segunda-feira, 18 de março de 2013

Dois exemplos opostos de bravura


Dois exemplos opostos de bravura.

A coragem pode expressar-se de várias formas: com ações físicas violentas, em tempos de guerra — ou em legítima defesa — e também de modo pacífico, calculado, como fez Gandhi, com sua inovadora, para a época, “resistência pacífica”.  Nelson Mandela usou técnica assemelhada, lutando contra o apartheid.

Surpreendentemente, depois de passar mais de vinte anos na prisão Mandela saiu sem qualquer desejo de derramamento de “sangue branco”. Certamente chegara à conclusão de que apenas na pele, cabelo e feições diferem os povos. Sangue, instinto e inteligência são assemelhados. O que existe de forma inegável é a diferença individual, dentro de todas as raças. E, felizmente, o esforço pelo aperfeiçoamento do próprio caráter — com suas inegáveis repercussões na “inteligência” — está ao alcance de todos os seres humanos. Pessoas com forte senso de responsabilidade, honestidade mental, coerência, coragem e tenacidade podem derrotar portadores de Q.I. mais alto que o seu, porém deficitários no caráter. 

Quando um repórter, algum tempo depois da sua libertação, perguntou a Mandela se ele não guardava rancor contra seus carcereiros ele respondeu que não. Alegou que não fora, propriamente, maltratado e que os guardas apenas cumpriam suas obrigações. Esse detalhe mostra quão importante é a educação e formação moral de policiais e agentes públicos em geral — no caso os carcereiros —, respeitando as pessoas a eles submissas.

Se Mandela tivesse passado anos apanhando e sofrendo humilhações, deixaria o cárcere com sentimentos bem cruéis. Seria a “hora da revanche”, com muito sangue derramado. Teríamos talvez, ainda hoje, uma África do Sul mergulhada em conflitos raciais, criminalidade e pobreza. Se deve existir, atualmente — desconheço os sentimentos profundos da população sul-africana  — alguns ressentimentos de origem racial, a situação estaria muito pior se a população negra tivesse sido estimulada a um “banho de sangue”, em vingança contra passadas humilhações.
Não é exagero concluir que os carcereiros brancos que mantiveram contato respeitoso com Mandela, durante seu longo tempo de cadeia,  moldaram, inconscientemente, o futuro do país e, provavelmente de boa parte da África Negra, tendo em vista a importância de seu país. Mais influência, certamente, que cientistas políticos que, com seus textos, não influíram, em nada, para que Mandela voltasse à política ativa com sentimentos de concórdia, embora sem abandonar seus ideais. Tais carcereiros, em sentido amplo, foram, repito, “construtores do futuro”. Se o mal é contagioso, o bem também o é.

Vou agora mencionar os “dois exemplos” de bravura diferente, mencionados no título desde artigo.

Quem gosta de bom cinema já deve ter assistido o filme “Círculo de Fogo”, que retrata a Batalha de Stalingrado, símbolo da tenacidade russa na luta contra os sonhos de “espaço vital” de Adolf Hitler. Essa Batalha já foi considerada a mais sangrenta de toda a História e durou de 17-7-42 a 2-2-43, com um saldo de cerca de dois milhões de mortos, incluindo civis.

Nessa carnificina histórica, os franco-atiradores — “snipers” —, tiveram um papel importante, principalmente pelo efeito no moral nos combatentes. Principalmente nos russos, inferiorizados em potencial bélico e tecnologia bélica. Realmente, não tranquilizava os nervos dos militares alemães, distantes até um quilômetro da linha de fogo, o perigo implícito em um mero “esticar o corpo”, após horas imobilizado atrás de uma rocha ou entulho. Qualquer ato mínimo de higiene, nas raras e breves pausas do combate, poderia significar a morte com um tiro certeiro na cabeça. O capacete não impediria sua morte porque o fuzil russo com mira telescópica Mosin-Nagante, mod M91/30, calibre 7,62 x 54mm não respeitava capacetes.

Entre os “snipers” russos destacou-se Vassili Zaitsev, um pastor de ovelhas transformado em soldado, nascido em Kiev e dotado de pontaria excepcional. Ele tornou-se o personagem central no filme referido no início deste artigo . Quando se ofereceu, muito jovem, para combater na linha de frente, já treinara suficientemente sua pontaria. Desde criança, acompanhado e instruído pelo avô, caçava cervos e lobos nos Montes Urais. No cerco de Stalingrado, escondia-se no meio dos entulhos e tubulações de água e com seu rifle de mira telescópica aguardava pacientemente o momento exato de apertar o gatilho.

V. Arkhipov morreu como herói, com o status de capitão. Seus biógrafos dizem que ele matou 242 soltados e oficiais alemães, só no cerco de Stalingrado, mas no total da guerra matou 468, incluindo onze atiradores de elite. O “duelo” principal, descrito no filme de início referido, foi com um oficial alemão, famoso instrutor de tiro em Berlin, especialmente designados pelo alto comando alemão para ir a Stalingrado e matar Arkhipov. Na disputa de paciência, psicologia e pontaria o russo levou a melhor.

