Um grande advogado de São Paulo, não mais
advogando em razão da idade, lamentava, pelo telefone, a pouca renovação dos
nossos parlamentos:
— “São
sempre os mesmos! E há tanta gente, jovem ou madura, idealista, correta,
ansiosa de fazer algo pelo país mas sem chance de se tornar senador, deputado
ou mesmo vereador, nas capitais, porque a maior parte das cadeiras “já tem dono”,
sempre “eles”. Não seria o caso de a lei estabelecer um limite de reeleições?”
Desligado o aparelho, a sugestão do limite
de reeleições ficou dançando em minha cabeça. Realmente, como se explicam algumas
“cadeiras cativas”, em alguns casos durante décadas? Principalmente quando o
“luminar” não demostra qualquer ‘luz’ perceptível a olho nu? Haveria uma
espécie de brilho oculto, só captado pelos fieis eleitores? Se, pelo menos,
esses eternos reeleitos se destacassem como oradores, ou redatores, ou por notável
visão política, coragem e cultura, ainda
poder-se-ia compreender o infatigável apoio de tantos eleitores.
Frequentemente, não é isso que ocorre. As urnas apenas os confirmam, e ponto
final.
Por outro lado, pensei, a democracia só pode
se realizar através de eleições livres, ou pelo menos formalmente livres. Se o eleitorado
“gosta”, “identifica-se” com determinado candidato, como negar a ambos —
eleitores e candidato — o direito de reeleição, seja por vinte, trinta, quarenta
anos? Negar a recondução seria negar a própria democracia, algo impensável. Não
há como restringir o desejo dos “fieis eleitores”, mesmo com a “boa intenção”
de renovação política da nação.
Nesse ponto de reflexão alguns neurônios,
erguendo a mão, pediram licença para “uma ponderação”: — “Se a reeleição é
limitada a uma única vez para o cargo de presidente da república — função muito
mais importante que a de um deputado ou senador —, por que permiti-la, sem
qualquer limite, para uma função menor, como é o caso individual de deputado e
senador? Essa possibilidade de transformar uma primeira eleição em um emprego
vitalício não teria uma explicação mais objetiva que a de mera admiração por um
determinado parlamentar, que ‘quando entra nunca mais sai?”
Algo impressionado com a objeção desses neurônios
mais excêntricos, reuni a totalidade “neurônica” — não excede a média de seus colegas
da espécie humana... — e depois de longos debates cheguei à conclusão que se
segue:
A explicação mais próxima da verdade tem
duas realidades: uma é que algumas parlamentares atuam bem e de modo visível,
merecendo admiração dos eleitores, os antigos e os novos. Morrem os eleitores
velhos mas surgem os novos. Poderíamos, aqui, mencionar inúmeros deputados e
senadores que são merecedores de mais de uma reeleição, funcionando como atentos
representantes do povo. Mostram-se, nos momentos certos, alertas, firmes, pronunciando-se
com responsabilidade, comprovando que levam a sério seus papeis. Podem não
falar muito, mas quando falam mostram que examinaram bem o tema em debate. Não
menciono, aqui, seus nomes, realmente ilustres, porque se omitidos alguns essa
omissão poderia ser interpretada como crítica à sua longa permanência no
Parlamento.
Há outros, porém, que nunca despertam a
atenção. Nem da mídia nem de observadores isolados. Mesmo nas grandes crises,
dizem apenas chavões. Nada propõem de importante, ou interessante. Não
“conduzem” coisa alguma, permanecendo como que “na surdina”. Mas sempre são
reeleitos, sem fraude eleitoral. Qual a explicação para esse fenômeno.
A explicação — certamente já bem conhecida
dos que acompanham a política — está no controle da “máquina” governamental, com
nomeação de fiéis amigos para posições chaves. Tais amigos, parentes e amigos
dos amigos estão bem conscientes do alerta do “padrinho”: —“Se eu cair — não
for reeleito — você também cai!, perdendo o emprego”. Emprego não preenchido
por concurso público. E cada nomeado fica devendo um favor, ou obrigação, com
seu destino pessoal e familiar vinculado ao futuro político de quem o nomeou,
ou indicou à nomeação.
Tais vínculos de lealdade (forçada) são
especialmente úteis ao político em época de eleição. Os nomeados tornam-se
cabos eleitorais “grátis” e especialmente ativos, porque caso o “padrinho” não
se reeleja terão que arranjar um “desconfortável” emprego na concorrida
iniciativa privada, cujo salário é bem inferior, na média, àquele desfrutado
quando o padrinho estava no poder. Portanto, quanto mais cargos um parlamentar
puder preencher, maior a chance de ser reeleito. Com o decorrer dos anos, a
rede de dedicados protegidos vai se ampliando de tal forma que o parlamentar
pode dar como certo que dificilmente deixará de ser reeleito, tal o número de
amigos nomeados, parentes desses amigos e também os eventuais sócios desses
amigos em negócios particulares ligados à administração pública. Em síntese: o
candidato que ainda não entrou na política precisa apenas ser eleito uma
primeira vez. Conseguido isso, o que precisa é criar seu particular comitê de automático
apoio em futuras eleições.
A mídia, quase diariamente, descreve a luta
sem disfarce dos partidos para abocanhar o máximo possível de cargos públicos. Essa
é a atividade preponderante em muitos parlamentos. Em troca de apoio nas
votações de interesse do governo, este sente-se forçado a criar novos
ministérios e departamentos. Enfim, é a luta — dos nomeados sem concurso — pela manutenção de uma “subsistência
tranquila” que explica a contínua reeleição de alguns parlamentares, bastante
aliviados de despesas pessoais com propaganda eleitoral boca a boca. O esforço para
convencimento de novos eleitores — por parte dos funcionários não concursados —
é muito mais motivado que o trabalho atribuído aos cabos eleitorais
profissionais, contratados pouco antes das eleições. Estes últimos sabem que
precisarão trabalhar apenas alguns meses, serão pagos e ponto final. Já o funcionário
não concursado luta com duplo afinco porque seu futuro inteiro e o de sua
família dependem da reeleição do padrinho. A luta transforma-se em causa
própria. E não há estímulo maior para todo combate, inclusive o eleitoral, que
a necessidade da autopreservação.
