segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Quem deve, ou deveria, escolher o delegado-geral da P. Federal?

Conversando com um respeitável jurista —, conhecedor profundo da nossa Constituição Federal —, sobre o “aviso” da Presidenta da República, expresso na Medida Provisória n. 657/14, de que cabe a ela, exclusivamente, sem qualquer limitação — uma lista tríplice, por exemplo — a escolha do delegado-geral da Polícia Federal, divergimos amigavelmente.

A divergência foi apenas sobre os possíveis ou recomendáveis limites ao arbítrio presidencial na escolha de qualquer delegado-geral da Polícia Federal, a quem cabe decidir se investiga, ou não, determinado fato, da alçada federal, dado como criminoso.

Considerando que a Polícia Federal integra, sem dúvida, o Poder Executivo e sendo o Presidente a autoridade máxima desse Poder, nada aparentemente mais “lógico” que ele possa — quem pode o mais, pode o menos — escolher pessoa de sua estrita confiança para essa tarefa espinhosa e delicada de reprimir os crimes que não são investigados pelas polícias estaduais.
O que seria do governo federal sem uma polícia vigilante na defesa do interesse público?

No entanto, por que, a meu modesto ver, é inconveniente a tese da liberdade total do Presidente na escolha do seu delegado-geral entre cerca de 400 Delegados? Porque podem ocorrer situações — em qualquer país —, em que o Presidente tenha, pelos mais variados motivos, interesse impublicável em impedir a investigação de um crime da competência “federal”, praticado por algum colega de partido,  ou velho amigo, parente, cônjuge, ou por ele mesmo, considerando-se que presidentes são também seres humanos, com as fraquezas inerentes a essa condição. Não são, por definição, anjos. Aliás, nenhum “anjo” político jamais chegará à presidência de qualquer país. Poderá chegar ao céu, mas não à presidência porque os anjos não são suficientemente astutos nessa área.

Um crime, permanente, de chantagem contra um Presidente da República, obrigando-o a fazer algo lesivo ao país, pode ficar impune porque o ilustre chantageado, temendo a repercussão do caso — com a revelação do fato vergonhoso — não autorizaria, jamais, a investigação da Polícia Federal, cujo chefe seria de sua particular confiança e muitíssimo grato pela nomeação.  

Examinando o Capítulo III da CF , “Da Segurança Pública”, verifico que o art. 144 não entra no detalhe — nem precisaria chegar a esse ponto — de dizer a quem compete a escolha do delegado-geral da Polícia Federal. Esse detalhe ficaria para a legislação infraconstitucional.

Ocorre que, em rápido e superficial exame da legislação federal, não encontrei nenhum artigo de lei federal declarando que o delegado-geral deva ser escolhido diretamente pelo Presidente da República ou pelo seu Ministro da Justiça. Note-se que a Polícia Federal está subordinada ao Ministério da Justiça.

Essa preocupante omissão legal — sobre quem, pessoalmente, deve nomear o delegado-geral —, recomendaria uma correção, que vem se processando gradualmente em outras áreas, com o uso da lista tríplice. No caso em tela elaborada pelos Delegados Federais, classe especial, conforme votação da categoria.   

Segundo fui informado — não sei se corretamente —, de alguns anos para cá quem vinha escolhendo o delegado-geral era o Ministro da Justiça. Um “costume” administrativo — moralmente salutar —, porque o Ministro da Justiça vive muito mais “próximo”, profissionalmente, dos Delegados Federais do que o Presidente da República, trabalhando em sua mais alta e distante esfera, lidando com assuntos os mais diversos.

Trabalhando, o Ministro, em contato quase permanente, presume-se, com a Polícia Federal, ele pode conhecer —  bem melhor que o Presidente —, qual Delegado Federal, entre centenas, é o mais qualificado, em termos técnicos e morais, para exercer a vigilância, às vezes “incômoda”, inerente à atividade policial. O policial é obrigado, institucionalmente, a ser uma espécie de “superego”, atento aos indícios de crime mesmo quando não está no horário de serviço. Para muitos é uma atividade “antipática”, embora necessária.