Segundo referido herói, esse alemão chamava-se Erwin König, mas surgiram, depois da guerra, dúvidas sobre a existência desse nome  relacionável com a elite de “snipers” alemães. De qualquer forma, a atuação desse excepcional franco-atirador russo teve um papel psicologicamente importante na História. Se a batalha de Stalingrado fosse vencida pelos alemães a sorte da Europa poderia ter sido diferente, pelo menos na duração da 2ª. Grande Guerra. Grandes estrategistas já disseram que o maior erro de Hitler foi ter atacado a União Soviética, deslocando para a distante Rússia mais de um milhão de soldados, incluindo nessa contagem tropas italianas, romenas e húngaras, sub comando alemão.

Vassili Zaitsev morreu em 1991, aos 76 anos, dez dias antes da dissolução da União Soviética. Faleceu coberto de glórias e foi enterrado em Kiev, sua cidade natal, apesar do seu desejo expresso de ser enterrado em Volvogrado, a nova denominação de Stalingrado. Por sinal, essa mesma cidade, até 1925, chamava-se Tsaritsyn, certamente em homenagem ao Czar. Com a ascensão de Stalin, passou a chamar-se Stalingrado, mas após a queda do ditador passou, desde 1961, a denominar-se Volvogrado. O que não impede — a dança política dos nomes... — que volte e chamar-se novamente Stalingrado, por pressão dos saudosos de Stalin. O presidente, W. Putin, vê com simpatia essa reivindicação.

Um outro herói russo, desta vez com menor unanimidade, foi Vasily Arkhipov, que salvou — literalmente, não é exagero — a humanidade de um conflito nuclear, ou quase certa 3ª. Guerra Mundial, quando da conhecida “crise dos foguetes”, em outubro de 1962.

Como todos sabem, Kruschev enviou a Cuba foguetes com ogivas nucleares, com isso eriçando os pelos da nuca de John F. Kennedy, inquieto com a possibilidade de Fidel Castro disparar algumas bombas atômicas contra os EUA. Estávamos, então, no ápice da Guerra Fria. É opinião unânime dos estudiosos que nunca o Planeta esteve tão próximo de uma guerra total. Isso porque a estratégia nuclear tem um ponto fraco que é considerado, por engano, o “ponto forte”: a retaliação nuclear imediata.

Essa estratégia é apoiada no seguinte raciocínio: “Se o inimigo disparou mísseis nucleares contra nós, é nossa obrigação contra-atacar de imediato, enviando o máximo de mísseis contra ele. Não tem sentido, com bombas atômicas voando contra nós, ou já explodindo em nosso solo, ficarmos conjeturando, ou consultando o inimigo para saber se houve um disparo acidental; mesmo porque não há certeza se ele dirá a verdade. Se não tomarmos providências imediatas, arrasando o inimigo, ele não se deterá. Qualquer demora nossa pode nos impedir, fisicamente, de reagir, porque nem teremos como. Se dermos o “troco” quase instantâneo o inimigo, sentindo na carne o peso da morte, será forçado a parar a agressão”.

Ocorre que pode ter ocorrido um erro de avaliação — e não só um mero “acidente de dedo” no apertar um botão em Washington, ou Londres, Paris, Moscou, Pekin, Telaviv, Piongiang, etc.

O maior perigo das armas nucleares está no disparo acidental. Conta-se que Jimmy Carter, quando na presidência, teve um de seus ternos enviado à tinturaria — provavelmente da Casa Branca (desconheço esse detalhe). Em um dos bolsos do paletó estava o código que autorizava o disparo de foguetes nucleares contra a União Soviética. A notícia desse fato, que li recentemente na internet, não diz se se tratava de um papel com o código escrito, ou algum tipo de “celular’. Certamente era um “celular”, imprescindível para uma retaliação urgente. Se um rapazola da tinturaria, por exemplo, não sabendo que tinha em mãos um comando tão mortífero, passasse a “brincar” com o “aparelhinho” e, por acaso, acionasse o disparo, teríamos o inferno na Terra. E a União Soviética, faria o mesmo, direcionando seus mísseis também contra Londres e outros aliados fiéis de Washington.

Em guerras totais nucleares não há tempo, como disse, para consultas posteriores aos disparos, motivo porque as armas atômicas precisariam ser abolidas, desde que sejam também proibidas todas as guerras. Armas convencionais também matam, tanto ou mais que as atômicas porque as consequências serão mais leves para o agressor. Qualquer superioridade bélica estimula abusos entre nações. A culpa não está nas armas, mas na natureza humana.

