A divulgação de telegramas e outros registros das embaixadas americanas, revelando o que altos funcionários pensavam, sinceramente, sobre governantes estrangeiros, intenções e “acordos” secretos entre países, foi um dos acontecimentos mais importantes nesta década. A longo prazo, pesados os prós e os contras, a diplomacia deu um passo — ou melhor, sofreu um empurrão — à frente, não para trás. Quanto menos falsidade na comunicação entre governos, melhor. A verdade — não só “filosoficamente” —, aprimora, mais que a mentira, a convivência humana. E governos são produtos humanos, embora, por vezes, subprodutos.
Não é à toa que o fundador da WiliLeaks, Julian Assange, está sendo “caçado” pela justiça, seja qual for o motivo oficial. Sempre “da-se um jeito” de enquadrar um “abelhudo atrevido” que revela as entranhas dos governos. Ressalte-se, porém, que os EUA, no mega-vazamento, foi somente o “azarão”, o “boi das piranhas”, embora agindo como os demais países. Todas as embaixadas do planeta procedem na forma revelada pelo atual “escândalo”. Deixemos, “please”, de hipocrisias.
A liberdade de crítica mordaz era estimulada pela presunção, até hoje vigorante — doravante não mais... — de que a sinceridade da observação estaria protegida de modo absoluto pelo sigilo, geral e diplomático. Muita coisa vai mudar na rotina diplomática. Se possível, que mude também na mentalidade subjacente à rotina. Lembre-se, também, que quem traiu o dever de manter o sigilo não foi Julian Assange, e sim um analista de sistema, um militar de nome Bradley Manning, trabalhando para os americanos. Assange agiu apenas como um jornalista que divulga uma informação.
A estranhável acusação contra Assange — de estupro ou assédio — parece ser “providenciada”, escolhida a dedo. É especialmente adequada, na justiça, para desmoralizar alguém porque em casos de estupro geralmente basta a palavra da vítima, ou suposta vítima. Ninguém acredita, a não ser com muita prova contrária — difícil de obter —, na negativa do acusado. Ao contrário do que acontece com o relato da vítima, especialmente se ela chorar ou parecer abalada ao depor. Tais crimes normalmente ocorrem sem a presença de testemunhas, circunstância ótima para a acusação. Leves marcas locais de violência podem ser improvisadas mecanicamente antes do exame pericial. Se, eventualmente, no caso, tais crimes sexuais ocorreram — repito que me parecem improváveis — darei minha mão à palmatória. Pondere-se que, mesmo absolvido o réu, em razão da dúvida, a desmoralização fica grudada nele até o fim da vida. Nele e em tudo o que ele fez ou fará.
Obviamente, existe um “lado mau”, injusto, na difusão das opiniões francas dos embaixadores americanos. A injustiça, porém, como disse, está na exclusividade da exposição. Os Estados Unidos da América foram o único país submetido ao “raio-x” da sinceridade, do “soro da verdade”. Suas entranhas foram expostas à visitação pública. E não há intestino algum isento de odores desagradáveis, seja no reino animal ou governamental. Se, com tais revelações “americanas” outros países também viram suas próprias fraquezas expostas, tais fraquezas não são, de modo geral, algo semelhante a condenações judiciais com trânsito em julgado. Não são “verdades científicas”, irrefutáveis. São meras opiniões pessoais de embaixadores, com o direito à subjetividade inerente a todo ser humano. Certamente, nas embaixadas de muitos países, há opiniões bem agressivas — talvez com palavrões —, pondo em dúvida a paternidade de alguns políticos americanos, especialmente odiados.
Outro aspecto “mau” das revelações em exame foi desconsiderar, sem aviso prévio, o valor abstrato e universal da privacidade. Assim como a privacidade individual é considerada um direito humano fundamental — permitindo às pessoas falarem, reservada e sinceramente, o que pensam e sentem, no lar, no bar ou no escritório — é também direito da “pessoa jurídica”, no caso o Estado — e sua extensão, as embaixadas — falar o que pensam e sentem os que ali trabalham. Embaixadas existem para representar um país e colher informações sobre o que ocorre localmente. Do contrário, para que serviriam? Wladimir Putin está furioso com o ocorrido mas precisa reconhecer que nas embaixadas russas espalhadas pelo mundo ocorre o mesmo comportamento que ocorria na embaixada americana de Moscou.
Por sinal, impressiona-me, agradavelmente, constatar que praticamente todas as críticas ou opiniões desagradáveis sobre governantes estrangeiros, que aparecem no WiliLeaks, são bastante coincidentes com o que pensam as pessoas bem informadas de todo o planeta. Há apenas franqueza, não má-fé. Isso é um ponto positivo para a diplomacia norte-americana. Não percebi mentiras ou juízos deliberadamente falsos transmitidos a Washington. É claro que as opiniões e informações relacionam-se com os interesses americanos mas não seria de esperar o contrário, em qualquer embaixada de qualquer país. Os embaixadores o são de seus respectivos países, não de um governo central mundial.
Vejamos, agora, o lado “bom” do vazamento promovido pelo WikiLeaks.
Primeiro, houve uma salutar “chacoalhada” no centenariamente desconfiado mundo da diplomacia, com o isolamento e a necessária hipocrisia no relacionamento entre as nações. Todos os países, impregnados doentiamente com o já meio caduco conceito de soberania absoluta — nem um pouco interessada no bem estar dos demais países — eram e ainda são obrigados a pensar somente nos seus particulares interesses, especialmente na área da segurança. “Quem cuidará de nós, se formos agredidos ? Temos que proteger nossos segredos e, principalmente, conhecer os segredos dos nossos vizinhos, porque não vivemos em um mundo de anjos. Nossos espiões, mesmo quando, em casos extremos, envenenam e matam adversários, são nossos anjos da guarda. Matamos um ou outro, discretamente, mas salvamos milhares de nossos compatriotas”.
Ocorre que os interesses estatais, de riqueza e segurança, já não parecem tão “particulares” assim, face à interdependência entre as nações. Cada nova antipatia internacional — decorrente de uma crítica pessoal mordaz divulgada — é um tremendo prejuízo, político e econômico. As nações, cada vez mais, percebem que não estão sozinhas. Dependem das demais. É preciso controlar a língua. O injuriado pode — se a má opinião saiu na mídia; se não saiu, não tem importância, é usual —, mudar sua política, com penosas consequências. Wladimir Putin, indignado, já deixou isso bem claro, quando leu o que o que diplomatas americanos pensavam dele.
O lema internacional, até recentemente quase absoluto, é “cada um que cuide do seu!”. Só que como a globalização chegou no comércio, na informação, na cultura, nas viagens — aproximando cada vez mais os povos —, ela acabaria se insinuando também na diplomacia, tradicional foco de conversas secretas. Quase sempre impublicáveis porque, se conhecidas, seriam talvez mal utilizadas pelos demais países, todos eles potenciais inimigos.
Cada vez mais o mundo, instintivamente, antipatiza com “segredos”. Parece pensar que “se algo é escondido, deve haver algo de errado”. Quer conhecer os bastidores. Talvez isso explique a boa acolhida, pelo público, dos “reality shows”, “Big Brother” e assemelhados — que detesto, mesmo sem ter conseguido assistir inteiramente qualquer um deles. O mundo de hoje cansou das “verdades oficiais”, que presume falsas. Anseia pela “verdade verdadeira” em todos os setores.. E isso é salutar. Quanto menos inverdades, melhor, em um mundo recheado de mentiras despejadas na televisão, no rádio, na imprensa, no cinema, na internet, no relacionamento amoroso e até na conversa entre amigos. Cada mentira é uma distorção da realidade. Somadas, desenham um quadro falso do mundo em que vivemos. Como votar bem se nossos juízos são formados em dados mentirosos? Passado o atual choque de mal estar diplomático, o mundo provavelmente se tornará um pouco mais ético. Não tanto por virtude, mas por receio.
Mesmo que as embaixadas, doravante, tomem providências minuciosas para preservar seus segredos, sempre haverá o perigo, embora remoto, da ocorrência de “vazamentos”. Um anônimo funcionário da embaixada pode — por falha técnica, vaidade, ganância ou idealismo — abrir a Caixa de Pandora dos vexatórios segredos de estado. Não é o embaixador, somente, que utiliza arquivos e computadores das embaixadas. Por isso, convém controlar a boca, a escrita e o próprio espírito da política externa porque “as paredes têm ouvido” e a mídia ama especialmente as verdades indiscretas. A usual maledicência e “complôs” estarão, doravante, menos presentes no mundo da diplomacia. Não, como disse, porque os diplomatas vão se transformar em santos, mas porque se os planos secretos forem divulgados os próprios embaixadores terão que abandonar às pressas os países, fugindo dos cuspes ou das balas. E aqui entramos em outro item — peço desculpas antecipadas — que tem me impressionado vivamente.
Esse “item” é a noção de que um governo mundial democrático — inevitavelmente menos carregado de segredos hostis porque menos compartimentado — é muito mais conveniente à humanidade que o atual sistema das “soberanias” isoladas, fechadas em grupinhos, escondendo intenções. Hoje pensa-se assim: “No meu curral, digo, no meu país, eu faço e desfaço. E não revelo o que pretendo fazer. Uso o chicote ou o açúcar conforme me der na veneta e ninguém de fora pode interferir porque o conceito amplíssimo de soberania me protege, embora não possa proteger meu povo de mim mesmo. Aliás, por que digo assim se eu sou o povo!?”
Reconheçamos que, hoje, a felicidade, ou infelicidade, de uma nação está na sorte ou no azar de ter um bom ou mau governo. Os atuais governantes do Zimbábue, da Coréia do Norte, da Venezuela, do Irã e de Israel são exemplos gritantes do perigo da aceitação da soberania sem temperamentos. Se ocorrer uma Terceira Guerra Mundial, uma das causas principais está na atual rigidez do conceito de soberania. Com a difusão — praticamente inevitável — das armas nucleares —como impedir que um “patriota maluco” provoque um conflito, talvez radioativo, que redundará em guerra mundial? Será necessário seguir a rotina internacional, usual de, primeiro, esperar a morte previsível de milhões de seus soldados e civis para, em seguida, vencido o “maluco”, puni-lo? Hoje, ele vive protegido pelo manto intocável da soberania.
Se o planeta recebesse alguns “retoques” legais e se transformassem em uma federação democrática mundial, não haveria clima e espaço para as atuais rivalidades alimentadas pela desconfiança entre os estados. Na federação brasileira, por exemplo, cada Estado — São Paulo, Rio, Ceará, etc. — não precisa espionar os demais Estado. Não precisa manter embaixadas em todas as unidades da federação. Cuida apenas da segurança interna, sem precisar de exército, aeronáutica e marinha ( quando for, topograficamente, o caso). A dispensa de todo esse aparato, civil e militar, significa uma imensa economia. E não havendo desconfiança generalizada entre os Estados da mesma federação, não há guerra de informação. Eventuais divergências entre os Estados resolve-se no Congresso Nacional. O mesmo ocorre na federação norte-americana. Estados pobres, ali, não têm o mínimo receio de serem atacados por vizinhos Estados ricos. E não havendo embaixadas, não há porque a preocupação com “vazamentos”.
Com perdão pelo interesseiro “enxerto” de tema, propaganda homeopática de uma idéia — “governo mundial” —, pouco prestigiada, é o caso de concluir que, a longo prazo, a WikiLeaks teve mais méritos que defeitos no incidente: “ventilou” quartos sempre fechados. Que os estadistas ofendidos ponham a mão na consciência, façam um auto-exame sincero e sigam suas vidas, consolados com a noção de que ninguém é perfeito. Que Sílvio Berlusconi siga, na vida privada, como é, o mesmo acontecendo com demais criticados no tabuleiro internacional.
Não sou admirador de Hillary Clinton, mas não há razão para ela renunciar ao cargo só pela vazão de uma prática que tem sido universal. E repito: os diplomatas americanos transmitiram impressões sinceras, sem exageros. Conforme viam, diziam. Pior seria se mentissem ao próprio governo, distorcendo a política externa americana.
(6-12-2010)
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
O apoio de Obama à pretensão da Índia
A mídia de ontem deu grande relevo ao fato de Barack Obama apoiar o desejo da Índia de se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Como seria natural, jornalistas alemães, brasileiros, japoneses, turcos, mexicanos e sul-africanos sentem-se levemente incomodados com tal escolha. Nela haveria, obliquamente, ligeira desconsideração ou, pelo menos, sub-avaliação objetiva da importância de seus respectivos países, que também ambicionam o poderoso assento? Por que a Índia e não, por exemplo, a Alemanha, com sua disciplinada força econômica? Ou o Brasil, com sua “desenvoltura” diplomática, sem medo da eventual desaprovação norte-americana, nação ainda não acostumada com tanta independência em país sul-americano? Isso sem mencionar o Pré-Sal, o álcool combustível, a vigorosa indústria automobilística e a condição de sede de futuros grandes eventos esportivos.
Todos os comentaristas do apoio em exame salientam que o motivo da escolha foi a conveniência, de contrapor, na Ásia, ao enigmático perigo chinês, um país mais previsível, também imensamente populoso, em franco progresso material e, principalmente, democrático. Segundo afirmação de Nisid Hajari, “managing editor” da revista Newsweek, de 15-11-10, pág. 5, o PIB da Índia, hoje, é de um trilhão e duzentos bilhões de dólares, economia que cresce mais de 8% ao ano e uma classe média é quase tão grande quanto a população inteira dos EUA — inteira, frise-se.
Ainda que o Japão seja admirado por sua operosidade e eficiência, não tem se saído bem, economicamente, nos últimos anos. E sua população não pode se comparar com a da Índia, com quase um bilhão de habitantes. Seu rápido crescimento deve-se, em boa parte, convém lembrar, ao discernimento de um ex-presidente ou primeiro ministro — da família Nehru — que previu o enorme potencial da informática e direcionou a educação de sua juventude nesse sentido. A tal ponto que quando a orgulhosa Alemanha percebeu, no ano 2.000, que estava defasada na informática, decidiu “importar” milhares de jovens indianos para trabalhar. Pessoas que, nessa época, visitaram a Alemanha, certamente acharam “inusitado” aqueles rapazes indianos, moreninhos, magros, lidando com tecnologia sofisticada antes privativa dos inteligentes e robustos loiros germânicos de olhos claros. A lição de previdência educacional deveria servir para o Brasil, priorizando o ensino técnico e científico. No ano 2.000 havia, no indiano “novo Vale do Silício”, 3 universidades, 14 faculdades de engenharia e 47 escolas politécnicas. Indianos lidavam inclusive com programas cuidando do processamento de dados de satélites e outros itens de alta tecnologia.
Não há, portanto, o que criticar na “escolha” de Obama, opção que, por sinal, passará por um longo percurso antes de se transformar em fato. Quem tem poder não gosta de dividi-lo. Quando o faz, é de cara amarrada. Os cinco atuais “titulares” do direito a veto examinarão as propostas de alteração do Conselho de Segurança com minuciosa cautela. De qualquer forma, a mera abertura da “estação de caça” aos novos assentos, permanentes, já é um avanço, partindo de um presidente da nação mais poderosa do mundo. Obama anda meio acabrunhado com o resultado das recentes eleições mas, sendo homem inteligente, essa decepção certamente despertará nele uma sede salutar de revanche que abrirá seus horizontes, literalmente. Deu a entender que procurará, no Exterior, a “vitamina” comercial que vem lhe faltando no plano interno. Com a globalização, o vigor econômica dos países depende da ampliação conjugada dos mercados internos e externos, como comprovou o governo brasileiro. Para desgosto daqueles que acham que presidentes não devem viajar muito. Não deve, claro, quando se trata apenas de turismo. Derrotas eleitorais têm isso de bom: obrigam a pensar e mudar.
Um grande argumento que será usado contra a ampliação do CS está no perigo da morosidade e imprevisibilidade das decisões em um órgão que deveria ser, por essência, rápido e decisivo, por lidar com segurança. É conhecida a metáfora de que o CS representa “os músculos” da ONU. Conflitos graves — com cheiro de pólvora, ou chiados do detector Geiger de radiação — precisam ser neutralizados com urgência. Sem longos e belos discursos. Daí a necessária diferença numérica entre a Assembléia Geral da ONU e o Conselho de Segurança. Não é à-toa, similarmente, que as Cortes Supremas de todos os países adiantados contam com poucos juízes, mesmo quando afogadas em acúmulo de processos. Como, pergunta-se, unificar decisões importantes com dezenas ou centenas de cabeças opinando, exibindo argúcia — “vou me desprestigiar se não mostrar todo meu saber...” —, pedindo adiamento para estudar melhor o caso?
Na verdade, o direito de veto, no Conselho de Segurança, nem mesmo deveria existir, hoje, no Direito Internacional. Era justificável quando da criação da ONU, em 1945, porque a nova e otimista entidade era, então, uma incógnita. Como funcionaria, politicamente? Sem a concessão do direito de veto aos países vencedores na 2ª.Guerra Mundial, Inglaterra, França, EUA, União Soviética e China — que perderam milhões de vidas na luta contra “o mal”— não teriam assinado a Carta da ONU. Temiam que países “pigmeus”, mas em grande número, poderiam decidir, irresponsavelmente, para obediência geral, no Conselho de Segurança, qualquer coisa, mesmo não tendo perdido um único homem na luta contra o nazismo, o fascismo e o imperialismo japonês.
De umas poucas décadas para cá o direito de veto passou a ter pouco sentido. Já se sabe qual o procedimento usual dos países. O veto vem travando algumas medidas corajosas, mas necessárias. Basta lembrar que decisões da Corte Internacional de Justiça algumas vezes — felizmente poucos, mas importantes — não são acatadas mas, não obstante, nada acontece de sério ao país infrator. Isso porque cabe apenas ao CS, não mais ao Tribunal, a execução da decisão não cumprida espontaneamente. O direito de veto estimula abusos de países que se sentem previamente confortados com a idéia de que “meu poderoso compadre” — um país poderoso, com direito de veto —, “não permitirá qualquer medida contra nós...”. Isso ocorre num mundo que costuma proclamar falsamente, com a boca cheia, que “todos os países têm direitos iguais”. Assim, hoje, é opinião quase universal que a opinião da maioria deveria prevalecer, sem veto. Ou, pelo menos — tornando a modificação mais factível, menos indigesta para os grandes —, que sejam necessários dois ou três vetos dos membros permanentes para impedir determinada resolução.
Com a atual sistemática do veto este transformou-se em uma velharia assemelhada ao caduco direito divino dos reis: a opinião de uma única cabeça, nem sempre lúcida — por vezes até mesmo insana —, prevalecendo contra a opinião de milhões de súditos. Pelo que sei, o embaixador do país que veta no Conselho de Segurança não se sente sequer obrigado a tentar convencer os demais países quanto ao acerto de seu veto. “Meu país veta e pronto!” Puro privilégio no uso da força política, militar, econômica, algo que um dia terá de desaparecer, assim como desapareceu o direito divino dos reis.
O presidente Lula vem externando, de uns anos para cá, o desejo de ver o Brasil integrando permanentemente o Conselho de Segurança. Não há nada de megalomaníaco nisso, tendo em vista o crescimento do país em quase todas as áreas. Entretanto, se o peso geopolítico do Brasil pode ser alto na América do Sul, não o é no plano mundial. O “cara” — na expressão amiga de Obama — pode ser um político simpático, pacifista e espontâneo — uma surpreendente novidade no mundo orgulhoso, sofisticado e falso da diplomacia —, mas isso não basta para convencer a comunidade internacional de que o Brasil “faz falta”, ou é “imprescindível” no Conselho de Segurança. Quando, no Exterior, um brasileiro diz a um estranho de onde veio, a reação é quase sempre: “Ah! Pelé! Brasil! Carnaval! Belas mulheres!”
Para contrabalançar essa impressão de superficialidade — e lembrar que também tem seu lado sério, estudioso e criativo —, seria útil que o Brasil criasse no país um centro de estudos e formação profissional na área internacional. A tal “Sorbonne” brasileira, na qual venho insistindo em artigos divulgados na internet.
Obviamente, tal entidade, ou universidade — a denominação fica para depois — não teria qualquer ligação funcional com a Sorbonne francesa ou outra universidade equivalente do Primeiro Mundo. Nessa entidade brasileira seriam ensinadas as matérias que constam das demais entidades estrangeiras de Direito e Relações Internacionais , com um importante acréscimo: uma cadeira de concepção, críticas e detalhamento de um governo democrático mundial, sem o qual o planeta caminhará para um impasse, com possível derramamento, ou envenenamento radioativo de sangue. Um “think tank” capaz de apresentar um esboço convincente de como seria possível fazer com que o planeta funcionasse com base na razão, sem ter de aguardar novas guerras — convencionais, atômicas, químicas, bacteriológicas ou mesmo “cambiais”, como acontece no G-20..
Os melhores pensadores da ciência política são favoráveis a um governo global, desde que democrático. O problema é saber como funcionaria. Paradoxalmente — conseqüência da vivência em campos de carnificina —, grandes generais se mostraram favoráveis a criação de um governo centralizado que coordene as variadas políticas nacionais de modo a que todos os países se sintam completamente seguros, desde que agindo de boa-fé.
Por que os países gastam tanto com armas e mecanismos de segurança? Ou porque se sentem inseguros, ameaçados, ou porque se sentem fortes demais. Força estimula orgulho e ganância, econômica e territorial. É preciso que a um “governo central” tenha condições de dar completa garantia, a todos os países, de que ele nunca será atacado e por isso não precisa se armar até os dentes. A ONU atual dá essa garantia? Não dá. Por isso precisa ser modificada. Muitas vozes clamam nesse sentido. Por que a “Sorbonne brasileira” não poderia centralizar tais debates?
A Alemanha, nos anos 1930s, sentia-se oprimida e injustiçada, com razão, com as obrigações pesadas constantes do Tratado de Versalhes. Quando encontrou um líder, Hitler, que dizia exatamente o que o homem da rua sentia, o ressentimento reprimido aflorou e o país foi conduzido a um invulgar esforço de guerra. Super-armada, a Alemanha “precisava” utilizar aquele material bélico. Onde? Nos países vizinhos, claro: Polônia, Tchecoslováquia, França, Rússia, etc.
Houvesse, desde aquela época, um governo mundial efetivo, primeiro, o Tratado de Versalhes seria revisto. Segundo, Hitler teria sido “enquadrado”, talvez até “extraído” à força do poder. Não teríamos a 2ª. Guerra Mundial e os judeus, não perseguidos e incinerados, não teriam afluído, em massa, para a Palestina, desalojando os árabes que ali estavam há quase dois mil anos. Não teríamos o terrorismo islâmico; o 11 de setembro; a reeleição do George W. Bush; a invasão do Afeganistão e do Iraque; o desgaste político e econômico dos EUA — guerras não custam apenas sangue. Aeroportos não tratariam os passageiros, hoje, como criminosos. O Irã não tomaria as dores dos palestinos, ameaçando com a tolice de “varrer Israel do mapa”. Israel não ameaçaria bombardear “preventivamente” as usinas nucleares iranianas.
Criado o Estado de Israel ele não se atreveria a, afrontando um governo mundial, continuar ampliando a ocupação de áreas que a CIJ já declarou pertencer aos palestinos. Se a ONU — ela mesma, não adianta esperar solução das duas partes envolvidas — , delimitar, já, as fronteiras entre Israel e o Estado da Palestina, Israel será forçado a brecar — por mera falta de espaço — o afluxo de irmãos de fé ou de raça, sem qualquer sensação de culpa. Porém, para a própria ONU fixar as fronteiras é preciso modificar a Carta da ONU. Um bom assunto para a “Sorbonne brasileira”.
Em suma, o planeta não seria a atual casa de loucos, cada país fazendo o que bem entende. O planeta só não explodiu porque, paradoxalmente, vários países possuem arsenal nuclear, cada vez mais espalhado em perigosa “democratização”. Atacar significa morrer em seguida. Um efeito colateral e imprevisível da tecnologia do átomo. Queiramos ou não, o “medo atômico” tem evitado muitos conflitos, mas não há garantia absoluta de que um louco qualquer decida apertar um botão vermelho.
A solução não é acabar com as armas nucleares, mas abolir todas as armas, estimulando, até mesmo , financeiramente, a indústria armamentista a mudar de atividade. Sem essa ajuda, continuaremos com o atual enfoque essencialmente belicoso porque nenhum CEO das armas permitirá que sua empresa vá à falência. A força econômica da indústria das armas é imensa, perfeitamente apta a boicotar qualquer iniciativa que a marginalize. Cérebros lúcidos estão à venda em toda parte. Gigantes dificilmente são derrubados.
