Se há uma coisa que não suporto é grosseria em resposta a quem nos trata cordialmente, estendendo a mão em cumprimento. Refiro-me ao que ocorreu na cúpula do G-20, na Austrália, motivando a saída prematura de Putin.
Tenho enorme simpatia pelo Canadá. Gosto até mais do Canadá do que dos Estados Unidos, embora também goste dos EUA. Passei um mês inteiro, alguns anos atrás, já velhusco, em Vancouver, aprendendo inglês na parte da manhã e passeando ou lendo — com ajuda de dicionário — na parte da tarde. Comprei, lá, livros, em inglês, que não encontrei no Brasil, mesmo recorrendo à ajuda de livrarias brasileiras que importam livros ainda não traduzidos.
Gosto do frio canadense — estive lá no fim do outono — e recordo, com saudade, o metrô de superfície — ou que outro nome tenha —, no qual ia, diariamente, da casa onde estava hospedado, até a escola de inglês, no centro da cidade. Saudade que se agrava quando lembro os nomes das estações próximas, anunciadas, então, com voz feminina, pelo alto falante do vagão. Aí a saudade fica mais aguda.
Se eu tivesse que morar por longo tempo, em outro país, o Canadá estaria entre os dois ou três de minha predileção, todos de clima temperado, ou frio.
Apesar de nascido no quente Ceará, minha alma — se tivesse uma, no que não acredito, embora não seja um “desalmado” — deve ter “habitado”, “em outra encarnação”, o corpo — espero que masculino —, de um sujeito vivendo não muito distante do Polo Norte. Agrada-me a sensação de frio quando estou bem agasalhado, porque se gosto do frio louco não estou, parece-me, embora ciente de que o louco é o único que não sabe que está louco. Se soubesse, não seria plenamente louco.
Coisa que estranhei, em Vancouver, foi o número de feições chinesas que via nas ruas. São os descendentes dos trabalhadores chineses que, várias décadas atrás, foram recrutados na China para o serviço pesado da construção das estradas de ferro canadenses. Pelo menos aquelas mais próximas do Oceano Pacífico. Em certos momentos, andando pelas ruas, parecia-me que eu estava, não no Canadá, mas em Pequim, embora nunca tenha estado em Pequim.
Vendo, não raramente, aquelas limusines negras, imensas, conduzindo executivos com rostos chineses, eu fazia conjeturas sobre o esforço bem sucedido daqueles descendentes de trabalhadores braçais que se tornaram milionários, apesar da origem humilde e difícil. Somente após retornar ao Brasil fiquei sabendo que a maioria daqueles “milionários das limusines” não eram descendentes dos carregadores de trilhos e dormentes. Eram pessoas que já chegaram ricas ao Canadá, vindo da China ou de outras regiões.
Dadas as presentes explicações — demonstrando minha simpatia e respeito pelo Canadá, e seu povo —, explico a utilização do termo “grosseria” constante do título do presente artigo.
Inicialmente, digitei uma palavra bem mais pesada: “coice”. Mas aí pensei que, pretendendo, eventualmente, voltar um dia ao Canadá talvez o setor de imigração, no aeroporto, me proibisse de ingressar no país, por causa da minha “grosseria” no me referir a um gesto e fala de um primeiro-ministro. Por isso troquei o “coice” pela “grosseria”.
Afinal, perguntará o leitor, qual foi a grosseria do primeiro-ministro?
Segundo o jornal “Estado de S. Paulo”, de hoje, 17-11-14, pág. A-14, Internacional, “O primeiro-ministro do Canadá, Stephen Harper, reagiu duramente quando Putin estendeu a mão para cumprimentá-lo. Disse: “Vou apertar sua mão, mas tenho apenas uma coisa a dizer: você precisa sair da Ucrânia”.
Traduzindo o que ficou implícito, Harper deixou subentendido que não considerava Putin sequer merecedor de um aperto de mão, retribuído com confessada má-vontade . Depois desse “respeitoso” tratamento diplomático, seguido de uma “ordem” —, como se dirigisse a um serviçal —, não havia porque Putin continuar no local, aguardando ser crucificado.
Fosse outro o recinto, seria o caso de Putin retirar rapidamente sua mão do alcance da garra, digo, da mão do primeiro-ministro, dizendo ainda que não estava ali nem para receber insultos nem ordens. E estaria ainda autorizado a acrescentar algumas palavras pesadas, exercendo o direito de retorção, ou revide. No entanto, preferiu, discretamente — muito mais educado que o canadense —, se retirar, voltando ao seu país antes mesmo de Barack Obama falar bonito para impressionar o distinto auditório.