Voltando à atuação de Vasily Arkhipov na “crise dos foguetes”, ele se encontrava no submarino russo B-59, um dos quatro que se dirigiam a Cuba munidos de torpedos com ogiva atômica. O interessante é que apenas umas poucas pessoas da tripulação desses quatro submarinos sabiam da qualidade especial de seus torpedos. Sabiam apenas que carregavam “armas especiais”.

Quando o submarino B-59 estava próximo de Cuba, mas ainda em águas internacionais, foi localizado por aviões e helicópteros da frota americana. Tais aeronaves, percebendo que um submarino navegava submerso passaram a jogar “granadas” — ou que outro nome tenham —, para forçar o submarino a subir à superfície e se identificar. Não sabiam que o submarino era russo e carregava torpedos nucleares. Se soubessem, não jogariam tais explosivos, porque se as ogivas nucleares fossem detonadas os navios e helicópteros também seriam destruídos.

Por sua vez, a tripulação do submarino pensava que estavam sob ataque e, por isso, continuaram submersos. Assim se passou uma semana, com a tripulação sofrendo com uma temperatura de 60ºC, com água racionada a um copo por dia para cada tripulante. Como as tais “granadas” eram potentes e contínuas, estremecendo o submarino — parecendo mesmo destinadas a afundá-lo —, o esgotamento foi tomando conta da tripulação, a ponto do capitão, Valentin Savitsky, desesperado e enfurecido, tomar a decisão de disparar um torpedo atômico contra o porta-aviões US Randolf, que dava apoio aos helicópteros e aviões que os torturavam. Quando dessa decisão, o capitão pensava que a 3ª. Guerra Mundial já se iniciara. E não dava para saber, pelo rádio, entrando em contato com Moscou, porque para se afastas das “granadas” o submarino estava muito abaixo da superfície. O capitão estava decidido:  — “Nós morreremos, mas levaremos para o fundo do mar nossos inimigos. Pelo menos salvaremos a honra de nossa Marinha”.

Cumpre esclarecer que, segundo ordens de Moscou, um torpedo atômico só poderia ser disparado com a aprovação unânime dos três tripulantes de mais alta patente da tripulação, entre eles V. Arkhipov. E este se opôs, isoladamente, ao disparo, suicida e provável desencadeador de uma terceira Guerra Mundial.

Por que Arkhipov se opôs ao disparo? Porque não tinha certeza de que já se iniciara a guerra com os EUA. Como seu apoio era imprescindível para a decisão do disparo fatal e não seria mais possível permanecer embaixo d’água — alguns tripulantes desmaiavam por falta de oxigênio —, o submarino emergiu. E só então, pelo rádio, ficaram sabendo que a Guerra tinha sido evitada, seis horas antes. EUA e URSS haviam acordado que os foguetes russos instalados em Cuba, retornariam para a URSS e, em troca, os americanos retirariam seus foguetes instalados na Turquia e direcionados contra a Rússia. Pelo que diz artigo na internet, os EUA prometeram retirar seus foguetes da Turquia mas esse detalhe não poderia ser mencionado na mídia. Questão de prestígio, claro.

Enfim, esse “voto” divergente de V. Arkhipov evitou a sempre temida 3ª. Guerra Mundial. No entanto, chegando à Rússia, Arkhipov foi censurado pelos superiores, por demonstrar “fraqueza”. Um dos almirantes que julgou sua conduta de “rendição” chegou a dizer que “seria melhor que a tripulação se sacrificasse, indo para o fundo”. Essa opinião, no entanto, não foi mantida posteriormente porque na internet o referido herói da sensatez aparece, já idoso, em foto com o peito cheio de medalhas.

Ficou provado, com esse gesto, que o heroísmo pode assumir muitas formas, inclusive com a coragem de ser confundida com fraqueza.

Nota: Todos os detalhes fáticos acima mencionados eu os colhi na internet. Notadamente na Wikipédia, esse benemérito e gratuito serviço informativo de todos os assuntos. Seu idealizador, ou sucessor, dias atrás, informou que a Wikipédia passa por dificuldades financeiras, porque subsiste apenas de donativos.

De imediato comprometi-me com uma contribuição mensal, via Cartão de Crédito. Como tinha receio de mencionar os três dígitos que ficam no verso do Cartão, informei-me antes, com familiares, quanto à segurança nas compras pela internet. Fiquei sabendo que se o “http” do Wikipédia estiver com um “s” a mais — portanto “https” — pode-se comprar com Cartão, sem risco. E assim fiz. O leitor pode consultar os entendidos sobre essa questão de segurança.

O Wikipédia foi uma brilhante ideia para difundir a informação. E quanto menos ignorância no mundo, melhor a sorte de todos nós. Se V. Arkhipov fosse um ignorantão impetuoso — embora patriota —, esta mensagem teria que ser talhada na pedra.

(18-03-2013)




  

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