Sobre os percalços da criação da “Sorbonne brasileira”, principalmente da busca de um líder intelectual com conhecimento, prestígio e coragem suficiente para transformá-la em realidade, falaremos em oportunidade bem próxima.
(11-11-2010).
Todos os comentaristas do apoio em exame salientam que o motivo da escolha foi a conveniência, de contrapor, na Ásia, ao enigmático perigo chinês, um país mais previsível, também imensamente populoso, em franco progresso material e, principalmente, democrático. Segundo afirmação de Nisid Hajari, “managing editor” da revista Newsweek, de 15-11-10, pág. 5, o PIB da Índia, hoje, é de um trilhão e duzentos bilhões de dólares, economia que cresce mais de 8% ao ano e uma classe média é quase tão grande quanto a população inteira dos EUA — inteira, frise-se.
Ainda que o Japão seja admirado por sua operosidade e eficiência, não tem se saído bem, economicamente, nos últimos anos. E sua população não pode se comparar com a da Índia, com quase um bilhão de habitantes. Seu rápido crescimento deve-se, em boa parte, convém lembrar, ao discernimento de um ex-presidente ou primeiro ministro — da família Nehru — que previu o enorme potencial da informática e direcionou a educação de sua juventude nesse sentido. A tal ponto que quando a orgulhosa Alemanha percebeu, no ano 2.000, que estava defasada na informática, decidiu “importar” milhares de jovens indianos para trabalhar. Pessoas que, nessa época, visitaram a Alemanha, certamente acharam “inusitado” aqueles rapazes indianos, moreninhos, magros, lidando com tecnologia sofisticada antes privativa dos inteligentes e robustos loiros germânicos de olhos claros. A lição de previdência educacional deveria servir para o Brasil, priorizando o ensino técnico e científico. No ano 2.000 havia, no indiano “novo Vale do Silício”, 3 universidades, 14 faculdades de engenharia e 47 escolas politécnicas. Indianos lidavam inclusive com programas cuidando do processamento de dados de satélites e outros itens de alta tecnologia.
Não há, portanto, o que criticar na “escolha” de Obama, opção que, por sinal, passará por um longo percurso antes de se transformar em fato. Quem tem poder não gosta de dividi-lo. Quando o faz, é de cara amarrada. Os cinco atuais “titulares” do direito a veto examinarão as propostas de alteração do Conselho de Segurança com minuciosa cautela. De qualquer forma, a mera abertura da “estação de caça” aos novos assentos, permanentes, já é um avanço, partindo de um presidente da nação mais poderosa do mundo. Obama anda meio acabrunhado com o resultado das recentes eleições mas, sendo homem inteligente, essa decepção certamente despertará nele uma sede salutar de revanche que abrirá seus horizontes, literalmente. Deu a entender que procurará, no Exterior, a “vitamina” comercial que vem lhe faltando no plano interno. Com a globalização, o vigor econômica dos países depende da ampliação conjugada dos mercados internos e externos, como comprovou o governo brasileiro. Para desgosto daqueles que acham que presidentes não devem viajar muito. Não deve, claro, quando se trata apenas de turismo. Derrotas eleitorais têm isso de bom: obrigam a pensar e mudar.
Um grande argumento que será usado contra a ampliação do CS está no perigo da morosidade e imprevisibilidade das decisões em um órgão que deveria ser, por essência, rápido e decisivo, por lidar com segurança. É conhecida a metáfora de que o CS representa “os músculos” da ONU. Conflitos graves — com cheiro de pólvora, ou chiados do detector Geiger de radiação — precisam ser neutralizados com urgência. Sem longos e belos discursos. Daí a necessária diferença numérica entre a Assembléia Geral da ONU e o Conselho de Segurança. Não é à-toa, similarmente, que as Cortes Supremas de todos os países adiantados contam com poucos juízes, mesmo quando afogadas em acúmulo de processos. Como, pergunta-se, unificar decisões importantes com dezenas ou centenas de cabeças opinando, exibindo argúcia — “vou me desprestigiar se não mostrar todo meu saber...” —, pedindo adiamento para estudar melhor o caso?
Na verdade, o direito de veto, no Conselho de Segurança, nem mesmo deveria existir, hoje, no Direito Internacional. Era justificável quando da criação da ONU, em 1945, porque a nova e otimista entidade era, então, uma incógnita. Como funcionaria, politicamente? Sem a concessão do direito de veto aos países vencedores na 2ª.Guerra Mundial, Inglaterra, França, EUA, União Soviética e China — que perderam milhões de vidas na luta contra “o mal”— não teriam assinado a Carta da ONU. Temiam que países “pigmeus”, mas em grande número, poderiam decidir, irresponsavelmente, para obediência geral, no Conselho de Segurança, qualquer coisa, mesmo não tendo perdido um único homem na luta contra o nazismo, o fascismo e o imperialismo japonês.
De umas poucas décadas para cá o direito de veto passou a ter pouco sentido. Já se sabe qual o procedimento usual dos países. O veto vem travando algumas medidas corajosas, mas necessárias. Basta lembrar que decisões da Corte Internacional de Justiça algumas vezes — felizmente poucos, mas importantes — não são acatadas mas, não obstante, nada acontece de sério ao país infrator. Isso porque cabe apenas ao CS, não mais ao Tribunal, a execução da decisão não cumprida espontaneamente. O direito de veto estimula abusos de países que se sentem previamente confortados com a idéia de que “meu poderoso compadre” — um país poderoso, com direito de veto —, “não permitirá qualquer medida contra nós...”. Isso ocorre num mundo que costuma proclamar falsamente, com a boca cheia, que “todos os países têm direitos iguais”. Assim, hoje, é opinião quase universal que a opinião da maioria deveria prevalecer, sem veto. Ou, pelo menos — tornando a modificação mais factível, menos indigesta para os grandes —, que sejam necessários dois ou três vetos dos membros permanentes para impedir determinada resolução.
Com a atual sistemática do veto este transformou-se em uma velharia assemelhada ao caduco direito divino dos reis: a opinião de uma única cabeça, nem sempre lúcida — por vezes até mesmo insana —, prevalecendo contra a opinião de milhões de súditos. Pelo que sei, o embaixador do país que veta no Conselho de Segurança não se sente sequer obrigado a tentar convencer os demais países quanto ao acerto de seu veto. “Meu país veta e pronto!” Puro privilégio no uso da força política, militar, econômica, algo que um dia terá de desaparecer, assim como desapareceu o direito divino dos reis.
O presidente Lula vem externando, de uns anos para cá, o desejo de ver o Brasil integrando permanentemente o Conselho de Segurança. Não há nada de megalomaníaco nisso, tendo em vista o crescimento do país em quase todas as áreas. Entretanto, se o peso geopolítico do Brasil pode ser alto na América do Sul, não o é no plano mundial. O “cara” — na expressão amiga de Obama — pode ser um político simpático, pacifista e espontâneo — uma surpreendente novidade no mundo orgulhoso, sofisticado e falso da diplomacia —, mas isso não basta para convencer a comunidade internacional de que o Brasil “faz falta”, ou é “imprescindível” no Conselho de Segurança. Quando, no Exterior, um brasileiro diz a um estranho de onde veio, a reação é quase sempre: “Ah! Pelé! Brasil! Carnaval! Belas mulheres!”
Para contrabalançar essa impressão de superficialidade — e lembrar que também tem seu lado sério, estudioso e criativo —, seria útil que o Brasil criasse no país um centro de estudos e formação profissional na área internacional. A tal “Sorbonne” brasileira, na qual venho insistindo em artigos divulgados na internet.
Obviamente, tal entidade, ou universidade — a denominação fica para depois — não teria qualquer ligação funcional com a Sorbonne francesa ou outra universidade equivalente do Primeiro Mundo. Nessa entidade brasileira seriam ensinadas as matérias que constam das demais entidades estrangeiras de Direito e Relações Internacionais , com um importante acréscimo: uma cadeira de concepção, críticas e detalhamento de um governo democrático mundial, sem o qual o planeta caminhará para um impasse, com possível derramamento, ou envenenamento radioativo de sangue. Um “think tank” capaz de apresentar um esboço convincente de como seria possível fazer com que o planeta funcionasse com base na razão, sem ter de aguardar novas guerras — convencionais, atômicas, químicas, bacteriológicas ou mesmo “cambiais”, como acontece no G-20..
Os melhores pensadores da ciência política são favoráveis a um governo global, desde que democrático. O problema é saber como funcionaria. Paradoxalmente — conseqüência da vivência em campos de carnificina —, grandes generais se mostraram favoráveis a criação de um governo centralizado que coordene as variadas políticas nacionais de modo a que todos os países se sintam completamente seguros, desde que agindo de boa-fé.
Por que os países gastam tanto com armas e mecanismos de segurança? Ou porque se sentem inseguros, ameaçados, ou porque se sentem fortes demais. Força estimula orgulho e ganância, econômica e territorial. É preciso que a um “governo central” tenha condições de dar completa garantia, a todos os países, de que ele nunca será atacado e por isso não precisa se armar até os dentes. A ONU atual dá essa garantia? Não dá. Por isso precisa ser modificada. Muitas vozes clamam nesse sentido. Por que a “Sorbonne brasileira” não poderia centralizar tais debates?
A Alemanha, nos anos 1930s, sentia-se oprimida e injustiçada, com razão, com as obrigações pesadas constantes do Tratado de Versalhes. Quando encontrou um líder, Hitler, que dizia exatamente o que o homem da rua sentia, o ressentimento reprimido aflorou e o país foi conduzido a um invulgar esforço de guerra. Super-armada, a Alemanha “precisava” utilizar aquele material bélico. Onde? Nos países vizinhos, claro: Polônia, Tchecoslováquia, França, Rússia, etc.
Houvesse, desde aquela época, um governo mundial efetivo, primeiro, o Tratado de Versalhes seria revisto. Segundo, Hitler teria sido “enquadrado”, talvez até “extraído” à força do poder. Não teríamos a 2ª. Guerra Mundial e os judeus, não perseguidos e incinerados, não teriam afluído, em massa, para a Palestina, desalojando os árabes que ali estavam há quase dois mil anos. Não teríamos o terrorismo islâmico; o 11 de setembro; a reeleição do George W. Bush; a invasão do Afeganistão e do Iraque; o desgaste político e econômico dos EUA — guerras não custam apenas sangue. Aeroportos não tratariam os passageiros, hoje, como criminosos. O Irã não tomaria as dores dos palestinos, ameaçando com a tolice de “varrer Israel do mapa”. Israel não ameaçaria bombardear “preventivamente” as usinas nucleares iranianas.
Criado o Estado de Israel ele não se atreveria a, afrontando um governo mundial, continuar ampliando a ocupação de áreas que a CIJ já declarou pertencer aos palestinos. Se a ONU — ela mesma, não adianta esperar solução das duas partes envolvidas — , delimitar, já, as fronteiras entre Israel e o Estado da Palestina, Israel será forçado a brecar — por mera falta de espaço — o afluxo de irmãos de fé ou de raça, sem qualquer sensação de culpa. Porém, para a própria ONU fixar as fronteiras é preciso modificar a Carta da ONU. Um bom assunto para a “Sorbonne brasileira”.
Em suma, o planeta não seria a atual casa de loucos, cada país fazendo o que bem entende. O planeta só não explodiu porque, paradoxalmente, vários países possuem arsenal nuclear, cada vez mais espalhado em perigosa “democratização”. Atacar significa morrer em seguida. Um efeito colateral e imprevisível da tecnologia do átomo. Queiramos ou não, o “medo atômico” tem evitado muitos conflitos, mas não há garantia absoluta de que um louco qualquer decida apertar um botão vermelho.
A solução não é acabar com as armas nucleares, mas abolir todas as armas, estimulando, até mesmo , financeiramente, a indústria armamentista a mudar de atividade. Sem essa ajuda, continuaremos com o atual enfoque essencialmente belicoso porque nenhum CEO das armas permitirá que sua empresa vá à falência. A força econômica da indústria das armas é imensa, perfeitamente apta a boicotar qualquer iniciativa que a marginalize. Cérebros lúcidos estão à venda em toda parte. Gigantes dificilmente são derrubados.
Sobre os percalços da criação da “Sorbonne brasileira”, principalmente da busca de um líder intelectual com conhecimento, prestígio e coragem suficiente para transformá-la em realidade, falaremos em oportunidade bem próxima.
(11-11-2010).
domingo, 14 de novembro de 2010
Não há o que temer no envelhecimento da população mundial
É cada vez mais freqüente ler e ouvir — na mídia nacional e internacional —, o “perigo” que ameaça o futuro da humanidade com o progressivo aumento de idosos e a baixa natalidade nos países desenvolvidos. Quanto aos países em desenvolvimento, ou flagrantemente subdesenvolvidos, há, em compensação, por enquanto, uma até excessiva produção de bebês, mas isso tende a diminuir à medida que tais países melhorarem o padrão de vida. A mulher moderna quer trabalhar, realizar-se, ganhar o próprio dinheiro. Sobretudo, não depender do volúvel coração masculino que, mesmo com aliança no dedo pode, de um momento para outro, “endoidar”, buscando sexo, digo, amor romântico em novo endereço.
Quando isso ocorre, o drama é humilhante e desgastante para a mulher que dependia apenas do marido — ou companheiro —, para subsistir: há que mover ação de alimentos, para ela e filhos; discutir a fatia patrimonial oriunda da ligação desfeita; disputar a guarda dos menores e sofrer os desgastantes atritos relacionados com o direito de visita; assumir compromissos financeiros para a própria disputa judicial, etc. E, para cúmulo do drama, o ex-marido pode ficar desempregado, escapando da ameaça de prisão, por vezes a única forma eficaz de “arrancar do desgraçado!” o cumprimento de uma obrigação legal e moral.
Pensando nisso tudo, a mulher meio desconfiada — e toda mulher o é, por necessidade do duro ofício — acha mais prudente trabalhar fora de casa. Mas, com quem deixar as crianças? Babás nem sempre são pacientes e, além do mais, não trabalham de graça. Tudo considerado, a mulher jovem vê, nitidamente, que o mais sensato é ter apenas um ou dois filhos, com isso conciliando carreira, auto-estima, razoável — embora não excelente... — função de mãe que trabalha fora e uma aposentadoria tranqüila. Ou “pé de meia” que dependa só dela, na formação; não de um “terceiro”, o marido. Este, pode, no decorrer da convivência, se revelar uma bênção do céu ou uma “praga do inferno”, só o tempo dirá. E assim pensa também o homem com relação à mulher, que só aos poucos vai revelando suas falhas. Norman Mailer, um escritor americano muito experiente em assuntos matrimoniais, dizia — cito de memória — que alguns maridos só chegam a conhecer verdadeiramente a esposa em um tribunal.
Por outras palavras, como lembrei atrás, o grande fornecimento atual de bebês, oriundos de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, diminuirá à medida que a mulher for se libertando economicamente e a pobreza mundial for desaparecendo, como é o desejo — pelo menos aparente — de todos os governantes. Isso é bom, a médio e longo prazo, considerando o problema sob o ângulo planetário. Convém que não nasçam muitas crianças. Principalmente se não lhes for assegurando um espaço saudável e confortável no mundo. A miséria gera sofrimentos físicos e morais, humilhação, desesperança, ignorância, criminalidade violenta, terrorismo, deformações físicas e morais e até maus governantes porque os espertos, quando candidatos, sabem como seduzir os desesperados com promessas.
A população mundial precisa diminuir. Se não isso, pelo menos estacionar. O aumento universal — inevitável, salvo catástrofe mundial — da riqueza e da informação, levará a um forte aumento do consumo individual global, com aumento da poluição, escassez de água e todos os inconvenientes do progresso material quando acoplado com a super-população. Um dia, a África, hoje símbolo de penúria, terá centenas de milhões de automóveis, geladeiras, aparelhos de ar condicionado e demais confortos, úteis mas poluidores. Quando a proporção entre automóveis e pessoas, na China e na Índia, chegar ao nível americano atual, a humanidade perceberá que a população mundial ultrapassou o limite do racional.
Aqui, insere-se a tese da utilidade dos velhos: eles não se reproduzem. E consumem. Bens e serviços, fonte de emprego para os mais jovens. Consumo que gera tributos que vão ajudar a pagar suas aposentadorias e auxílio-desemprego dos jovens. Se — apenas como argumento, não tenho pressa —, todos os idosos morressem hoje, milhões de jovens e maduros ficariam desempregados, sem função. Não teriam vaga em setores de clientela e freguesia jovem porque tais setores já contam com muitos desempregados.
Alguém argumentará que “não é justo” que os jovens tenham que “se sacrificar” — até parece —, trabalhando pesado para sustentar milhões de velhos ociosos, cada vez mais longevos e espertos nas técnicas de retardar a morte. Na verdade, não haverá “sacrifício” dos jovens, porque a espécie humana está “condenada” a uma progressiva e relativa ociosidade, em todas as idades. Conseqüência da automação, da robotização e da informática.
O desemprego, hoje, é uma realidade inevitável, se mantida a semana de quarenta horas de trabalho. Se não houver um acordo universal forçando todos os países a reduzir — se possível por igual —, a carga semanal de trabalho, o desemprego continuará atormentando todos os povos. Isso porque máquinas e computadores fazem o serviço de milhões de operários e funcionários de escritório. Cada vez mais, governos e empresas usam menos braços e cérebros humanos. A chamada “inteligência eletrônica” cresce em eficiência, empurrando o homem para o reino das teclas e botões, com dispensa do próprio homem.
O ideal de todo patrão — compreensível, em um mundo extremamente competitivo —, é ter o mínimo possível de empregados. “Se meu concorrente consegue produzir o mesmo que eu, em quantidade e qualidade, com menos empregados, ele me destrói, ou engole!” Todos percebem isso. Em vez de o comprador, via internet, receber em casa — o carteiro está sendo dispensado — um boleto para efetuar o pagamento no banco, ele recebe apenas um e-mail com o anexo do boleto, que ele mesmo preencherá após imprimir. Em seguida, ele vai a um banco, ou caixa eletrônico e — novamente sem contato com funcionários, usando apenas um cartão —, paga a quantia com a leitura magnética.
As próprias máquinas foram “alfabetizadas”, usando um “olho” linear vermelho. Se necessitar de dinheiro vivo, não precisa também entrar em contato com qualquer ser que respire: saca as cédulas utilizando uma máquina. Se precisar, via telefone, de um serviço público — ou até mesmo particular, conforme o caso —, “dialogará” com a máquina, usando a ponta dos dedos, clicando “opções 1,2,3”, etc. Se falar errado, ou não claramente, a “madame máquina”, uma “senhora” educada e impassível, dirá que não entendeu sua resposta, pedindo ao exasperado interlocutor que responda de modo claro o que lhe foi indagado. E se ele disser que seu assunto não figura entre as “opções”, a máquina se fingirá de surda porque, afinal, não foi construída para conversar com ignorantes.
Professores, pessoas físicas, futuramente, serão necessários apenas para fim de alfabetização e alguns poucos anos de freqüência inicial à escola. Depois disso, as pessoas aprenderão por conta própria, lendo livros e textos na internet, em CDs e DVDs. Lendo e ouvindo. Aprendendo, por sinal, com a nata dos professores, escolhidos para gravar suas aulas. Por que o estudante adulto perderá tempo no trânsito e comendo na rua quando pode aprender em sua casa, frente à televisão enquanto faz a refeição ou come pipoca? Freqüência às Faculdades, só mesmo se for para namorar ou bater papo com os amigos. E o aluno aparentemente “burro’, se bem orientado na técnica de estudar — na verdade, muita suposta “burrice” poderia ser evitada, ou contornada, com técnicas adequadas a cada aluno— não precisará do professor, de modo geral.
Advogados serão também progressivamente dispensados. As injustiças afetando grande número de pessoas serão corrigidas — já vem sendo — através de ações públicas, movidas pelo Ministério Público, ou com novas leis — como já vem acontecendo —, corrigindo falhas das anteriores. Quantos advogados, formados, trabalham hoje, efetivamente, exercendo a advocacia como única profissão? E quantos milhares sequer podem exercer a profissão porque não conseguem passar nos duros Exame de Ordem? As “Súmulas” dos Tribunais Superiores — necessárias para diminuir a pletora de recursos protelatórios — também “desempregam”, ou dispensam os advogados. A prevenção de demandas, se beneficia a sociedade, como de fato beneficia, esvazia os escritórios de advocacia. Na medicina, o desemprego é menor porque o ser humano, “felizmente”, é objeto perecível. E quanto mais velho fica, mais perecível se torna. Fonte preciosa de emprego.
Quando os jovens — também eles, não só os funcionários —, na França, revoltam-se contra o aumento de dois anos na idade mínima da aposentadoria — dos sessenta para os sessenta e dois — a explicação está, em parte, no desejo de conseguir algum trabalho. E quando os imigrantes, rejeitados, se assustam com o crescente preconceito dos moradores locais, a explicação é óbvia: estes também se assustam com a perspectiva tenebrosa da ausência de emprego. Para o patrão, o imigrante ilegal é mais lucrativo do que o trabalhador nascido no país.
Conclusões óbvias deste artigo: desemprego não é culpa do governante “x” ou “y”. O “inimigo” do emprego, intelectualmente pouco percebido, chama-se Progresso. Da ciência e da tecnologia. E não seria inteligente destruir aparelhos e computadores. Eles trabalham para nós, sem exigir salário, férias e demais benefícios. Percebido isso, é preciso que, como forma de neutralizar o desemprego, uma legislação universal reduza substancialmente a carga semanal de trabalho. Como sempre lembro, a França tentou ser pioneira nesse sentido mas acabou se prejudicando porque seus produtos se tornaram mais caros que aqueles produzidos por países que não concederam tal vantagem a seus trabalhadores.
Boas intenções, em um mundo comercialmente globalizado, só “funcionam” se todos ou grande parte dos países agirem da mesma forma. “Acordem, senhores presidentes! Unam-se para essa redução universal da carga horária semanal”. Não é questão de prestigiar, em abstrato, o valor do trabalho, mas de propiciar o trabalho para todos que querem trabalhar.
E parem de acusar os velhinhos, porque eles estão sendo ainda muito úteis, com seus reumatismo, pressão alta, manias e compras em farmácias. Repito: os jovens não estão se “sacrificando” com a atual situação. Estão é se beneficiando. Não trabalham, a maioria, puxando o cabo da enxada, erguendo fardos e suando sob sol escaldante. Trabalham com telefones, computadores e contatos pessoais, não de todo desagradáveis porque o sexo oposto integra o mundo do comércio e indústria.
(5-11-2010)
Quando isso ocorre, o drama é humilhante e desgastante para a mulher que dependia apenas do marido — ou companheiro —, para subsistir: há que mover ação de alimentos, para ela e filhos; discutir a fatia patrimonial oriunda da ligação desfeita; disputar a guarda dos menores e sofrer os desgastantes atritos relacionados com o direito de visita; assumir compromissos financeiros para a própria disputa judicial, etc. E, para cúmulo do drama, o ex-marido pode ficar desempregado, escapando da ameaça de prisão, por vezes a única forma eficaz de “arrancar do desgraçado!” o cumprimento de uma obrigação legal e moral.
Pensando nisso tudo, a mulher meio desconfiada — e toda mulher o é, por necessidade do duro ofício — acha mais prudente trabalhar fora de casa. Mas, com quem deixar as crianças? Babás nem sempre são pacientes e, além do mais, não trabalham de graça. Tudo considerado, a mulher jovem vê, nitidamente, que o mais sensato é ter apenas um ou dois filhos, com isso conciliando carreira, auto-estima, razoável — embora não excelente... — função de mãe que trabalha fora e uma aposentadoria tranqüila. Ou “pé de meia” que dependa só dela, na formação; não de um “terceiro”, o marido. Este, pode, no decorrer da convivência, se revelar uma bênção do céu ou uma “praga do inferno”, só o tempo dirá. E assim pensa também o homem com relação à mulher, que só aos poucos vai revelando suas falhas. Norman Mailer, um escritor americano muito experiente em assuntos matrimoniais, dizia — cito de memória — que alguns maridos só chegam a conhecer verdadeiramente a esposa em um tribunal.
Por outras palavras, como lembrei atrás, o grande fornecimento atual de bebês, oriundos de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, diminuirá à medida que a mulher for se libertando economicamente e a pobreza mundial for desaparecendo, como é o desejo — pelo menos aparente — de todos os governantes. Isso é bom, a médio e longo prazo, considerando o problema sob o ângulo planetário. Convém que não nasçam muitas crianças. Principalmente se não lhes for assegurando um espaço saudável e confortável no mundo. A miséria gera sofrimentos físicos e morais, humilhação, desesperança, ignorância, criminalidade violenta, terrorismo, deformações físicas e morais e até maus governantes porque os espertos, quando candidatos, sabem como seduzir os desesperados com promessas.
