ferro, açudes, redes de esgotos, escolas, etc. Se o Brasil possuísse portos funcionando de forma ideal, o quanto esse detalhe beneficiaria o país quando passasse a crise global? Enfim, é melhor utilizar as mãos em um trabalho útil do que deixá-lo roendo unhas. Trabalho, frise-se, não emprego público em que não haja trabalho.
Mesmo em regimes ditatoriais o pleno, ou quase pleno emprego faz maravilhas na área econômica. Hitler, um ditador algo ignorante — sua oratória, aos berros, mais excitava e hipnotizava que incentivava o pensamento racional — conseguiu erguer economicamente a Alemanha. Graças ao investimento maciço do Estado. Basta dizer que em 1933 havia 6.000,000 de desempregados. Em 1939 esse número baixou para 300.000, uma redução considerável.
Alguns estudiosos do “milagre econômico” alemão, preocupados — desnecessariamente — com um possível elogio a uma figura moralmente execrável, procuram invalidar esse bom resultado econômico alegando que a partir de 1933 as mulheres deixaram de ser contadas como desempregadas. Além disso, depois de 1935 os judeus perderam a condição de cidadãos, não constando como tais nas estatísticas. Acresce que aumentaram as convocações para as forças armadas, tudo isso para explica que o tal “milagre” alemão não pode, em mínino grau que seja, ser atribuído a Hitler.
Na verdade, parece óbvio que a Alemanha, partindo de uma hiperinflação, chegou a ser uma grande potência em 1939. Não, propriamente, um mérito de Hitler, mas da idéia elementar de que qualquer país, para crescer, precisa produzir bens, seja por iniciativa privada, seja por impulso governamental. Estados Unidos e Alemanha nazista, embora com filosofias políticas opostas, livraram-se da depressão e do desemprego seguindo a mesma receita: “construindo coisas”. Algo assim como um pedreiro desempregado que, para ocupar as mãos, resolve construir quartos no fundo do seu quintal. Com o tempo, esse “hobby” pode se tornar uma fonte de rendimentos, com a locação de dormitórios.
O diferencial entre Roosevelt e Hitler estava no “tipo de coisas” que faziam durante a depressão. A Alemanha hitlerista direcionou sua energia produtiva no sentido armamentista, porque estava em seus planos expandir o “espaço vital”, sem escrúpulo, nem piedade. Armada, a Alemanha, até os dentes, o que fazer com tanto poder? Só podia ser declarando guerras, invadindo e escravizando países vizinhos. Submarinos, tanques, couraçados e aviões de combate não servem para turismo.
Já os Estados Unidos fizeram outro tipo de “coisas”: aplicaram seus recursos em melhorar sua infra-estrutura. Só investiram pesadamente na indústria bélica bem depois, após o ataque de Pearl Harbor. Essa boa e pacífica infra-estrutura, criada com o “new deal”, permitiu, depois que os EUA entraram na guerra contra as potências do Eixo, fabricar aviões bombardeiros cobrindo os céus da Alemanha por horas e horas, em uma única missão. Um poder bélico avassalador. Não tivesse havido o “new deal” teria sido isso possível?
Retornando ao artigo de Gordon Brown, todo o seu texto é no sentido de reconhecer que sem uma reação global, e não apenas dos EUA, o planeta não sairá tão cedo do buraco em que se meteu. Frases suas, pinçadas ao acaso, revelam o sentido de seu artigo: “...embora possamos fazer muita coisa nacionalmente, podemos fazer ainda mais trabalhando juntos internacionalmente”; “Um novo conjunto de desafios se coloca para o mundo todo, impondo uma parceria de propósitos que deve envolver o mundo inteiro. Reconstruir a estabilidade financeira mundial é um desafio global, que exige soluções globais”; “É por isso que o presidente Obama e eu discutiremos nesta semana um novo acordo global”; “Vejo esse novo acordo global como um acordo em que cada continente injetará recursos em sua economia”. E por aí afora. Mesmo mencionando especificamente o país de Obama, que visitará brevemente a Inglaterra, está explícita sua opinião de que todos os países com algum grau de riqueza devem continuar a trabalhar, a produzir, sem pensar apenas nos problemas internos, notadamente na reserva de mercado.
