terça-feira, 22 de novembro de 2016

As “10 Medidas contra a corrupção”.

Como todos têm o direito de opinar, concordo com quase tudo o que está mencionado nas “Dez Medidas” propostas pelo Ministério Público Federal, esse idealista corpo de combatentes que não teme vinganças — próximas ou remotas —, de marginais de variados calibres de riqueza e poder. Vingativos e de boa memória. Espertos e medrosos o suficiente para, anonimamente, delegarem o “trabalho sujo” a jovens marginais, armados e desesperados, ignorantes e capazes de tudo para “ganhar alguns cobres”.

Embora alguns juristas possam julgar desnecessárias tais dez medidas — alegando que já estariam presentes, esparsamente, na legislação, quando “bem interpretada” — o Direito é uma ciência tão sobrecarregada de valores morais e políticos — no bom e no mau sentido — que melhor será, poupando infindáveis discussões, que as referidas “10 medidas” explicitem o que é, ou não, conduta legalmente criminosa. Haverá, com elas, doravante, de forma mais unificada, pelo menos uma grande economia de tempo e elucubração quando as tais medidas foram discutidas nos tribunais. Nem tudo, nas “dez” está claramente previsto das variadas leis atualmente em vigor.

Tenho, porém, uma crítica, ou pelo menos séria dúvida, sobre a 1ª Proposta do M. Público, no item “testes de integridade”.

Quando aplicados, esses testes, em experientes policiais, civis ou militares, ou funcionários públicos em geral, será mais tolerável sua aplicação porque pelas suas funções eles sabem perfeitamente o que é “legal” e o que é “criminoso”. ´

Quando, porém, esses testes são aplicados a candidatos leigos procurando emprego na atividade privada — em uma fábrica ou escritório, por exemplo —, aí o teste pode se transformar em injustiça, cometida contra um cidadão medianamente honesto, até ingênuo, que foi induzido, ou estimulado, a cometer um ato contra o patrimônio, imaginando que agindo “espertamente” não estaria contrariando “as práticas ocultas” vigentes e aceitáveis, nesse novo emprego.

Por exemplo, um capataz ou funcionário de Recursos Humanos de uma empresa, interessado em eliminar estranhos, candidatos a uma vaga — porque pretende colocar um parente nessa função —, pode sutilmente induzir os candidato “de fora” a cometerem a um pequeno furto, dando-lhes a entender — nunca explicitamente, claro — que tais pequenos furtos são usuais, rotineiros,  toleradas pela empresa, que não se preocupa com “coisinhas”, e mesmo seus altos executivos praticam tais desvios.

O “Zé Mané”, meio bobão, precisando demais do emprego e vindo talvez de um “lar” permanentemente atormentado pelas necessidades da sobrevivência, pode, no “teste”, fazer algo errado supondo que com isso estaria apenas “se enturmando” com os futuros colegas no novo ambiente, supostamente mais tolerante. Não lhe “ficaria bem”, pensa, agir como um pretensioso “linha dura”, querendo parecer moralmente superior a seus futuros colegas. Sentindo-se à mercê do funcionário de Recursos Humanos, para sua aceitação, ou não, no emprego, pensa que seria mais sábio “dançar conforme a música”, ou agir segundo o adágio: “Quando em Roma, aja como os romanos”. Nessas circunstâncias, haveria uma forma de injustiça no teste. Mais adequado seria que toda firma afixasse cartazes, no seu recinto lembrando que “Seja honesto. Você está sendo filmado e avaliado sem que você o perceba”, ou algo do gênero.

Quem acompanhou, pela mídia, relatos dos escândalos descritos no Mensalão e na Lava Jato deve ter concluído que inúmeros funcionários de alto escalão podem ter cometido ilegalidades, talvez relutantemente, em bancos e empresas governamentais e particulares — integrantes do “esquema” —, porque, se se recusassem a praticá-las, seriam malvistos e dispensados das funções, por representarem “um perigo”: —“Demitam-nos. São ‘Caxias’ demais. Fanáticos! Possíveis delatores!”