A população mundial precisa diminuir. Se não isso, pelo menos estacionar. O aumento universal — inevitável, salvo catástrofe mundial — da riqueza e da informação, levará a um forte aumento do consumo individual global, com aumento da poluição, escassez de água e todos os inconvenientes do progresso material quando acoplado com a super-população. Um dia, a África, hoje símbolo de penúria, terá centenas de milhões de automóveis, geladeiras, aparelhos de ar condicionado e demais confortos, úteis mas poluidores. Quando a proporção entre automóveis e pessoas, na China e na Índia, chegar ao nível americano atual, a humanidade perceberá que a população mundial ultrapassou o limite do racional.
Aqui, insere-se a tese da utilidade dos velhos: eles não se reproduzem. E consumem. Bens e serviços, fonte de emprego para os mais jovens. Consumo que gera tributos que vão ajudar a pagar suas aposentadorias e auxílio-desemprego dos jovens. Se — apenas como argumento, não tenho pressa —, todos os idosos morressem hoje, milhões de jovens e maduros ficariam desempregados, sem função. Não teriam vaga em setores de clientela e freguesia jovem porque tais setores já contam com muitos desempregados.
Alguém argumentará que “não é justo” que os jovens tenham que “se sacrificar” — até parece —, trabalhando pesado para sustentar milhões de velhos ociosos, cada vez mais longevos e espertos nas técnicas de retardar a morte. Na verdade, não haverá “sacrifício” dos jovens, porque a espécie humana está “condenada” a uma progressiva e relativa ociosidade, em todas as idades. Conseqüência da automação, da robotização e da informática.
O desemprego, hoje, é uma realidade inevitável, se mantida a semana de quarenta horas de trabalho. Se não houver um acordo universal forçando todos os países a reduzir — se possível por igual —, a carga semanal de trabalho, o desemprego continuará atormentando todos os povos. Isso porque máquinas e computadores fazem o serviço de milhões de operários e funcionários de escritório. Cada vez mais, governos e empresas usam menos braços e cérebros humanos. A chamada “inteligência eletrônica” cresce em eficiência, empurrando o homem para o reino das teclas e botões, com dispensa do próprio homem.
O ideal de todo patrão — compreensível, em um mundo extremamente competitivo —, é ter o mínimo possível de empregados. “Se meu concorrente consegue produzir o mesmo que eu, em quantidade e qualidade, com menos empregados, ele me destrói, ou engole!” Todos percebem isso. Em vez de o comprador, via internet, receber em casa — o carteiro está sendo dispensado — um boleto para efetuar o pagamento no banco, ele recebe apenas um e-mail com o anexo do boleto, que ele mesmo preencherá após imprimir. Em seguida, ele vai a um banco, ou caixa eletrônico e — novamente sem contato com funcionários, usando apenas um cartão —, paga a quantia com a leitura magnética.
As próprias máquinas foram “alfabetizadas”, usando um “olho” linear vermelho. Se necessitar de dinheiro vivo, não precisa também entrar em contato com qualquer ser que respire: saca as cédulas utilizando uma máquina. Se precisar, via telefone, de um serviço público — ou até mesmo particular, conforme o caso —, “dialogará” com a máquina, usando a ponta dos dedos, clicando “opções 1,2,3”, etc. Se falar errado, ou não claramente, a “madame máquina”, uma “senhora” educada e impassível, dirá que não entendeu sua resposta, pedindo ao exasperado interlocutor que responda de modo claro o que lhe foi indagado. E se ele disser que seu assunto não figura entre as “opções”, a máquina se fingirá de surda porque, afinal, não foi construída para conversar com ignorantes.
Professores, pessoas físicas, futuramente, serão necessários apenas para fim de alfabetização e alguns poucos anos de freqüência inicial à escola. Depois disso, as pessoas aprenderão por conta própria, lendo livros e textos na internet, em CDs e DVDs. Lendo e ouvindo. Aprendendo, por sinal, com a nata dos professores, escolhidos para gravar suas aulas. Por que o estudante adulto perderá tempo no trânsito e comendo na rua quando pode aprender em sua casa, frente à televisão enquanto faz a refeição ou come pipoca? Freqüência às Faculdades, só mesmo se for para namorar ou bater papo com os amigos. E o aluno aparentemente “burro’, se bem orientado na técnica de estudar — na verdade, muita suposta “burrice” poderia ser evitada, ou contornada, com técnicas adequadas a cada aluno— não precisará do professor, de modo geral.
Advogados serão também progressivamente dispensados. As injustiças afetando grande número de pessoas serão corrigidas — já vem sendo — através de ações públicas, movidas pelo Ministério Público, ou com novas leis — como já vem acontecendo —, corrigindo falhas das anteriores. Quantos advogados, formados, trabalham hoje, efetivamente, exercendo a advocacia como única profissão? E quantos milhares sequer podem exercer a profissão porque não conseguem passar nos duros Exame de Ordem? As “Súmulas” dos Tribunais Superiores — necessárias para diminuir a pletora de recursos protelatórios — também “desempregam”, ou dispensam os advogados. A prevenção de demandas, se beneficia a sociedade, como de fato beneficia, esvazia os escritórios de advocacia. Na medicina, o desemprego é menor porque o ser humano, “felizmente”, é objeto perecível. E quanto mais velho fica, mais perecível se torna. Fonte preciosa de emprego.
Quando os jovens — também eles, não só os funcionários —, na França, revoltam-se contra o aumento de dois anos na idade mínima da aposentadoria — dos sessenta para os sessenta e dois — a explicação está, em parte, no desejo de conseguir algum trabalho. E quando os imigrantes, rejeitados, se assustam com o crescente preconceito dos moradores locais, a explicação é óbvia: estes também se assustam com a perspectiva tenebrosa da ausência de emprego. Para o patrão, o imigrante ilegal é mais lucrativo do que o trabalhador nascido no país.
Conclusões óbvias deste artigo: desemprego não é culpa do governante “x” ou “y”. O “inimigo” do emprego, intelectualmente pouco percebido, chama-se Progresso. Da ciência e da tecnologia. E não seria inteligente destruir aparelhos e computadores. Eles trabalham para nós, sem exigir salário, férias e demais benefícios. Percebido isso, é preciso que, como forma de neutralizar o desemprego, uma legislação universal reduza substancialmente a carga semanal de trabalho. Como sempre lembro, a França tentou ser pioneira nesse sentido mas acabou se prejudicando porque seus produtos se tornaram mais caros que aqueles produzidos por países que não concederam tal vantagem a seus trabalhadores.
Boas intenções, em um mundo comercialmente globalizado, só “funcionam” se todos ou grande parte dos países agirem da mesma forma. “Acordem, senhores presidentes! Unam-se para essa redução universal da carga horária semanal”. Não é questão de prestigiar, em abstrato, o valor do trabalho, mas de propiciar o trabalho para todos que querem trabalhar.
E parem de acusar os velhinhos, porque eles estão sendo ainda muito úteis, com seus reumatismo, pressão alta, manias e compras em farmácias. Repito: os jovens não estão se “sacrificando” com a atual situação. Estão é se beneficiando. Não trabalham, a maioria, puxando o cabo da enxada, erguendo fardos e suando sob sol escaldante. Trabalham com telefones, computadores e contatos pessoais, não de todo desagradáveis porque o sexo oposto integra o mundo do comércio e indústria.
(5-11-2010)
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Não há o que temer no envelhecimento da população mundial
É cada vez mais freqüente ler e ouvir — na mídia nacional e internacional —, o “perigo” que ameaça o futuro da humanidade com o progressivo aumento de idosos e a baixa natalidade nos países desenvolvidos. Quanto aos países em desenvolvimento, ou flagrantemente subdesenvolvidos, há, em compensação, por enquanto, uma até excessiva produção de bebês, mas isso tende a diminuir à medida que tais países melhorarem o padrão de vida. A mulher moderna quer trabalhar, realizar-se, ganhar o próprio dinheiro. Sobretudo, não depender do volúvel coração masculino que, mesmo com aliança no dedo pode, de um momento para outro, “endoidar”, buscando sexo, digo, amor romântico em novo endereço.
Quando isso ocorre, o drama é humilhante e desgastante para a mulher que dependia apenas do marido — ou companheiro —, para subsistir: há que mover ação de alimentos, para ela e filhos; discutir a fatia patrimonial oriunda da ligação desfeita; disputar a guarda dos menores e sofrer os desgastantes atritos relacionados com o direito de visita; assumir compromissos financeiros para a própria disputa judicial, etc. E, para cúmulo do drama, o ex-marido pode ficar desempregado, escapando da ameaça de prisão, por vezes a única forma eficaz de “arrancar do desgraçado!” o cumprimento de uma obrigação legal e moral.
Pensando nisso tudo, a mulher meio desconfiada — e toda mulher o é, por necessidade do duro ofício — acha mais prudente trabalhar fora de casa. Mas, com quem deixar as crianças? Babás nem sempre são pacientes e, além do mais, não trabalham de graça. Tudo considerado, a mulher jovem vê, nitidamente, que o mais sensato é ter apenas um ou dois filhos, com isso conciliando carreira, auto-estima, razoável — embora não excelente... — função de mãe que trabalha fora e uma aposentadoria tranqüila. Ou “pé de meia” que dependa só dela, na formação; não de um “terceiro”, o marido. Este, pode, no decorrer da convivência, se revelar uma bênção do céu ou uma “praga do inferno”, só o tempo dirá. E assim pensa também o homem com relação à mulher, que só aos poucos vai revelando suas falhas. Norman Mailer, um escritor americano que se casou algumas vezes, dizia que “você pode estar casado dez anos com a mesma mulher mas só vem a conhecê-la, verdadeiramente, em um tribunal”. Por vezes a intransigência em assuntos de guarda filho explica-se pelo mero desejo de hostilizar.
Por outras palavras, como lembrei atrás, o grande fornecimento atual de bebês, oriundos de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, diminuirá à medida que a mulher for se libertando economicamente e a pobreza mundial for desaparecendo, como é o desejo — pelo menos aparente — de todos os governantes. Isso é bom, a médio e longo prazo, considerando o problema sob o ângulo planetário. Convém que não nasçam muitas crianças. Principalmente se não lhes for assegurando um espaço saudável e confortável no mundo. A miséria gera sofrimentos físicos e morais, humilhação, desesperança, ignorância, criminalidade violenta, terrorismo, deformações físicas e morais e até maus governantes porque os espertos, quando candidatos, sabem como seduzir os desesperados com promessas.
A população mundial precisa diminuir. Se não isso, pelo menos estacionar. O aumento universal — inevitável, salvo catástrofe mundial — da riqueza e da informação, levará a um forte aumento do consumo individual global, com aumento da poluição, escassez de água e todos os inconvenientes do progresso material quando acoplado com a super-população. Um dia, a África, hoje símbolo de penúria, terá centenas de milhões de automóveis, geladeiras, aparelhos de ar condicionado e demais confortos, úteis mas poluidores. Quando a proporção entre automóveis e pessoas, na China e na Índia, chegar ao nível americano atual, a humanidade perceberá que a população mundial ultrapassou o limite do racional.
Aqui, insere-se a tese da utilidade dos velhos: eles não se reproduzem. E consumem. Bens e serviços, fonte de emprego para os mais jovens. Consumo que gera tributos que vão ajudar a pagar suas aposentadorias e auxílio-desemprego dos jovens. Se — apenas como argumento, não tenho pressa —, todos os idosos morressem hoje, milhões de jovens e maduros ficariam desempregados, sem função. Não teriam vaga em setores de clientela e freguesia jovem porque tais setores já contam com muitos desempregados.
Alguém argumentará que “não é justo” que os jovens tenham que “se sacrificar” — até parece —, trabalhando pesado para sustentar milhões de velhos ociosos, cada vez mais longevos e espertos nas técnicas de retardar a morte. Na verdade, não haverá “sacrifício” dos jovens, porque a espécie humana está “condenada” a uma progressiva e relativa ociosidade, em todas as idades. Conseqüência da automação, da robotização e da informática.
O desemprego, hoje, é uma realidade inevitável, se mantida a semana de quarenta horas de trabalho. Se não houver um acordo universal forçando todos os países a reduzir — se possível por igual —, a carga semanal de trabalho, o desemprego continuará atormentando todos os povos. Isso porque máquinas e computadores fazem o serviço de milhões de operários e funcionários de escritório. Cada vez mais, governos e empresas usam menos braços e cérebros humanos. A chamada “inteligência eletrônica” cresce em eficiência, empurrando o homem para o reino das teclas e botões, com dispensa do próprio homem.
O ideal de todo patrão — compreensível, em um mundo extremamente competitivo —, é ter o mínimo possível de empregados. “Se meu concorrente consegue produzir o mesmo que eu, em quantidade e qualidade, com menos empregados, ele me destrói, ou engole!” Todos percebem isso. Em vez de o comprador, via internet, receber em casa — o carteiro está sendo dispensado — um boleto para efetuar o pagamento no banco, ele recebe apenas um e-mail com o anexo do boleto, que ele mesmo preencherá após imprimir. Em seguida, ele vai a um banco, ou caixa eletrônico e — novamente sem contato com funcionários, usando apenas um cartão —, paga a quantia com a leitura magnética.
As próprias máquinas foram “alfabetizadas”, usando um “olho” linear vermelho. Se necessitar de dinheiro vivo, não precisa também entrar em contato com qualquer ser que respire: saca as cédulas utilizando uma máquina. Se precisar, via telefone, de um serviço público — ou até mesmo particular, conforme o caso —, “dialogará” com a máquina, usando a ponta dos dedos, clicando “opções 1,2,3”, etc. Se falar errado, ou não claramente, a “madame máquina”, uma “senhora” educada e impassível, dirá que não entendeu sua resposta, pedindo ao exasperado interlocutor que responda de modo claro o que lhe foi indagado. E se ele disser que seu assunto não figura entre as “opções”, a máquina se fingirá de surda porque, afinal, não foi construída para conversar com ignorantes.
Professores, pessoas físicas, futuramente, serão necessários apenas para fim de alfabetização e alguns poucos anos de freqüência inicial à escola. Depois disso, as pessoas aprenderão por conta própria, lendo livros e textos na internet, em CDs e DVDs. Lendo e ouvindo. Aprendendo, por sinal, com a nata dos professores, escolhidos para gravar suas aulas. Por que o estudante adulto perderá tempo no trânsito e comendo na rua quando pode aprender em sua casa, frente à televisão enquanto faz a refeição ou come pipoca? Freqüência às Faculdades, só mesmo se for para namorar ou bater papo com os amigos. E o aluno aparentemente “burro’, se bem orientado na técnica de estudar — na verdade, muita suposta “burrice” poderia ser evitada, ou contornada, com técnicas adequadas a cada aluno— não precisará do professor, de modo geral.
Advogados serão também progressivamente dispensados. As injustiças afetando grande número de pessoas serão corrigidas — já vem sendo — através de ações públicas, movidas pelo Ministério Público, ou com novas leis — como já vem acontecendo —, corrigindo falhas das anteriores. Quantos advogados, formados, trabalham hoje, efetivamente, exercendo a advocacia como única profissão? E quantos milhares sequer podem exercer a profissão porque não conseguem passar nos duros Exame de Ordem? As “Súmulas” dos Tribunais Superiores — necessárias para diminuir a pletora de recursos protelatórios — também “desempregam”, ou dispensam os advogados. A prevenção de demandas, se beneficia a sociedade, como de fato beneficia, esvazia os escritórios de advocacia. Na medicina, o desemprego é menor porque o ser humano, “felizmente”, é objeto perecível. E quanto mais velho fica, mais perecível se torna. Fonte preciosa de emprego.
Quando os jovens — também eles, não só os funcionários —, na França, revoltam-se contra o aumento de dois anos na idade mínima da aposentadoria — dos sessenta para os sessenta e dois — a explicação está, em parte, no desejo de conseguir algum trabalho. E quando os imigrantes, rejeitados, se assustam com o crescente preconceito dos moradores locais, a explicação é óbvia: estes também se assustam com a perspectiva tenebrosa da ausência de emprego. Para o patrão, o imigrante ilegal é mais lucrativo do que o trabalhador nascido no país.
Conclusões óbvias deste artigo: desemprego não é culpa do governante “x” ou “y”. O “inimigo” do emprego, intelectualmente pouco percebido, chama-se Progresso. Da ciência e da tecnologia. E não seria inteligente destruir aparelhos e computadores. Eles trabalham para nós, sem exigir salário, férias e demais benefícios. Percebido isso, é preciso que, como forma de neutralizar o desemprego, uma legislação universal reduza substancialmente a carga semanal de trabalho. Como sempre lembro, a França tentou ser pioneira nesse sentido mas acabou se prejudicando porque seus produtos se tornaram mais caros que aqueles produzidos por países que não concederam tal vantagem a seus trabalhadores.
Boas intenções, em um mundo comercialmente globalizado, só “funcionam” se todos ou grande parte dos países agirem da mesma forma. “Acordem, senhores presidentes! Unam-se para essa redução universal da carga horária semanal”. Não é questão de prestigiar, em abstrato, o valor do trabalho, mas de propiciar o trabalho para todos que querem trabalhar.
E parem de acusar os velhinhos, porque eles estão sendo ainda muito úteis, com seus reumatismo, pressão alta, manias e compras em farmácias. Repito: os jovens não estão se “sacrificando” com a atual situação. Estão é se beneficiando. Não trabalham, a maioria, puxando o cabo da enxada, erguendo fardos e suando sob sol escaldante. Trabalham com telefones, computadores e contatos pessoais, não de todo desagradáveis porque o sexo oposto integra o mundo do comércio e indústria.
(5-11-2010)
Quando isso ocorre, o drama é humilhante e desgastante para a mulher que dependia apenas do marido — ou companheiro —, para subsistir: há que mover ação de alimentos, para ela e filhos; discutir a fatia patrimonial oriunda da ligação desfeita; disputar a guarda dos menores e sofrer os desgastantes atritos relacionados com o direito de visita; assumir compromissos financeiros para a própria disputa judicial, etc. E, para cúmulo do drama, o ex-marido pode ficar desempregado, escapando da ameaça de prisão, por vezes a única forma eficaz de “arrancar do desgraçado!” o cumprimento de uma obrigação legal e moral.
Pensando nisso tudo, a mulher meio desconfiada — e toda mulher o é, por necessidade do duro ofício — acha mais prudente trabalhar fora de casa. Mas, com quem deixar as crianças? Babás nem sempre são pacientes e, além do mais, não trabalham de graça. Tudo considerado, a mulher jovem vê, nitidamente, que o mais sensato é ter apenas um ou dois filhos, com isso conciliando carreira, auto-estima, razoável — embora não excelente... — função de mãe que trabalha fora e uma aposentadoria tranqüila. Ou “pé de meia” que dependa só dela, na formação; não de um “terceiro”, o marido. Este, pode, no decorrer da convivência, se revelar uma bênção do céu ou uma “praga do inferno”, só o tempo dirá. E assim pensa também o homem com relação à mulher, que só aos poucos vai revelando suas falhas. Norman Mailer, um escritor americano que se casou algumas vezes, dizia que “você pode estar casado dez anos com a mesma mulher mas só vem a conhecê-la, verdadeiramente, em um tribunal”. Por vezes a intransigência em assuntos de guarda filho explica-se pelo mero desejo de hostilizar.
Por outras palavras, como lembrei atrás, o grande fornecimento atual de bebês, oriundos de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, diminuirá à medida que a mulher for se libertando economicamente e a pobreza mundial for desaparecendo, como é o desejo — pelo menos aparente — de todos os governantes. Isso é bom, a médio e longo prazo, considerando o problema sob o ângulo planetário. Convém que não nasçam muitas crianças. Principalmente se não lhes for assegurando um espaço saudável e confortável no mundo. A miséria gera sofrimentos físicos e morais, humilhação, desesperança, ignorância, criminalidade violenta, terrorismo, deformações físicas e morais e até maus governantes porque os espertos, quando candidatos, sabem como seduzir os desesperados com promessas.
A população mundial precisa diminuir. Se não isso, pelo menos estacionar. O aumento universal — inevitável, salvo catástrofe mundial — da riqueza e da informação, levará a um forte aumento do consumo individual global, com aumento da poluição, escassez de água e todos os inconvenientes do progresso material quando acoplado com a super-população. Um dia, a África, hoje símbolo de penúria, terá centenas de milhões de automóveis, geladeiras, aparelhos de ar condicionado e demais confortos, úteis mas poluidores. Quando a proporção entre automóveis e pessoas, na China e na Índia, chegar ao nível americano atual, a humanidade perceberá que a população mundial ultrapassou o limite do racional.
Aqui, insere-se a tese da utilidade dos velhos: eles não se reproduzem. E consumem. Bens e serviços, fonte de emprego para os mais jovens. Consumo que gera tributos que vão ajudar a pagar suas aposentadorias e auxílio-desemprego dos jovens. Se — apenas como argumento, não tenho pressa —, todos os idosos morressem hoje, milhões de jovens e maduros ficariam desempregados, sem função. Não teriam vaga em setores de clientela e freguesia jovem porque tais setores já contam com muitos desempregados.
Alguém argumentará que “não é justo” que os jovens tenham que “se sacrificar” — até parece —, trabalhando pesado para sustentar milhões de velhos ociosos, cada vez mais longevos e espertos nas técnicas de retardar a morte. Na verdade, não haverá “sacrifício” dos jovens, porque a espécie humana está “condenada” a uma progressiva e relativa ociosidade, em todas as idades. Conseqüência da automação, da robotização e da informática.
O desemprego, hoje, é uma realidade inevitável, se mantida a semana de quarenta horas de trabalho. Se não houver um acordo universal forçando todos os países a reduzir — se possível por igual —, a carga semanal de trabalho, o desemprego continuará atormentando todos os povos. Isso porque máquinas e computadores fazem o serviço de milhões de operários e funcionários de escritório. Cada vez mais, governos e empresas usam menos braços e cérebros humanos. A chamada “inteligência eletrônica” cresce em eficiência, empurrando o homem para o reino das teclas e botões, com dispensa do próprio homem.
O ideal de todo patrão — compreensível, em um mundo extremamente competitivo —, é ter o mínimo possível de empregados. “Se meu concorrente consegue produzir o mesmo que eu, em quantidade e qualidade, com menos empregados, ele me destrói, ou engole!” Todos percebem isso. Em vez de o comprador, via internet, receber em casa — o carteiro está sendo dispensado — um boleto para efetuar o pagamento no banco, ele recebe apenas um e-mail com o anexo do boleto, que ele mesmo preencherá após imprimir. Em seguida, ele vai a um banco, ou caixa eletrônico e — novamente sem contato com funcionários, usando apenas um cartão —, paga a quantia com a leitura magnética.
As próprias máquinas foram “alfabetizadas”, usando um “olho” linear vermelho. Se necessitar de dinheiro vivo, não precisa também entrar em contato com qualquer ser que respire: saca as cédulas utilizando uma máquina. Se precisar, via telefone, de um serviço público — ou até mesmo particular, conforme o caso —, “dialogará” com a máquina, usando a ponta dos dedos, clicando “opções 1,2,3”, etc. Se falar errado, ou não claramente, a “madame máquina”, uma “senhora” educada e impassível, dirá que não entendeu sua resposta, pedindo ao exasperado interlocutor que responda de modo claro o que lhe foi indagado. E se ele disser que seu assunto não figura entre as “opções”, a máquina se fingirá de surda porque, afinal, não foi construída para conversar com ignorantes.
Professores, pessoas físicas, futuramente, serão necessários apenas para fim de alfabetização e alguns poucos anos de freqüência inicial à escola. Depois disso, as pessoas aprenderão por conta própria, lendo livros e textos na internet, em CDs e DVDs. Lendo e ouvindo. Aprendendo, por sinal, com a nata dos professores, escolhidos para gravar suas aulas. Por que o estudante adulto perderá tempo no trânsito e comendo na rua quando pode aprender em sua casa, frente à televisão enquanto faz a refeição ou come pipoca? Freqüência às Faculdades, só mesmo se for para namorar ou bater papo com os amigos. E o aluno aparentemente “burro’, se bem orientado na técnica de estudar — na verdade, muita suposta “burrice” poderia ser evitada, ou contornada, com técnicas adequadas a cada aluno— não precisará do professor, de modo geral.
