Os palestinos
precisam de um Spielberg, Cameron, Tarantino ou Ben Affleck
Lendo, em jornais,
comentários sobre o Oscar de 2013 e, em livros, a luta inglória dos palestinos
pela criação de um Estado próprio — com fronteiras delimitadas —, é lamentável
que nenhum grande diretor de cinema, do porte de um Steven Spielberg, James
Cameron (“Titanic”), Tarantino, ou Ben Affleck (“Argo”) tenha se interessado em
levar à tela um conflito de tamanha relevância até mesmo para a paz mundial.
Não há exagero em
dizer que aquela pequena extensão de terra, a Palestina árabe — encolhendo cada
vez mais, e não por vontade própria — terá um peso decisivo na construção da
paz mundial, ou funcionará com sentido oposto, como estopim de um conflito
bélico de enormes proporções. Não se trata de mera “questão local”, um
minúsculo detalhe geográfico incrustrado no Oriente Médio. O que nela ocorrer,
de bom ou de mau, repercutirá diretamente — efeito dominó — no Ocidente,
viciado em petróleo. E, afetando os EUA e a União Europeia, o efeito perturbador
se estenderá aos países asiáticos, tal a mútua dependência inerente à
globalização.
A Palestina, pelo que se sabe, não dispõe de
petróleo em seu subsolo — não mencionemos aqui as notícias de que há imensas
reservas de petróleo e gás no leste do Mar Mediterrâneo. Todavia, países árabes
da região — além do persa Irã —, são riquíssimos nesse tipo de combustível e
não veem com simpatia o que ocorre na Palestina. Além do mais, o Ocidente não
pode contar com a certeza de que a Arábia Saudita — grande fornecedor dos EUA —,
permanecerá eternamente indiferente ao sofrimento de seus “irmãos” de raça que
nem conseguem se constituir em estado soberano pleno porque Israel simplesmente
não quer.
Como mero
parêntese, é incoerente que a humanidade fale, com tanto entusiasmo, sobre a
necessidade de aposentar o petróleo como fonte de energia — efeito estufa,
câncer de pele, furacões, secas, inundações, etc. — e, simultaneamente, fique saltitante
quando algum país —, o Brasil, por exemplo —, anuncia a descoberta de novas
jazidas do “ouro negro”. Um maníaco por coerência indagaria: — “Por que tanta
euforia, quando você acabou de dizer que o petróleo precisa ser substituído,
urgente, por outras formas de energia?”
Disse antes que a
questão palestina tem um peso político desproporcional ao pequeno tamanho de
sua população — não tão pequeno se considerarmos que milhões de palestinos tiveram
que migrar, ou fugir, para a Jordânia e países vizinhos. Esse alto peso
político palestino explica-se pelas reações de solidariedade a um povo oprimido.
Reações de indivíduos, grupos aguerridos (terroristas) e mesmo países — Irã e
Síria, por exemplo — que não concordam com a persistente política do governo
israelense de ocupação. Política expansionista que obviamente beneficiará extraordinariamente
Israel se e quando, eventualmente, ocorrer uma demarcação territorial dos dois
Estados. Não é possível que as bestas, digo, as iluminadas inteligências que
decidem os rumos internacionais continuem, por ignorância ou astúcia, esperando
que judeus e palestinos encontrem —, eles mesmos —, uma solução abrangente e pacificadora.
Acordos justos só ocorrem quando as forças de ambas as partes são mais ou menos
equivalentes, o que não é o caso do conflito Israel versus Autoridade
Palestina.
Já está mais do
que evidente que Israel jamais concordará, de livre vontade, em dividir, com os
palestinos árabes, a “sua terra”, abandonada involuntariamente dois mil anos
atrás. Seus governantes atuais mostram-se inconformados com a impossibilidade
de acolher todos os judeus do planeta que queiram residir em Israel. Jamais
assinarão uma partilha amigável que implique no abandono desse sonho de uma
grande nação judaica. É o velho anseio — ou sonho “patriótico”—, do “espaço
vital” que leva qualquer povo — e até mesmo empresas — a expandir seu tamanho e
influência. O anseio universal dos seres vivos — e governos são compostos de
seres “vivíssimos” — é expandir-se.
Há
características humanas que são universais. Se, dois mil anos atrás, os romanos
tivessem expulso os palestinos árabes, em vez dos judeus, e os descendentes dos
árabes expulsos — tornados mais versáteis pelo conhecimento do mundo —,
voltassem agora à Palestina, agiriam interessados apenas no próprio bem estar, indiferentes
ao sofrimento dos judeus. Raríssimos são os indivíduos, empresas ou países que coloquem
a solidariedade e o egoísmo no mesmo nível de prioridade. O egoísmo sempre
prevalece. Daí, não se espere que o atual governo de Israel vá se interessar,
verdadeiramente, em dividir a Palestina em forma equitativa.
