Recebi, ontem, e-mail de um professor, de prenome Jacy —
não menciono o nome completo porque não o consultei a respeito —, que só
conheço via e-mails mas que revela-se, em seus textos, pessoa culta, delicada,
equilibrada e espiritualizada mas também revoltada contra a agressividade,
excessiva e de baixo nível, de pessoas que o censuraram, pelo fato dele, Prof. Jacy,
ser absolutamente contrário a pena de morte, seja qual for o país em discussão.
Honrado pelo fato de receber sua mensagem, sempre bem
redigida, decidi escrever duas ou três linhas a respeito do assunto, porque na
minha opinião, todos os castigos legais — com exceção da tortura — podem ser pensados,
considerados, como forma de inibir certos impulsos criminosos, aqueles mais
primitivos, mas, assim mesmo, inerentes à condição humana. O Homem ainda é um
composto de fera e anjo, em percentuais que prefiro não mencionar porque as
pedras e as salivas raivosas poderiam chover na minha cabeça de pessimista
sobre o futuro próximo. Digo isso porque, ao contrário do professor, sou a
favor da pena de morte como último recurso legal, até virtuoso, para
desestimular a morte de um ser humano. Digo “virtuoso” porque penso nas
vítimas, em muito maior número do que seus assassinos, nas democracias.
Desculpe, Prof. Jacy, mas sou a favor da pena de morte.
Pelo menos contra os chefes, riquíssimos, do crime organizado que, embora
presos e condenados a mais de cem anos de prisão — uma maneira modesta de dizer
— ficam ordenando aos seus "soldados", em liberdade, que matem quem
os "Don Corleones" indicarem.
Presos, esses
"super-bandidos" sentem-se protegidos dos ataques de bandidos
concorrentes. Não precisam gastar com a própria segurança porque o Estado faz
isso de graça. De seus "escritórios", nas penitenciárias, podem se
dar ao luxo, por exemplo, de mandar incendiar bem mais de dez ônibus, como
aconteceu recentemente em Fortaleza, Ceará.
Por quê a ordem de "queimar”? Porque a administração teve a ousadia
de contrariar o "alto comando" da criminalidade, decidindo ou apenas
cogitando enviar alguns líderes de facções para outra prisão, atrapalhando o “negócio”.
E por falar em negócio, nesta semana constatou-se a alta profissionalização dos
assaltos, agora artigo de exportação, quando brasileiros roubaram 40 milhões de
dólares, no Paraguai, fugindo em seguida para o acolhedor Brasil.
Não adianta a administração penitenciária endurecer a
vigilância contra a introdução de celulares nas cadeias porque os
"mandões" que realmente controlam as prisões sabem os nomes dos
guardas. Onde eles moram, se têm esposa, filhos, etc. Se os guardas não
aceitarem o dinheiro oferecido para fechar os olhos, seguem-se as ameaças
"anônimas" de represálias físicas contra os administradores e
funcionários "linhas duras" e também contra a família destes. Esses
funcionários, que ganham pouco, acabam não resistindo à pressão do suborno, ou
do medo de serem mortos por "por um assaltante qualquer". Na verdade,
um bandidinho avulso, pago para matar o funcionário. E se pegarem o bandidinho
ele nem saberá, com certeza, quem, em última análise, deu a ordem para o falso
"latrocínio".
A pena de morte, no Brasil, precisa existir pensando na
valorização da vida. A vida de milhares de pessoas que morreram justamente
porque a criminalidade já não tem medo da justiça. Salvo engano, mais de 50.000
pessoas foram assassinadas no Brasil, no ano passado. Amantes ou maridos
rejeitados pela amada acham-se no direito de matar a mulher que não mais o
quer. Nem fazem questão de praticar um crime perfeito. Pensam assim: "se
eu tiver muito azar, sendo descoberto, ou preso, ficarei um tempinho da cadeia
e fugirei no primeiro abono de natal"
Agora, se soubessem
que também iriam morrer, pensariam diferentemente, pelo menos a maioria.