Advogados serão também progressivamente dispensados. As injustiças afetando grande número de pessoas serão corrigidas — já vem sendo — através de ações públicas, movidas pelo Ministério Público, ou com novas leis — como já vem acontecendo —, corrigindo falhas das anteriores. Quantos advogados, formados, trabalham hoje, efetivamente, exercendo a advocacia como única profissão? E quantos milhares sequer podem exercer a profissão porque não conseguem passar nos duros Exame de Ordem? As “Súmulas” dos Tribunais Superiores — necessárias para diminuir a pletora de recursos protelatórios — também “desempregam”, ou dispensam os advogados. A prevenção de demandas, se beneficia a sociedade, como de fato beneficia, esvazia os escritórios de advocacia. Na medicina, o desemprego é menor porque o ser humano, “felizmente”, é objeto perecível. E quanto mais velho fica, mais perecível se torna. Fonte preciosa de emprego.
Quando os jovens — também eles, não só os funcionários —, na França, revoltam-se contra o aumento de dois anos na idade mínima da aposentadoria — dos sessenta para os sessenta e dois — a explicação está, em parte, no desejo de conseguir algum trabalho. E quando os imigrantes, rejeitados, se assustam com o crescente preconceito dos moradores locais, a explicação é óbvia: estes também se assustam com a perspectiva tenebrosa da ausência de emprego. Para o patrão, o imigrante ilegal é mais lucrativo do que o trabalhador nascido no país.
Conclusões óbvias deste artigo: desemprego não é culpa do governante “x” ou “y”. O “inimigo” do emprego, intelectualmente pouco percebido, chama-se Progresso. Da ciência e da tecnologia. E não seria inteligente destruir aparelhos e computadores. Eles trabalham para nós, sem exigir salário, férias e demais benefícios. Percebido isso, é preciso que, como forma de neutralizar o desemprego, uma legislação universal reduza substancialmente a carga semanal de trabalho. Como sempre lembro, a França tentou ser pioneira nesse sentido mas acabou se prejudicando porque seus produtos se tornaram mais caros que aqueles produzidos por países que não concederam tal vantagem a seus trabalhadores.
Boas intenções, em um mundo comercialmente globalizado, só “funcionam” se todos ou grande parte dos países agirem da mesma forma. “Acordem, senhores presidentes! Unam-se para essa redução universal da carga horária semanal”. Não é questão de prestigiar, em abstrato, o valor do trabalho, mas de propiciar o trabalho para todos que querem trabalhar.
E parem de acusar os velhinhos, porque eles estão sendo ainda muito úteis, com seus reumatismo, pressão alta, manias e compras em farmácias. Repito: os jovens não estão se “sacrificando” com a atual situação. Estão é se beneficiando. Não trabalham, a maioria, puxando o cabo da enxada, erguendo fardos e suando sob sol escaldante. Trabalham com telefones, computadores e contatos pessoais, não de todo desagradáveis porque o sexo oposto integra o mundo do comércio e indústria.
(5-11-2010)
domingo, 31 de outubro de 2010
O altruísmo pode afogar seu portador
Em visita a Genebra, Suíça, menos de um mês atrás — parte turismo, parte curiosidade pelos órgãos internacionais — procurei melhorar minha compreensão da língua lendo revistas francesas, quando no hotel, com auxílio de dicionários. Um deles, pequeno mas “taludo”, “gordinho”, era o Mini Larousse, com 38.000 palavras. Um prodígio de síntese e abrangência que me socorria, infalivelmente, quando o dicionário que levei do Brasil, três vezes mais volumoso, mostrava-se omisso.
O único problema com o referido Larousse está no tamanho das letras, semelhante àquelas de bulas e contratos, impressas “só para constar”, não exatamente para serem lidas, pois nem todos dispõem de lupas. Aliás, parece ser norma gráfica pétrea que todos os dicionários de francês sejam destinados a leitores alimentados com gemada de ovos de águia, dotados de miraculosa acuidade visual. Fica aqui a observação para eventual proveito das editoras francesas de dicionários. Quem sabe, em explicação menos fantasiosa, o queijo francês, muito consumido como sobremesa sem mistura— hábito estranho, para brasileiros, que acrescentam a goiabada —, é especialmente rico em vitamina A, protetora da retina, o que explicaria o prodígio visual. Nunca soube de reclamações de franceses, belgas e canadenses contra o tamanho das letras dos seus dicionários, o que leva à conclusão, lógica e desanimadora, de que meu problema resulta apenas de um registro de nascimento por demais antigo.
Vamos, porém, ao que interessa. Em edição recente da “France Dimanche”— lamento ter deixado a revista no hotel, por isso não menciono o número — li o relato de uma senhora que perdeu o irmão, vitimado pela mais bela das virtudes: uma exaltada compaixão. Como a autora do texto acenou em levar o caso à Justiça, o acontecido pode servir ao leitor como um exercício de reflexão sobre a conexão — jurídica e moral —, entre causa e efeito, culpa e castigo, dano e responsabilidade.
Em todo ser humano, culto ou inculto, jaz, em intensidade variável, um “juiz”. Julgador, por vezes implacável e totalmente livre para decidir obedecendo apenas à própria consciência, sem complicações legais. Justiça em estado bruto, diamante não lapidado. Esse aspecto não passou despercebido ao nosso mais prestigiado jurista, Rui Barbosa, que lembrou aos juízes do STF de seu tempo que eles também estavam sendo constantemente julgados pelos jurisdicionados.
A propósito, lembro-me, com agrado, de uma frase do Min. Marco Aurélio Mello, do STF, que, em entrevista, admitiu que quando julga um caso examina primeiro qual a solução mais justa, conforme o bom senso e a moral e só depois é que procura, na legislação, as normas que servirão de sustentáculo jurídico para o que considera verdadeiramente justo, pelo menos no caso em exame. Aliás, de minha parte, modestamente, sempre agi assim, quando em atividade, e não me arrependo. Aliás, só me arrependo de uma decisão, quando juiz de apelação, mas jamais direi qual foi. Poucos minutos depois de proclamado o resultado, um “estalo” me fez concluir que errara, mas aí era tarde. Não há como voltar atrás depois de oficializada uma decisão. Mais um argumento em favor da tese de que a legislação processual deve ser preocupar com a dificílima tarefa de impedir — sem prejuízo da justiça procurada de boa-fé — que “toneladas” de recursos protelatórios cheguem aos tribunais. A pressa, a necessidade estatística do “vapt-vupt” judiciário, explica muitas decisões superficiais.
A “lei” pode errar. Afinal, é produto do homem, essa “coisa” que todos conhecem. A presumida “sabedoria do legislador”, antiga regra de interpretação é, por vezes, uma ilusão. Principalmente nos tempos mais recentes, imensamente complexos, em que, lobbies de toda ordem conseguem alterar a redação de propostas legislativas, em tese bem intencionadas, introduzindo modificações que jamais estiveram na intenção de quem redigiu a proposta original. Separar o joio do trigo, escolher o que “presta” e o que “não presta” no texto legal é tarefa interpretativa hercúlea equivalente às contorções do “homem-borracha” de circo, tendo em vista o dogma da separação dos poderes. Nunca vi um magistrado dizer, com todas as letras, que ... “A letra “c” do item “XVIII” do parágrafo “16” da lei tal deve ser ignorada porque seu conteúdo é contraditório com o espírito da lei sob interpretação. Em algum ponto do caminho legislativo o projeto sofreu um enxerto suspeito. Se a sutil manobra conseguiu passar despercebida no caminho legislativo — é impossível exigir que todo congressista leia minuciosamente a imensa produção legislativa —, não passará agora, em um julgamento, porque, afinal, nós, juízes, não somos cegos”. A “saída” usual, para preservação da separação dos poderes, está na declaração de inconstitucionalidade parcial da lei, mas, por vezes, a contradição nada tem a ver com a Constituição, sendo apenas uma questão de afronta à lógica e ao bom senso. Aí, como fica?
Com perdão pelo vício da digressão, voltemos ao caso, ocorrido na França, relacionado com um sentimento de extrema beleza moral. Disse antes que o irmão dessa senhora foi vítima da própria bondade — ou compaixão — e que desolada irmã pretendia processar judicialmente a pessoa que provocou a tragédia.
O caso foi assim: em um fim de tarde o irmão em exame, homem já maduro, solteiro, conhecido pelo notória preocupação com os outros, conversava e tomava vinho com amigos em um bar, ou café, a poucos metros de um rio que passa bem ao lado do estabelecimento. A certo momento, nosso herói viu que as pessoas se aglomeravam sobre a mureta que dá para o rio observando uma moça que estava se afogando.
Antes que a moça submergisse sem retorno, o bom samaritano deixou de lado toda a cautela e se jogou no rio, nadando para salvar uma vida. Ao chegar perto dela ficou pasmo com a reação da quase afogada, que o repeliu rudemente, agredindo-o, lutando para não ser salva. Tal foi a perplexidade dele que descurou-se de maiores cautelas com a própria segurança e por isso acabou sendo arrastado pela correnteza, certamente muito forte naquele trecho. Afogou-se e seu corpo só foi encontrado vários dias depois, muito distante do local.
Graças ao esforço — mal recebido — de nosso herói, a moça acabou sendo agarrada por bombeiros ou pessoas que conseguiram “pesca-la” e salva-la da morte certa. Ela ainda lutou com as pessoas que a socorriam — insistia no desejo de se matar — e foi preciso algemá-la para afastá-la do rio e ser levada a uma delegacia. Descobriu-se depois que essa moça tentara o suicídio duas ou três vezes antes.
Uma senhora que tudo presenciou, acompanhada de um neto já rapaz, disse depois, no inquérito, que o neto quis jogar-se nas águas mas foi impedido pelo nosso homem que afirmou ser bom nadador, como de fato era, preferindo ele mesmo assumir o risco de se arremessar na correnteza perigosa.
O prefeito ou autoridade que administrava a área em que ocorreram os fatos decretou luto oficial e até mesmo deu ao local o nome de nosso herói, cujo enterro foi muito concorrido. A irmã do afogado, no entanto, em sua carta à revista, não se conformava com a indiferença da pretensa suicida, que sequer se deu ao trabalho de telefonar para agradecer um gesto motivado apenas pela compaixão. E no fim da notícia, a irmã do afogado disse que pretendia processar a suposta candidata ao suicídio. Diz a revista que a moça em referência sofria das faculdades mentais e que fora internada para se tratar.
Se o fato for levado aos tribunais é quase certo que a nada acontecerá com a causadora da morte. Isso porque a notícia não diz que a “suicida” gritou por socorro. Se houvesse pedido ajuda, caberia sua responsabilidade, penal e civil. Como não pedia — mas provavelmente se debatia, daí a impressão geral de afogamento — seu advogado alegaria que o bom homem foi precipitado, agiu sem ser solicitado. A alegaria também que a moça não era responsável pelos seus atos, pois tentara o suicídio em vezes anteriores.
Não sei como decidiria o leitor, caso fosse jurado. Obrigaria a moça pagar alguma indenização à irmã do bom samaritano, que era solteiro? Seria o caso da Justiça desconfiar da real intenção de se matar quando uma pessoa tenta o suicídio várias vezes? Não estaria a moça fazendo apenas chantagem emocional contra um namorado ou amante?
O caso serve, pelo menos didaticamente, para um conselho: impulsos de ajuda podem significar a própria morte, ou problemas financeiros que podem nos arrasar. Já contei esse fato: certa vez, finda uma audiência na 10ª.Vara Cível de S. Paulo, notei que o advogado de uma das partes estava com visível dificuldade para assinar o termo de audiência. Parecia travado, tentando escrever o próprio nome. Perguntei a ele se sofrera algum acidente. Ele me respondeu que seu problema era apenas psicológico: a pedido de um grande amigo, por mera solidariedade, fora avalista de títulos de alto valor. O avalizado não pagou a dívida e o credor penhorara todos os bens do advogado, em uma época em que tudo podia ser penhorado, não existindo a escapatória do “bem de família”, isento de penhora. Era o subconsciente dele, temendo nova “bomba”, que “amarrava” nervos e músculos do braço que segurava caneta.
A compaixão, bela virtude — em tese, em tese... — tem os seus inconvenientes. Só beneficia “o outro”, raramente seu portador. Assemelha-se à modéstia, outra virtude muito elogiada mas prejudicial no mundo em que vivemos. Políticos muito modestos se prejudicam quando ficam acanhados para anunciar seus méritos. Já disse alguém que, entre todas as virtudes, a modéstia é aquela que menos beneficia seu portador. Outras virtudes, como a energia, ambição, capacidade de trabalho, inteligência, etc., “dão lucro”, “promovem”, enquanto a modéstia real só “esconde”, “apaga” e ainda fornece material para os inimigos do modesto, dizendo que “ele mesmo reconhece não ter valor...”.
Corrigindo o autor acima mencionado — não me recordo de seu nome — a virtude que menos beneficia seu portador não é a modéstia, mas a compaixão, como ficou mais uma vez comprovado no caso do afogado que apenas tentou socorrer o próximo. E, levado o caso aos tribunais, não está afastada a hipótese vulgar de a defesa da ré dizer que a tentativa de salvar a moça foi apenas uma grotesca tentativa “faroleira” de auto-promoção. Já vi isso ocorrer em casos criminais, o réu tirando proveito do fato de a vítima, no fundo da cova, não poder protestar contra calúnias. Assassinada e ainda por cima caluniada. Advogados de respeito, porém, não fazem isso. Se verdadeiro o mau procedimento da vítima, cabe ao réu mencionar os fatos. Jamais, porém, inventar, caluniando um morto. Há limites éticos profissionais que não podem ser ultrapassados.
(29-10-2010)
O único problema com o referido Larousse está no tamanho das letras, semelhante àquelas de bulas e contratos, impressas “só para constar”, não exatamente para serem lidas, pois nem todos dispõem de lupas. Aliás, parece ser norma gráfica pétrea que todos os dicionários de francês sejam destinados a leitores alimentados com gemada de ovos de águia, dotados de miraculosa acuidade visual. Fica aqui a observação para eventual proveito das editoras francesas de dicionários. Quem sabe, em explicação menos fantasiosa, o queijo francês, muito consumido como sobremesa sem mistura— hábito estranho, para brasileiros, que acrescentam a goiabada —, é especialmente rico em vitamina A, protetora da retina, o que explicaria o prodígio visual. Nunca soube de reclamações de franceses, belgas e canadenses contra o tamanho das letras dos seus dicionários, o que leva à conclusão, lógica e desanimadora, de que meu problema resulta apenas de um registro de nascimento por demais antigo.
Vamos, porém, ao que interessa. Em edição recente da “France Dimanche”— lamento ter deixado a revista no hotel, por isso não menciono o número — li o relato de uma senhora que perdeu o irmão, vitimado pela mais bela das virtudes: uma exaltada compaixão. Como a autora do texto acenou em levar o caso à Justiça, o acontecido pode servir ao leitor como um exercício de reflexão sobre a conexão — jurídica e moral —, entre causa e efeito, culpa e castigo, dano e responsabilidade.
Em todo ser humano, culto ou inculto, jaz, em intensidade variável, um “juiz”. Julgador, por vezes implacável e totalmente livre para decidir obedecendo apenas à própria consciência, sem complicações legais. Justiça em estado bruto, diamante não lapidado. Esse aspecto não passou despercebido ao nosso mais prestigiado jurista, Rui Barbosa, que lembrou aos juízes do STF de seu tempo que eles também estavam sendo constantemente julgados pelos jurisdicionados.
A propósito, lembro-me, com agrado, de uma frase do Min. Marco Aurélio Mello, do STF, que, em entrevista, admitiu que quando julga um caso examina primeiro qual a solução mais justa, conforme o bom senso e a moral e só depois é que procura, na legislação, as normas que servirão de sustentáculo jurídico para o que considera verdadeiramente justo, pelo menos no caso em exame. Aliás, de minha parte, modestamente, sempre agi assim, quando em atividade, e não me arrependo. Aliás, só me arrependo de uma decisão, quando juiz de apelação, mas jamais direi qual foi. Poucos minutos depois de proclamado o resultado, um “estalo” me fez concluir que errara, mas aí era tarde. Não há como voltar atrás depois de oficializada uma decisão. Mais um argumento em favor da tese de que a legislação processual deve ser preocupar com a dificílima tarefa de impedir — sem prejuízo da justiça procurada de boa-fé — que “toneladas” de recursos protelatórios cheguem aos tribunais. A pressa, a necessidade estatística do “vapt-vupt” judiciário, explica muitas decisões superficiais.
A “lei” pode errar. Afinal, é produto do homem, essa “coisa” que todos conhecem. A presumida “sabedoria do legislador”, antiga regra de interpretação é, por vezes, uma ilusão. Principalmente nos tempos mais recentes, imensamente complexos, em que, lobbies de toda ordem conseguem alterar a redação de propostas legislativas, em tese bem intencionadas, introduzindo modificações que jamais estiveram na intenção de quem redigiu a proposta original. Separar o joio do trigo, escolher o que “presta” e o que “não presta” no texto legal é tarefa interpretativa hercúlea equivalente às contorções do “homem-borracha” de circo, tendo em vista o dogma da separação dos poderes. Nunca vi um magistrado dizer, com todas as letras, que ... “A letra “c” do item “XVIII” do parágrafo “16” da lei tal deve ser ignorada porque seu conteúdo é contraditório com o espírito da lei sob interpretação. Em algum ponto do caminho legislativo o projeto sofreu um enxerto suspeito. Se a sutil manobra conseguiu passar despercebida no caminho legislativo — é impossível exigir que todo congressista leia minuciosamente a imensa produção legislativa —, não passará agora, em um julgamento, porque, afinal, nós, juízes, não somos cegos”. A “saída” usual, para preservação da separação dos poderes, está na declaração de inconstitucionalidade parcial da lei, mas, por vezes, a contradição nada tem a ver com a Constituição, sendo apenas uma questão de afronta à lógica e ao bom senso. Aí, como fica?
Com perdão pelo vício da digressão, voltemos ao caso, ocorrido na França, relacionado com um sentimento de extrema beleza moral. Disse antes que o irmão dessa senhora foi vítima da própria bondade — ou compaixão — e que desolada irmã pretendia processar judicialmente a pessoa que provocou a tragédia.
O caso foi assim: em um fim de tarde o irmão em exame, homem já maduro, solteiro, conhecido pelo notória preocupação com os outros, conversava e tomava vinho com amigos em um bar, ou café, a poucos metros de um rio que passa bem ao lado do estabelecimento. A certo momento, nosso herói viu que as pessoas se aglomeravam sobre a mureta que dá para o rio observando uma moça que estava se afogando.
Antes que a moça submergisse sem retorno, o bom samaritano deixou de lado toda a cautela e se jogou no rio, nadando para salvar uma vida. Ao chegar perto dela ficou pasmo com a reação da quase afogada, que o repeliu rudemente, agredindo-o, lutando para não ser salva. Tal foi a perplexidade dele que descurou-se de maiores cautelas com a própria segurança e por isso acabou sendo arrastado pela correnteza, certamente muito forte naquele trecho. Afogou-se e seu corpo só foi encontrado vários dias depois, muito distante do local.
Graças ao esforço — mal recebido — de nosso herói, a moça acabou sendo agarrada por bombeiros ou pessoas que conseguiram “pesca-la” e salva-la da morte certa. Ela ainda lutou com as pessoas que a socorriam — insistia no desejo de se matar — e foi preciso algemá-la para afastá-la do rio e ser levada a uma delegacia. Descobriu-se depois que essa moça tentara o suicídio duas ou três vezes antes.
Uma senhora que tudo presenciou, acompanhada de um neto já rapaz, disse depois, no inquérito, que o neto quis jogar-se nas águas mas foi impedido pelo nosso homem que afirmou ser bom nadador, como de fato era, preferindo ele mesmo assumir o risco de se arremessar na correnteza perigosa.
O prefeito ou autoridade que administrava a área em que ocorreram os fatos decretou luto oficial e até mesmo deu ao local o nome de nosso herói, cujo enterro foi muito concorrido. A irmã do afogado, no entanto, em sua carta à revista, não se conformava com a indiferença da pretensa suicida, que sequer se deu ao trabalho de telefonar para agradecer um gesto motivado apenas pela compaixão. E no fim da notícia, a irmã do afogado disse que pretendia processar a suposta candidata ao suicídio. Diz a revista que a moça em referência sofria das faculdades mentais e que fora internada para se tratar.
Se o fato for levado aos tribunais é quase certo que a nada acontecerá com a causadora da morte. Isso porque a notícia não diz que a “suicida” gritou por socorro. Se houvesse pedido ajuda, caberia sua responsabilidade, penal e civil. Como não pedia — mas provavelmente se debatia, daí a impressão geral de afogamento — seu advogado alegaria que o bom homem foi precipitado, agiu sem ser solicitado. A alegaria também que a moça não era responsável pelos seus atos, pois tentara o suicídio em vezes anteriores.
Não sei como decidiria o leitor, caso fosse jurado. Obrigaria a moça pagar alguma indenização à irmã do bom samaritano, que era solteiro? Seria o caso da Justiça desconfiar da real intenção de se matar quando uma pessoa tenta o suicídio várias vezes? Não estaria a moça fazendo apenas chantagem emocional contra um namorado ou amante?
O caso serve, pelo menos didaticamente, para um conselho: impulsos de ajuda podem significar a própria morte, ou problemas financeiros que podem nos arrasar. Já contei esse fato: certa vez, finda uma audiência na 10ª.Vara Cível de S. Paulo, notei que o advogado de uma das partes estava com visível dificuldade para assinar o termo de audiência. Parecia travado, tentando escrever o próprio nome. Perguntei a ele se sofrera algum acidente. Ele me respondeu que seu problema era apenas psicológico: a pedido de um grande amigo, por mera solidariedade, fora avalista de títulos de alto valor. O avalizado não pagou a dívida e o credor penhorara todos os bens do advogado, em uma época em que tudo podia ser penhorado, não existindo a escapatória do “bem de família”, isento de penhora. Era o subconsciente dele, temendo nova “bomba”, que “amarrava” nervos e músculos do braço que segurava caneta.
A compaixão, bela virtude — em tese, em tese... — tem os seus inconvenientes. Só beneficia “o outro”, raramente seu portador. Assemelha-se à modéstia, outra virtude muito elogiada mas prejudicial no mundo em que vivemos. Políticos muito modestos se prejudicam quando ficam acanhados para anunciar seus méritos. Já disse alguém que, entre todas as virtudes, a modéstia é aquela que menos beneficia seu portador. Outras virtudes, como a energia, ambição, capacidade de trabalho, inteligência, etc., “dão lucro”, “promovem”, enquanto a modéstia real só “esconde”, “apaga” e ainda fornece material para os inimigos do modesto, dizendo que “ele mesmo reconhece não ter valor...”.
Corrigindo o autor acima mencionado — não me recordo de seu nome — a virtude que menos beneficia seu portador não é a modéstia, mas a compaixão, como ficou mais uma vez comprovado no caso do afogado que apenas tentou socorrer o próximo. E, levado o caso aos tribunais, não está afastada a hipótese vulgar de a defesa da ré dizer que a tentativa de salvar a moça foi apenas uma grotesca tentativa “faroleira” de auto-promoção. Já vi isso ocorrer em casos criminais, o réu tirando proveito do fato de a vítima, no fundo da cova, não poder protestar contra calúnias. Assassinada e ainda por cima caluniada. Advogados de respeito, porém, não fazem isso. Se verdadeiro o mau procedimento da vítima, cabe ao réu mencionar os fatos. Jamais, porém, inventar, caluniando um morto. Há limites éticos profissionais que não podem ser ultrapassados.
(29-10-2010)
sábado, 11 de setembro de 2010
Fé, política, ciência: espinhosas ligações
Sabedoria tradicional recomenda não discutir, comparar, prever e muito menos criticar — isso já seria o horror dos horrores! — religiões, política e até mesmo futebol. Principalmente religiões, campo minado — pode-se nele perder mais que as pernas... —, adequado para a formação de legiões enfurecidas contra qualquer mínima observação crítica — “Cuidado com a boca, irmão!”.
Não obstante o risco, como negar a imensa influência das concepções religiosas na vida dos povos? Quantos milhões já morreram e ainda morrerão — talvez nuclearmente incinerados —, não por causas naturais mas como conseqüência, próxima ou remota , de filosofias ou proselitismos oriundos de textos dados como sagrados? No até agora insolúvel conflito árabe-judeu, na Palestina, há um bocado de subentendido religioso na impasse. Uma das partes, ou ambas — as objeções deslocam-se como areias do deserto, assopradas por políticos — acham que a santidade de Jerusalém não pode ser fatiada e a humanidade ainda não avançou o suficiente para impor uma decisão “de fora”, oriunda de uma corte de justiça internacional, como seria lógico e natural quando as partes não conseguem chegar a um acordo.
