Uma curta lei
corrigiria isso.
Em abril do
corrente ano publiquei, sem qualquer propaganda, no www.500toques.com.br, e no meu
blog “francepiro.blogspot.com”, um artigo “Proposta legislativa pró liberdade
de expressão”.
Nele eu
alertava que a nossa “total” liberdade de opinião, na imprensa e na internet, é
fictícia — mesmo quando exercida sem abuso. Dizia que isso ocorre por causa de
uma ameaçadora e provável ação de “indenização por dano moral”, movida por quem
errou, sabe que errou, continua errando mas pretende silenciar seus críticos —
mesmo quando mentalmente honestos —, “usando” a Justiça para seu astuto objetivo.
Como não utilizei,
culpa minha, os eficazes mecanismos de difusão de ideias meus argumentos
chegaram a pouquíssimos ouvidos. Ciente, hoje, de que certos assuntos só chegam
aos interessados se forem difundidos por grandes empresas, tais como o Facebook
— com sua impressionante técnica —, volto a publicar, com ligeiras
modificações, o que publiquei em abril do corrente ano.
Transcrevo,
abaixo, o referido artigo.
“Espero que
as entidades encarregadas da defesa da liberdade de expressão leiam este
despretensioso texto, redigido em estilo coloquial, concordando que com a atual
legislação — em um país atolado em milhões de processos demorados —, o receio
de uma arrasadora condenação por “dano moral” paralisa a busca da verdade ou a
tornará imensamente arriscada.
Friso que
este artigo não ataca o demandante bem intencionado que realmente foi
caluniado, ou difamado. Visa apenas aqueles que utilizam o “medo financeiro”
como forma de manter escondidos seus malfeitos.
Em toda ação
judicial, deve estar presente a máxima genial de Voltaire que gosto de invocar:
“A vantagem deve ser igual ao perigo”. Hoje, na ação por dano moral movida pelo
poderoso contra o remediado — por exemplo um jornalista —, este pode perder
todo o seu patrimônio, enquanto o risco patrimonial do poderoso é praticamente
nenhum, “coisinhas”. Isso leva o poderoso a abusar de seu poder de intimidação
econômica, forçando o jornalista a calar a boca porque, se não o fizer, poderá
perder o pouco que tem.
O presente
artigo sugere uma curta modificação legislativa, no processo civil, que
funcionará como desestímulo para tais ações quando visam apenas intimidar o réu
— jornal, jornalista, repórter, revista, rádio, televisão, blogueiros e opinião
desfavorável de qualquer modo publicada. Ao mesmo tempo, essa lei, aqui
sugerida, teria o bom efeito colateral de desestimular, na mídia, críticas
desnecessariamente ácidas — até com obscenidades, dando uma péssima imagem do
país, — com ofensas pessoais que aproveitam a oportunidade da crítica, talvez
justa, para insultar e desmoralizar uma pessoa física ou jurídica. A tentação
do abuso, tanto de um lado quanto do outro, é uma constante na história do
Direito.
O sofrimento
apenas moral varia muito, conforme a
sensibilidade de cada um. Tais ações podem demorar vários anos. Quanto mais,
melhor para o autor, em certos casos, porque sua verdadeira intenção é calar o
réu, que precisa ser silenciado “a qualquer custo!”. Um pequeno custo financeiro
previsível para o autor da ação, mas imprevisível para o réu, pois não há uma
tabela legal impondo limites máximos para indenizações por dano moral. A
quantia em jogo é uma caixa misteriosa. E o mistério aguça e amplia o receio.
Penso que a legislação poderia fixar o limite
máximo da condenação do réu nessas ações, mas com um parágrafo, de exceção,
permitindo condenação indenizatória superior ao teto, se confirmado, nos autos,
que o autor agiu com indiscutível má-fé, na certeza de que poderia insultar à
vontade porque o juiz estaria impossibilitado de lhe aplicar uma condenação
alta, exemplar, acima da tabela.
A propósito,
diz a história, ou lenda, que na Roma antiga uma lei previa que um tapa da cara
tinha como castigo uma pequena indenização de xis moedas de cobre, o sestércio.
