quarta-feira, 12 de novembro de 2014

A Medida Provisória 657/14 é perigosa e inoportuna.

Diz o art. 2º- C, da Medida Provisória 657, de 13 de outubro último, que “O cargo de diretor-geral, nomeado pelo Presidente da República é privativo de delegado de Polícia Federal, integrante da classe especial”.

Até a publicação da referida Medida, o diretor-geral da PF vinha sendo nomeado pelo Ministro da Justiça, agindo, a PF, com rigor e impressionante independência, “doa a quem doer”, amigo ou inimigo do governo.

Como a Polícia Federal passou, nos últimos anos, a “exagerar” na seriedade, ou total liberdade, de apurar os desvios denunciados na mídia, inclusive nas entranhas do governo federal — investigações prejudiciais ao prestígio do PT — nossa corajosa Presidenta decidiu não mais assumir riscos de deixar nas mãos de terceiro — embora seu Ministro —, a escolha de quem, doravante, comandaria a polícia federal. Resolveu, ela mesma, com a Medida Provisória 657/14, escolher, pessoalmente, qualquer nome entre os delegados federais, da classe especial, para chefiar a PF.  Observo que existem cerca de 400 Delegados nessa classe.

Ela editou a referida Medida Provisória, em 15 de outubro também pensando em um “perigo à vista”. Que perigo? Explico a seguir.

Um Congresso de Delegados Federais, realizado em agosto último, reunindo delegados pertencentes a duas entidades da mesma classe — “Associação dos Delegados de Polícia Federal” (ADPF) e “Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (FENADEPOL) — decidiu insistir em uma velha reivindicação da classe: a de influir — não decidir, apenas influir — na escolha do delegado-geral da entidade. A chefia de um órgão como a Polícia Federal pode representar um grande avanço ético ou o contrário: um poderoso estímulo à criminalidade do colarinho branco envolvendo agentes públicos.

A proposta, sensata, das duas entidades da mesma classe, é no sentido de que cabe, legalmente, ao Poder Executivo, escolher quem chefiará a Polícia Federal, porém com o “tempero” — evitando abusos — da prévia lista tríplice para escolha da pessoa a ser nomeada como diretor-geral. Mecanismo ético que já existe, há muitos anos, na escolha dos chefes do Ministério Público e nas nomeações, para os tribunais, do quinto constitucional, composto de advogados e membros do ministério público.

Segundo o referido Congresso de Delegados Federais,  a conclusão do processo eleitoral (dos Delegados) terminaria no dia 5 de novembro de 2014, data em que o processo eleitoral da eleição presidencial também estaria presumivelmente concluído.

Como esse salutar desejo dos Delegados Federais — de diminuir o total arbítrio do Presidente da República, possivelmente escolhendo somente adversários políticos como alvo de investigação, ou proibindo investigações  que o prejudiquem  — obviamente seria aprovado em votação no mencionado Congresso dos Delegados, a nossa Presidenta — que vê longe — resolveu enfraquecer essa antiga reivindicação da Polícia Federal.  Para esse propósito criou o “fato consumado” da Medida Provisória 657/14, antes do dia 5 de novembro. 
Com a Medida Provisória a reivindicação policial — a ser proclamada no dia 5 — ficou sem timing, utópica, pendurada no ar. Medidas Provisórias, apesar do nome, costumam ter longa duração. A Medida Provisória data de 13 de outubro.

A proposta do mencionado Congresso dos Delegados Federais estabelecia — na formação da lista tríplice a ser apresentada ao Presidente da República —,  que os delegados votariam da seguinte forma: “No primeiro momento, os credenciados devem escolher seis nomes capacitados para assumir o comando da corporação. Em seguida, os nomes mais votados serão selecionados e reapresentados aos votantes, que devem escolher três deles. Os com maior número de indicações vão compor a lista tríplice a ser encaminhada ao governo” (copiei este trecho de um artigo publicado na internet”).

Se a Medida Provisória, como está agora redigida, for mantida pelo Congresso a Polícia Federal será castrada. Não mais investigará os eventuais “malfeitos” que comprometam o alto escalão do Governo Federal. Bastará o diretor-geral dizer que não autoriza a investigação e ponto final.  A PF obedece a uma hierarquia, criada por lei.

Existem, aproximadamente, 400 Delegados Federais, classe especial, como já disse. Não será difícil ao Presidente da República encontrar, entre esses 400, um Delegado bastante amigo, dócil, ou grato pela nomeação, que, como delegado-geral, proíba ou arquive, ainda no ovo, qualquer investigação que, embora pertinente, possa prejudicar os interesses do Governo Federal. E se, pressionado pela mídia, o delegado geral abrir uma investigação, dificilmente será impedido de distorcer sutilmente a andamento da apuração dos fatos, escolhendo peritos e agentes afinados com o interesse do Presidente da República.

Não fosse a “imprevista audácia” da Polícia Federal, nos últimos anos — investigando tudo sem restrições —, o povo brasileiro não teria conhecido as incontáveis e vultosas maroteiras que continuariam submersas, talvez para sempre. Mesmo que o jornalismo investigativo exponha fatos comprometedores, se não houver uma investigação formal, estatal, o público logo esquecerá ou ficará em dúvida se a notícia é mesmo confiável porque os repórteres às vezes exageram ou se baseiam em fontes não muito confiáveis. Em um país viciado em desonestidades é um perigo  existência de um delegado-geral escolhido ao total arbítrio do Presidente da República.

Alguém poderá dizer que tanto faz um diretor-geral ser escolhido diretamente pelo Presidente da República, quanto pelo Ministro da Justiça, submetido ao Presidente. Bastaria, teoricamente, ao Presidente dizer ao seu Ministro da Justiça: — “ Nomeie delegado-gera o Dr. Fulano de Tal!”

Pela coragem, ou “atrevimento”, dos diretores-gerais da Polícia Federal, nos últimos anos, investigando a corrupção em qualquer lugar ou de qualquer pessoa — ou em quase todas, porque para tudo há um limite... — pode-se deduzir que os Ministros da Justiça sentem constrangimento escolhendo, para delegado-geral, somente Delegados Federais “amigos do Rei”, ou do partido no poder.

Qualquer indício forte — denunciado pelo jornalismo investigativo — de que a Polícia Federal está sendo apenas “usada” para esconder patifarias do próprio governo — ou perseguir ilegalmente adversários políticos —, desmoralizaria tanto o delegado-geral quanto o Ministro da Justiça. E essa desmoralização contaminaria a própria Polícia Federal bem como, em última análise, os próprios Delegados Federais.

 Nenhuma corporação de prestígio — como é o caso da Polícia Federal — aceita, passivamente, ser desmoralizada. E Ministros da Justiça preferem, após deixar o cargo, não serem lembrados como tendo sido “aquele servil protetor de bandidos de alto coturno”. Um péssimo currículo.

Prova desse amor-próprio dos Delegados Federais está na notícia de hoje — 12-11-2014, no jornal Estado de S. Paulo, pág. A-8 — informando que “Os delegados da PF vão levar lista tríplice para o Planalto”.

Vamos ver se a Presidente Dilma receberá a lista tríplice apresentada pelos Delegados, escolhendo um dos três nomes. Mesmo sendo pessoa invulgarmente audaciosa, ela certamente levará em conta os riscos de desmoralizar uma das poucas instituição que ainda contam com o justificado respeito da população. E as desmoralizações costumam ser contagiosas, desrespeitando hierarquias.

(12-11-2012)


  



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