Há milênios, nuvens mentais carregadas de eletricidade pairam sobre cabeças humanas magnetizadas por convicções religiosas, supostamente lógicas e morais, sugerindo que os “inimigos de nossa fé, por estarem absurdamente ‘errados’, devem ser excluídos do rol dos vivos”. Haveria, nessa eliminação, apenas “profilaxia moral”. Para tais obcecados, seria pecado, crime e covardia transigir com o “erro” e sua conseqüente “maldade”.
De início, afasto da arena deste texto sobre paixões dominadoras o futebol, esporte que, para minha perplexidade, é capaz de levar cidadãos — equilibrados em tudo o mais — às lágrimas, ao enfarte, ao êxtase da vitória, ao vandalismo incendiário, às fraturas de crânio e ao homicídio. Tudo isso, espantosamente, quando o time do efusivo torcedor perde, ganha ou até mesmo empata; na alegria ou na tristeza, tanto faz. O guloso “demônio”, disfarçado em bola, não escolhe situações. Quer apenas gargalhar loucamente, olhar desvairado, utilizando porretadas e coices humanos, de preferência entre carros em chamas, seu habitat natural. Um comprovante a mais de que o homem dito civilizado não conseguiu se libertar de seus instintos mais ancestrais, entre eles o desejo de ser admirado pela violência.
Quanto às religiões, sempre impregnadas de fortes emoções — embora de outra natureza, voltadas, em tese, para o bem — existem as mais e as menos serenas. As mais e as menos preocupadas com o retorno financeiro da pregação. Preocupação fundamentada — às vezes exageradamente — na necessidade prática de dinheiro para a difusão de crenças que resolverão todos os problemas de seus seguidores: de saúde, de dinheiro e até mesmo de amor.
Deixando de lado esporádicos abusos individuais de difusores da fé — a grande massa de adeptos é sincera e bem intencionada —, fato inegável é que o homem, há milênios, sente a necessidade de um protetor infinitamente inteligente, ubíquo, poderoso, bondoso, compreensivo, justo e instantaneamente acessível — via oração —, sem os conhecidos intermediários burocráticos que atormentam os cidadãos que pedem algo a alguém, governo ou pessoa jurídica. Quem tem fé conversa diretamente com seu deus, sem risco de grampos e cobranças de lição de casa.
Sob esse ângulo, de amparo espiritual, a fé é insubstituível, independentemente de sua correspondência fiel com a realidade científica. Auto-ajuda que nos conforta e fornece algo valiosíssimo: a esperança. Como tirar — pergunta-se —, impiedosamente, das mãos do náufrago desesperado a única taboa que o impede de se afogar na própria angústia? Dizer ao pai da criança cancerosa, ao profissional maduro e desempregado, ou à velhinha, com início de Alzheimer, que é melhor deixarem de ilusões e encarar a dura realidade: a morte da criança, o desemprego permanente e a loucura da velha? Além do mais, não esquecer que em toda religião, digna desse nome, está impresso um código moral que é ou já foi útil à humanidade.
Dizia Rui Barbosa que o código penal cuida dos crimes públicos e a religião se encarrega dos crimes privados. Presumo que, em média, o mafioso italiano — com algum resquício de cristianismo incutido na alma quando criança — é menos perverso que o gangster russo, ou o membro da Yakuza japonesa, criados desde o berço na visão estritamente materialista. O mafioso baleado, sentindo fugir o sangue e a vida, provavelmente temerá um julgamento final. Talvez até reze. O criminoso profissional russo e o japonês, convictos de que nada mais são que carne organizada, apenas lamentarão não continuarem vivos.
Pessoas sinceramente religiosas, desde que pacíficas e tolerantes— não o sendo serão mais soldados, guerrilheiros ou terroristas — não deveriam, jamais, serem atacadas ou menosprezadas intelectualmente por serem tais, mesmo quando sua fé se apresenta com fundamentos ingênuos. Isso porque um crente autêntico, mesmo analfabeto, revela — só por acreditar em Deus —, algo moralmente precioso: o espírito de justiça. — “Como é possível”, pergunta-se o crente autêntico, “não haver um Deus quando se constata que algumas pessoas, más e astutas, passam pela vida só gozando e abusando, enquanto milhões de outros apenas sofrem, carregando as cruzes da pobreza,ignorância, doença, azares e injustiças de toda ordem? Seria injusto, ‘ilógico’, não haver um julgamento final, com castigo ou recompensa, conforme o passado de cada um”. Revolta-o a mera possibilidade de que bons e maus tenham igual fim apavorante: o nada!
Frente a argumentos desse tipo os agnósticos respondem que lógica, ciência e dura realidade nada têm a ver com aspirações de justiça. De acordo, tecnicamente. Fatos são fatos, mas a compaixão — elefantes foram filmados fazendo esforços inúteis e desesperados para libertar uma elefanta com a perna presa acidentalmente em um pneu amarrado — é uma qualidade imensamente útil à preservação e conforto espiritual da raça humana. Como já lembrou alguém, um faminto não precisa conhecer o fenômeno científico da digestão para satisfazer sua fome. Ao homem comum interessa muito mais a felicidade — sua e de sua família —, que o conhecimento profundo da ciência, acessível a uma microscópica minoria. Diz a BBC de Londres, segundo um jornal de ontem — “Estadão”, pág. A17 — que em 2009, no Japão, 32.000 pessoas se suicidaram. E o nível cultural japonês é dos mais elevados. Se não há engano na cifra, convenhamos que é gente demais torturada pela falta de perspectiva. A maior cultura geral e científica não as salvou da morte voluntária.
Alguns autores norte-americanos atuais empenham-se vivamente em demonstrar que Deus não existe. A argumentação dele é irresistível, sob o prisma lógico. De fato, como eles dizem, as religiões não são propriamente “escolhidas” por seus adeptos. Recebem-nas dos pais. Não é mera coincidência que nos países cristãos as crianças se tornem adultos cristãos, o mesmo ocorrendo entre judeus e muçulmanos. Outro argumento forte dos ateus está na crítica àquele que diz ter sido “salvo por milagre”, em um desastre que matou dezenas ou centenas. Tais críticos ponderam que um Deus justo não teria motivo algum para tanto favoritismo e até mesmo impediria o desastre. Esses mesmos autores argumentam ainda que se houvesse um Deus justo — e um deus injusto já seria a negação da idéia — não existiriam tantas doenças e organismo maléficos. Perguntam: qual o benefício, para o homem — sua obra-prima — das verminoses, lepra, tuberculose, parasitas, debilidade mental, aleijões, loucura e taras em geral?
Digo tudo isso apenas como crítica ao “tom” algo agressivo da pregação atéia. Aos “modos” da doutrinação. Não deve haver pressa em convencer milhões de pessoas de que elas rezam apenas para os próprios ouvidos. Eu não me sentiria moralmente bem se fosse capaz de convencer — um idoso principalmente —, de que ele não pode esperar nada após a morte. Que ele mude opinião, quando e se quiser. Mesmo porque a orgulhosa Ciência não pode se gabar de estar carregando apenas certezas. Fenômenos corriqueiros ainda não têm explicação: por exemplo, por que os corpos se atraem, em vez de se repelirem? O que ainda desconhecemos é mil vezes maior que o conhecido. Só o futuro dirá. Dez anos atrás alguém falava em “matéria escura” no universo?
Com alguma freqüência, opiniões científicas dadas como incontestáveis, ou alvissareiras, são substituídas por outras de sentido oposto. A hipótese do “Big Bang” ainda não me parece convincente. Quem sabe, os cosmólogos logo nos dirão que talvez não tenha havido “explosão inicial” alguma; que o universo apenas “arfa”, como um pulmão cansado, os astros se afastando e se aproximando. Não obstante, o tatear na busca da verdade deve ser estimulado, sem interferências políticas nem religiosas porque quanto mais o homem conhecer o ambiente em que vive — inclusive ele mesmo, artista principal na tragicomédia —, melhor dominará os obstáculos que o limitam e atormentam. Se, em alguns momentos, a senhora ciência defrontar-se com a senhora fé na mesma calçada estreita, será a fé que deve ceder a passagem, não o contrário. Esse gesto da fé, embora doutrinariamente doloroso, certamente trará proveito à condição humana. Permitirá um aperfeiçoamento da própria religião, na parte que ela tem de melhor: sua aceitação da verdade. Todo corpo vivo — e as religiões também são “vivas”, em certo sentido — precisa evoluir, para não perecer. Lamento dizer, certa ou erradamente, que o declínio de algumas religiões na captação de novos adeptos deve-se à equivocada “sabedoria” da rigidez doutrinária. Se o universo inteiro está em constante mutação, porque só as religiões seriam as únicas exceções nesse sentido?.
Quase finalizando, arrisco dizer, como simples “filósofo amador”, que nas próximas décadas a ciência investigará intensamente a “inteligência” inata, espontânea, “embutida” em todos os seres vivos; tenham eles, ou não, um cérebro. Essa inteligência “difusa” — provavelmente não outorgada por qualquer poder sobrenatural, vez que completamente amoral — explica a perfeição anatômica e funcional de toda a vida, inclusive do vírus da AIDS, bactérias patogênicas, escorpiões, aranhas venenosas, cobras idem, morcegos hematófagos, mamíferos em geral e até mesmo plantas venenosas. As plantas, sem cérebro, sabem o que lhes convém quando se inclinam buscando um raio de sol que passa perto. Biólogos dizem que as plantas choram quando cortadas. A meu ver, aparentemente, essa inteligência não se origina de um deus, é simples conseqüência da crescente complexidade de todo ser vivo, campo promissor para os cientistas da Biologia. Mas se alguém disser que essa inteligência difusa é o próprio Deus, nada a opor de minha parte. Questão de nomenclatura.
Compreendo que as religiões — assim como as ciências, política e tudo o mais —, se manipuladas por cérebros exaltados , podem sofrer enormes escorregões e tombos, como foi o caso do pastor americano que pretendia queimar 200 cópias do Alcorão no dia 11 de setembro. Felizmente, desistiu a tempo, pressionado pelo governo americano. Escorregou mas acabou não caindo. O incidente lembra uma narrativa engraçada, ficcional, que aqui reproduzo para abrandar eventual agitação de espírito de algum leitor extremamente sensível aos debates sobre religião.
Um religioso, exaltado mas com pouco juízo — algo raro no mundo real —, fazia uma pregação em que dizia que tudo que existe na face da terra é perfeito, porque o Criador não transigiria com qualquer imperfeição na sua própria obra. Nesse momento, uma voz, no fundo da sala, protestou com um ronco indignado. Era um corcunda que, agressivo, ficou de pé, posicionou-se meio de lado e perguntou ao pregador: — “Tem certeza? O que o senhor acha dessa minha corcova?”
O orador não titubeou: — “Do que está reclamando? Parabéns! Nunca vi corcunda mais perfeita que a sua!”
Voltando ao sério, resumo o artigo nas seguintes palavras: que cada um faça o que lhe traz mais satisfação interior. Creia ou não creia. Tolere crenças contrárias. Quem sabe você pensaria igual se estivesse no lugar da outra pessoa, com passado e carga genética diferentes da sua. E, se você for ateu cultíssimo, não fique aborrecido com as supostas “ilusões’ dos crentes. Ilusões também são úteis, se não agressivas. Todas as artes não passam de ilusões e ninguém jamais pensou em elimina-las só porque não passam de “fantasias”. Estas também têm seus direitos, se beneficiam os homens de alguma forma. Defenda apenas o direito da Ciência prosseguir na busca da esquiva verdade, apesar de, por vezes, ela também tropeçar.
(10-9-2010)
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Não obstante o risco, como negar a imensa influência das concepções religiosas na vida dos povos? Quantos milhões já morreram e ainda morrerão — talvez nuclearmente incinerados —, não por causas naturais mas como conseqüência, próxima ou remota , de filosofias ou proselitismos oriundos de textos dados como sagrados? No até agora insolúvel conflito árabe-judeu, na Palestina, há um bocado de subentendido religioso na impasse. Uma das partes, ou ambas — as objeções deslocam-se como areias do deserto, assopradas por políticos — acham que a santidade de Jerusalém não pode ser fatiada e a humanidade ainda não avançou o suficiente para impor uma decisão “de fora”, oriunda de uma corte de justiça internacional, como seria lógico e natural quando as partes não conseguem chegar a um acordo.
Há milênios, nuvens mentais carregadas de eletricidade pairam sobre cabeças humanas magnetizadas por convicções religiosas, supostamente lógicas e morais, sugerindo que os “inimigos de nossa fé, por estarem absurdamente ‘errados’, devem ser excluídos do rol dos vivos”. Haveria, nessa eliminação, apenas “profilaxia moral”. Para tais obcecados, seria pecado, crime e covardia transigir com o “erro” e sua conseqüente “maldade”.
De início, afasto da arena deste texto sobre paixões dominadoras o futebol, esporte que, para minha perplexidade, é capaz de levar cidadãos — equilibrados em tudo o mais — às lágrimas, ao enfarte, ao êxtase da vitória, ao vandalismo incendiário, às fraturas de crânio e ao homicídio. Tudo isso, espantosamente, quando o time do efusivo torcedor perde, ganha ou até mesmo empata; na alegria ou na tristeza, tanto faz. O guloso “demônio”, disfarçado em bola, não escolhe situações. Quer apenas gargalhar loucamente, olhar desvairado, utilizando porretadas e coices humanos, de preferência entre carros em chamas, seu habitat natural. Um comprovante a mais de que o homem dito civilizado não conseguiu se libertar de seus instintos mais ancestrais, entre eles o desejo de ser admirado pela violência.
Quanto às religiões, sempre impregnadas de fortes emoções — embora de outra natureza, voltadas, em tese, para o bem — existem as mais e as menos serenas. As mais e as menos preocupadas com o retorno financeiro da pregação. Preocupação fundamentada — às vezes exageradamente — na necessidade prática de dinheiro para a difusão de crenças que resolverão todos os problemas de seus seguidores: de saúde, de dinheiro e até mesmo de amor.
Deixando de lado esporádicos abusos individuais de difusores da fé — a grande massa de adeptos é sincera e bem intencionada —, fato inegável é que o homem, há milênios, sente a necessidade de um protetor infinitamente inteligente, ubíquo, poderoso, bondoso, compreensivo, justo e instantaneamente acessível — via oração —, sem os conhecidos intermediários burocráticos que atormentam os cidadãos que pedem algo a alguém, governo ou pessoa jurídica. Quem tem fé conversa diretamente com seu deus, sem risco de grampos e cobranças de lição de casa.
Sob esse ângulo, de amparo espiritual, a fé é insubstituível, independentemente de sua correspondência fiel com a realidade científica. Auto-ajuda que nos conforta e fornece algo valiosíssimo: a esperança. Como tirar — pergunta-se —, impiedosamente, das mãos do náufrago desesperado a única taboa que o impede de se afogar na própria angústia? Dizer ao pai da criança cancerosa, ao profissional maduro e desempregado, ou à velhinha, com início de Alzheimer, que é melhor deixarem de ilusões e encarar a dura realidade: a morte da criança, o desemprego permanente e a loucura da velha? Além do mais, não esquecer que em toda religião, digna desse nome, está impresso um código moral que é ou já foi útil à humanidade.
Dizia Rui Barbosa que o código penal cuida dos crimes públicos e a religião se encarrega dos crimes privados. Presumo que, em média, o mafioso italiano — com algum resquício de cristianismo incutido na alma quando criança — é menos perverso que o gangster russo, ou o membro da Yakuza japonesa, criados desde o berço na visão estritamente materialista. O mafioso baleado, sentindo fugir o sangue e a vida, provavelmente temerá um julgamento final. Talvez até reze. O criminoso profissional russo e o japonês, convictos de que nada mais são que carne organizada, apenas lamentarão não continuarem vivos.
Pessoas sinceramente religiosas, desde que pacíficas e tolerantes— não o sendo serão mais soldados, guerrilheiros ou terroristas — não deveriam, jamais, serem atacadas ou menosprezadas intelectualmente por serem tais, mesmo quando sua fé se apresenta com fundamentos ingênuos. Isso porque um crente autêntico, mesmo analfabeto, revela — só por acreditar em Deus —, algo moralmente precioso: o espírito de justiça. — “Como é possível”, pergunta-se o crente autêntico, “não haver um Deus quando se constata que algumas pessoas, más e astutas, passam pela vida só gozando e abusando, enquanto milhões de outros apenas sofrem, carregando as cruzes da pobreza,ignorância, doença, azares e injustiças de toda ordem? Seria injusto, ‘ilógico’, não haver um julgamento final, com castigo ou recompensa, conforme o passado de cada um”. Revolta-o a mera possibilidade de que bons e maus tenham igual fim apavorante: o nada!
Frente a argumentos desse tipo os agnósticos respondem que lógica, ciência e dura realidade nada têm a ver com aspirações de justiça. De acordo, tecnicamente. Fatos são fatos, mas a compaixão — elefantes foram filmados fazendo esforços inúteis e desesperados para libertar uma elefanta com a perna presa acidentalmente em um pneu amarrado — é uma qualidade imensamente útil à preservação e conforto espiritual da raça humana. Como já lembrou alguém, um faminto não precisa conhecer o fenômeno científico da digestão para satisfazer sua fome. Ao homem comum interessa muito mais a felicidade — sua e de sua família —, que o conhecimento profundo da ciência, acessível a uma microscópica minoria. Diz a BBC de Londres, segundo um jornal de ontem — “Estadão”, pág. A17 — que em 2009, no Japão, 32.000 pessoas se suicidaram. E o nível cultural japonês é dos mais elevados. Se não há engano na cifra, convenhamos que é gente demais torturada pela falta de perspectiva. A maior cultura geral e científica não as salvou da morte voluntária.
Alguns autores norte-americanos atuais empenham-se vivamente em demonstrar que Deus não existe. A argumentação dele é irresistível, sob o prisma lógico. De fato, como eles dizem, as religiões não são propriamente “escolhidas” por seus adeptos. Recebem-nas dos pais. Não é mera coincidência que nos países cristãos as crianças se tornem adultos cristãos, o mesmo ocorrendo entre judeus e muçulmanos. Outro argumento forte dos ateus está na crítica àquele que diz ter sido “salvo por milagre”, em um desastre que matou dezenas ou centenas. Tais críticos ponderam que um Deus justo não teria motivo algum para tanto favoritismo e até mesmo impediria o desastre. Esses mesmos autores argumentam ainda que se houvesse um Deus justo — e um deus injusto já seria a negação da idéia — não existiriam tantas doenças e organismo maléficos. Perguntam: qual o benefício, para o homem — sua obra-prima — das verminoses, lepra, tuberculose, parasitas, debilidade mental, aleijões, loucura e taras em geral?
Digo tudo isso apenas como crítica ao “tom” algo agressivo da pregação atéia. Aos “modos” da doutrinação. Não deve haver pressa em convencer milhões de pessoas de que elas rezam apenas para os próprios ouvidos. Eu não me sentiria moralmente bem se fosse capaz de convencer — um idoso principalmente —, de que ele não pode esperar nada após a morte. Que ele mude opinião, quando e se quiser. Mesmo porque a orgulhosa Ciência não pode se gabar de estar carregando apenas certezas. Fenômenos corriqueiros ainda não têm explicação: por exemplo, por que os corpos se atraem, em vez de se repelirem? O que ainda desconhecemos é mil vezes maior que o conhecido. Só o futuro dirá. Dez anos atrás alguém falava em “matéria escura” no universo?
Com alguma freqüência, opiniões científicas dadas como incontestáveis, ou alvissareiras, são substituídas por outras de sentido oposto. A hipótese do “Big Bang” ainda não me parece convincente. Quem sabe, os cosmólogos logo nos dirão que talvez não tenha havido “explosão inicial” alguma; que o universo apenas “arfa”, como um pulmão cansado, os astros se afastando e se aproximando. Não obstante, o tatear na busca da verdade deve ser estimulado, sem interferências políticas nem religiosas porque quanto mais o homem conhecer o ambiente em que vive — inclusive ele mesmo, artista principal na tragicomédia —, melhor dominará os obstáculos que o limitam e atormentam. Se, em alguns momentos, a senhora ciência defrontar-se com a senhora fé na mesma calçada estreita, será a fé que deve ceder a passagem, não o contrário. Esse gesto da fé, embora doutrinariamente doloroso, certamente trará proveito à condição humana. Permitirá um aperfeiçoamento da própria religião, na parte que ela tem de melhor: sua aceitação da verdade. Todo corpo vivo — e as religiões também são “vivas”, em certo sentido — precisa evoluir, para não perecer. Lamento dizer, certa ou erradamente, que o declínio de algumas religiões na captação de novos adeptos deve-se à equivocada “sabedoria” da rigidez doutrinária. Se o universo inteiro está em constante mutação, porque só as religiões seriam as únicas exceções nesse sentido?.
Quase finalizando, arrisco dizer, como simples “filósofo amador”, que nas próximas décadas a ciência investigará intensamente a “inteligência” inata, espontânea, “embutida” em todos os seres vivos; tenham eles, ou não, um cérebro. Essa inteligência “difusa” — provavelmente não outorgada por qualquer poder sobrenatural, vez que completamente amoral — explica a perfeição anatômica e funcional de toda a vida, inclusive do vírus da AIDS, bactérias patogênicas, escorpiões, aranhas venenosas, cobras idem, morcegos hematófagos, mamíferos em geral e até mesmo plantas venenosas. As plantas, sem cérebro, sabem o que lhes convém quando se inclinam buscando um raio de sol que passa perto. Biólogos dizem que as plantas choram quando cortadas. A meu ver, aparentemente, essa inteligência não se origina de um deus, é simples conseqüência da crescente complexidade de todo ser vivo, campo promissor para os cientistas da Biologia. Mas se alguém disser que essa inteligência difusa é o próprio Deus, nada a opor de minha parte. Questão de nomenclatura.
Compreendo que as religiões — assim como as ciências, política e tudo o mais —, se manipuladas por cérebros exaltados , podem sofrer enormes escorregões e tombos, como foi o caso do pastor americano que pretendia queimar 200 cópias do Alcorão no dia 11 de setembro. Felizmente, desistiu a tempo, pressionado pelo governo americano. Escorregou mas acabou não caindo. O incidente lembra uma narrativa engraçada, ficcional, que aqui reproduzo para abrandar eventual agitação de espírito de algum leitor extremamente sensível aos debates sobre religião.
Um religioso, exaltado mas com pouco juízo — algo raro no mundo real —, fazia uma pregação em que dizia que tudo que existe na face da terra é perfeito, porque o Criador não transigiria com qualquer imperfeição na sua própria obra. Nesse momento, uma voz, no fundo da sala, protestou com um ronco indignado. Era um corcunda que, agressivo, ficou de pé, posicionou-se meio de lado e perguntou ao pregador: — “Tem certeza? O que o senhor acha dessa minha corcova?”
O orador não titubeou: — “Do que está reclamando? Parabéns! Nunca vi corcunda mais perfeita que a sua!”
Voltando ao sério, resumo o artigo nas seguintes palavras: que cada um faça o que lhe traz mais satisfação interior. Creia ou não creia. Tolere crenças contrárias. Quem sabe você pensaria igual se estivesse no lugar da outra pessoa, com passado e carga genética diferentes da sua. E, se você for ateu cultíssimo, não fique aborrecido com as supostas “ilusões’ dos crentes. Ilusões também são úteis, se não agressivas. Todas as artes não passam de ilusões e ninguém jamais pensou em elimina-las só porque não passam de “fantasias”. Estas também têm seus direitos, se beneficiam os homens de alguma forma. Defenda apenas o direito da Ciência prosseguir na busca da esquiva verdade, apesar de, por vezes, ela também tropeçar.
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quarta-feira, 18 de agosto de 2010
O problemático “bônus” da poligamia
Quando, poucos anos atrás, decidi escrever artigos, com freqüência, na internet — atento às inegáveis vantagens da rápida difusão das idéias — mesmo com eventual lixo, próprio ou alheio (estamos empatados) — minha motivação principal era livrar-me da subserviência aos humores, marketings e demoras das editoras na avaliação de originais. Para despertar alguma curiosidade no assediado leitor sempre mencionava, como uma espécie de “currículo”, minha condição de desembargador aposentado. Uma discreta vitrine promocional, não censurável porque o que não é difundido simplesmente não existe. As próprias galinhas sabem, na cultura delas, que não basta botar o ovo, é necessário cacarejar.