Quem sabe, a presente crise mundial ainda ajudará os países a compreender algo que ainda é visto como uma utopia, e assim mesmo muito discutível. O homem é um paradoxo no campo das idéias: inteligente no exame do detalhe mas bronco no manejo dos conjuntos. Só isso, mais que a maldade, explica tanto sofrimento espalhado pelo mundo.
Vargas Llosa, Gideon Levy e Gaza
Mario Vagas Llosa é um notável escritor. Por dentro e por fora, isto é, pela fluidez inteligente e sensata de sua prosa e pela retidão moral. Alguém já disse que por trás de um grande escritor deve existir “um homem”, isto é, um caráter. Como admirar, sem um gosto amargo — na alma e até mesmo na boca —, um escritor inteligentíssimo mas falso, enganador, tremendamente egoísta, indiferente ao sofrimento alheio? Na verdade, um “monstro”. Aborto moral, diarréia cintilante da natureza, interessado apenas em ganhar dinheiro e tapear aqueles leitores mais ingênuos — aos milhares — que pensam integrar a tal “intelligentsia” — elegante termo! — só porque compraram e talvez leram parcialmente o recente “best seller”? Por sinal, nem tanto vendidos. Se alguém se der ao trabalho de, numa grande livraria, examinar as capas de “pocketbooks” e for somando os “milhões de exemplares vendidos” — conforme exageram os editores nas “orelhas” — a conclusão seria a de que o planeta se afoga em livros. O grande inimigo do meio ambiente não seria o petróleo, mas a indústria do livro, devastadora de florestas.
Se a inteligência superior fosse um dom concedido por Deus para uso estritamente pessoal e egoísta — não o é porque alguns nascem sem ela e não se pode presumir nepotismo no Criador — este deve estar pensando: “Por favor, não interpretem mal a Minha obra...” Como diz o velho ditado, “errar é humano”. Jamais divino.
Voltando ao grande escritor peruano, o jornal “O Estado de S. Paulo”, pág. A-11, publicou ontem, segunda-feira — haveria maior acesso ao artigo se publicado no domingo — um seu artigo, “O fim moral da política israelense”. O texto é uma avaliação, equilibrada, sincera e eloqüente, da incursão aérea e terrestre do bem equipado e treinadíssimo exército israelense na Faixa de Gaza, com a alegada intenção de apenas fazer cessar o disparo de foguetes e morteiros contra áreas de Israel próximas das fronteiras. Como diz o autor — secundando a vasta maioria dos comentaristas internacionais, de sobrenome não judeu —, se a intenção de Israel é reduzir o Hamas à total passividade, esse objetivo não será alcançado porque qualquer pessoa, isenta, que tenha percorrido as cidades da faixa de Gaza constatou que essa região tornou-se uma espécie de “gueto” em razão do “cerco” israelense, burocrático e militar. De pouco adiantou a retirada de colonos judeus se continuou em Gaza, nas palavras de Vargas Llosa, a “quarentena implacável – proibindo que exportasse e importasse, fechando-lhe o uso do ar e do mar, permitindo que seus habitantes só saíssem desse gueto de maneira muito limitada e depois de trâmites opressivos e humilhantes”. A finalidade dessa política era a de “provar” a “incompetência dos palestinos para governar a si mesmos”.
Não é difícil prever qual a conseqüência — a curto, médio e longo prazos — dessa política vesga, pouco inteligente — e finalmente brutal, mais pensando em eleição —, contrária à reconhecida cultura do povo israelita que, paradoxalmente, se beneficiou intelectualmente com a segunda diáspora, não provocada pelos palestinos, mas pelos romanos.
Pelo que sei da História, alguns países europeus proibiam aos judeus a compra de terras. Não podendo ser agricultores, voltaram-se para aquelas atividades que não lhes eram proibidas: finanças, comércio, ourivesaria, filosofia, ciência, artes e conhecimento de línguas estrangeiras. Espalhados pelo mundo, notadamente nos EUA, o “know how” comercial e financeiro lhes trouxe riqueza e poder, inclusive na mídia. É essa força, esse apoio de judeus residentes no exterior — livres do perigo individual imediato — que estimula a agressividade dos atuais dirigentes de Israel, interessados em proteger sua nação mas também seus próprios interesses individuais na disputa política com outras lideranças.
