quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A sabatina de Teori Zavascki na CCJ do Senado



A mídia mostra-se agudamente interessada — com razão — na sabatina do respeitado magistrado Teori Zavascki para ocupar, no STF, a vaga resultante da aposentaria do Min. Cezar Peluso.

Na Comissão de Constituição e Justiça os políticos contrários ao governo federal preferem que o futuro ministro do STF se abstenha de participar, por foro íntimo, dessa fase final do julgamento da Ação 470, popularmente denominada de “mensalão”. Isso porque sendo o Dr. Teori  Zavascki um jurista nomeado, com certa rapidez , por uma presidente oriunda do PT, para julgamento de pessoas desse mesmo partido —, ou que teriam favorecido supostos ilícitos do PT —, haveria uma suspeita — certamente imerecida — de que o novo ministro poderia, caso votasse, ser um tanto influenciado pelo sentimento de gratidão por quem o indicou — Dilma Rousseff . Trata-se de um cargo que é o coroamento profissional da vida de qualquer magistrado.

Daí a ênfase dos senadores da oposição em indagar do sabatinado se ele pretendia, ou não, participar do “mensalão”. Principalmente quando o “mensalão” passa agora a julgar o “núcleo político” do próprio PT: José Dirceu,  José Genuíno e mais Delúbio Soares. A oposição não quer, com a mencionada substituição de ministros, correr o risco de ver absolvidos, com um decisivo voto a mais, pessoas que ela — oposição —, imagina serem culpadas. Notadamente o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu, que seria o organizador, por trás de tudo, do esquema dado como criminoso.

Indagado, o sabatinado, se iria participar do importante julgamento, o respeitado ministro do STJ negou-se a responder à mais importante indagação dos políticos de oposição  que integram a CCJ. Disse não ter “ideia do que terei de decidir” e que “se for aprovado no Senado, eu ficaria impedido de votar na matéria”. Disse, ainda, que quem decide se, nesses casos, pode ou não votar, é o próprio Tribunal, não ele, o novo integrante. E ainda acrescentou que, votando ou não, seu voto não teria influência no resultado.

Obviamente, somente o stress inerente à situação de sabatinado — em uma espécie de “vestibular judicante máximo” — explicaria o que disse S. Exa., tentando convencer os interpelantes de que sua participação na parte final do “mensalão” não tem a importância que a ela atribui a mídia.

Pelo contrário, é o caso de dizer qualquer observador neutro da quesão. Seu voto poderá ser decisivo para a condenação ou absolvição dos mais importantes réus políticos (do PT) que serão julgados. E decisivo até mesmo para aqueles réus já julgados e condenados em votos anteriores, porque o julgamento coletivo ainda não terminou. Magistrados, em julgamentos colegiados, podem modificar seus votos, já proferidos. Isso não é raro. E depois da decisão final do “mensalão” o Regimento Interno do STF prevê possibilidade de apresentação de embargos e outras manifestações de inconformidade, dos réus condenados, que podem influir decisivamente na concretização ou abrandamento das penas impostas.

S. Exa. disse que, se nomeado para o cargo, ficaria impedido de votar, porque não poderia pedir — segundo o Regimento Interno — vista dos autos. Isso, data vênia, não seria empecilho para seu voto, caso o nomeado dissesse, soberanamente, que está em condições de votar, porque estudou o processo. Poderia dizer, com veracidade, que vem acompanhando o caso, pela mídia e pela leitura das partes principais do processo. Poderia dizer que teve conhecimento das peças redigidas pelo Procurador Geral, pelo Ministro Relator, Joaquim Barbos, pelos votos dos demais ministros e pelas alegações dos advogados de defesa. Como o processo não corre em segredo de justiça, o candidato a Ministro do STF depois de aprovado na sabatina poderia estar em condições de participar do julgamento, bastando assim desejar.  Ressalte-se que seu voto, no julgamento poderia direcionar-se mais para considerações jurídicas, teóricas, constitucionais do que para a analise minuciosa  e “rasteira” da matéria de fato — tal pessoa disse isso mas aquela outra disse aquilo, etc. Manobrando conceitos jurídicos com muita lógica, ele poderia, sem desdouro, e até com brilho, desconstruir,  talvez, pontos importantes da acusação. Em suma, não seria exigível que ele lesse as “toneladas” de páginas, linha por linha, da Ação Penal 470.

Não é perfeitamente exato S. Exa dizer, ainda, que quem decidiria se ele poderia, ou não votar, não seria ele, mas o Tribunal. Isso não ocorre em matéria de foro íntimo, como seria a sua situação. O STF só poderia impedi-lo de votar nos casos de impedimento, como por exemplo, quando o réu é parente do juiz, e outras situações bem objetivas previstas em lei ou regimento interno. No caso do atual candidato, já Ministro do STJ, com um longo passado de magistrado, longe da política, de notório saber jurídico e reputação ilibada, não haveria como ser declarado “impedido” de participar do julgamento do “mensalão”. Se ele, repito, ocupando seu assento no julgamento da conturbada ação, não alegar suspeição, “por foro íntimo”, e ninguém arguir seu impedimento, o Min. Teori passaria a proferir seu voto, como ocorreu com o Min. Dias Toffoli, que a mídia pensava que se daria por suspeito, e isso não ocorreu. Enfim, tecnicamente, nada impediria que o novel integrante do STF participasse do julgamento, bastando assim desejar. O STF não poderia, por mero capricho —, ou mesmo por alta fundamentação filosófico-jurídica —, impedir que ele passasse a ler seu voto, condenando ou absolvendo, como ocorre com os demais ministros. Essa situação, obviamente, não interessa aos políticos da oposição.