Apoiado nessa legislação, um ousado gaiato rico saía na rua, acompanhado de um
escravo forte carregando um saco de moedas. Quando o excêntrico topava com
alguma pessoa cuja cara não lhe agradava o maldoso a esbofeteava e seu escravo
pagava, no ato, a multa prevista em lei, modesta. Daí a minha sugestão de que
se houver uma eventual fixação de teto para indenização do dano moral que a lei
preveja também a possibilidade uma indenização alta, caso bem comprovado o
abuso do poder econômico e/ou político que quem propôs a ação.
Em algumas
ações de indenização por dano moral, paradoxalmente — porque nas ações
judiciais, é o autor quem geralmente tem pressa no término da demanda —, quanto
mais tempo ela demorar, melhor para o criticado, autor, porque sua verdadeira
intenção não é obter o dinheiro da indenização mas incutir medo paralisante —
na alma e/ou no “bolso” — de quem apontou suas falhas. O réu sabe que o tema
“dano moral” é, por natureza subjetivo, “escorregadio”. Cada cabeça, uma
sentença, e os juízes variam muito na quantificação da dor moral. A sorte do
réu vai depender, em muito, da distribuição do processo, ou do recurso.
É por causa da
desigualdade de forças financeiras entre autor e réu que muitas investigações
importantes, iniciadas por órgão de imprensa, somem do noticiário. A
investigação, a “busca da verdade” contra um poderoso pode significar um
pesadelo capaz de arruinar uma vida ou uma empresa. Quando alguém se revolta
contra uma decisão do STF, p. ex., ou especificamente, de determinado ministro,
a regra é uma tremenda inibição na escolha das palavras, tal o medo de um
processo nas costas movido por um poderoso ministro. Muitos que intimamente
criticam não se atrevem sequer a discordar, estimulando, indiretamente, um
eventual abusador a continuar agindo impunemente.
Um
“detalhezinho” jurídico-processual que facilita a intimidação de jornalistas e
críticos em geral — mesmo quando mentalmente honestos — está na permissão de o
Autor da ação dar à causa um valor mínimo, “simbólico”, como, por exemplo,
R$1.000,00, frisando o Autor, na petição inicial, que deixa “a critério de
Vossa Excelência” (o juiz cível) “fixar o valor da indenização”. Esse “valor simbólico” representa uma enorme
vantagem psicológica para o autor da ação, o criticado — quando mentalmente
desonesto —, porque caso ele perca a demanda — algo bem previsível para ele —,
sua condenação pela “sucumbência” (pagar honorários à parte contrária) será
mínima, eis que a condenação dele não poderá exceder 20% do valor da causa. 20%
de R$1.000,00 é R$200,00. Essa ridícula “condenação”, de duzentos reais em
honorários, estimula sua prepotência, o uso “baratinho” da Justiça para
silenciar, durante muitos anos de
demanda, quem revelou suas faltas.
Ocorre, no
entanto, que como o valor da causa, dada pelo autor da ação, foi “simbólico”,
esse baixo valor não proíbe o juiz — segundo a jurisprudência — de condenar o
réu (o jornalista, p. ex.) a pagar uma altíssima indenização, sem valor
previsível, caso entenda que a crítica ofendeu moralmente o autor. Enfim, o
réu, mesmo ciente de que não fez nada errado, vê-se obrigado, por mera
prudência, a sempre contestar a ação, mesmo com baixo “valor da causa”,
contratando advogado e sofrendo um longo desgaste emocional. Nenhum jornalista
previdente, p. ex., se absterá de contestar uma ação dessa natureza presumindo
que, se condenado, a condenação será pequena. O juiz pode pensar diferente. Se
o autor não contestar a ação será revel, “confesso”. Perde a ação por omissão.