Algumas décadas atrás o título de desembargador, então pouco generalizado, conferia a seu titular considerável aura de ponderação, cultura e honorabilidade. Aura que hoje não emite luz com igual intensidade. Certamente por causa de uma mistura de variados fatores: jornais investigativos tornaram-se agências privadas de inteligência, com sofisticada tecnologia de espionagem, descobrindo eventuais fraquezas antes não comprováveis; aumento extraordinário do número de magistrados com a denominação de “desembargador” (o prestígio de qualquer cargo é diretamente proporcional à sua raridade); o acesso ao serviço da justiça era muito menor, por parte da população e a legislação, menos complicada, possibilitava menor demora no julgamento dos processos. Juízes minuciosos no julgar sabem que não mais dispõem de tanto espaço em um mundo que valoriza a quantidade, a estatística, o “mérito” do “vapt-vupt” sentenciante.
Finalmente, não esquecer que, por honradez espontânea ou, na pior das hipóteses, por cálculo de vantagem profissional, os magistrados eram, em média, muito mais preocupados do que hoje em transmitir uma imagem — verdadeira — de honorabilidade e imparcialidade, benéfica à instituição, ao país e a eles mesmos, como profissionais. Juízes eram mais reservados, menos “arroz de festa”, o que lhes poupava suspeitas imprevisíveis de favorecer tal ou qual figurão submetido a um processo. Amizades e favores, mesmo inocentes, escravizam e possibilitam desconfianças de favorecimento. Na dúvida sobre reputações não funciona o “in dúbio pro reo”, velha máxima na área penal. A culpa, hoje, é sempre presumida. Quantos magistrados, não lamentam ter comparecido a alguma festa, sendo fotografado ao lado de pessoa depois alvo da mídia? Sobre a pletora de desembargadores e outros títulos honoríficos, um advogado que freqüenta Brasília me dizia que se alguém, no saguão de qualquer edifício, disser, em voz alta, “Ministro!”, metade dos presentes se volta, pensando que é com ele.
Por que menciono, na internet, minha condição de desembargador aposentado? Porque é o único “título” que poderia ostentar. Dizer o que? “Leitor compulsivo”? Não teria serventia. “Professor”? Impossível, porque é uma profissão que exige vocação para exposições didáticas, sem desvios, virtude que não tenho, como já constatou o leitor. Eu divagaria o tempo todo, na sala de aula. A rapaziada acharia tudo muito engraçado mas a reprovação os aguardariam nos Exames de Ordem. “Escritor” também já pouco representa — segundo a Câmara Brasileira de Livros, em 2009 foram publicados no Brasil 52.509 títulos. A fauna intelectual cresceu demais, vítima do conselho anti-ecológico de que todo homem deve ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. O que adianta plantar uma árvore para cortá-la depois, transformando-a em papel?
A qualificação de “desembargador”, mesmo aposentado, tem, porém, o seu lado negativo. Predispõe à auto-censura quando o assunto é, por si mesmo, indiscreto, e as conclusões do redator mais indiscretas ainda. Pensamentos na contramão do enfoque dominante “não combinam” com a função de julgador, mesmo quando este não mais exerce a profissão. Se o politicamente incorreto já trava o escritor ou jornalista “respeitado”, o que não se dirá de um magistrado ou ex-magistrado? Por outro lado, a intenção de pesquisar a “realidade feia”, deve, em tese, valer infinitamente mais que a preocupação com uma pomposa “seriedade”. É escorado nessa justificativa que escrevo o que se segue.
Entre todas as principais religiões existentes no planeta, o islamismo é a que mais cresce, segundo as estatísticas. Primeiro, porque os muçulmanos têm mais filhos que os praticantes de outras religiões, e filhos usualmente seguem a religião dos pais. Segundo, porque o Islamismo cultiva e exige, pra valer, até fanaticamente, um sentido de decência e pudor feminino — burca e vestes que cobram o rosto por inteiro — que, não obstante o evidente exagero e inconveniência — um terrorista pode estar no lugar de uma mulher — representa uma reação contra o calejado visual de bordel de segunda classe, presente, a qualquer hora do dia, na televisão e no cinema, no mundo ocidental. Avós e pais cristãos — ou mesmo ateus, quando não insensibilizados —, chocam-se, frequentemente, deparando-se com cenas de sexo explícito, ou quase isso, mal ligam a televisão e na sala há crianças, adolescentes ou pessoas idosas, habituadas a ver gente vestida. Nádegas, seios e diálogos explícitos relacionados com sexo oral e anal enchem as telas, como se todos os espectadores estivessem habituados a viver em tais ambientes.
Ocorre que a maior parte do auditório não vive assim. Até homens casados, de comportamento não exemplar, escolhem o ambiente em que dão vazão aos seus instintos sexuais normais. Geralmente, entre quatro paredes e sem filmagem. Mesmo moral e juridicamente cientes de que estão errados, preferem mais uma amante com algum pudor do que uma avacalhada companheira de ato, um animal de saia, ou melhor, sem saia. Mocinhas de boa família e até de bom comportamento, em outros aspectos, sentem-se na obrigação de mostrar, tanto quanto possível, seus atrativos sexuais. Não querem ser “caretas”, extrema humilhação. Por isso, usam calças compridas praticamente costuradas no corpo, com a finalidade de provocar desejos. Uma mera espiada, desencadeando um “raio” no cérebro masculino pode, quem sabe, valer mais, financeiramente, para uma mulher, que centenas de horas de estudo e peleja em um mercado de trabalho duramente concorrido. Assistindo entrevistas, escutam seus ídolos, artistas famosas, confessar, com a maior desenvoltura, que é preciso dar certas coisas para subir vida.
Queiramos ou não, o pudor é um “mistério” cerebral, presente na sensibilidade da maioria de homens e mulheres do planeta. Afastado o atual exagero muçulmano da mulher mostrar apenas os olhos — às vezes nem isso — a prática do pudor, quando na dosagem certa, beneficiará o Islã em termos de proselitismo. Parecerá mais “decente”, na prática, que outras religiões. Mesmo não sendo antropólogo, creio que o pudor não é apenas de um hábito cultural, adquirido, porque mesmo índios em regiões afastadas da civilização não costumam praticar o sexo em plena “praça pública”. E a televisão é uma praça pública virtual. De qualquer forma, a discrição na prática do sexo e o pudor das mulheres no exibir as “partes” é algo que se incorporou definitivamente à civilização, tal como a concebemos e assim continuaremos talvez por longo período. A chamada civilização cristã, não obstante o esforço de seus sacerdotes, não conseguiu que aquelas “cristãs de recenseamento”, seguissem um padrão menos apelativo de estímulo da libido masculina.
Em suma, quem, sentindo “um vazio” na alma, a sensação de lhe falta algo indefinível está propenso a mudar de religião, verá com melhores olhos a religião que exige, efetivamente, compostura de seus seguidores, principalmente das mulheres. E o islamismo se enquadra nessa exigência. Principalmente se vier a podar os conhecidos excessos: apedrejamento de adúlteras, açoite em praça pública, forca de homossexuais e outras práticas primitivas que provocam repulsa nos não-islâmicos e talvez em boa parte deles, embora não se atrevam a externar publicamente a repulsa, temendo represálias de governos teocráticos.
Finalmente, expliquemos o “bônus” islâmico da poligamia, referido no título deste artigo.
Nenhum biólogo sério negará que o homem — muito mais mamífero do que anjo — é polígamo por inclinação natural. Uma estatística, pré-AIDS, na Itália, dizia que cerca de oitenta por cento dos homens casados já tinham tido um ou mais “casos” fora do matrimônio. No Brasil, desconheço estatística a respeito e qualquer delas seria inconfiável porque poucos se atrevem de revelar suas fraquezas a estranhos. Somente padres, ouvindo confissões, poderiam talvez informar melhor, mas isso lhes é vedado. O inegável é que qualquer leitor sabe de inúmeras “fofocas” ou “fatos comprovados” entre parentes e conhecidos que redundam em separações e divórcios, amigáveis ou conflituosos, com pagamentos de pensão, disputa pela aguarda de filhos e demais traumas que atormentam homens, mulheres e filhos na civilização ocidental. Políticos, em particular, são alvos especialmente investigados por adversários — nem todos santos... — que tudo fazem para descobrir algum “podre” conjugal que possa significar mudança de voto nas eleições.
De todas as religiões monoteístas, o islamismo é a única que oferece uma solução “prática”, vantajosa (para o homem), quanto ao problema da paradisíaca conciliação de uma “vida privada incensurável” — embora com mais de uma mulher —com o exercício de qualquer cargo público, por mais respeitável que seja: a poligamia legalizada, como ocorre no mundo muçulmano. Esse o “bônus” referido no título deste ensaio. Muitos políticos ocidentais casados, com algum deslize já ocorrido, atual ou futuro, bem que gostariam de se livrar do medo de ser descoberto pela mídia, desde que “tratando igualmente bem todas as esposas”, exigência do Islã.
Os mórmons, nos EUA, praticavam aberta e unanimemente a poligamia invocando sua aceitação no Velho Testamento — Jacó, Abraão, Davi, Salomão, etc. — até que uma lei federal, de 1890 proibiu essa prática. Joseph Smith Júnior, o fundador da seita ( ou religião) teve mais de trinta mulheres, mas acabou sendo linchado, em junho de 1844, com um irmão e companheiros, por uma turba, quando estava preso e a cadeia foi invadida. Resta saber se os linchadores estavam verdadeiramente impregnados de santa indignação religiosa ou com inconsciente inveja “desses safados!”.
Oficialmente, a poligamia está abolida entre os mórmons, mas há quem diga que grupos dissidentes continuam a prática, de forma disfarçada. O dono da casa apenas fornece abrigo e alimentação desinteressada às inúmeras “parentes distantes” que, em troca, ajudam a criar as crianças e cuidam da casa.
Se a proibição legal da poligamia fosse levantada, qual a opinião do leitor sobre o crescimento ou diminuição de adeptos dessa religião? E qual a opinião da mulher ocidental — quando bem casada — a respeito da poligamia masculina? Rejeição violenta. “Os direitos não são iguais?”. No entanto, mulheres solteiras ou separadas, mas com poucas esperanças, talvez tivessem opinião mais tolerante. Terminada a II Guerra Mundial havia, na Alemanha, mais de sete milhões de mulheres condenadas à solidão irremediável. Os homens na faixa entre dezoito e cinqüenta anos haviam morrido na grande carnificina. Conseqüência: mulheres nas calçadas, forçadas à ganhar a vida na prostituição. O que fez o governo para tirar essas mulheres das ruas? Fechou os olhos à prática da bigamia informal, mal menor que a prostituição.
Hoje, porém, há um certo equilíbrio entre o número de homens e mulheres, o que não justifica mais, estatisticamente, o retorno da poligamia. A não ser, talvez, em casos excepcionais — em que década futura esse assunto será levantado por um legislador suicida? — quando a velha esposa, que não gostaria de viver sozinha, percebe que seu antigo casamento acabou, “biologicamente”. Nesses casos, a senhora preferiria não ver seu bom companheiro — virtuoso e dedicado em tudo o mais —, agir como um rato, acovardado e inquieto, mentindo constantemente para esconder algo que ela já sabe, há muito, mas prefere não demonstrar, só para não magoar. Não por fraqueza de caráter, mas por um tipo raro, ou estranho, de solidariedade humana. “Homens...É o jeito dele ser feliz... O fogo vai passar...Sei que já me amou muito; e ainda ama, de outro modo...”
Há, também, um outro argumento contra a poligamia, quando equilibrado o número de homens e mulheres: se metade dos homens ficar com duas esposas, a outra metade ficará sem esposa alguma, o que afronta a democracia e a igualdade de direitos. Com aumento da violência e estímulo indireto à homossexualidade por mera necessidade física.
Suponho que a espécie humana encontrará uma saída sábia para o problema de conciliação entre os espontâneos instintos naturais e os severos códigos morais. Elogiáveis pela intenção mas sujeitos a contínuas violações e conseqüentes tormentos; justamente porque as regras não coincidem com as necessidades naturais do ser humano. Mas, para isso, as religiões terão de fazer adaptações, ou fusões, hoje impensáveis.
Para encerrar, de forma bem-humorada, dissertação de tema tão difícil e desagradável, cabe aqui uma anedota: em uma aldeia da Polinésia, no Pacífico Sul, algumas décadas atrás, o pastor inglês, após doutrinar a tribo, convoca seu chefe e lhe diz que, doravante, como cristão, só poderá ter uma esposa. Ordena ao trêmulo líder que ele deve ir direto pra casa, reunir as cinco mulheres, escolher apenas uma delas e mandar embora as outras quatro. O chefe abana a cabeça e retruca: “Não! Eu ficar aqui! O senhor vai lá e diz isso pra elas!”
(17-8-2010)
Algumas décadas atrás o título de desembargador, então pouco generalizado, conferia a seu titular considerável aura de ponderação, cultura e honorabilidade. Aura que hoje não emite luz com igual intensidade. Certamente por causa de uma mistura de variados fatores: jornais investigativos tornaram-se agências privadas de inteligência, com sofisticada tecnologia de espionagem, descobrindo eventuais fraquezas antes não comprováveis; aumento extraordinário do número de magistrados com a denominação de “desembargador” (o prestígio de qualquer cargo é diretamente proporcional à sua raridade); o acesso ao serviço da justiça era muito menor, por parte da população e a legislação, menos complicada, possibilitava menor demora no julgamento dos processos. Juízes minuciosos no julgar sabem que não mais dispõem de tanto espaço em um mundo que valoriza a quantidade, a estatística, o “mérito” do “vapt-vupt” sentenciante.
Finalmente, não esquecer que, por honradez espontânea ou, na pior das hipóteses, por cálculo de vantagem profissional, os magistrados eram, em média, muito mais preocupados do que hoje em transmitir uma imagem — verdadeira — de honorabilidade e imparcialidade, benéfica à instituição, ao país e a eles mesmos, como profissionais. Juízes eram mais reservados, menos “arroz de festa”, o que lhes poupava suspeitas imprevisíveis de favorecer tal ou qual figurão submetido a um processo. Amizades e favores, mesmo inocentes, escravizam e possibilitam desconfianças de favorecimento. Na dúvida sobre reputações não funciona o “in dúbio pro reo”, velha máxima na área penal. A culpa, hoje, é sempre presumida. Quantos magistrados, não lamentam ter comparecido a alguma festa, sendo fotografado ao lado de pessoa depois alvo da mídia? Sobre a pletora de desembargadores e outros títulos honoríficos, um advogado que freqüenta Brasília me dizia que se alguém, no saguão de qualquer edifício, disser, em voz alta, “Ministro!”, metade dos presentes se volta, pensando que é com ele.
Por que menciono, na internet, minha condição de desembargador aposentado? Porque é o único “título” que poderia ostentar. Dizer o que? “Leitor compulsivo”? Não teria serventia. “Professor”? Impossível, porque é uma profissão que exige vocação para exposições didáticas, sem desvios, virtude que não tenho, como já constatou o leitor. Eu divagaria o tempo todo, na sala de aula. A rapaziada acharia tudo muito engraçado mas a reprovação os aguardariam nos Exames de Ordem. “Escritor” também já pouco representa — segundo a Câmara Brasileira de Livros, em 2009 foram publicados no Brasil 52.509 títulos. A fauna intelectual cresceu demais, vítima do conselho anti-ecológico de que todo homem deve ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. O que adianta plantar uma árvore para cortá-la depois, transformando-a em papel?
A qualificação de “desembargador”, mesmo aposentado, tem, porém, o seu lado negativo. Predispõe à auto-censura quando o assunto é, por si mesmo, indiscreto, e as conclusões do redator mais indiscretas ainda. Pensamentos na contramão do enfoque dominante “não combinam” com a função de julgador, mesmo quando este não mais exerce a profissão. Se o politicamente incorreto já trava o escritor ou jornalista “respeitado”, o que não se dirá de um magistrado ou ex-magistrado? Por outro lado, a intenção de pesquisar a “realidade feia”, deve, em tese, valer infinitamente mais que a preocupação com uma pomposa “seriedade”. É escorado nessa justificativa que escrevo o que se segue.
Entre todas as principais religiões existentes no planeta, o islamismo é a que mais cresce, segundo as estatísticas. Primeiro, porque os muçulmanos têm mais filhos que os praticantes de outras religiões, e filhos usualmente seguem a religião dos pais. Segundo, porque o Islamismo cultiva e exige, pra valer, até fanaticamente, um sentido de decência e pudor feminino — burca e vestes que cobram o rosto por inteiro — que, não obstante o evidente exagero e inconveniência — um terrorista pode estar no lugar de uma mulher — representa uma reação contra o calejado visual de bordel de segunda classe, presente, a qualquer hora do dia, na televisão e no cinema, no mundo ocidental. Avós e pais cristãos — ou mesmo ateus, quando não insensibilizados —, chocam-se, frequentemente, deparando-se com cenas de sexo explícito, ou quase isso, mal ligam a televisão e na sala há crianças, adolescentes ou pessoas idosas, habituadas a ver gente vestida. Nádegas, seios e diálogos explícitos relacionados com sexo oral e anal enchem as telas, como se todos os espectadores estivessem habituados a viver em tais ambientes.
Ocorre que a maior parte do auditório não vive assim. Até homens casados, de comportamento não exemplar, escolhem o ambiente em que dão vazão aos seus instintos sexuais normais. Geralmente, entre quatro paredes e sem filmagem. Mesmo moral e juridicamente cientes de que estão errados, preferem mais uma amante com algum pudor do que uma avacalhada companheira de ato, um animal de saia, ou melhor, sem saia. Mocinhas de boa família e até de bom comportamento, em outros aspectos, sentem-se na obrigação de mostrar, tanto quanto possível, seus atrativos sexuais. Não querem ser “caretas”, extrema humilhação. Por isso, usam calças compridas praticamente costuradas no corpo, com a finalidade de provocar desejos. Uma mera espiada, desencadeando um “raio” no cérebro masculino pode, quem sabe, valer mais, financeiramente, para uma mulher, que centenas de horas de estudo e peleja em um mercado de trabalho duramente concorrido. Assistindo entrevistas, escutam seus ídolos, artistas famosas, confessar, com a maior desenvoltura, que é preciso dar certas coisas para subir vida.
Queiramos ou não, o pudor é um “mistério” cerebral, presente na sensibilidade da maioria de homens e mulheres do planeta. Afastado o atual exagero muçulmano da mulher mostrar apenas os olhos — às vezes nem isso — a prática do pudor, quando na dosagem certa, beneficiará o Islã em termos de proselitismo. Parecerá mais “decente”, na prática, que outras religiões. Mesmo não sendo antropólogo, creio que o pudor não é apenas de um hábito cultural, adquirido, porque mesmo índios em regiões afastadas da civilização não costumam praticar o sexo em plena “praça pública”. E a televisão é uma praça pública virtual. De qualquer forma, a discrição na prática do sexo e o pudor das mulheres no exibir as “partes” é algo que se incorporou definitivamente à civilização, tal como a concebemos e assim continuaremos talvez por longo período. A chamada civilização cristã, não obstante o esforço de seus sacerdotes, não conseguiu que aquelas “cristãs de recenseamento”, seguissem um padrão menos apelativo de estímulo da libido masculina.
Em suma, quem, sentindo “um vazio” na alma, a sensação de lhe falta algo indefinível está propenso a mudar de religião, verá com melhores olhos a religião que exige, efetivamente, compostura de seus seguidores, principalmente das mulheres. E o islamismo se enquadra nessa exigência. Principalmente se vier a podar os conhecidos excessos: apedrejamento de adúlteras, açoite em praça pública, forca de homossexuais e outras práticas primitivas que provocam repulsa nos não-islâmicos e talvez em boa parte deles, embora não se atrevam a externar publicamente a repulsa, temendo represálias de governos teocráticos.
Finalmente, expliquemos o “bônus” islâmico da poligamia, referido no título deste artigo.
Nenhum biólogo sério negará que o homem — muito mais mamífero do que anjo — é polígamo por inclinação natural. Uma estatística, pré-AIDS, na Itália, dizia que cerca de oitenta por cento dos homens casados já tinham tido um ou mais “casos” fora do matrimônio. No Brasil, desconheço estatística a respeito e qualquer delas seria inconfiável porque poucos se atrevem de revelar suas fraquezas a estranhos. Somente padres, ouvindo confissões, poderiam talvez informar melhor, mas isso lhes é vedado. O inegável é que qualquer leitor sabe de inúmeras “fofocas” ou “fatos comprovados” entre parentes e conhecidos que redundam em separações e divórcios, amigáveis ou conflituosos, com pagamentos de pensão, disputa pela aguarda de filhos e demais traumas que atormentam homens, mulheres e filhos na civilização ocidental. Políticos, em particular, são alvos especialmente investigados por adversários — nem todos santos... — que tudo fazem para descobrir algum “podre” conjugal que possa significar mudança de voto nas eleições.
De todas as religiões monoteístas, o islamismo é a única que oferece uma solução “prática”, vantajosa (para o homem), quanto ao problema da paradisíaca conciliação de uma “vida privada incensurável” — embora com mais de uma mulher —com o exercício de qualquer cargo público, por mais respeitável que seja: a poligamia legalizada, como ocorre no mundo muçulmano. Esse o “bônus” referido no título deste ensaio. Muitos políticos ocidentais casados, com algum deslize já ocorrido, atual ou futuro, bem que gostariam de se livrar do medo de ser descoberto pela mídia, desde que “tratando igualmente bem todas as esposas”, exigência do Islã.
Os mórmons, nos EUA, praticavam aberta e unanimemente a poligamia invocando sua aceitação no Velho Testamento — Jacó, Abraão, Davi, Salomão, etc. — até que uma lei federal, de 1890 proibiu essa prática. Joseph Smith Júnior, o fundador da seita ( ou religião) teve mais de trinta mulheres, mas acabou sendo linchado, em junho de 1844, com um irmão e companheiros, por uma turba, quando estava preso e a cadeia foi invadida. Resta saber se os linchadores estavam verdadeiramente impregnados de santa indignação religiosa ou com inconsciente inveja “desses safados!”.
Oficialmente, a poligamia está abolida entre os mórmons, mas há quem diga que grupos dissidentes continuam a prática, de forma disfarçada. O dono da casa apenas fornece abrigo e alimentação desinteressada às inúmeras “parentes distantes” que, em troca, ajudam a criar as crianças e cuidam da casa.
Se a proibição legal da poligamia fosse levantada, qual a opinião do leitor sobre o crescimento ou diminuição de adeptos dessa religião? E qual a opinião da mulher ocidental — quando bem casada — a respeito da poligamia masculina? Rejeição violenta. “Os direitos não são iguais?”. No entanto, mulheres solteiras ou separadas, mas com poucas esperanças, talvez tivessem opinião mais tolerante. Terminada a II Guerra Mundial havia, na Alemanha, mais de sete milhões de mulheres condenadas à solidão irremediável. Os homens na faixa entre dezoito e cinqüenta anos haviam morrido na grande carnificina. Conseqüência: mulheres nas calçadas, forçadas à ganhar a vida na prostituição. O que fez o governo para tirar essas mulheres das ruas? Fechou os olhos à prática da bigamia informal, mal menor que a prostituição.
Hoje, porém, há um certo equilíbrio entre o número de homens e mulheres, o que não justifica mais, estatisticamente, o retorno da poligamia. A não ser, talvez, em casos excepcionais — em que década futura esse assunto será levantado por um legislador suicida? — quando a velha esposa, que não gostaria de viver sozinha, percebe que seu antigo casamento acabou, “biologicamente”. Nesses casos, a senhora preferiria não ver seu bom companheiro — virtuoso e dedicado em tudo o mais —, agir como um rato, acovardado e inquieto, mentindo constantemente para esconder algo que ela já sabe, há muito, mas prefere não demonstrar, só para não magoar. Não por fraqueza de caráter, mas por um tipo raro, ou estranho, de solidariedade humana. “Homens...É o jeito dele ser feliz... O fogo vai passar...Sei que já me amou muito; e ainda ama, de outro modo...”
Há, também, um outro argumento contra a poligamia, quando equilibrado o número de homens e mulheres: se metade dos homens ficar com duas esposas, a outra metade ficará sem esposa alguma, o que afronta a democracia e a igualdade de direitos. Com aumento da violência e estímulo indireto à homossexualidade por mera necessidade física.
Suponho que a espécie humana encontrará uma saída sábia para o problema de conciliação entre os espontâneos instintos naturais e os severos códigos morais. Elogiáveis pela intenção mas sujeitos a contínuas violações e conseqüentes tormentos; justamente porque as regras não coincidem com as necessidades naturais do ser humano. Mas, para isso, as religiões terão de fazer adaptações, ou fusões, hoje impensáveis.