Todos os minimamente conhecedores da
revolução russa de 1917 sabem do “duelo” entre Trotsky e Stálin na luta pelo
poder, principalmente após o derrame (AVC) de Lenine. Trotsky era um brilhante
intelectual e orador, enquanto Stálin era um caladão soturno, astuto,
calculista, tenaz e absolutamente adepto de que “os fins justificam os meios”. Chegou
a dizer que “A morte resolve todos os problemas; nenhum homem, nenhum
problema”, e que “É suficiente que o povo saiba
que houve uma eleição. As pessoas que votam não decidem nada. As pessoas que
contam os votos é que decidem tudo.”
Não podendo competir com o rival Trotsky no
embate de ideias — nem por escrito nem oralmente —, Stálin escolheu o caminho
que lhe parecia mais eficaz e realista: dominar o “aparelho”. Nomeava pessoas de
sua confiança para posições-chave e que, a partir daí, teriam que obedecer
caninamente o que lhes ditava Stalin. Caso mostrassem alguma rebeldia, a KGB
bateria à porta de sua casa, alta madrugada, levando-o para um “passeiozinho”
sem volta. Todos conhecem os famosos “Julgamentos de Moscou”, com liquidação de
opositores e controle absoluto do Judiciário. Essa estratégia permitiu a Stalin
permanecer no poder até a sua morte, por derrame, aos 73 anos. Seu único e
reconhecido mérito foi derrotar Hitler, com a ajuda do inverno e de sua
tremenda determinação, mandando seus soldados lutar até a morte. É provável que
se ele mesmo estivesse na trincheira, lutaria com igual bravura, porque era um
homem nascido para a rinha, verdade seja dita.
Essa política de parlamentares criarem “dependentes”
— não “químicos”, mas “eleitorais” —, certamente explica a longeva vida
parlamentar de alguns representantes do povo que nunca se interessaram por
fazer discursos ou propor soluções criativas. “Para que perder tempo com tais
firulas se o que vale, mesmo é o resultado das urnas?”
Essa distorcida sistemática — que retarda
demais a renovação dos parlamentos — tem óbvia ligação com uma grande omissão da
nossa legislação: a inexistência de um “teto” no número de assessores , cargos
de confiança e designações que tais. Não havendo esse teto, é previsível o
contínuo inchaço da máquina pública. Com óbvio sacrifício do contribuinte.
Com a angustiosa luta pela sobrevivência na
área privada, é compreensível que a maior parte da população deseje a
tranquilidade de um emprego público, mas que o país pagará um alto preço por
isso, não há dúvida. Quanto mais pesada a “máquina”, maior a carga dos “burros’
da atividade privada, puxando a imensa carroça. O dinheiro que seria aplicado
na melhoria da infraestrutura desvia-se, levando o país à uma progressiva
estagnação.
John Adams, que foi o segundo presidente dos
EUA, sucedendo George Washington (foi seu vice-presidente), chegou a dizer que
“Lembrem-se, a democracia nunca dura muito. Ela se esgarça, se exaure e mata
ela mesma. Nunca houve uma democracia que não cometesse suicídio” ("Remember,
democracy never lasts long. It soon
wastes, exhausts, and murders itself. There is never a democracy that did not
commit suicide”).
Por que isso aconteceu, com tanta, frequência no passado? Por que
os governantes só se preocupavam com a permanência no poder. Os imperadores
romanos, para agradar o povo, recorriam ao clássico “pão e circo” — hoje a
versão seria a de conceder benesses (o “pão”) e prestigiar o futebol (o
“circo”). O esporte, claro, faz bem à saúde, quando praticado, mas uma ênfase
excessiva nele desvia a juventude do caminho árduo do estudo. Sabendo que um
craque — Neymar, por exemplo — ganha mais de dois “Prêmio Nobel” por mês, qual
o estímulo para cansar os olhos estudando e subindo penosamente na vida?
Talvez eu esteja desinformado, mas pelo que
sei, não existe esse “teto” no número de cargos de confiança, etc., nos três
níveis de governo. Essa falta de limite tem ainda o seu lado injusto, no que se
refere ao direito de todo cidadão de, sem precisar de “pistolão”, disputar um
cargo público, mediante concurso.
Penso que na sempre mencionada “reforma
política” seria pertinente — embora quase irrealizável — a fixação dos dois
“tetos”, acima referidos. A atividade política, teoricamente, visa o bem
público, não a criação de feudos que garantam a manutenção no poder até o fim
da vida. Exercidos dois mandatos consecutivos, o parlamentar voltaria para sua
profissão. Sentindo-se ainda cheio de ideias e ideais poderia mais adiante se candidatar
para um terceiro mandato, como ocorre com o presidente da república.
Democracias podem, sim, “apodrecer” aos
poucos, à medida que a nação se convence de que a maioria dos políticos só
representam eles mesmos. Aí começam a ansiar por um homem ou regime forte, Um
Hércules capaz de “limpar as estrebarias”. Esquecidos de que, mais adiante, o
homem forte também revelará suas fraquezas, reiniciando-se o ciclo perverso.
Daí a necessidade das duas “amargas” alterações legislativas, que serão
combatidas com unhas, dentes e muita língua.
Francisco Pinheiro Rodrigues (9-3-2013)
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