A eventual necessidade de contrariar políticos e empresários de grande influência e poder econômico aconselha que a escolha do chefe de polícia  recaia entre três Delegados Federais com reconhecida — pelos demais Delegados — competência, coragem e retidão, qualidades que nem sempre andam juntas em um mesmo indivíduo. Todos sabem que, infelizmente, um interesse mais profundo na investigação de um suspeito importante, “amigo do rei”, pode remover delegados de polícia  para os confins do país. É conhecido o ditado alertando que “a corda sempre arrebenta no lado mais fraco”.

Pensando nisso, foi, com a devida vênia, inoportuna a iniciativa da Presidenta da República dizendo, às claras, que cabe a ela, exclusivamente, a escolha do chefe da Polícia Federal. Especialmente neste momento em que pipocam escândalos envolvendo pessoas de grande projeção no mundo empresarial e político.

Feliz, portanto, a iniciativa dos Delegados Federais, quando encaminharam, dias atrás, à Presidente, uma lista tríplice formada pelos próprios Delegados, que conhecem, mais de perto, as qualidades e eventuais defeitos de seus próprios colegas.

Há, como já dito, de uns tempos para cá, a tendência — bem vista — de limitar ou “temperar” o arbítrio de escolha, pelos Governadores, do chefe do Ministério Público Estadual. Com isso, o Governador fica poupado da crítica de que controla, “seletivamente”, ou tendenciosamente, o combate à criminalidade.

Sem uma Polícia Federal independente, quem investigará os crimes de pessoas eventualmente integrantes do próprio governo? A polícia estadual não pode, pela legislação, fazer tais investigações. A polícia municipal, menos ainda. 
Deixar tais investigações a cargo de repórteres da mídia será mero “fogo de palha”, manchete rotulada de “sensacionalista”, mesmo sendo verdadeiros os fatos. A Justiça, para funcionar, depende de uma denúncia formal do Ministério Público, baseada em inquérito. E os jornais não podem elaborar inquéritos. Ocorrerá a facilidade de total impunidade de alguns “grandes”, caso caiba ao Presidente da República, ao seu total arbítrio, a escolha do Chefe de Polícia.

Nossa Polícia Federal deverá seguir, com as necessárias adaptações, os moldes do FBI americano que investiga o que, ou quem, deva ser investigado, seja ele quem for. Se o FBI —em exemplo grosseiro —, vem a saber que o Presidente da República, ou um seu parente, está vendendo, escondido, armas atômicas a terroristas, o FBI não se sente obrigado a  pedir, ao Presidente, autorização para investigar a situação. Eventual defesa do Presidente será feita por outro departamento, talvez a Advocacia Geral da União. Não a Polícia Federal, que é apenas “polícia”, e não advogada de defesa do Presidente.

O Federal Bureau of Investigation tem, como lema, aproveitando as iniciais da sigla, “Fidelity, Bravery, Integrity”. Fidelidade à verdade, aos fatos, não ao ocupante momentâneo do poder. Bravura para enfrentar o crime organizado, sempre poderoso e vingativo.  E integridade, para não se deixar corromper.

Como os governos são compostos de seres humanos — sempre tentados a abusar —, se algum governante erra o FBI sente-se na obrigação de agir. 
Do contrário, o crime organizado toma conta do país. Tal deve ser também o papel da nossa Polícia Federal. E se esta, eventualmente, abusar na investigação, falseando provas, o Judiciário, quando do julgamento do crime, poderá aplicar as sanções cabíveis, inclusive encaminhando os fatos ao Ministério Público para as providências penais contra a autoridade policial que traiu sua missão.

Não sei qual será atitude da Presidente Dilma, com relação à “novidade” da lista tríplice apresentada pelos Delegados Federais. Para rejeitar a sugestão dos Delegados, seria preciso, para compreensão da população, que a Presidenta, ou alguém por ela, demostrasse os fundamentos morais e legais motivadores da sua rejeição de qualquer lista tríplice, afastando suspeitas de querer proteger quem não merece ser protegido.

Resumindo tudo o que foi dito acima: nenhum governo será respeitado se sua polícia federal não tiver total liberdade para investigar indícios de delitos até mesmo dentro do próprio governo, respondendo por eventual fraude na investigação.
(24-11-2014)



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