A tendência humana
de busca do “espaço vital” estimulou a política expansionista de Hitler e
recebeu o nome alemão de “lebensraum”. Dizem alguns historiadores que Hitler tentou
invadir a Rússia — foi sua desgraça... — porque ambicionava as áreas imensas do
império soviético. Conseguindo isso, o 3º Reich poderia durar mil anos. Netanyahu
e seus seguidores, pensando apenas no que consideram o “bem de Israel”, sabem
que quanto mais demorar um “acordo de paz” maior a vantagem israelense na
futura partilha de áreas. Nenhum “árbitro” dessa eventual partilha ignorará a conveniência
da manutenção do “status quo”.
Quando mencionei, bem acima, as “reações de
indivíduos” solidários à causa palestina, eu pensava no mais notório deles,
Osama bin Laden, o milionário saudista que, sem medir consequências, fez o
impensável: iniciou a implosão da até então incontrastável liderança mundial
americana. A poderosa nação do Norte já não tem, hoje, o prestígio de que desfrutava
até o dia 10 de setembro de 2001. Gastou, e ainda gastará, quase inutilmente,
trilhões de dólares no Afeganistão e no Iraque. Só não foi à “falência” porque
era — hoje não mais — uma nação incontrastavelmente poderosa e rica, sem fortes
concorrentes. Barack Obama e quem o suceder precisarão de muito esforço — e
psicologia... — para que seu país volte a ser o que era.
Essa “queda” de
prestígio e riqueza é, em grande parte, resultado do que se passava na cabeça
de um único indivíduo, Bin Laden. Um saudita tornado perigoso porque armado de
pétreas convicções religiosas e dinheiro suficiente para financiar um
terrorismo de fundo ideológico, religioso e sentimental.
“Como assim,
sentimental?”, pergunta o leitor. Também sentimental. Quem se der ao trabalho
de, na internet, pesquisar, frases de Bin Laden, extraídas de seus
pronunciamentos — tal pesquisa será muito mais abundante e esclarecedora se for
em inglês, “Bin Laden quotes” — verá o quanto pesou a situação amarga dos
palestinos na intenção de Bin Laden de hostilizar os judeus e seu poderoso
aliado americano. Se a Palestina estivesse bem — ou pelo menos razoavelmente
tranquila — partilhada entre judeus e palestinos árabes, vivendo em paz, o
saudita não chegaria ao extremo de pretender atingir o “coração” do poder
americano, representado pelas Torres Gêmeas, o Pentágono e a Casa Branca. Esta
só não foi atingida, como todos sabem, porque os passageiros lutaram com os
sequestradores e o avião caiu antes de chegar ao alvo.
A solução para o
impasse Israel-Palestinos estaria na comunidade internacional, via ONU, tomar
as rédeas do problema, sem mais delongas, e criar um tribunal “ad hoc” para —,
com critérios de equidade —, estabelecer as fronteiras, talvez criando
compensações para a parte que perder áreas na linha divisória. Ou autorizar a
Corte Internacional de Justiça a decidir a respeito, mesmo não tendo ainda a
Palestina um status jurídico pleno de “Estado”.
Ocorre, porém,
que sem um forte movimento de opinião pública essa “solução do conflito, vinda de
fora” — dispensando a concordância das partes —, não ocorrerá. A Autoridade
Palestina provavelmente concordará com uma decisão ou arbitragem internacional,
mas Israel não fará isso. Seus líderes atuais não abandonarão, “por amor ao
país”, seus sonhos de grandeza. E a mídia mundial é muito influenciada, quase
dominada, pelos interesses israelenses.
Para conseguir um
maior apoio, popular e universal, à ideia de se atribuir a um Tribunal
internacional a tarefa de “resolver” o impasse de décadas — desde 1948 — seria
muito útil que um filme de grande repercussão, com bom roteiro, bons atores — e
excelente direção — demonstrasse o sofrimento do povo palestino vivendo
pessimamente entre altos muros, sujeito a frequentes sequestros de sua renda
tributária, praticamente dependendo do favor israelense para porcamente
subsistir.
A política
israelense de auto justificação no seu relacionamento com os palestinos — porque
os filhos de Israel sofreram perseguições e massacres na Europa, antes e
durante o Holocausto — já foi suficientemente exibida no cinema e em livros. Filmes
extraordinários — “A lista de Schindler”, “O Pianista”, e dezenas de outros —
mostram, com requintes persuasivos, o sofrimento dos judeus, principalmente na
Alemanha nazista. Penso que chegam a centenas os documentários e filmes de
longa metragem que retratam, com talento e verdade, o sofrimento dos judeus. O
Holocausto já foi exaustivamente descrito em palavras e imagens, mas desconheço
um único filme — nem mesmo “regular” — que descreva, com realismo e talento, o
sofrimento dos palestinos, expulsos de suas terras e sujeitos a um dia-a-dia
cheio de restrições e abusos. Expulsos sem culpa alguma pela infelicidade
passada dos judeus, porque — repito sempre —, foram os romanos, não os
palestinos, que, dois mil anos atrás, destruíram o Templo que simbolizava a
tradição judaica, iniciando a “diáspora”.