É, portanto,
de urgente necessidade moral e jurídica — tendo em vista que tais ações podem
estender-se por muitos anos — que o legislador conceda ao réu — um jornalista,
por exemplo — o direito de, quando citado em ação cobrando “danos morais’,
apresentar “reconvenção”, pedindo contra o autor uma indenização, de igual ou
maior valor ao pretendido pelo autor, também por dano moral, só pelo fato de
estar sendo processado injustamente. Na sentença, o juiz decidirá, com base na
prova, a boa e a má intenção do criticado e do crítico. Não tem cabimento, é injusto
exigir que o jornalista seja obrigado a ser “fritado” vários anos, apenas se
defendendo, aguardando o remoto trânsito em julgado de sua inocência para, só
depois, poder processar quem o processou injustamente. Propõe-se aqui, em vez
de duas ações, em sucessão, apenas uma, simultânea, ação e reconvenção.
Em ações
envolvendo dinheiro é salutar que o autor não se sinta em total zona de
segurança ameaçando o réu com uma ação que servirá mais como um “cale a boca
senão vou arruiná-lo financeiramente!”.
Alguém poderá
alegar que a lei agora proposta é desnecessária porque se o autor perder a ação
poderá ser condenado por “litigância de má-fé. Ocorre que os que frequentam o
fórum sabem que, nessas ações, a condenação por “litigância de má-fé” do autor
é raríssimamente aplicada tendo em vista que a sensibilidade moral é muito
variável na sua ocorrência e medição. Acresce que se o autor perder a ação na
primeira instância — porque o jornalista apenas fazia seu papel de informar —, o
autor poderá apelar e percorrer as instâncias superiores, para retardar ao
máximo o pagamento da indenização devida ao jornalista. Enquanto não transitar
em julgado a condenação o autor o réu, jornalista, não poderá pleitear
indenização por dano moral. Daí a necessidade de unificar as duas pretensões de
indenização: a do autor (criticado) e a do réu (crítico, mas com razão).
Se, com a atual
legislação processual, um juiz admitir — por economia processual —, a
utilização da reconvenção nessas ações de indenização por dano moral, essa
decisão ensejará infindáveis e sutis discussões acadêmicas e judiciais, com o
argumento de que a “mera” condição de Réu em ações desse tipo não representa um
“sofrimento moral” já ocorrido, efetivo, passado. “Seria necessário” — dirão os
críticos da ideia — “um prolongado tempo de sofrimento do jornalista, após sua
citação, para justificar o pedido do Réu”. Este teria, como já dito —
“tecnicamente” — que sofrer longamente para, só depois, muitos anos depois,
transitada em julgado sua absolvição, ter o direito de pretender cobrar do
Autor a mesma quantia pretendida pelo Autor que o intimidou financeiramente por
longo período.
Ponha-se o
leitor na pele de um jornalista que foi citado judicialmente para pagar,
digamos, uma indenização de cinco milhões de reais, porque não comprovou uma
falcatrua — ouvida de fonte confiável, em tese crível. Essa ameaça tira-lhe
todo o estímulo para o jornalismo investigativo. E pode ocorrer que, devido a
globalização, a ação por danos morais seja processada em país estrangeiro
propenso a indenizações milionárias.
O jornalista
Paulo Francis, por exemplo, na década de 1990, foi condenado, pela justiça
americana, a pagar uma indenização de cem milhões de dólares por haver
mencionado — em entrevista, divulgada também nos EUA —, que a diretoria de uma
empresa estatal brasileira, a Petrobrás, teria desviado altas somas da empresa
para contas particulares dos seus diretores em banco suíço. Como Francis não
comprovou em juízo esse desvio — o sigilo bancário era inviolável —, o jornalista
foi condenado a pagar os cem milhões. Ele justificava-se, quando processado, dizendo
que ao fazer suas denúncias pensava que o governo brasileiro iria investigar o
fato, mas a investigação não ocorreu. Pelo que presumia a mídia, nos anos 1990,
o enfarte do jornalista foi apressado com tal condenação.
Não sei se Paulo Francis tinha, ou não, razão
no que disse, mas de qualquer forma, é impossível escapar da insônia — do
enfarte, ou talvez do câncer induzido por angústia — com tal espada sobre a nuca.
Não tem cabimento impor tal sofrimento moral, por muitos anos, a qualquer réu
que vive da escrita, para só depois de transitar em julgado sua absolvição ter
ele, réu, o direito legal de requerer uma indenização por dano moral contra
alguém que o processou sem razão, conforme reconhecida pela justiça. O dano
moral, o sofrimento psíquico, começa a existir a partir do momento em que o
jornalista é citado e prolonga-se enquanto o processo caminha lentamente, como
uma máquina de moer neurônios — e entupir artérias —, no processo de milhões em
que só sofre o réu.