Uma segunda crítica contra o “Pacote saneador” está na criminalização do “Caixa 2” doado, no passado, aos partidos, para campanhas políticas. Não só pelo fato “rasteiro”, jurídico, de a lei penal não poder retroagir, mas porque toda lei, ao ser editada, não deve ignorar totalmente o “meio ambiente” moral do país onde será aplicada.

Vários anos atrás, um amigo meu, engenheiro, sócio de uma empresa especializada em obras públicas, de médio ou quase-médio porte — não era nenhuma das mencionadas nas denúncias mais recentes — contava-me que em período pré-eleitoral havia um inevitável prejuízo: receber políticos e candidatos solicitando doações para a “campanha”. Até ex-governadores às vezes apareciam. E o valor de tais “doações voluntárias” não eram tímidas. Se as palavras pudessem ser submetidas a um raio-x das intenções, a chapa da conversa mostraria que “sem doação, não haveria novos contratos”. — “E aí?”, perguntava-me o engenheiro. “Sem novos contratos eu e meus sócios teríamos que fechar a empresa ou mudar penosamente para outras atividades de engenharia, algo sempre problemático. Por isso dávamos o que era possível dar. E não podíamos dar tudo porque provavelmente outros partidos também apareceriam, como sempre acontecia. E tínhamos que doar, porque as eleições sempre têm uma certa imprevisibilidade.

“Caixa 2” é sinônimo de dinheiro não contabilizado; filosoficamente um crime, mas até recentemente, antes da Lava Jato, uma infração “preponderantemente tributária”, não penal; “não-cadeia”, embora a distinção teórica seja objeto de discussão. Por isso, penso que por razões jurídicas — a lei sempre regula o futuro, não o passado — e também sociológicas, minha modesta opinião é no sentido de que a criminalização só deve ocorrer sobre fatos posteriores à data da nova lei dispondo sobre essa matéria. Pode a Fazenda cobrar, civilmente, o que considera ter sido sonegado, mas sem encarceramento ou outras medidas de Direito Penal, aplicáveis a fatos futuros.

Há um tanto de hipocrisia, nessa história de punir criminalmente, a não contabilização de certos ganhos. Quando, em São Paulo, lembro-me perfeitamente, começaram a vender computadores em larga escala, era comuníssimo — em todas, todas, as profissões, sem exceção — existir a escolha entre pagar mais caro pelo computadores com nota fiscal; ou mais barato, sem nota fiscal. Obviamente, os aparelhos mais baratos, sem nota, eram produto de contrabando ou sonegação de algum tributo. Gente respeitável fazia isso sem peso na consciência. Era “normal”.

Terminado o tratamento do dentista, na hora de dar o recibo, o profissional perguntava: — “Com ou sem recibo?” Se o cliente queria pagar menos — e penso que 95% assim preferiam— seu desembolso era bem menor. E penso que isso ocorria também com médicos e demais profissionais liberais. Lembro-me do relato feito por um “homem do direito”, muito competente, que, mal se aposentou, disse-me ter sido convidado para trabalhar em uma importante empresa privada, frisando que receberia em dólares, sem precisar pagar imposto de renda. Alguns juristas faziam assim, com seus pareceres.

 Errado, juridicamente, claro, mas essa era a realidade que vigorou por décadas no nosso país. Somente com a revolução da Lava Jato é que esse erro de procedimento pressionou a opinião pública no sentido de levar mais a sério, até penalmente, a obrigação de pagar tributos, mesmo julgando que o serviço prestado pelos governos está muito aquém do que “arranca” — é a palavra certa — dos contribuintes “certinhos”.

Penso que, com a futura criminalização do caixa-dois, o Brasil vai melhorar, ética e economicamente. Se, porém, ela tiver efeito retroativo, esse efeito poderá ser julgado inconstitucional, como isso enfraquecendo um pouco, pelo excesso, um belo esforço para moralizar o país.

Como disse, de início, apoio as “Dez Medidas contra a corrupção”, com as pequenas restrições acima mencionadas.

(19-11-2016)


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