Diz o art. 2º- C, da Medida Provisória 657, de 13 de
outubro último, que “O cargo de diretor-geral, nomeado pelo Presidente da
República é privativo de delegado de Polícia Federal, integrante da classe especial”.
Até a publicação da referida Medida, o diretor-geral
da PF vinha sendo nomeado pelo Ministro da Justiça, agindo, a PF, com rigor e impressionante
independência, “doa a quem doer”, amigo ou inimigo do governo.
Como a Polícia Federal passou, nos últimos anos, a
“exagerar” na seriedade, ou total liberdade, de apurar os desvios denunciados
na mídia, inclusive nas entranhas do governo federal — investigações prejudiciais
ao prestígio do PT — nossa corajosa Presidenta decidiu não mais assumir riscos
de deixar nas mãos de terceiro — embora seu Ministro —, a escolha de quem,
doravante, comandaria a polícia federal. Resolveu, ela mesma, com a Medida
Provisória 657/14, escolher, pessoalmente, qualquer nome entre os delegados
federais, da classe especial, para chefiar a PF. Observo que existem cerca de 400 Delegados
nessa classe.
Ela editou a referida Medida Provisória, em 15 de
outubro também pensando em um “perigo à vista”. Que perigo? Explico a seguir.
Um Congresso de Delegados Federais, realizado em agosto
último, reunindo delegados pertencentes a duas entidades da mesma classe —
“Associação dos Delegados de Polícia Federal” (ADPF) e “Federação Nacional dos
Delegados de Polícia Federal (FENADEPOL) — decidiu insistir em uma velha
reivindicação da classe: a de influir — não decidir, apenas influir — na
escolha do delegado-geral da entidade. A chefia de um órgão como a Polícia
Federal pode representar um grande avanço ético ou o contrário: um poderoso estímulo
à criminalidade do colarinho branco envolvendo agentes públicos.
A proposta, sensata, das duas entidades da mesma
classe, é no sentido de que cabe, legalmente, ao Poder Executivo, escolher quem
chefiará a Polícia Federal, porém com o “tempero” — evitando abusos — da prévia
lista tríplice para escolha da pessoa a ser nomeada como diretor-geral.
Mecanismo ético que já existe, há muitos anos, na escolha dos chefes do
Ministério Público e nas nomeações, para os tribunais, do quinto
constitucional, composto de advogados e membros do ministério público.
Segundo o referido Congresso de Delegados
Federais, a conclusão do processo eleitoral (dos Delegados) terminaria no
dia 5 de novembro de 2014, data em que o processo eleitoral da eleição
presidencial também estaria presumivelmente concluído.
Como esse salutar desejo dos Delegados Federais — de
diminuir o total arbítrio do Presidente da República, possivelmente escolhendo
somente adversários políticos como alvo de investigação, ou proibindo
investigações que o prejudiquem — obviamente seria aprovado em votação no
mencionado Congresso dos Delegados, a nossa Presidenta — que vê longe —
resolveu enfraquecer essa antiga reivindicação da Polícia Federal. Para esse propósito criou o “fato consumado”
da Medida Provisória 657/14, antes do dia 5 de novembro.
Com a Medida
Provisória a reivindicação policial — a ser proclamada no dia 5 — ficou sem
timing, utópica, pendurada no ar. Medidas Provisórias, apesar do nome, costumam
ter longa duração. A Medida Provisória data de 13 de outubro.
A proposta do mencionado Congresso dos Delegados
Federais estabelecia — na formação da lista tríplice a ser apresentada ao
Presidente da República —, que os delegados votariam da seguinte forma:
“No primeiro momento, os credenciados devem escolher seis nomes capacitados
para assumir o comando da corporação. Em seguida, os nomes mais votados serão
selecionados e reapresentados aos votantes, que devem escolher três deles. Os
com maior número de indicações vão compor a lista tríplice a ser encaminhada ao
governo” (copiei este trecho de um artigo publicado na internet”).
Se a Medida Provisória, como está agora redigida, for
mantida pelo Congresso a Polícia Federal será castrada. Não mais investigará os
eventuais “malfeitos” que comprometam o alto escalão do Governo Federal.
Bastará o diretor-geral dizer que não autoriza a investigação e ponto
final. A PF obedece a uma hierarquia, criada por lei.
Existem, aproximadamente, 400 Delegados Federais,
classe especial, como já disse. Não será difícil ao Presidente da República
encontrar, entre esses 400, um Delegado bastante amigo, dócil, ou grato pela
nomeação, que, como delegado-geral, proíba ou arquive, ainda no ovo, qualquer
investigação que, embora pertinente, possa prejudicar os interesses do Governo
Federal. E se, pressionado pela mídia, o delegado geral abrir uma investigação,
dificilmente será impedido de distorcer sutilmente a andamento da apuração dos
fatos, escolhendo peritos e agentes afinados com o interesse do Presidente da
República.
Não fosse a “imprevista audácia” da Polícia Federal,
nos últimos anos — investigando tudo sem restrições —, o povo brasileiro não
teria conhecido as incontáveis e vultosas maroteiras que continuariam
submersas, talvez para sempre. Mesmo que o jornalismo investigativo exponha
fatos comprometedores, se não houver uma investigação formal, estatal, o
público logo esquecerá ou ficará em dúvida se a notícia é mesmo confiável
porque os repórteres às vezes exageram ou se baseiam em fontes não muito
confiáveis. Em um país viciado em desonestidades é um perigo existência de
um delegado-geral escolhido ao total arbítrio do Presidente da República.
Alguém poderá dizer que tanto faz um diretor-geral ser
escolhido diretamente pelo Presidente da República, quanto pelo Ministro da
Justiça, submetido ao Presidente. Bastaria, teoricamente, ao Presidente dizer
ao seu Ministro da Justiça: — “ Nomeie delegado-gera o Dr. Fulano de Tal!”
Pela coragem, ou “atrevimento”, dos diretores-gerais
da Polícia Federal, nos últimos anos, investigando a corrupção em qualquer
lugar ou de qualquer pessoa — ou em quase todas, porque para tudo há um limite...
— pode-se deduzir que os Ministros da Justiça sentem constrangimento escolhendo,
para delegado-geral, somente Delegados Federais “amigos do Rei”, ou do partido
no poder.
Qualquer indício forte — denunciado pelo jornalismo
investigativo — de que a Polícia Federal está sendo apenas “usada” para
esconder patifarias do próprio governo — ou perseguir ilegalmente adversários
políticos —, desmoralizaria tanto o delegado-geral quanto o Ministro da
Justiça. E essa desmoralização contaminaria a própria Polícia Federal bem como,
em última análise, os próprios Delegados Federais.
Nenhuma
corporação de prestígio — como é o caso da Polícia Federal — aceita,
passivamente, ser desmoralizada. E Ministros da Justiça preferem, após deixar o
cargo, não serem lembrados como tendo sido “aquele servil protetor de bandidos
de alto coturno”. Um péssimo currículo.
Prova desse amor-próprio dos Delegados Federais está
na notícia de hoje — 12-11-2014, no jornal Estado de S. Paulo, pág. A-8 —
informando que “Os delegados da PF vão levar lista tríplice para o Planalto”.
Vamos ver se a Presidente Dilma receberá a lista
tríplice apresentada pelos Delegados, escolhendo um dos três nomes. Mesmo sendo
pessoa invulgarmente audaciosa, ela certamente levará em conta os riscos de
desmoralizar uma das poucas instituição que ainda contam com o justificado respeito
da população. E as desmoralizações costumam ser contagiosas, desrespeitando
hierarquias.
(12-11-2012)
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