Para encerrar, de forma bem-humorada, dissertação de tema tão difícil e desagradável, cabe aqui uma anedota: em uma aldeia da Polinésia, no Pacífico Sul, algumas décadas atrás, o pastor inglês, após doutrinar a tribo, convoca seu chefe e lhe diz que, doravante, como cristão, só poderá ter uma esposa. Ordena ao trêmulo líder que ele deve ir direto pra casa, reunir as cinco mulheres, escolher apenas uma delas e mandar embora as outras quatro. O chefe abana a cabeça e retruca: “Não! Eu ficar aqui! O senhor vai lá e diz isso pra elas!”
(17-8-2010)
domingo, 11 de julho de 2010
A “Sorbonne” brasileira, de novo...
Em setembro de 2009 difundi, na internet, um artigo — “Será pertinente uma ‘Sorbonne’ brasileira?” — sugerindo que o momento — então e mais ainda agora — era propício a criação, no Brasil, de um centro universitário de estudo de Direito e Relações Internacionais. Um instituto algo inovador e diferenciado das tradicionais e respeitáveis universidades situadas no hemisfério norte. Nenhuma relação jurídica, frise-se, com a famosa Sorbonne francesa, termo aqui evocado apenas para facilitar uma associação de idéias e proximidade de objetivos. O artigo referido poderá ser lido no site de relações internacionais, www.mundori.com e no site www.franciscopinheirorodrigues.com.br
Não é necessário especial sensibilidade dos estudiosos, ou meros interessados na situação internacional, para concluir que nosso planeta — não obstante seus avanços tecnológicos, ou justamente por causa deles — caminha assustado, excitado ou travado pelo medo, como que à beira de um precipício.
Todo cidadão responsável e previdente sente que nada pode fazer para debelar seus medos — uma coleção...— porque não tem como influir no caminhar do planeta. Apesar de nele habitar, não se considera um cidadão do mundo, vez que não pode votar como tal. Pode expressar sua vontade restritamente: como munícipe, morador de uma unidade da federação e como residente de um país. No entanto, como cidadão do planeta, em nada pode influir. E justamente aí é que mais precisaria manifestar sua opinião, de forma muito mais direta que a atual, porque o todo é mais importante que as partes.
Não existe um governo global, existem apenas tratados e convenções entre países, frequentemente desrespeitados, com incertas ou caprichosas sanções, conforme a força econômica, militar ou política do país infrator. E se não tiver nem mesmo o status de “país”, aí o desamparo é total, como ocorre hoje com os palestinos, que aguardam, desesperançados a boa-vontade de um vizinho — mais belicoso que temeroso — nem um pouco propenso a conceder algo que, no futuro, será fonte de dor de cabeça. Isso porque o espaço em disputa é pequeno, e grande o número de pessoas pretendendo ocupá-lo.
Se os palestinos expulsos, vivendo hoje em campos de refugiados, quiserem voltar à Palestina — assim como os judeus retornaram à Terra Santa —, como resolver o problema? Haja inventividade para pacificar a região! Essa criatividade terá mais chance de surgir se originada de cérebros mais “frios, distantes”, menos envenenados por décadas de recíproca matança. Impossibilidades físicas, populacionais, não se resolvem apenas com incentivos exteriores — no caso, americanos —, de boa-vontade. Daí a conveniência de novas abordagens de um problema que fermenta há mais de meio século. Novos cérebros, provavelmente mais “virgens, inocentes”, oriundos do hemisfério sul, podem, com nova mentalidade, sugerir soluções que não ocorreram a cabeças eruditas mas presas demais a formas antigas de encarar litígios por terra usando disfarces teóricos de toda ordem.
Falei, atrás, em coleção de medos. Veja, leitor, apenas a guisa de exemplo, o que ocorre com a ameaça nuclear: o país que tem essas armas pode continuar com elas, ou reduzi-las homeopaticamente, na base da simples da promessa. Se não as tem, fica ameaçado de sanções pesadas — até mesmo bombardeios —, caso sequer pense em fabricá-las. E como o pensar é sempre incerto e potencialmente perigoso, os mais fortes, já detentores da bomba, conseguem, pela via oblíqua, travar qualquer avanço no domínio nuclear, mesmo para fins pacíficos, porque o presidente Fulano de Tal não é muito confiável e insiste, teimosamente, em projetos irrealizáveis de “varredura de mapas”. Se a autorização internacional para o retorno em massa à Terra Santa foi um erro histórico — porque sem limites quantitativos —, trata-se de um erro irreversível. E existem ainda, na Terra, grandes áreas, quase desertas, que podem abrigar populações capazes de criar nações, a longo prazo. Melhor do que viver em barracas.
Outra incongruência na ordem mundial: “juridicamente” — com aspas desmoralizantes —, um país que não assinou o Tratado de Não Proliferação Nuclear não está sujeito a vigilância da ONU. Prêmio, portanto, para o arrogante ou indiferente. Quem o assinou poderia, teoricamente, invocando o art.10 do tratado, desobrigar-se da proibição desde que externe sua vontade dizendo, por exemplo, que pretende armar-se nuclearmente por razões de segurança. Após três meses desse comunicado, estaria — no estrito rigor jurídico —, livre para fabricar suas ogivas. Só que o que está no mesmo papel não valerá nada, caso alguma potência imensamente poderosa diga que não vale, e ponto final. Dirá que não confia nas intenções de quem se retira, apesar do TNP assegurar esse direito. Direitos e caprichos interpretativos convivem atualmente na maior confusão.
Para sanar tais incongruências, lembradas ao acaso — desmoralizantes de uma prática global que finge apoiar a igualdade de direitos —, será preciso trabalhar na construção de um conjunto teórico que dê suporte acadêmico e humano a iniciativa de reforma política da ONU, algo que poderia ser incentivado em um país do hemisfério sul, eventualmente beneficiado com pelo menos momentânea simpatia internacional. No caso, o Brasil, não sei se por mero acaso ou fruto do especial discernimento de nossos dois últimos presidentes da república.
O cidadão realmente bem informado sente-se acossado por variados medos: desemprego; perigo nuclear; massacres com armas convencionais (não menos mortais que as atômicas); insegurança financeira (até mesmo por parte de ricos); poluição incontrolável a curto prazo (antes que seja tarde demais); tecnologia de efeito pouco conhecido nos alimentos; migrações caóticas estimulando preconceitos raciais; democracias enfraquecidas por notícias diárias de novos escândalos financeiros; sensação de impunidade (em crimes de rua e de gabinete com ar condicionado); medo que filhos e netos se viciem em entorpecentes. Enfim, todo o cortejo de insegurança do qual o cidadão não pode se livrar nem mesmo pela via absoluta da morte, porque deixa descendentes, igualmente ameaçados. Olhando para a foto do filho ou neto que sorri, feliz, com futuro promissor, o pai ou avô se pergunta: “Como terei a garantia de que ele não se transformará em trapo humano, cliente de uma casa de tratamento e recuperação — incerta — de drogados?”
O desemprego acossa o planeta e os governos não poderão resolver, de vez, esse problema com os mecanismos econômicos internos. Por que não conseguem? Porque máquinas e o computadores deram cabo dos empregos e cada vez mais dispensarão o uso de braços e cérebros. E não tem sentido regredir, destruindo colhedeiras, guindastes, robôs, tratores, containers , calculadoras, caixas eletrônicos, etc. e todo o vasto universo de serviços automáticos fornecidos pela informática. Cada novo aperfeiçoamento nessas duas áreas significa milhões de demissões de empregados. Somente uma diminuição obrigatória das horas de trabalho, em todos os países, impedirá que milhões permaneçam na amargura do desemprego. Se um país, mais “compreensivo”, diminui a carga semanal de trabalho, o prejuízo é certo, e tem que voltar atrás, porque seus produtos ficarão mais caros na concorrência internacional. Mas quando quer voltar atrás, na legislação trabalhista, os empregados se levantam, revoltados, porque cada um pensa somente no próprio interesse.
O planeta está sendo forçado a viver em progressiva ociosidade, uma novidade para a espécie humana, pois a quantidade de trabalho semanal sempre esteve associada à virtude. Ocorre que com a automação e a informática, se uns poucos felizardos podem “se dar ao luxo” de trabalhar muito — usando apenas o cérebro e a ponta dos dedos — isso significa deixar, involuntariamente, milhares de ex-colegas na miséria, ou na baixa auto-estima, porque não terão trabalho algum.
Países “pobres” — toleremos essa denominação mais simplista — são ricos em filhos, que precisam trabalhar e comer. Não sendo isso possível em seus países, tentam, por bem ou por mal, migrar, em massa, dentro de barcos e containers para países desenvolvidos. Isso, porém, desorganiza a economia local, reduzindo o valor dos salários e causando revolta dos nacionais, que ficam desempregados. E muitos dos imigrantes ilegais, também desempregados, se vêem obrigados a recorrer ao crime. Daí o ódio crescente aos imigrantes ilegais.
Ficaríamos horas, aqui, descrevendo problemas que só poderão ser solucionados com decisões globais, ainda inexistentes. Daí a conveniência da criação de um centro de estudos, no hemisfério sul, que não só ensine o que já é ensinado nas grandes universidades do hemisfério norte mas dê uma especial ênfase ao estudo de um “governo global”, assunto, pelo que sei, não levado muito a sério nas grandes universidades européias e americanas. Nós aqui, do “quintal” intelectual do planeta, teríamos menos acanhamento mental para pensar em assuntos “mais utópicos”, sem medo do ridículo.
Dias atrás, lendo o discurso de posse do Ministro Cézar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal, tive a grata satisfação de perceber que também o Judiciário sente a conveniência de nosso país aumentar sua presença no mundo, de forma séria, não apenas folclórica e futebolística. Não só com viagens e discursos do Presidente da República. O digno Min. César Peluso sugeriu, no discurso, que a Organização das Nações Unidas daria um passo histórico com a criação, no Brasil, de uma “Universidade Internacional de Segurança Pública, concebida como foro produtor de subsídios científicos à busca de soluções inteligentes para as peculiaridades do crime sem fronteiras, que geram instabilidades regionais e ameaçam a paz do mundo”.
A sugestão merece elogio e não conflita com minha sugestão, de setembro de 2009, da criação da “Sorbonne” brasileira, que seria mais abrangente pois incentivaria o estudo para sugestões de grande alcance, até mesmo de alterações da própria Carta das Nações Unidas, além de preparar profissionais brasileiros e da América Latina para trabalhar em órgãos internacionais, como advogados ou funcionários.
Quando escrevi meu artigo, acima referido, providenciei que uma cópia do mesmo chegasse às mãos do Presidente da República, tendo em vista que um empreendimento desse vulto exigiria recursos públicos (inferiores ao que se pretende gastar com a compra de aviões e submarinos). Como não recebi qualquer resposta, presumo que a sugestão não chegou às mãos presidenciais. Se tivesse chegado, é bem provável que nosso presidente se interessasse pelo assunto, depois de tantas viagens pelo Exterior, com as decorrentes e inegáveis vantagens comerciais e políticas.
Presidentes da República obviamente não dispõem de tempo para “navegar” na internet e as portas burocráticas de acesso de informações ao presidente costumam estar guardadas por ciumentos funcionários, ou ministros, preocupados em evitar “influências de fora do palácio”. Não sei se foi o caso, mas pode ter sido.
Agora, perto das eleições, é tarde para que o atual Presidente da República cuide do assunto. Se, no entanto, algum dos principais candidatos à presidência prometer, solenemente, que criará, no Brasil, a “Sorbonne” brasileira, prometo usar a internet para angariar alguns votos daqueles que concordarem com essa nova abertura do Brasil para o mundo e do mundo para o Brasil. Percebe-se, no ar, que está chegando a vez do hemisfério sul. Os pobres podem ser úteis: têm a intuição aguçada pelo sofrimento.
(6-7-2010)
Não é necessário especial sensibilidade dos estudiosos, ou meros interessados na situação internacional, para concluir que nosso planeta — não obstante seus avanços tecnológicos, ou justamente por causa deles — caminha assustado, excitado ou travado pelo medo, como que à beira de um precipício.
Todo cidadão responsável e previdente sente que nada pode fazer para debelar seus medos — uma coleção...— porque não tem como influir no caminhar do planeta. Apesar de nele habitar, não se considera um cidadão do mundo, vez que não pode votar como tal. Pode expressar sua vontade restritamente: como munícipe, morador de uma unidade da federação e como residente de um país. No entanto, como cidadão do planeta, em nada pode influir. E justamente aí é que mais precisaria manifestar sua opinião, de forma muito mais direta que a atual, porque o todo é mais importante que as partes.
Não existe um governo global, existem apenas tratados e convenções entre países, frequentemente desrespeitados, com incertas ou caprichosas sanções, conforme a força econômica, militar ou política do país infrator. E se não tiver nem mesmo o status de “país”, aí o desamparo é total, como ocorre hoje com os palestinos, que aguardam, desesperançados a boa-vontade de um vizinho — mais belicoso que temeroso — nem um pouco propenso a conceder algo que, no futuro, será fonte de dor de cabeça. Isso porque o espaço em disputa é pequeno, e grande o número de pessoas pretendendo ocupá-lo.
Se os palestinos expulsos, vivendo hoje em campos de refugiados, quiserem voltar à Palestina — assim como os judeus retornaram à Terra Santa —, como resolver o problema? Haja inventividade para pacificar a região! Essa criatividade terá mais chance de surgir se originada de cérebros mais “frios, distantes”, menos envenenados por décadas de recíproca matança. Impossibilidades físicas, populacionais, não se resolvem apenas com incentivos exteriores — no caso, americanos —, de boa-vontade. Daí a conveniência de novas abordagens de um problema que fermenta há mais de meio século. Novos cérebros, provavelmente mais “virgens, inocentes”, oriundos do hemisfério sul, podem, com nova mentalidade, sugerir soluções que não ocorreram a cabeças eruditas mas presas demais a formas antigas de encarar litígios por terra usando disfarces teóricos de toda ordem.
Falei, atrás, em coleção de medos. Veja, leitor, apenas a guisa de exemplo, o que ocorre com a ameaça nuclear: o país que tem essas armas pode continuar com elas, ou reduzi-las homeopaticamente, na base da simples da promessa. Se não as tem, fica ameaçado de sanções pesadas — até mesmo bombardeios —, caso sequer pense em fabricá-las. E como o pensar é sempre incerto e potencialmente perigoso, os mais fortes, já detentores da bomba, conseguem, pela via oblíqua, travar qualquer avanço no domínio nuclear, mesmo para fins pacíficos, porque o presidente Fulano de Tal não é muito confiável e insiste, teimosamente, em projetos irrealizáveis de “varredura de mapas”. Se a autorização internacional para o retorno em massa à Terra Santa foi um erro histórico — porque sem limites quantitativos —, trata-se de um erro irreversível. E existem ainda, na Terra, grandes áreas, quase desertas, que podem abrigar populações capazes de criar nações, a longo prazo. Melhor do que viver em barracas.
Outra incongruência na ordem mundial: “juridicamente” — com aspas desmoralizantes —, um país que não assinou o Tratado de Não Proliferação Nuclear não está sujeito a vigilância da ONU. Prêmio, portanto, para o arrogante ou indiferente. Quem o assinou poderia, teoricamente, invocando o art.10 do tratado, desobrigar-se da proibição desde que externe sua vontade dizendo, por exemplo, que pretende armar-se nuclearmente por razões de segurança. Após três meses desse comunicado, estaria — no estrito rigor jurídico —, livre para fabricar suas ogivas. Só que o que está no mesmo papel não valerá nada, caso alguma potência imensamente poderosa diga que não vale, e ponto final. Dirá que não confia nas intenções de quem se retira, apesar do TNP assegurar esse direito. Direitos e caprichos interpretativos convivem atualmente na maior confusão.
Para sanar tais incongruências, lembradas ao acaso — desmoralizantes de uma prática global que finge apoiar a igualdade de direitos —, será preciso trabalhar na construção de um conjunto teórico que dê suporte acadêmico e humano a iniciativa de reforma política da ONU, algo que poderia ser incentivado em um país do hemisfério sul, eventualmente beneficiado com pelo menos momentânea simpatia internacional. No caso, o Brasil, não sei se por mero acaso ou fruto do especial discernimento de nossos dois últimos presidentes da república.
O cidadão realmente bem informado sente-se acossado por variados medos: desemprego; perigo nuclear; massacres com armas convencionais (não menos mortais que as atômicas); insegurança financeira (até mesmo por parte de ricos); poluição incontrolável a curto prazo (antes que seja tarde demais); tecnologia de efeito pouco conhecido nos alimentos; migrações caóticas estimulando preconceitos raciais; democracias enfraquecidas por notícias diárias de novos escândalos financeiros; sensação de impunidade (em crimes de rua e de gabinete com ar condicionado); medo que filhos e netos se viciem em entorpecentes. Enfim, todo o cortejo de insegurança do qual o cidadão não pode se livrar nem mesmo pela via absoluta da morte, porque deixa descendentes, igualmente ameaçados. Olhando para a foto do filho ou neto que sorri, feliz, com futuro promissor, o pai ou avô se pergunta: “Como terei a garantia de que ele não se transformará em trapo humano, cliente de uma casa de tratamento e recuperação — incerta — de drogados?”
O desemprego acossa o planeta e os governos não poderão resolver, de vez, esse problema com os mecanismos econômicos internos. Por que não conseguem? Porque máquinas e o computadores deram cabo dos empregos e cada vez mais dispensarão o uso de braços e cérebros. E não tem sentido regredir, destruindo colhedeiras, guindastes, robôs, tratores, containers , calculadoras, caixas eletrônicos, etc. e todo o vasto universo de serviços automáticos fornecidos pela informática. Cada novo aperfeiçoamento nessas duas áreas significa milhões de demissões de empregados. Somente uma diminuição obrigatória das horas de trabalho, em todos os países, impedirá que milhões permaneçam na amargura do desemprego. Se um país, mais “compreensivo”, diminui a carga semanal de trabalho, o prejuízo é certo, e tem que voltar atrás, porque seus produtos ficarão mais caros na concorrência internacional. Mas quando quer voltar atrás, na legislação trabalhista, os empregados se levantam, revoltados, porque cada um pensa somente no próprio interesse.
O planeta está sendo forçado a viver em progressiva ociosidade, uma novidade para a espécie humana, pois a quantidade de trabalho semanal sempre esteve associada à virtude. Ocorre que com a automação e a informática, se uns poucos felizardos podem “se dar ao luxo” de trabalhar muito — usando apenas o cérebro e a ponta dos dedos — isso significa deixar, involuntariamente, milhares de ex-colegas na miséria, ou na baixa auto-estima, porque não terão trabalho algum.
Países “pobres” — toleremos essa denominação mais simplista — são ricos em filhos, que precisam trabalhar e comer. Não sendo isso possível em seus países, tentam, por bem ou por mal, migrar, em massa, dentro de barcos e containers para países desenvolvidos. Isso, porém, desorganiza a economia local, reduzindo o valor dos salários e causando revolta dos nacionais, que ficam desempregados. E muitos dos imigrantes ilegais, também desempregados, se vêem obrigados a recorrer ao crime. Daí o ódio crescente aos imigrantes ilegais.
Ficaríamos horas, aqui, descrevendo problemas que só poderão ser solucionados com decisões globais, ainda inexistentes. Daí a conveniência da criação de um centro de estudos, no hemisfério sul, que não só ensine o que já é ensinado nas grandes universidades do hemisfério norte mas dê uma especial ênfase ao estudo de um “governo global”, assunto, pelo que sei, não levado muito a sério nas grandes universidades européias e americanas. Nós aqui, do “quintal” intelectual do planeta, teríamos menos acanhamento mental para pensar em assuntos “mais utópicos”, sem medo do ridículo.
Dias atrás, lendo o discurso de posse do Ministro Cézar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal, tive a grata satisfação de perceber que também o Judiciário sente a conveniência de nosso país aumentar sua presença no mundo, de forma séria, não apenas folclórica e futebolística. Não só com viagens e discursos do Presidente da República. O digno Min. César Peluso sugeriu, no discurso, que a Organização das Nações Unidas daria um passo histórico com a criação, no Brasil, de uma “Universidade Internacional de Segurança Pública, concebida como foro produtor de subsídios científicos à busca de soluções inteligentes para as peculiaridades do crime sem fronteiras, que geram instabilidades regionais e ameaçam a paz do mundo”.
A sugestão merece elogio e não conflita com minha sugestão, de setembro de 2009, da criação da “Sorbonne” brasileira, que seria mais abrangente pois incentivaria o estudo para sugestões de grande alcance, até mesmo de alterações da própria Carta das Nações Unidas, além de preparar profissionais brasileiros e da América Latina para trabalhar em órgãos internacionais, como advogados ou funcionários.
Quando escrevi meu artigo, acima referido, providenciei que uma cópia do mesmo chegasse às mãos do Presidente da República, tendo em vista que um empreendimento desse vulto exigiria recursos públicos (inferiores ao que se pretende gastar com a compra de aviões e submarinos). Como não recebi qualquer resposta, presumo que a sugestão não chegou às mãos presidenciais. Se tivesse chegado, é bem provável que nosso presidente se interessasse pelo assunto, depois de tantas viagens pelo Exterior, com as decorrentes e inegáveis vantagens comerciais e políticas.
Presidentes da República obviamente não dispõem de tempo para “navegar” na internet e as portas burocráticas de acesso de informações ao presidente costumam estar guardadas por ciumentos funcionários, ou ministros, preocupados em evitar “influências de fora do palácio”. Não sei se foi o caso, mas pode ter sido.
Agora, perto das eleições, é tarde para que o atual Presidente da República cuide do assunto. Se, no entanto, algum dos principais candidatos à presidência prometer, solenemente, que criará, no Brasil, a “Sorbonne” brasileira, prometo usar a internet para angariar alguns votos daqueles que concordarem com essa nova abertura do Brasil para o mundo e do mundo para o Brasil. Percebe-se, no ar, que está chegando a vez do hemisfério sul. Os pobres podem ser úteis: têm a intuição aguçada pelo sofrimento.
(6-7-2010)
sábado, 26 de junho de 2010
O CS da ONU tornou-se uma Câmara de Comércio
O título não é uma frase de efeito. É a dura realidade de um mundo conturbado, liderado por “crianças” grandes, já maduras ou velhas. “Crianças” assustadas e ao mesmo tempo ferozes, astutas — algumas perigosamente inteligentes — portadoras de nutrido coquetel de taras morais: egoísmo irresponsável, inveja, cobiça desenfreada, insana vaidade e sincero entusiasmo pela mentira — no geral mais lucrativa que a verdade. No plano moral, não há muita diferença entre o homem das cavernas e um grande número de governantes, em todos os tempos. Os tais “líderes”, no fundo infantis e imprevidentes, levam seus povos à felicidade ou à desgraça, com predomínio desta última. Às vezes, um governante medíocre, terra-a-terra, pouco “criativo” revela-se mais útil a seu povo que virulentos “patriotas” — Hitler, por exemplo, e alguns outros que não me atrevo a mencionar, temendo vinganças secretas —, cheios de “projetos grandiosos” em favor de seu amado país. Pelo menos, o apagado líder não atrapalha o crescimento normal da sua comunidade e deixou os países vizinhos viverem em paz.
Os indivíduos comuns, governados, são mais limitados pelas normas morais; medo da polícia, ou do fuxico da vizinhança. Preocupam-se em cumprir a palavra empenhada. Quando, porém, transformados em governo, reescrevem o código moral, adotando padrões de nível mais “maleável”. Justificam-se: — “É um novo patamar... Vistas as coisas do alto, com longa visão, é preciso sacrificar muitas “coisinhas” antes consideradas corretas”. Sobem no status mas descem no caráter. Pressionados pela necessidade — ou mera conveniência econômica — de proteger seus súditos contra o egoísmo externo, passam também a mentir, tramar conchavos, contrapondo astúcia contra astúcia. Justificam-se: — “Se eu não defendo, mesmo mentindo e sofismando, meu país contra essa cambada, arrogante e mentirosa, de inimigos ou falsos amigos externos, ninguém mais o fará. Nem mesmo Deus, no Seu olímpico nojo por intrigas internacionais, moverá uma palha para salvar os povos mais fracos. Talvez porque veja, no sofrimento, a forma mais segura de purificação da alma, seu único interesse no bicho homem. Se Ele não protegeu os judeus, no Holocausto, certamente não protegerá agora os iranianos do massacre que se avizinha, planejado pelos descendentes dos sobreviventes do mesmo Holocausto. Apostemos, pois — sobretudo lucremos! — nos prováveis vencedores. Ninguém, jamais, ganhou dinheiro apostando no mais fraco”.
