quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

“Temas de DIREITO MÉDICO”, de Elias Farah.  A dupla vocação de um jurista. Realizado em ambas.

Direi algumas palavras sobre um reservado e conhecido advogado de São Paulo que, se adepto fosse da autopropaganda, estaria sempre presente na mídia, devido à seriedade e amplidão de seus conhecimentos. Não está porque é avesso à superficialidade e à incoerência. Digamos, em flash comparativo, que ele é a antítese de um Donald Trump. Dr. Elias Farah está entre aqueles que pensam que cabe aos outros, não a si mesmo, julgar o próprio trabalho. Por isso, eu o avalio, aqui, por dever de justiça. Hoje em dia, a elogiável virtude da modéstia é até prejudicial porque a propaganda e a mídia pesam mais que a realidade.

Para sentir o grau de discernimento desse descendente de libaneses basta conversar um pouco com ele, onde até mesmo o silêncio tem significado. Mas quem pretende conhecer realmente suas opiniões precisa ler seus livros e artigos, publicados em jornais e revistas especializadas na área jurídica, cível e trabalhista. Principalmente na relação entre Medicina e Direito.  Nesse último item, sua biografia guarda, para mim, certa analogia com a vida de outra extraordinária figura humana, científica e intelectual: um médico carioca, clínico geral, Dr. Miguel Couto (Miguel de Oliveira Couto), falecido em 1934, no Rio de Janeiro, titular de três cátedras na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Além disso, era homem de extrema bondade, segundo seus biógrafos.

Por que relacionei, involuntariamente, nosso amigo com esse grande médico do passado — além de tri-catedrático Miguel Couto foi também imortal da Academia Brasileira de Letras — em vez de me lembrar de algum jurista famoso, tendo em vista que o Dr. Farah é advogado? É que, lendo parte de seus inúmeros livros e artigos sobre aspectos legais da Medicina, não pude fugir à conclusão de que Elias Farah nasceu com dupla vocação, algo que acontece também comigo, embora em dimensões bem mais modestas.

 A medicina foi minha primeira possível opção profissional, talvez a mais adequada à minha real natureza: a propensão inata para confiar desconfiando do enfoque abstrato ou vago demais — e por isso talvez enganador — das palavras. Filosofia, teologia, sociologia, economia e direito, por exemplo, podem ter seus termos interpretados de várias maneiras, até mesmo opostas. Basta lembrar a palavra “democracia”, no tempo da Guerra Fria. Americanos e russos divergiam muito sobre o que seria uma “verdadeira” democracia.

Assistindo aos apaixonados debates do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff — as lágrimas, sinceras, de seus defensores encheriam jarras — pode-se ter uma ideia da relatividade, da fluidez, da conflituosa hermenêutica jurídica, o que explica minha preferência para escrever, no meu blog, apenas sobre os detalhes mais concretos dos julgamentos de maior repercussão na mídia. Ou então escrever — aí sem remorsos —, sobre assuntos mais literários, em que a imaginação é livre e mesmo recomendável. Mesmo em atividade “literária” tenho uma forte predileção para fantasiar em termos concretos, preocupado em não insultar a inteligência do leitor. Não entro em “buracos negros” para voltar ao passado e conviver com dinossauros. Se eles me devorassem eu só poderia escrever este artigo em sessão espírita.

Na medicina, uma pneumonia, um enfarto, ou câncer é algo muito mais “sólido” que o descumprimento de um preceito fundamental. Uma “pedra nos rins” é mais incontroversa que uma “cláusula pétrea” constitucional, ou um “direito humano” — há dezenas, fora os mencionados expressamente na CF —, que tanto podem ser invocados pelo criminoso quanto pela vítima. E fiquemos por aqui, porque é o Dr. Farah que nos interessa. Quem quiser um resumo biográfico geral de sua atuação como advogado leia, por favor, meu artigo sobre ele — “Dr. Elias Farah e a ética na advocacia” —, no meu blog (francepiro.blogspot.com), ou nos sites 
www.franciscopinheirorodrigues.com.br, ou www.mundori.com