Não esquecer que a opinião pública de qualquer país é moldada pela mídia. Se esta é parcial e agressiva, tais características se transferem aos cidadãos, que não têm tempo para ficar lendo e analisando o que realmente acontece por trás das notícias. Comem prato feito.
Recomendada, aqui, a leitura do texto de Vargas Llosa, uma síntese corajosa do que acontece na Palestina, mais espantosa ainda — quase inacreditável — é a bravura demonstrada por um jornalista israelita, Gideon Levy, que, mesmo vivendo e trabalhando em Israel, tem a coragem de proclamar a amarga e incontornável verdade sobre o que ocorre na Faixa de Gaza. Consegue ser justo mesmo quando a grande maioria de seus irmãos de raça e país — inquietos sobre o futuro — pensa ou sente o contrário. Mais sente do que pensa.
Lendo, na internet, a biografia desse jornalista — que no físico moreno mais parece um árabe que um judeu, apesar de ser um judeu “da gema” — a primeira e reconfortante impressão de qualquer leitor, se realmente justo, é que o gênero humano ainda merece credibilidade e esperança. Levy, bem compreendido, merece um Nobel da Paz.
Gideon Levy, filho de emigrantes europeus, hoje com 54 anos, é um importante jornalista do jornal israelense “Haaretz”. Trabalhou para Shimon Peres, de 1978 a 1972 — portanto conhece a política por dentro — e já ganhou um prêmio por sua defesa dos direitos humanos. Não obstante judeu e grande patriota — no sentido mais inteligente e ético do termo — não se contentou em formar uma imagem mental da vida dos palestinos conforme descrição da mídia israelense. Resolveu investigar, pessoalmente, como os palestinos estavam sendo tratados pelo poderoso Estado de Israel. Com essa intenção, percorria as áreas inacessíveis aos cidadãos comuns de Israel. E o que viu causou horror ao seu inegável senso de justiça.
Essa constatação da realidade quase lhe custou a vida. Certa vez, pretendendo visitar uma cidade palestina de nome Tukarem, pediu todas as autorizações possíveis ao exército israelense. Depois de obtê-las, após longa espera e averiguações, dirigiu-se, em um taxi israelense — de cor branca, com placas amarelas — até um posto militar de seu país, certamente para outras autorizações, mas quando estava distante uns 150 metros de seu destino foi surpreendido com cinco tiros — três no vidro frontal e dois em outras partes do carro. O jornalista e o taxista só não morreram porque o parabrisa era a prova de balas.
Entrevistado — vide Wikipédia, na internet — algum tempo depois desse incidente, Levy não manifestou dúvida sobre a real intenção desse “engano” quando ele já havia dado todos os esclarecimentos às autoridades militares, obtendo autorização para visitar a área. Além disso, estava dentro de um taxi evidentemente israelense. O exército depois se desculpou pelo ataque e puniu o soldado que fez os disparos, mesmo porque a mídia deu alarde ao fato, pedindo explicações.
Os artigos de Gideon Levy não desviam, por conveniência — para ser “querido’ por seus concidadãos — os olhos da grande ferida política que é a expulsão, pura e simples, pela força, ameaça, ou astúcia, dos palestinos de terras que ocupavam por quase dois mil anos. O que explica a revolta de muitos árabes que se sentem injustiçados.
Quase tão espantosa quanto a bravura do referido jornalista é a coragem moral — e até mesmo “financeira” — do editor do Haaretz, Amos Schockem, que perde assinaturas do seu jornal por publicar os artigos de Levy. Editores de periódicos geralmente são subservientes à opinião das maiorias, mesmo quando acreditam que estas estão equivocadas, incompletas. O que lhes interessam, geralmente, é a vendagem dos jornais. Com tal submissão espiritual, fortalecem os erros do país em que atuam, contribuindo futuramente para sua eventual ruína. Com a ruína do país segue-se a própria. Se a fonte seca, o jornal também cambaleia. Jornais realmente independentes, sem censura interna, certamente têm mais longa duração. São mais confiáveis.