Sei que os
grandes estúdios de Hollywood estão sob controle de judeus, todo eles provavelmente
condicionados a só favorecerem os interesses políticos de Israel. “Patrioticamente”
surdos a qualquer crítica, mesmo obviamente justa. Mas “artistas”, em geral — e os grandes
diretores são artistas —, são imprevisíveis, capazes, em tese, de “fazer algo diferente”.
Certamente,
Steven Spielberg, sendo judeu, não se atreverá, de imediato, a fazer um grande
filme mostrando o sofrimento palestino. No entanto, se ele, matutando, hoje,
sobre o que certamente considerou uma injustiça — não levou o Oscar, com
“Lincoln” — talvez pense o impensável: — “Espere... Se eu fizer um filme notável
mostrando, com honestidade e arte, a dupla visão do que ocorre na Palestina —
com isso apressando a solução do perigoso conflito — estarei consagrado. Não só
como grande diretor mas também como um informal estadista. Quem sabe —, embora
não tendo isso como meta —, a mídia, que sempre exagera, talvez proponha meu
filme-verdade e meu nome para o “Oscar” e o Prêmio Nobel da Paz, o primeiro
concedido a um diretor de cinema. Uma façanha sem precedente no Planeta. E
estarei simultaneamente, levando tranquilidade a dois povos, que não mais se
hostilizarão. Como não quero trair meus irmãos de origem, mostrarei as duas
faces da discórdia. Afinal, o impasse na Palestina origina-se de dois
sofrimentos: o sofrimento passado dos judeus, vivo na memória, e o sofrimento presente dos palestinos, vivo
no dia-a-dia. E não serei faccioso”.
Se eu estivesse
nos sapatos de Spielberg, pensaria assim. Ele, certamente, não pensaria com o
cálculo vaidoso que mencionei atrás. E a arte cinematográfica subiria a um novo
patamar, deixando de ser apenas um “entretenimento”, hoje geralmente
superficial, apelativo, recheado de tiros, sexo, frases tolas, enredos idem, chavões,
ignorância e propaganda. No caso, haveria também propaganda, claro, mas de algo
que precisa ser ainda muito difundido: a necessidade de conciliar dois interesses
lícitos (quando bem dosados): o desejo dos judeus de ter uma pátria e o direito
dos palestinos de viver bem no lugar que ocupam há vários séculos.
Um judeu com
pensamento de direita dirá: — “Não dá! O Israel atual não pode abrigar todos os
judeus que queiram viver em Israel”. Contra isso cabe argumentar que se os
palestinos receberem área adequadas, hoje geograficamente israelenses, e
compensações financeiras, poderão, possivelmente, concordar com a permanência
de colonos judeus em algumas áreas hoje palestinas. Não tem sentido, por
exemplo, a Faixa de Gaza permanecer isolada da Cisjordânia. Tais áreas precisam
ser contíguas, o que implica em concessão de terra israelense.
Desconheço, em detalhes, a geografia local,
recursos hídricos, etc., mas os peritos e árbitros encarregados da proferir a
“decisão final da justiça” — bem diversa
da “solução final” nazista — saberão como encontrar a melhor alternativa que
satisfaça as duas partes. E países árabes vizinhos podem, talvez, contribuir,
com ajuda concreta para que a paz seja alcançada.
Qualquer
estudioso da literatura norte-americana sabe que um livro, “A Cabana do Pai
Tomás”, retratando o sofrimento dos negros norte-americanos, contribuiu
poderosamente para acabar com a escravidão.
Hoje, filmes são muito
mais eficazes que livros para formar a opinião pública. Poucos leem livros. E compram
mais do que os leem. Daí o sentido geral do presente artigo, sugestão que,
traduzida para a língua inglesa, quem sabe — por mero acaso — poderá espicaçar
um dos diretores referidos no início do texto.
Quentin Tarantino
não é judeu e, por ser original e ousado não teria receio de dirigir um filme
que servisse aos meritórios propósitos acima referidos. Seu filme,
inevitavelmente polêmico, teria boa audiência, em termos mundiais. Milhões de
pessoas — inclusive judeus bondosos e idealistas, essa nata humana —, não
concordam com a atual situação de inferioridade dos palestinos. O esforço pela
manutenção da paz, acabando com o a humilhação palestina e tranquilizando os
judeus tementes do terrorismo islâmico precisa, urgente, de um Oscar.
(27-02-2013)
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