Por que não,
repita-se, decidir as culpas recíprocas no mesmo processo? Se ficar provado, no
conjunto da prova, que o jornalista abusou, que pague pelo abuso. Se ficou
provado que não abusou, que receba do “ofendido” a mesma quantia que este lhe
cobra, ou outra diferente. Justo, não? “Quem ganhar, leva tudo”. Se ambos
erraram e também acertaram, que a justiça fixe a divisão da quantia em disputa,
na medida e proporção do abuso de cada um. E tem mais: se o conflito em exame
exigir dois processos, um após o outro, pode acontecer que a prova apresentada
no segundo processo seja diferente da prova produzida no primeiro processo,
acarretando uma contradição da justiça, abalando a confiança da comunidade.
Há mais a ser
modificado com essa futura lei. Ela exigirá que em toda ação de indenização por
dano moral — seja qual for o motivo — o Autor será obrigado a mencionar
expressamente, na petição inicial, o valor que pretende receber do Réu, não
podendo deixar isso “o critério do juiz”, na sentença. Nada mais racional que
cada ofendido quantifique, ele mesmo, monetariamente, o grau de seu sofrimento
psíquico. Só ele é quem melhor pode revelar o grau de seu sentimento. Que
assuma sua responsabilidade, e o risco processual da sucumbência.
A menção
obrigatória desse “quantum” pelo autor teria a vantagem de permitir a qualquer
réu, quando demandado, abster-se de contestar a ação, quando o valor
mencionado for ínfimo, não justificando maiores gastos com sua defesa judicial.
Como está hoje a legislação — ensejando ao Autor não quantificar o valor que
pretende cobrar —, todo Réu sente-se forçado, por mera prudência, a contestar
qualquer ação de danos morais, mesmo que a considere risível. Talvez preferisse
pagar a indenização pedida, encerrando o assunto, do que contratar um advogado,
gastando muito mais.
A lei a ser
proposta também poderia ter a virtude “extra” de forçar maior urbanidade, ou
compostura, nas críticas, impressas ou orais, antes e depois de proposta a
ação, contra pessoas ou instituições. Isso porque, se os fatos criticados forem
verdadeiros, mas o crítico aproveitou a oportunidade para enxovalhar, mesmo com
algum “brilhantismo”, a reputação do criticado e de sua família — muito além da
intenção de apenas criticar um ato —, ele verá reduzida sua indenização. Não pela sua crítica — na essência verdadeira
—, mas pela forma abusiva, insultuosa, ou obscena, de se expressar.
Essa possível
lei teria também um “efeito colateral” civilizador, educador. O direito de
livre crítica, reconhecido mundialmente, foi concebido “para o bem”. Não como
maldosa oportunidade para ofensas, verbais ou escritas, que estimulam
imitadores, do pior nível imaginável, transformando a mídia em um bordel vocal,
com insultos de baixíssimo calão, que estimularão novas ações judiciais, ou
vinganças à bala. Quem insultar desnecessariamente a parte contrária, mesmo com
o direito de receber uma indenização, ficará sabendo que o seu montante
indenizatório será diminuído, na decisão, na proporção do exagero no insulto
desnecessário. Será útil, para a boa imagem do país no exterior, que políticos,
economistas e “filósofos” de boca suja policiem seu linguajar, mesmo que façam
isso só pensando no dinheiro, não por virtude.
Encerro,
aqui, minha sugestão. Desnecessário dizer que não escrevo para juristas, mas
para pessoas em geral. Daí meu estilo coloquial. Vou encaminhar esta proposta às entidades de
defesa da liberdade de imprensa, as maiores interessadas no direito de informar
o que ocorre no município, no estado, no país e no planeta.
Desnecessário,
de minha parte, apresentar agora um esboço de projeto de lei a respeito, pois
há advogados e juristas do mais alto nível que podem fazer isso melhor do que
eu, afastado que estou, há anos, da atividade forense.
(25/10/2019)