Uma romancista israelense, Irit Linur, cancelou sua assinatura alegando que Levy havia adotado a ideologia dos inimigos de Israel. Não conheço a obra dessa romancista, mas mesmo a desconhecendo posso profetizar que — a menos que mude sua posição —, jamais será uma grande escritora. Ou por lhe faltar o espírito de justiça — essencial para a sobrevivência de um prestígio literário — ou por não ter a coragem de dizer o que pensa, mesmo com o preço de perder leitores.
Por que digo que a opinião pública israelense tem estado errada no que se refere a Gaza? Porque tem evitado encarar o fato básico, primeiro, essencial, desagradável e inescondível que estimula o arremesso — obviamente abestalhado porque “autoriza’ revides massacrantes — de foguetes: os palestinos foram expulsos, sem consulta prévia e sem indenização, de uma área que ocupavam por quase dois séculos. Se os judeus foram injustiçados, pelos romanos, com a destruição de Jerusalém, obrigados a se espalhar pelo mundo, sofrendo ainda perseguições e massacres, não foram os palestinos os autores dessa injustiça. Assim, a comunidade internacional deveria ter se preocupado também com eles, quando os judeus queriam um “lar”. Este foi concedido aos perseguidos filhos de Israel mas a ferida do deslocamento forçado permaneceu latejando e infectada de ódio. E intelectuais judeus, como Gideon Levy não conseguem “não ver” esse lado básico do conflito.
Claramente, não é possível voltar atrás na História. Israel é um país com cerca de sete milhões de habitantes. Não tem qualquer sentido moral, econômico, ou o que seja, “varrê-lo do mapa”, arroubo tolo de valentão. E se os dois povos vizinhos não conseguirem logo chegar a um acordo, criando dois estados soberanos — não tenho qualquer esperança nisso — a única solução racional, que tarda demais!, está na comunidade internacional dar um passo à frente — afinal, não é uma entrevada incurável — atribuindo a um órgão isento a solução das fronteiras. Quem perder, em área, ganhará o equivalente em dinheiro, bem como a possibilidade de iniciar a vida, decentemente, em outros países.Não mais em campos de refugiados ou guetos. O peso das indenizações será bem inferior ao gasto com os conflitos bélicos, ajuda humanitária, muros altíssimos, e inquietação de espírito.
As regras internacionais de hoje não são mais as mesmas de mil anos atrás. Podem ser modificadas. Se não o forem, que o Banco Mundial trate de financiar, em larga escala, a construção de abrigos anti-nucleares, porque uma pergunta lateja, irrespondida, na cabeça dos países mais fracos: “Por que alguns países podem, e outros não, possuir armas atômicas?”
Barack Obama será visto, na História, como um predestinado se conseguir convencer seu país a concordar com algumas modificações na Carta das Nações Unidas, e textos correlatos, atribuindo a um órgão internacional isento a missão de solucionar conflitos com potencial para incendiar o mundo. Grandes incêndios começam quase sempre em pequenas áreas.
Se a inteligência superior fosse um dom concedido por Deus para uso estritamente pessoal e egoísta — não o é porque alguns nascem sem ela e não se pode presumir nepotismo no Criador — este deve estar pensando: “Por favor, não interpretem mal a Minha obra...” Como diz o velho ditado, “errar é humano”. Jamais divino.
Voltando ao grande escritor peruano, o jornal “O Estado de S. Paulo”, pág. A-11, publicou ontem, segunda-feira — haveria maior acesso ao artigo se publicado no domingo — um seu artigo, “O fim moral da política israelense”. O texto é uma avaliação, equilibrada, sincera e eloqüente, da incursão aérea e terrestre do bem equipado e treinadíssimo exército israelense na Faixa de Gaza, com a alegada intenção de apenas fazer cessar o disparo de foguetes e morteiros contra áreas de Israel próximas das fronteiras. Como diz o autor — secundando a vasta maioria dos comentaristas internacionais, de sobrenome não judeu —, se a intenção de Israel é reduzir o Hamas à total passividade, esse objetivo não será alcançado porque qualquer pessoa, isenta, que tenha percorrido as cidades da faixa de Gaza constatou que essa região tornou-se uma espécie de “gueto” em razão do “cerco” israelense, burocrático e militar. De pouco adiantou a retirada de colonos judeus se continuou em Gaza, nas palavras de Vargas Llosa, a “quarentena implacável – proibindo que exportasse e importasse, fechando-lhe o uso do ar e do mar, permitindo que seus habitantes só saíssem desse gueto de maneira muito limitada e depois de trâmites opressivos e humilhantes”. A finalidade dessa política era a de “provar” a “incompetência dos palestinos para governar a si mesmos”.