Quanto ao argumento, de S. Exa., de que seu voto, caso participasse do julgamento, não teria influência no resultado, isso também seria contestável, tudo dependendo do momento da soma dos votos pela condenação ou absolvição. Explico com números.

Vamos supor que hoje — com apenas 10 ministros compondo o Tribunal — quatro ministros tenham formado convicção de que os réus Dirceu, Genoíno e Delúbio mereçam ser absolvidos. Os seis ministros restantes teriam, imaginemos, opinião formada pela condenação. Com a nomeação em discussão — caso o Min. Teori votasse pela absolvição —, teríamos um placar de cinco votos absolvendo e seis condenando. Portanto, hoje e por mais dois meses, seu voto de absolvição não teria influência no resultado final, embora seus argumentos, expostos, pudessem influenciar — em tese — os demais votantes.

Ocorre — certamente está aí o receio da oposição — que o atual Ministro Presidente do STF, Ayres Britto, será aposentado, por idade, em novembro próximo. E não é bizantina a hipótese de que, quando da aposentaria de Ayres Britto o julgamento não esteja terminado, em razão das eleições e ocorrências várias.  Aí a composição do STF será de apenas dez ministros. O “placar” será de cinco pela condenação e cinco pela absolvição.  Resultado: empate. E havendo empate o réu é absolvido. O simples empate favorece os acusados. E se a Presidente Dilma conseguisse nomear logo — algo cronologicamente quase impossível — o substituto de Ayres Britto, antes do término do julgamento, com esse  outro julgador poderiam alguns réus até não precisar de um empate para serem absolvidos. Repetindo: o medo da oposição é que, com a saída de Ayres Britto e o voto absolvedor de Teori, surja um empate, livrando os réus da condenação.

Até hoje nunca entendi a lógica dos autores da constituição norte-americana criando algo que sempre me figurou aberrante: a livre nomeação de ministros da Suprema Corte por livre escolha do presidente da república, uma afronta direta à separação de poderes. Mesmo quando acertada a nomeação, pelo caráter e competência jurídica — como é o caso do Min. Teori Zavascki — os políticos adversários do presidente da república, e a própria mídia, sempre imaginam, com ou sem razão, que o presidente jamais nomeará um jurista que antipatize com a linha política de quem o nomeou. Além disso, existe o problema da gratidão. Uma virtude que, mesmo sendo bela, pode atrapalhar o trabalho de qualquer homem de bons sentimentos. E juízes com “j” maiúsculo sempre têm bons sentimentos. Do contrário não seriam bons juízes.

O mais lógico seria que os cargos máximos do judiciário fossem preenchidos por juristas de notório saber e reputação ilibada escolhidos por magistrados de carreira, pela OAB nacional e pelo Ministério público, com mandatos limitados a “x” anos, permitida a recondução por novo período. O Brasil, fascinado pelo progresso norte-americano, copiou o sistema mas pelo menos o aprimorou, permitindo o rodízio da presidência. Nos EUA, como todos sabem, o jurista é designado pelo presidente em exercício para ser o chefe do judiciário até morrer ou estar física ou mentalmente incapacitado para o cargo. Não há rodízio na presidência da corte. “Uma vez chefe, chefe até a morte!”. Com esse sistema, eventuais parcialidades políticas, não bem afinadas com o bem comum, de um presidente da Suprema Corte, podem prejudicar a nação. O Direito é uma quase ciência que permite muitos enfoques, portanto,  muitas intenções ocultadas sob abstrato palavreado. Frise-se que um novo presidente da Suprema Corte não vai trabalhar apenas em colaboração com o presidente que o nomeou.  Sua atuação pesará talvez por décadas, incomodamente, após seu protetor haver deixado a presidência.

Encerrando, resta dizer que a escolha de Teori Zavascki para ocupar a vaga de Cezar Peluso foi feliz, em termos de competência jurídica e honradez. Em especial porque é um magistrado de longa e elogiada experiência como juiz. Julgar é uma arte e um ofício que se aperfeiçoam com a prática, como ocorre com qualquer ofício. É, dizem, um homem reservado — como convém ser; quanto mais um magistrado fala fora dos autos, maiores os problemas e interpretações sobre o que disse — e cortês. Os reparos que fiz, acima — quanto às consequências aritméticas de sua possível participação no julgamento da Ação Penal 470 — talvez não estivessem em seu pensamento quando foi indagado, em provável tom de desafio — não assisti a cena da sabatina — sobre se iria, ou não, participar do julgamento do mensalão. Acho até mais provável que, assumindo o cargo antes do fim do “mensalão” , opte por não participar, ainda que consciente de que, participando, só decidiria conforme o Direito e sua boa consciência.
(26-9-2012)








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