Esta divagação sobre mim mesmo — sobre a qual peço perdão ao Dr. Farah e ao leitor —, relaciona-se com a falsa ideia de que os talentos humanos são específicos e exclusivistas. Pensa-se que um advogado já nasce “advogado”; um médico já é “médico” mal abre os olhos ao nascer. Não é assim na vida real, em todas as profissões. Conheci grandes advogados que estudaram Direito porque não tinham condições econômicas de frequentar uma faculdade de medicina, ou de engenharia. Não foi o caso do Dr. Farah, mas só quem é “médico” vocacional teria condições de escrever o que ele escreveu quando analisa seus temas de Direito Médico. Antes de abordar o lado legal do tema ele dá uma explicação, facilitada, do aspecto técnico, “medicinal”, do problema.  Advogados criminalistas — principalmente aqueles de gostam de atuar no Júri —, revelam-se quase peritos em detalhes técnicos fora de sua profissão, quando isso é necessário para melhor defesa do réu. Valdir Troncoso Peres parecia um colega de clínica de S. Freud quando dissecava, nos julgamentos, as intenções do réu, da vítima, ou de quem mais influísse no julgamento. Segundo ouvi de um grande advogado tributarista, a pessoa que mais entende, no Brasil, de Reforma Tributária é um médico. Leonardo da Vinci era uma usina de conhecimentos transformáveis em quadros e invenções. 

Voltando ao Dr. Miguel Couto, minha curiosidade sobre esse médico vem do fato acidental dele ter curado um grave problema de pele no rosto de uma irmã de meu pai, ambos cearenses, como eu. Não cheguei a conhecê-la porque saí do Ceará quando tinha apenas dois anos.

 Segundo meu pai, sua irmã, ainda jovem, bonita, casada, passou a sofrer, no rosto, um grave problema de pele, distúrbio que a enfeava de modo anormal. Meu pai não entrou em detalhes descritivos e eu, à época do relato, não me interessava por isso. Casada com um homem de recursos, consultou, sem êxito, todos os médicos do Ceará. Como ninguém conhecia a origem da deformação, o casal foi, de navio, a Salvador, Baía, porque lá, à época — começos do século XX —, clinicavam os melhores médicos do país. Inutilmente. Ninguém conseguiu curá-la. Aí alguém sugeriu que ela fosse ao Rio de Janeiro, só para consultar um determinado clínico geral, de crescente fama, “um tal” de Dr. Miguel Couto. E ela foi — tudo de navio, vejam o sacrifício. Conta meu pai que a consulta foi rápida, sem quaisquer exames laboratoriais, mesmo porque então inexistes. Dr. Miguel Couto fez à paciente algumas poucas perguntas, pesou-a e receitou-lhe comprar um vidrinho de ácido clorídrico. Teria apenas que ingerir o conteúdo na forma que recomendou. Ela o fez e ficou completamente curada.

Pergunto: considerando que todas as pessoas têm ácido clorídrico no estômago, como esse notável médico concluiu que sua ingestão iria curar o grave problema na pele do rosto? Quando pergunto a um médico qual a relação de causa e efeito, nesse caso, sempre ouço hipóteses vacilantes. O interessante, no caso desse médico, é que nos concursos de catedrático os concorrentes, àquela época, tinham que comprovar extensa cultura geral, filosófica e histórica, porque a medicina estava longe do tecnicismo atual. Será que essa maior cultura geral influía no acerto dos diagnósticos do Dr. Miguel Couto? Mas uma coisa é certa: os médicos variam imensamente na sua intuição, ou dedução, na capacidade de diagnosticar.