Não é difícil prever qual a conseqüência — a curto, médio e longo prazos — dessa política vesga, pouco inteligente — e finalmente brutal, mais pensando em eleição —, contrária à reconhecida cultura do povo israelita que, paradoxalmente, se beneficiou intelectualmente com a segunda diáspora, não provocada pelos palestinos, mas pelos romanos.
Pelo que sei da História, alguns países europeus proibiam aos judeus a compra de terras. Não podendo ser agricultores, voltaram-se para aquelas atividades que não lhes eram proibidas: finanças, comércio, ourivesaria, filosofia, ciência, artes e conhecimento de línguas estrangeiras. Espalhados pelo mundo, notadamente nos EUA, o “know how” comercial e financeiro lhes trouxe riqueza e poder, inclusive na mídia. É essa força, esse apoio de judeus residentes no exterior — livres do perigo individual imediato — que estimula a agressividade dos atuais dirigentes de Israel, interessados em proteger sua nação mas também seus próprios interesses individuais na disputa política com outras lideranças.
Não esquecer que a opinião pública de qualquer país é moldada pela mídia. Se esta é parcial e agressiva, tais características se transferem aos cidadãos, que não têm tempo para ficar lendo e analisando o que realmente acontece por trás das notícias. Comem prato feito.
Recomendada, aqui, a leitura do texto de Vargas Llosa, uma síntese corajosa do que acontece na Palestina, mais espantosa ainda — quase inacreditável — é a bravura demonstrada por um jornalista israelita, Gideon Levy, que, mesmo vivendo e trabalhando em Israel, tem a coragem de proclamar a amarga e incontornável verdade sobre o que ocorre na Faixa de Gaza. Consegue ser justo mesmo quando a grande maioria de seus irmãos de raça e país — inquietos sobre o futuro — pensa ou sente o contrário. Mais sente do que pensa.
Lendo, na internet, a biografia desse jornalista — que no físico moreno mais parece um árabe que um judeu, apesar de ser um judeu “da gema” — a primeira e reconfortante impressão de qualquer leitor, se realmente justo, é que o gênero humano ainda merece credibilidade e esperança. Levy, bem compreendido, merece um Nobel da Paz.
Gideon Levy, filho de emigrantes europeus, hoje com 54 anos, é um importante jornalista do jornal israelense “Haaretz”. Trabalhou para Shimon Peres, de 1978 a 1972 — portanto conhece a política por dentro — e já ganhou um prêmio por sua defesa dos direitos humanos. Não obstante judeu e grande patriota — no sentido mais inteligente e ético do termo — não se contentou em formar uma imagem mental da vida dos palestinos conforme descrição da mídia israelense. Resolveu investigar, pessoalmente, como os palestinos estavam sendo tratados pelo poderoso Estado de Israel. Com essa intenção, percorria as áreas inacessíveis aos cidadãos comuns de Israel. E o que viu causou horror ao seu inegável senso de justiça.
Essa constatação da realidade quase lhe custou a vida. Certa vez, pretendendo visitar uma cidade palestina de nome Tukarem, pediu todas as autorizações possíveis ao exército israelense. Depois de obtê-las, após longa espera e averiguações, dirigiu-se, em um taxi israelense — de cor branca, com placas amarelas — até um posto militar de seu país, certamente para outras autorizações, mas quando estava distante uns 150 metros de seu destino foi surpreendido com cinco tiros — três no vidro frontal e dois em outras partes do carro. O jornalista e o taxista só não morreram porque o parabrisa era a prova de balas.
Entrevistado — vide Wikipédia, na internet — algum tempo depois desse incidente, Levy não manifestou dúvida sobre a real intenção desse “engano” quando ele já havia dado todos os esclarecimentos às autoridades militares, obtendo autorização para visitar a área. Além disso, estava dentro de um taxi evidentemente israelense. O exército depois se desculpou pelo ataque e puniu o soldado que fez os disparos, mesmo porque a mídia deu alarde ao fato, pedindo explicações.