Em 13 de setembro último publiquei, na internet — no meu site e no meu blog —, um artigo explicando o que ocorria, a meu ver, na Criméia e no Leste da Ucrânia, mostrando que Putin pode ter seus defeitos, mas não pode ser censurado por não ficar surdo ao desejo e apelo de centenas de milhares de ucranianos que preferem ser cidadãos russos e não cidadãos de mais um país membro da União Europeia.
Transcrevo, abaixo, o que escrevi no referido artigo de 13-09-14:
“Refiro-me, especificamente, ao que ocorre atualmente em parte da Ucrânia, isto é, na Criméia e nas províncias do Leste — talvez também no Sul, a conferir —, cujas populações se identificam mais como sendo “russas” do que como integrantes da União Europeia. Essa União foi, e ainda é, uma “boa ideia”, deve persistir coesa mas, no momento, patina na área econômica, com vários países mal administrados e com excesso de desempregados: Grécia, Itália, Espanha, etc.
“Essa dificuldade da UE provavelmente influi no desejo dos ucranianos “russófilos” de se tornarem cidadãos russos. Estivesse a Rússia, no momento, na anarquia e no desemprego, mesmo os ucranianos de língua russa talvez preferissem integrar a União Europeia.
“Afinal, pergunta-se: não cabe aos próprios interessados decidir o seu futuro? Na Criméia, foram os habitantes que tomaram a iniciativa da opção pela cidadania russa, que mantiveram durante décadas, até a dissolução da União Soviética. Mesmo os mais fanáticos inimigos de Putin não têm a coragem de argumentar que os separatistas da Criméia e do Leste estão sendo coagidos a preferirem a proteção da “asa” russa. Um referendum, na Criméia, comprovou esse desejo com altíssima votação.
“V. Putin deveria fazer ouvidos surdos a esse apelo? Fizesse isso, seria acusado de covardia.
“Imaginemos — apenas para efeito de argumentação — que no México, em uma longa faixa vizinha à fronteira americana, houvesse algumas províncias habitadas por descendentes de norte-americanos, falando inglês e com hábitos americanos. Imaginemos que tais habitantes, legalmente mexicanos, insistissem em uma separação tópica, pretendendo a cidadania americana. Se tais movimentos fossem hostilizados por soldados mexicanos, com prisões e morte dos “separatistas”, é quase certeza que Barack Obama tomaria “providências”, inclusive armadas, de proteção dos “revoltosos”. O eleitorado americano pressionaria Obama nesse sentido, sob pena de considerá-lo “medroso”.
“É o que aconteceu, e ainda acontece, com Putin, que se vê obrigado a ser solidário. Não acredito que essa rebelião dos habitantes da Criméia e dos habitantes do Leste ucraniano tenha sido forjada por Putin, tendo em vista os enormes riscos de um sangrento conflito, de resultado imprevisível, enfrentando UE, Otan e EUA. Esse pesadelo só atrapalhará a economia russa, já vitimada por bloqueios econômicos, diplomáticos e financeiros. A indústria armamentista mundial deve estar eufórica com a perspectiva de novos lucros.
“No fundo, no fundo, esse “carnaval belicoso” contra Putin esconde o mero desejo europeu e americano de não perderem uma região com peso substancial. Não é somente defesa de valores abstratos, jurídicos, a soberania ucraniana.”
O artigo inteiro, em questão, “V. Putin está sendo mal interpretado”, pode ser lido no meu site: www.franciscopinheirorodrigues.com.br bem como no blog: http://francepiro.blogspot.com/, no Facebook e no site www.governomundial.com.br
Putin está sendo tratado como um “invasor cruel” de um país, apenas porque não recusa a solidariedade solicitada pelos separatistas ucranianos.
Se fôssemos mencionar os mais de 150 países nos quais existem bases ou tropas norte-americanas, ali estacionadas, como definiríamos a política externa americana? Não seria ela, numericamente, muito mais “imperialista”, do que o apoio solidário — e solitário... — de Putin aos ucranianos que querem ser considerados russos e estão dispostos a sacrificar suas vidas com esse objetivo?
Nada a opor, de minha modesta parte, contra a presença militar norte-americana em tantos países. Mas um mínimo de honestidade mental seria exigível desse pessoalzinho — salvo algumas prováveis exceções — que está reunido no G-20, mentindo alegremente para eles mesmos, para o mundo e ainda regando as mentiras com grosserias.
V. Putin fez bem em se retirar. Mostrou ser bem mais educado que alguns presentes. E também corajoso.
(17-11-2014)
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