No Direito, ou melhor, na aplicação do direito aos fatos sob julgamento isso também ocorre. Grandes doutrinadores podem, como juízes, ou advogados, atuar de forma menos acertada. Algo “atordoados” pelas belas especulações teóricas podem, talvez, desprezar o exame mais “rasteiro” dos fatos, quando nos próprios fatos, profundamente investigados, estaria o detalhe decisivo. Senti isso, algumas vezes, quando juiz. Presumo que a boa “pontaria” jurídica do Dr. Elias Farah seja especialmente aguda não só nos litígios em geral como naqueles que envolvem aspectos médicos.

Seu livro “Temas de Direito Médico”, de 660 páginas, abrange praticamente todos os assuntos que relacionam Direito e Medicina. Para escrevê-lo, o Dr. Farah teve que se enfronhar nos detalhes médicos para explicar melhor o lado jurídico dessa importantíssima atividade. Nem enumero, aqui, os tópicos — abordados, cada um, em no máximo uma página —, porque a mera menção deles tornaria extenso demais este artigo, já cansativo para o leitor de média resistência. Seu livro deve ser lido por legisladores, advogados, magistrados, promotores de justiça, médicos, donos de planos de saúde, farmacêuticos e por curiosos que se enquadram no brincalhão adágio de que “de médico e louco todos têm um pouco”. É o meu caso. Espero que afastado o “louco”.

Depois de tantos elogios sinceros ao ilustre advogado, vou cometer agora uma ingratidão. Vou lhe sugerir que publique uma série de artigos — depois reunidos em livro, nos moldes práticos do “Temas de Direito Médico” — emitindo seu julgamento, ou opinião, sobre assuntos bem recentes, de grande interesse público, que abaixo relaciono:

1- Qual sua opinião sobre as tais “Pílulas de inteligência”? A propaganda é intensa e muitos duvidam dos relatos sobre sua eficácia. E quais os componentes químicos que, conhecidamente, influem no funcionamento dos neurônios?

2 - Na China, ao contrário do Ocidente, são relativamente raros os casos de câncer de próstata e do seio. Na “minha opinião” — essa é boa... — a explicação está ou no fato dos chineses pouco consumirem leite e seus derivados, ou porque eles consomem soja em lugar do leite. Note-se que o homem é o único mamífero que bebe leite após a fase de amamentação.

3- Qual sua opinião sobre a proibição de farmacêuticos medirem, em farmácias, o nível de glicose mediante a picada no dedo para extração de uma gota de sangue? Penso que muitos morrem de diabetes, não diagnosticada, porque ou não têm um plano de saúde ou sentem dificuldade de procurar um posto de saúde, frequentemente distante do local onde moram ou trabalham.

4- A mesma pergunta sobre a proibição de medir a pressão arterial pelo farmacêutico. Não vejo sentido nisso, principalmente porque a pressão pode ser medida enfiando o braço em um aparelho colocado na farmácia.

5 – Qual sua opinião sobre uma possível lei obrigando que de todo estudante — do curso fundamental até o superior —, se submeta a periódicos exames de vista e audição como forma de evitar ou minimizar déficit de compreensão de textos e de exposições orais dos professores. Muitos “maus alunos” o são porque a má visão em um dos olhos, ou ambos, atrapalham a leitura compreensão dos livros didáticos. O mesmo ocorre com pessoas portadoras de alguma deficiência auditiva e por isso com dificuldade de acompanhar uma aula e aprender novas línguas. Como não ouvem bem, desistem de aprender. Podem chegar a ler e compreender, mas ouvir e falar é outra coisa.

6 – Como vegetariano, com sua imensa capacidade de trabalho físico e intelectual, você recomenda a alimentação vegetariana? Sou um carnívoro consumado, mas parece-me que quando me abstenho de carne minha mente fica mais ágil, embora sinta-me “fisicamente” mais fraco. Seria mera impressão?
Talvez tais perguntas sejam impróprias para um grande jurista. Faço-as porque elas são dirigidas mais ao lado “médico” do grande advogado.

Encerrando, sinto uma sensação estranha. Parece que voltei aos velhos tempos de magistrado na ativa: lavrei minha “sentença”, julgando um grande livro e seu autor.
(16-11-2016)

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