Os artigos de Gideon Levy não desviam, por conveniência — para ser “querido’ por seus concidadãos — os olhos da grande ferida política que é a expulsão, pura e simples, pela força, ameaça, ou astúcia, dos palestinos de terras que ocupavam por quase dois mil anos. O que explica a revolta de muitos árabes que se sentem injustiçados.
Quase tão espantosa quanto a bravura do referido jornalista é a coragem moral — e até mesmo “financeira” — do editor do Haaretz, Amos Schockem, que perde assinaturas do seu jornal por publicar os artigos de Levy. Editores de periódicos geralmente são subservientes à opinião das maiorias, mesmo quando acreditam que estas estão equivocadas, incompletas. O que lhes interessam, geralmente, é a vendagem dos jornais. Com tal submissão espiritual, fortalecem os erros do país em que atuam, contribuindo futuramente para sua eventual ruína. Com a ruína do país segue-se a própria. Se a fonte seca, o jornal também cambaleia. Jornais realmente independentes, sem censura interna, certamente têm mais longa duração. São mais confiáveis.
Uma romancista israelense, Irit Linur, cancelou sua assinatura alegando que Levy havia adotado a ideologia dos inimigos de Israel. Não conheço a obra dessa romancista, mas mesmo a desconhecendo posso profetizar que — a menos que mude sua posição —, jamais será uma grande escritora. Ou por lhe faltar o espírito de justiça — essencial para a sobrevivência de um prestígio literário — ou por não ter a coragem de dizer o que pensa, mesmo com o preço de perder leitores.
Por que digo que a opinião pública israelense tem estado errada no que se refere a Gaza? Porque tem evitado encarar o fato básico, primeiro, essencial, desagradável e inescondível que estimula o arremesso — obviamente abestalhado porque “autoriza’ revides massacrantes — de foguetes: os palestinos foram expulsos, sem consulta prévia e sem indenização, de uma área que ocupavam por quase dois séculos. Se os judeus foram injustiçados, pelos romanos, com a destruição de Jerusalém, obrigados a se espalhar pelo mundo, sofrendo ainda perseguições e massacres, não foram os palestinos os autores dessa injustiça. Assim, a comunidade internacional deveria ter se preocupado também com eles, quando os judeus queriam um “lar”. Este foi concedido aos perseguidos filhos de Israel mas a ferida do deslocamento forçado permaneceu latejando e infectada de ódio. E intelectuais judeus, como Gideon Levy não conseguem “não ver” esse lado básico do conflito.
Claramente, não é possível voltar atrás na História. Israel é um país com cerca de sete milhões de habitantes. Não tem qualquer sentido moral, econômico, ou o que seja, “varrê-lo do mapa”, arroubo tolo de valentão. E se os dois povos vizinhos não conseguirem logo chegar a um acordo, criando dois estados soberanos — não tenho qualquer esperança nisso — a única solução racional, que tarda demais!, está na comunidade internacional dar um passo à frente — afinal, não é uma entrevada incurável — atribuindo a um órgão isento a solução das fronteiras. Quem perder, em área, ganhará o equivalente em dinheiro, bem como a possibilidade de iniciar a vida, decentemente, em outros países.Não mais em campos de refugiados ou guetos. O peso das indenizações será bem inferior ao gasto com os conflitos bélicos, ajuda humanitária, muros altíssimos, e inquietação de espírito.
As regras internacionais de hoje não são mais as mesmas de mil anos atrás. Podem ser modificadas. Se não o forem, que o Banco Mundial trate de financiar, em larga escala, a construção de abrigos anti-nucleares, porque uma pergunta lateja, irrespondida, na cabeça dos países mais fracos: “Por que alguns países podem, e outros não, possuir armas atômicas?”
Barack Obama será visto, na História, como um predestinado se conseguir convencer seu país a concordar com algumas modificações na Carta das Nações Unidas, e textos correlatos, atribuindo a um órgão internacional isento a missão de solucionar conflitos com potencial para incendiar o mundo. Grandes incêndios começam quase sempre em pequenas áreas.
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