Exagero, leitor, o que aconteceu recentemente na área internacional? Penso que não. Seja qual for sua “simpatia” no conflito — não bélico, por enquanto — entre o consórcio Israel-EUA e o Irã é inegável a realidade de que o Conselho de Segurança tornou-se uma espécie de Câmara de Comércio, em que todos os votos têm um preço. Preço, mesmo, não falo em sentido figurado. “Money, business”.
Obtido um razoável acordo — mérito para Turquia e Brasil — em que o Irã concordou com a proposta americana, de vários meses atrás, de entregar, sob responsabilidade de país europeu, boa parte de seu combustível nuclear, para enriquecimento a 20%, com finalidade claramente não-militar — para fazer a bomba o enriquecimento deve chegar a 90% —, os EUA providenciaram, de imediato — sem dar tempo ao Irã de discutir, sequer pensar, as novas exigências —, uma reunião do Conselho de Segurança para adoção de novas sanções. Quer, a “dupla musculosa EUA-Israel” — embora não diga isso de modo explícito —, que o Irã paralise, totalmente, qualquer avanço no domínio da tecnologia nuclear, seja para fins pacíficos, seja para fins militares. Alega temer que o atual presidente iraniano possa, daqui a meses, ou anos, fabricar armas nucleares, privilégio que, no entender da “dupla danada”, só pode e deve pertencer a alguns poucos “países superiores”, entre eles os dois referidos, já tremendamente poderosos em armas convencionais e atômicas. A “dupla” alega, para justificar a desigualdade de tratamento, que o atual governo iraniano é ditatorial e primitivo, a ponto de permitir o açoite de ladrões em praça pública, o apedrejamento de adúlteras e outras práticas realmente primitivas, mas que ainda fazem parte da ancestral — e até mesmo religiosa — tradição islâmica. A crítica a tais costumes é procedente, mas é preciso considerar que trata-se de uma cultura que não desaparece da noite para o dia, embora precise desaparecer.
Como este artigo não visa discutir as origens e variantes do conflito Israel- palestinos — o Irã é mera metástase do câncer político nunca extirpado —, vamos nos limitar à comprovação de que o Conselho de Segurança vem se tornando uma Câmara de Comércio.
Todos os que acompanham as notícias internacionais sobre a “ameaça iraniana” estão lembradas que China e Rússia mostravam-se resistentes à aplicação de novas sanções contra o Irã. De repente, às vésperas da votação das novas sanções, a China mudou de posição. Por que? Esclarece-nos a mídia mais corajosa que esse abrupto salto ocorreu porque o governo israelense “sinalizou” à China que pretende atacar e destruir as instalações iranianas utilizadas na extração do petróleo. Com tal perspectiva, a China perderia, por longo tempo, essa fonte do precioso óleo. Por isso, Pequim achou mais prudente aprovar as novas sanções do CS e manter o fornecimento de petróleo, que não será afetado pelas sanções. “Just business”, nada contra o Irã”. Está explicada a súbita mudança de posição chinesa.
Vejamos, agora, a explicação russa. Todos sabem que a Rússia fechou contrato com o Irã para venda de mísseis terra-ar S-300. Faltava apenas entregar os tais mísseis, que funcionam apenas como meio de defesa, destinados a derrubar aviões e foguetes atacando o país. O governo russo, mesmo após a decisão do CS de criar novas sanções, deu declarações de que tais mísseis, terra-ar, seriam entregues, porque não poderiam ser classificados como “armas de ataque” e os contratos precisam ser cumpridos. Seguiu-se uma conversinha secreta e Putin mudou de posição, dizendo que os foguetes não mais seriam entregues. Desconheço se houve algum pagamento adiantado.
Por que o governo Putin decidiu mudar de idéia? Porque se a Rússia entregasse os referidos foguetes de defesa ao Irã, a França de Sarkozy — discretamente pró Israel — deixaria de vender à Rússia algo que esta muito deseja para combater os rebeldes chechenos: navios anfíbios da classe “Mistral”, que podem chegar bem perto da praia, transportar, cada navio, 16 helicópteros de ataque, 4 lanchas de desembarque, 70 veículos de combate, 13 tanques de guerra e 450 soldados. Tais navios-anfíbios dispõem até de 69 leitos de hospital. A venda de um navio “Mistral’ foi combinada e estava em estudo a venda de mais quatro. Face à perspectiva de perder o negócio com os franceses, caso vetasse as sanções, ou não as cumprisse, Putin mudou de opinião. “Sorry, business..”, deve ter dito aos iranianos, que ficarão mais desprotegidos de ataques aéreos contra suas instalações mais vitais. Prevendo como inevitável um apoio americano a um fato consumado — Israel, cerca de trinta anos atrás, bombardeou o reator nuclear Osirak, de Saddam Hussein —, é bem possível que repita a dose. Desta vez contra o Irã, bloqueando qualquer desenvolvimento nuclear desse país, seja para fins pacíficos ou militares.
O Brasil, corajosamente, manteve sua oposição às novas sanções, mesmo perdendo dinheiro nisso. Insiste na existência de um princípio que nunca poderá ser escondido debaixo do tapete — provavelmente já cheio de calombos —, da sala de reunião do CS: se todas as nações têm direitos iguais, não há porque bloquear o direito do Irã desenvolver tecnologia nuclear, uma vez que os cinco membros permanentes do CS já dispõem de armas atômicas e não se opõem à existência de tais arsenais na Índia, no Paquistão e em Israel. Este é um arqui-inimigo do Irã e nem mesmo se deu ao trabalho de aderir ao Tratado de Não Proliferação Nuclear, podendo, “consequentemente”, “juridicamente” fabricá-las à vontade, livre de inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica.
O governo brasileiro promete vender álcool a Teerã, e também comida, itens não incluídos explicitamente no bloqueio. Todavia, não conseguirá vender o álcool, porque a Única, entidade representante dos produtores de etanol, sabe que se venderem álcool ao Irã sofrerão represálias tarifárias do governo americano. Assim não venderão “uma gota”, como já disse um representante da Única. Os usineiros dirão: “Nada contra os iranianos, “just business”. Mesmo as empresas brasileiras interessadas em vender alimentos aos iranianos acabarão cansados de nadar contra a corrente financeira porque os negócios de exportação são realizados mediante transações bancárias e a “dupla poderosa” já adiantou que os bancos que mantiverem transações com o Irã estão na lista negra.”Just business...”, dirão os usineiros.
Nada a criticar, claro, o fato de empresas privadas procurarem sempre o caminho comercialmente mais fácil. Nem com o fato de as Câmaras de Comércio serem frequentadas para a realização de negócios. Foram concebidas com essa finalidade. O que está errado é ver um órgão mundial poderosíssimo — criado com outra finalidade, supostamente mais nobre, o Conselho de Segurança das Nações Unidas — fazendo “concorrência” às verdadeiras Câmaras de Comércio. Cada coisa em seu lugar. O Conselho de Segurança deveria, idealmente, encarar os atritos mundiais, na iminência de conflitos armados, com olhos preponderantemente morais, analisando não só os interesses econômicos de seus membros, mas também suas opiniões éticas, evitando ou diminuindo, tanto quanto possível, eventuais injustiças e abusos. Toda “sanção” tem um componente ético. Não é apenas resultado de um resultado contábil, econômico.
Quando o CS percebesse, claramente, que o voto fora manifestado apenas em troca de uma vantagem econômica para o país votante — como tem sido, frequentemente o caso — esse voto seria inválido ou, pelo menos desmoralizado pela opinião pública. O chamado “voto de cabresto econômico” precisa desaparecer nas decisões do CS. As fundamentações de voto, de cada membro, deveriam ser obrigatoriamente publicadas e amplamente difundidas para que a opinião pública internacional e mesmo interna de cada país, conhecesse o grau de honestidade intelectual de seus representantes na ONU e dos respectivos chefes de estado.
Imagine, o leitor, como seriam, hoje, sinceramente, as fundamentações de voto. O representante da China diria: “Senhor Secretário Geral: na verdade, sou contra as novas sanções ao Irã, mas a China precisa do petróleo iraniano. Como há alta probabilidade, quase garantia de um bombardeio, israelense ou americano, das suas instalações petrolíferas desse importante fornecedor — e nesse caso a China ficaria muito tempo sem o óleo —, vejo-me obrigado, por motivos práticos, a votar a favor de novas sanções. É meu voto, Senhor Secretário”.
Quando do voto do representante russo, ele diria o seguinte: “Senhor Secretário|: também sou, como a China, contrário a novas sanções, que só aumentarão o tormento da população iraniana e, indiretamente, da de Gaza, privada de quase tudo. Entretanto, meu país já contava com a aquisição de navios-anfíbios, fabricados na França, que serão muito úteis para combater os revoltosos chechenos. E não temos outro fornecedor em vista. Ocorre que se eu não apoiar as novas sanções, a França de Sarkozy deixará o dito pelo não dito, não nos vende mais os navios, dificultando nossa luta contra o terror checheno. Pensando nos navios franceses, voto a favor das novas sanções. Acrescento que a Rússia se comprometeu a vender ao Irã foguetes terra-ar, para defesa contra aviões e mísseis que ataquem aquele país. Vou tentar cumprir o combinado mas se a França exigir que eu descumpra o acordo, eu descumpro, porque os navios-anfíbios são mais importantes para a Rússia do que eventuais justiças ou injustiças contra um país como o Irã, muito antipatizado”.
Alguns outros países, que apoiaram as sanções, poderiam, certamente, dizer coisas semelhantes, invocando transações pendentes.
Alguém dirá que cabe à Corte Internacional de Justiça e não ao CS a missão de analisar juridicamente as pendências. Ocorre que, conforme os estatutos atuais do referido Tribunal, somente Estados — e os palestinos não constituem um Estado — podem demandar contra a expulsão, sem indenização, de uma área que ocupavam há quase dois milênios. E a raiz da animosidade entre Israel e Irã está na questão palestina, sem chance de ser decidida formalmente por um Tribunal. Daí a necessidade de o CS decidir sobre sanções levando em conta critérios morais de justiça ou injustiça.
Não tenho reais preconceitos contra qualquer raça. Considero-as como mais ou menos iguais em termos de capacidade natural, inata, e tendências de caráter. Com igual variação de caracteres morais individuais dentro de cada raça. Há indivíduos excelentes, autênticas jóias humanas em todos os povos. E também astutos gângsteres travestidos de políticos. O problema está na sorte ou azar na escolha dos “chefes” e nos traumatismos sofridos e não esquecidos de cada povo, no passado próximo e/ou remoto.
Não sou admirador de Ahmadinejad — que fala muito o que não devia e provavelmente morrerá pela língua —, mas não posso ignorar que o Irã foi o único país que arregaçou as mangas para defender, com louca coragem, os palestinos, atormentados e expulsos sem terem nenhum culpa por uma injustiça romana, imperial, cometida dois milênios atrás.
Alguns leitores poderão considerar ingênuas as considerações feitas neste artigo. “Ingênuas”, considerando o mundo real, de hoje. Mas a civilização não cresceu buscando efetivar a “ingenuidade”? Houve tempo em que discutia-se se as mulheres tinham “alma”. Se a tinham, não era garantido que tivessem juízo suficiente para escolher candidatos em eleições. Não podiam votar. Serem juízas? Nem pensar! Índios também não eram considerados seres humanos plenos. E por aí vai.
Cedo ou tarde o Conselho de Segurança, visando preservar sua missão teórica — cada vez mais criticada na prática—, terá que subir um degrau acima, não mais agindo como Câmaras de Comércio. Conhecedores do Direito Internacional existem às centenas, mas parecem temer expor, com total liberdade, suas impressões negativas. Não querem arriscar suas carreiras acadêmicas.
(14-6-2010)
Os indivíduos comuns, governados, são mais limitados pelas normas morais; medo da polícia, ou do fuxico da vizinhança. Preocupam-se em cumprir a palavra empenhada. Quando, porém, transformados em governo, reescrevem o código moral, adotando padrões de nível mais “maleável”. Justificam-se: — “É um novo patamar... Vistas as coisas do alto, com longa visão, é preciso sacrificar muitas “coisinhas” antes consideradas corretas”. Sobem no status mas descem no caráter. Pressionados pela necessidade — ou mera conveniência econômica — de proteger seus súditos contra o egoísmo externo, passam também a mentir, tramar conchavos, contrapondo astúcia contra astúcia. Justificam-se: — “Se eu não defendo, mesmo mentindo e sofismando, meu país contra essa cambada, arrogante e mentirosa, de inimigos ou falsos amigos externos, ninguém mais o fará. Nem mesmo Deus, no Seu olímpico nojo por intrigas internacionais, moverá uma palha para salvar os povos mais fracos. Talvez porque veja, no sofrimento, a forma mais segura de purificação da alma, seu único interesse no bicho homem. Se Ele não protegeu os judeus, no Holocausto, certamente não protegerá agora os iranianos do massacre que se avizinha, planejado pelos descendentes dos sobreviventes do mesmo Holocausto. Apostemos, pois — sobretudo lucremos! — nos prováveis vencedores. Ninguém, jamais, ganhou dinheiro apostando no mais fraco”.
Exagero, leitor, o que aconteceu recentemente na área internacional? Penso que não. Seja qual for sua “simpatia” no conflito — não bélico, por enquanto — entre o consórcio Israel-EUA e o Irã é inegável a realidade de que o Conselho de Segurança tornou-se uma espécie de Câmara de Comércio, em que todos os votos têm um preço. Preço, mesmo, não falo em sentido figurado. “Money, business”.
Obtido um razoável acordo — mérito para Turquia e Brasil — em que o Irã concordou com a proposta americana, de vários meses atrás, de entregar, sob responsabilidade de país europeu, boa parte de seu combustível nuclear, para enriquecimento a 20%, com finalidade claramente não-militar — para fazer a bomba o enriquecimento deve chegar a 90% —, os EUA providenciaram, de imediato — sem dar tempo ao Irã de discutir, sequer pensar, as novas exigências —, uma reunião do Conselho de Segurança para adoção de novas sanções. Quer, a “dupla musculosa EUA-Israel” — embora não diga isso de modo explícito —, que o Irã paralise, totalmente, qualquer avanço no domínio da tecnologia nuclear, seja para fins pacíficos, seja para fins militares. Alega temer que o atual presidente iraniano possa, daqui a meses, ou anos, fabricar armas nucleares, privilégio que, no entender da “dupla danada”, só pode e deve pertencer a alguns poucos “países superiores”, entre eles os dois referidos, já tremendamente poderosos em armas convencionais e atômicas. A “dupla” alega, para justificar a desigualdade de tratamento, que o atual governo iraniano é ditatorial e primitivo, a ponto de permitir o açoite de ladrões em praça pública, o apedrejamento de adúlteras e outras práticas realmente primitivas, mas que ainda fazem parte da ancestral — e até mesmo religiosa — tradição islâmica. A crítica a tais costumes é procedente, mas é preciso considerar que trata-se de uma cultura que não desaparece da noite para o dia, embora precise desaparecer.
Como este artigo não visa discutir as origens e variantes do conflito Israel- palestinos — o Irã é mera metástase do câncer político nunca extirpado —, vamos nos limitar à comprovação de que o Conselho de Segurança vem se tornando uma Câmara de Comércio.
Todos os que acompanham as notícias internacionais sobre a “ameaça iraniana” estão lembradas que China e Rússia mostravam-se resistentes à aplicação de novas sanções contra o Irã. De repente, às vésperas da votação das novas sanções, a China mudou de posição. Por que? Esclarece-nos a mídia mais corajosa que esse abrupto salto ocorreu porque o governo israelense “sinalizou” à China que pretende atacar e destruir as instalações iranianas utilizadas na extração do petróleo. Com tal perspectiva, a China perderia, por longo tempo, essa fonte do precioso óleo. Por isso, Pequim achou mais prudente aprovar as novas sanções do CS e manter o fornecimento de petróleo, que não será afetado pelas sanções. “Just business”, nada contra o Irã”. Está explicada a súbita mudança de posição chinesa.
Vejamos, agora, a explicação russa. Todos sabem que a Rússia fechou contrato com o Irã para venda de mísseis terra-ar S-300. Faltava apenas entregar os tais mísseis, que funcionam apenas como meio de defesa, destinados a derrubar aviões e foguetes atacando o país. O governo russo, mesmo após a decisão do CS de criar novas sanções, deu declarações de que tais mísseis, terra-ar, seriam entregues, porque não poderiam ser classificados como “armas de ataque” e os contratos precisam ser cumpridos. Seguiu-se uma conversinha secreta e Putin mudou de posição, dizendo que os foguetes não mais seriam entregues. Desconheço se houve algum pagamento adiantado.
Por que o governo Putin decidiu mudar de idéia? Porque se a Rússia entregasse os referidos foguetes de defesa ao Irã, a França de Sarkozy — discretamente pró Israel — deixaria de vender à Rússia algo que esta muito deseja para combater os rebeldes chechenos: navios anfíbios da classe “Mistral”, que podem chegar bem perto da praia, transportar, cada navio, 16 helicópteros de ataque, 4 lanchas de desembarque, 70 veículos de combate, 13 tanques de guerra e 450 soldados. Tais navios-anfíbios dispõem até de 69 leitos de hospital. A venda de um navio “Mistral’ foi combinada e estava em estudo a venda de mais quatro. Face à perspectiva de perder o negócio com os franceses, caso vetasse as sanções, ou não as cumprisse, Putin mudou de opinião. “Sorry, business..”, deve ter dito aos iranianos, que ficarão mais desprotegidos de ataques aéreos contra suas instalações mais vitais. Prevendo como inevitável um apoio americano a um fato consumado — Israel, cerca de trinta anos atrás, bombardeou o reator nuclear Osirak, de Saddam Hussein —, é bem possível que repita a dose. Desta vez contra o Irã, bloqueando qualquer desenvolvimento nuclear desse país, seja para fins pacíficos ou militares.
O Brasil, corajosamente, manteve sua oposição às novas sanções, mesmo perdendo dinheiro nisso. Insiste na existência de um princípio que nunca poderá ser escondido debaixo do tapete — provavelmente já cheio de calombos —, da sala de reunião do CS: se todas as nações têm direitos iguais, não há porque bloquear o direito do Irã desenvolver tecnologia nuclear, uma vez que os cinco membros permanentes do CS já dispõem de armas atômicas e não se opõem à existência de tais arsenais na Índia, no Paquistão e em Israel. Este é um arqui-inimigo do Irã e nem mesmo se deu ao trabalho de aderir ao Tratado de Não Proliferação Nuclear, podendo, “consequentemente”, “juridicamente” fabricá-las à vontade, livre de inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica.
O governo brasileiro promete vender álcool a Teerã, e também comida, itens não incluídos explicitamente no bloqueio. Todavia, não conseguirá vender o álcool, porque a Única, entidade representante dos produtores de etanol, sabe que se venderem álcool ao Irã sofrerão represálias tarifárias do governo americano. Assim não venderão “uma gota”, como já disse um representante da Única. Os usineiros dirão: “Nada contra os iranianos, “just business”. Mesmo as empresas brasileiras interessadas em vender alimentos aos iranianos acabarão cansados de nadar contra a corrente financeira porque os negócios de exportação são realizados mediante transações bancárias e a “dupla poderosa” já adiantou que os bancos que mantiverem transações com o Irã estão na lista negra.”Just business...”, dirão os usineiros.
Nada a criticar, claro, o fato de empresas privadas procurarem sempre o caminho comercialmente mais fácil. Nem com o fato de as Câmaras de Comércio serem frequentadas para a realização de negócios. Foram concebidas com essa finalidade. O que está errado é ver um órgão mundial poderosíssimo — criado com outra finalidade, supostamente mais nobre, o Conselho de Segurança das Nações Unidas — fazendo “concorrência” às verdadeiras Câmaras de Comércio. Cada coisa em seu lugar. O Conselho de Segurança deveria, idealmente, encarar os atritos mundiais, na iminência de conflitos armados, com olhos preponderantemente morais, analisando não só os interesses econômicos de seus membros, mas também suas opiniões éticas, evitando ou diminuindo, tanto quanto possível, eventuais injustiças e abusos. Toda “sanção” tem um componente ético. Não é apenas resultado de um resultado contábil, econômico.
Quando o CS percebesse, claramente, que o voto fora manifestado apenas em troca de uma vantagem econômica para o país votante — como tem sido, frequentemente o caso — esse voto seria inválido ou, pelo menos desmoralizado pela opinião pública. O chamado “voto de cabresto econômico” precisa desaparecer nas decisões do CS. As fundamentações de voto, de cada membro, deveriam ser obrigatoriamente publicadas e amplamente difundidas para que a opinião pública internacional e mesmo interna de cada país, conhecesse o grau de honestidade intelectual de seus representantes na ONU e dos respectivos chefes de estado.
Imagine, o leitor, como seriam, hoje, sinceramente, as fundamentações de voto. O representante da China diria: “Senhor Secretário Geral: na verdade, sou contra as novas sanções ao Irã, mas a China precisa do petróleo iraniano. Como há alta probabilidade, quase garantia de um bombardeio, israelense ou americano, das suas instalações petrolíferas desse importante fornecedor — e nesse caso a China ficaria muito tempo sem o óleo —, vejo-me obrigado, por motivos práticos, a votar a favor de novas sanções. É meu voto, Senhor Secretário”.
Quando do voto do representante russo, ele diria o seguinte: “Senhor Secretário|: também sou, como a China, contrário a novas sanções, que só aumentarão o tormento da população iraniana e, indiretamente, da de Gaza, privada de quase tudo. Entretanto, meu país já contava com a aquisição de navios-anfíbios, fabricados na França, que serão muito úteis para combater os revoltosos chechenos. E não temos outro fornecedor em vista. Ocorre que se eu não apoiar as novas sanções, a França de Sarkozy deixará o dito pelo não dito, não nos vende mais os navios, dificultando nossa luta contra o terror checheno. Pensando nos navios franceses, voto a favor das novas sanções. Acrescento que a Rússia se comprometeu a vender ao Irã foguetes terra-ar, para defesa contra aviões e mísseis que ataquem aquele país. Vou tentar cumprir o combinado mas se a França exigir que eu descumpra o acordo, eu descumpro, porque os navios-anfíbios são mais importantes para a Rússia do que eventuais justiças ou injustiças contra um país como o Irã, muito antipatizado”.
Alguns outros países, que apoiaram as sanções, poderiam, certamente, dizer coisas semelhantes, invocando transações pendentes.
Alguém dirá que cabe à Corte Internacional de Justiça e não ao CS a missão de analisar juridicamente as pendências. Ocorre que, conforme os estatutos atuais do referido Tribunal, somente Estados — e os palestinos não constituem um Estado — podem demandar contra a expulsão, sem indenização, de uma área que ocupavam há quase dois milênios. E a raiz da animosidade entre Israel e Irã está na questão palestina, sem chance de ser decidida formalmente por um Tribunal. Daí a necessidade de o CS decidir sobre sanções levando em conta critérios morais de justiça ou injustiça.
Não tenho reais preconceitos contra qualquer raça. Considero-as como mais ou menos iguais em termos de capacidade natural, inata, e tendências de caráter. Com igual variação de caracteres morais individuais dentro de cada raça. Há indivíduos excelentes, autênticas jóias humanas em todos os povos. E também astutos gângsteres travestidos de políticos. O problema está na sorte ou azar na escolha dos “chefes” e nos traumatismos sofridos e não esquecidos de cada povo, no passado próximo e/ou remoto.
Não sou admirador de Ahmadinejad — que fala muito o que não devia e provavelmente morrerá pela língua —, mas não posso ignorar que o Irã foi o único país que arregaçou as mangas para defender, com louca coragem, os palestinos, atormentados e expulsos sem terem nenhum culpa por uma injustiça romana, imperial, cometida dois milênios atrás.
Alguns leitores poderão considerar ingênuas as considerações feitas neste artigo. “Ingênuas”, considerando o mundo real, de hoje. Mas a civilização não cresceu buscando efetivar a “ingenuidade”? Houve tempo em que discutia-se se as mulheres tinham “alma”. Se a tinham, não era garantido que tivessem juízo suficiente para escolher candidatos em eleições. Não podiam votar. Serem juízas? Nem pensar! Índios também não eram considerados seres humanos plenos. E por aí vai.
Cedo ou tarde o Conselho de Segurança, visando preservar sua missão teórica — cada vez mais criticada na prática—, terá que subir um degrau acima, não mais agindo como Câmaras de Comércio. Conhecedores do Direito Internacional existem às centenas, mas parecem temer expor, com total liberdade, suas impressões negativas. Não querem arriscar suas carreiras acadêmicas.
(14-6-2010)
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