O projeto, já apresentado no Senado, visando “abusos” da
Lava Jato, é claramente uma tentativa de intimidar, colocando na defensiva
perpétua tanto os promotores quanto os juízes que atuam na fase do inquérito,
deferindo quebras de sigilo, busca e apreensão de provas, decretando prisão
temporária ou preventiva, autorizando condução coercitiva e outras atividades autorizadas
pela legislação justamente para demonstrar que as denúncias não se baseiam em
meras conjeturas.
No fundo, essa busca de indícios, ou provas, colhidas no
inquérito, visa proteger pessoas inocentes. Ou, se não habitualmente “inocentes”,
pessoas que não cometeram o crime em investigação. O “denunciado” — em
significado popular —, pode, apesar de seu passado, estar sendo caluniado por
inimigos astutos que querem tirar proveito da “onda” de má-reputação um
inimigo.
Um inquérito policial bem feito até solidifica o princípio
de presunção de inocência. Nem toda investigação policial resulta em denúncia
criminal. Uma pessoa falsamente apontada como autora de um crime fica — se o
inquérito for bem feito —, poupada da necessidade de se defender em um sempre
imprevisível processo criminal, porque o promotor pode pedir o arquivamento do
inquérito, ou sua paralização até que surja novo indício que justifique o
oferecimento de denúncia. As pessoas nem sempre dizem a verdade quando
“denunciam” outras à polícia.
Os termos vagos descrevendo
os alegados “abusos de autoridade”— possibilitando variadas interpretações —, contidos
na proposta legislativa encampada pelo Sen. Renan Calheiros, obrigariam
promotores e juízes a gastarem a maior parte de seu tempo apenas se defendendo.
A menos — risivelmente —, que contratassem grandes criminalistas, para
defendê-los das acusações feitas pelos réus do colarinho branco.
A meu ver, a legislação atual já possibilita a punição —,
criminal e cível, indenizatória —, contra uma acusação deliberadamente falsa, ou
um julgamento igualmente doloso, desde que transitada em julgado a ação
criminal onde ficou comprovado o intuito de somente prejudicar o acusado; ou possibilita
anular o processo, antes de seu fim natural quando constado, pela própria
justiça, que o referido processo foi, desde o início, apenas um simulacro de busca
da verdade. Algo assim como uma cédula falsa, que obviamente moeda não é. Dou
um exemplo: o réu foi acusado apenas de ter matado e jogado ao mar uma possível
e única testemunha de um crime, mas em plena audiência o suposto morto aparece,
em carne e osso explicando que “sumiu” porque do contrário seria assassinado
pelos inimigos do acusado.
Enganos de avaliação da prova, ou da interpretação do
Direito —, ou mesmo uma certa “tendenciosidade” profissional — o tal “cachimbo
na boca torta” ou “calo profissional” de promotores e advogados — são uma coisa. Muito outra seria o dolo, bem
consciente, de um acusador que sabe que sua prova é falsa. Isso ocorrendo,
trata-se de crime, a permitir até a expulsão da carreira de promotor e sua
condenação criminal, cumulada com ação de indenização movida por sua vítima
judicial. E o mesmo se diga no caso de um eventual magistrado corrupto, ou
determinado a condenar um inocente sabendo que isso não é verdade e que a prova
contra ele é falsa.
“Abusos” óbvios, da parte de um promotor ou juiz, mesmo no
Brasil de hoje, só podem ocorrer como situações anômalas, de interesse mais psiquiátrico,
facilmente detectáveis como insanidade. Se, numa busca e apreensão, ou condução
coercitiva, um promotor, com esgar de alucinado, põe-se a gritar e chicotear o
indiciado, ou a chutar móveis e parentes do suspeito, essa conduta aberrante
seria logo filmada ou fotografada, chegando de imediato à mídia, antes mesmo
que os enfermeiros coloquem no louco a camisa de força.
Exagerei, propositalmente, na descrição do que seria “abuso
de autoridade”, mas eventuais humilhações desnecessárias de indiciados podem
ser corrigidas imediatamente pelas próprias Corregedorias do Ministério Público
e da Magistratura. Nunca, porém, pondo em risco a liberdade desses
profissionais de trabalhar conforme sua interpretação das normas de
procedimento.
Impedir totalmente, como
segredo de estado, a “publicidade” — desencadeada pela mídia — de uma prisão
temporária ou preventiva seria privilegiar demais os criminosos que não tiveram
acanhamento de arriscar suas reputações contando com a impunidade e o segredo
de justiça.
Mesmo nos mais adiantados países do Primeiro Mundo a
imprensa não fica proibida de noticiar o que acontece quando também “os
grandes” são acusados de malfeitos. Banqueiros e magnatas são vistos, na mídia,
algemados, mesmo quando não agem com violência. Pessoalmente, preferiria
dispensar o uso das algemas quando o suspeito não reage, mas essa prática é
muito usada em outros países, sem protestos significativos.
Por que só no Brasil isso não poderia ocorrer? Antes do
Mensalão quantos políticos, banqueiros e famosos estavam presos? “Nenhum”,
respondeu-me, após uma pausa, um grande criminalista brasileiro.
(07-12-2016)
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