Bandidos que explodem os caixas eletrônicos presumem que, com "muita
grana", contratarão grandes criminalistas para defendê-los, com alta
chance, pensam, de serem absolvidos ou beneficiados pela prescrição.
É sintomático que países que adotam a pena de morte —
vários estados nos EUA, China, Japão e Rússia —, grandes potências, permitam a
pena máxima. Claro que homicídios continuam existindo no mundo, com ou sem pena
de morte, mas a proporção de homicídios é menor, nesses quatro países
referidos, do que nos países em que a pena capital foi proibida.
Paradoxalmente, a
pena de morte serve para valorizar a vida. O condenado, que foi antes julgado,
teve, pelo menos, o direito de se defender contra uma acusação. Já as vítimas
morrem "bestamente", sem chance de defesa, e frequentemente pelos
motivos mais levianos ou repelentes. Por exemplo: dois assaltantes dominam e
sequestram um transeunte qualquer. Querem apenas roubá-lo. Casualmente,
examinando seus documentos, descobrem que a vítima é um policial, civil ou
militar. Aí o roubo se transforma em “divertido” latrocínio.
Matam um homem totalmente indefeso, talvez já aposentado,
só por causa de sua anterior ou atual profissão, quase sempre exercida com
honestidade, mal remunerada e de grande risco. E se não houver testemunhas à
vista, podem talvez se dar ao luxo de torturá-lo. Outro exemplo da falta de
inibições que devem continuar existindo: filhos adultos que matam os pais para
receberem logo a herança.
Não quero convencê-lo de nada, Jacy, mas tente encarar o
problema pelo lado das vítimas.
Quando da possível redação de uma nova Constituição, no
Brasil, tentarei, como muitos outros, convencer o legislador para retirar do
texto constitucional a proibição da pena de morte. Desse modo, a legislação
ordinária poderá, em situações emergenciais — de quase "total liberdade
para matar" —, aplicar a pena de morte naqueles casos de extrema maldade,
ou egoísmo, ou fácil esperança de impunidade.
Pena de morte para o latrocínio, principalmente quando
não há reação da vítima, seria uma boa política criminal. A Organização das
Nações Unidas posiciona-se “oficialmente” contra a pena de morte pensando nos
ditadores que, abusando do poder incontrolável, autoconcedido, matam seus
opositores. Como os ditadores controlam os tribunais, fica-lhes fácil
assassinar seus críticos “legalmente”.
É por isso, a meu ver, que a ONU proíbe a pena de morte.
Mas nas democracias, embora imperfeitas — como é o caso dos EUA, China, Rússia
e Japão — que permitem a pena capital, o fato desse castigo existir não impediu
esses países de permanecerem na ONU, inclusive alguns em posições-chaves, no
Conselho de Segurança, como é o caso dos Estados Unidos, Rússia e China.
Foi oportuno, Jacy, o envio de seu e-mail, porque ele me
despertou velhas lembranças sobre o tema. Vou publicar o presente texto no meu
blog e outros espaços na internet. Tem a
vantagem de ser curto. Não o censuro por pensar o contrário porque sei de seus
bons sentimentos e intenções. Mas insisto: pense também nas vítimas, que têm
mais direito, que os criminosos, de permanecerem vivas. Elas mereciam mais a
vida do que os bandidos, de variados matizes, que pensam estar acima do bem e
do mal. Que as leis penais tenham, pelo menos, a utilidade de intimidar os que
pensam que tudo podem. O medo, a quase única utilidade das penas criminais,
repito, desapareceu no Brasil.
Abraço, mas não vou manter polêmicas com ninguém, porque
isso significaria apenas perda de um tempo muito precioso. Cada um que pense como quiser. Esse tema mexe
muito com a emoção, e os sentimentos quase sempre têm mais força que a
racionalidade.
Porque temos bom e
mole coração, a matança vai prosseguindo, tranquila, sacrificando milhares de
inocentes no altar da impunidade, involuntariamente facilitada por legisladores
temerosos das críticas de alguns donos
da verdade.
(26-04-2017)