A
política partidária nunca me atraiu. Menos ainda a municipal, embora, por ser
mais concreta, seja a que mais nos afeta no dia-a-dia, em termos de trânsito,
lixo, barulho, inundações, iluminação, segurança, etc. Isso sem mencionar a
exiguidade intelectual dos assuntos. Não exigindo, a campanha, muita leitura —
nem falemos em escolaridade... — por parte dos milhares de candidatos a
prefeito e vereador, qualquer ambicioso vê em tal política sua chance de ”subir
na vida”, bastando ter amigos ou fregueses na vizinhança.
Um
candidato a deputado federal ou senador precisa, pelo menos, falar direito. O
caso “Tiririca” não conta. Foi voto irônico de protesto que, por exceção, pode
até ter sido útil porque houve um só eleito com esse fim e a vida política é
tão recheada de inverdades que a inocência dele — se acompanhada de bons
sentimentos, só o tempo dirá — pode trazer à luz práticas censuráveis que
costumam ficar acobertadas. Na conhecida fábula do “rei nu” foi um menino
inocente quem denunciou a nudez do rei, não obstante todos os cortesãos
elogiassem a diafaneidade das vestes reais.
Não
obstante a falta de interesse pela política municipal, em geral, sinto-me no
dever de, como mero eleitor, dizer alguma coisa sobre a próxima escolha para
prefeito na cidade de São Paulo. Isso porque nesta imensa cidade — sem contar toda a região metropolitana, com
quase vinte milhões de habitantes — moram mais de dez milhões e oitocentos mil
pessoas. Uma cidade com mais habitantes que Portugal, Grécia, Tunísia, Bélgica,
Noruega, República Checa, Bolívia, Hungria, Suécia, Israel, Paraguai e muitas
outras nações, cuja lista seria imensa.
Essa
dimensão populacional, acrescida de sua enorme riqueza e importância cultural
torna a eleição para prefeito um degrau importantíssimo para o desenho político
estadual e federal. Ser prefeito de São Paulo é muito mais importante que ser
governador em várias unidades da federação. Não é à-toa que tarimbados
políticos de envergadura federal, com conhecidas ambições presidenciais,
empenham-se para conquistar u’a “mera” prefeitura. Sabem que, se bem sucedidos
no governo deste especial “município-país”, suas chances para presidente da
república aumentam consideravelmente.
É
por isso que abordo aqui a candidatura de Celso Russomano à prefeitura de São
Paulo.
Russomano,
por acaso, não tem qualidades? Como indivíduo é óbvio que tem. Não somente
aqueles valores filosóficos, teóricos, atribuídos a todo ser humano. Ele é
jovem, esperto, bem informado, bom psicólogo e corajoso. Só tem um único pavor:
o de dizer alguma coisa politicamente incorreta, com isso perdendo votos.
Nisso, porém, é igual a qualquer outro candidato, em qualquer parte do mundo.
Pouco sei — com certeza —, sobre seu caráter, seu grau de retidão, de
escrúpulos. E agora é tarde para formar um juízo seguro porque, estando ele no
topo das intenções de voto, seus adversários certamente tenderão a exagerar
suas falhas ou eventualmente mentir.
Celso
Russomano é, como disse, combativo e dotado de especial acuidade no perceber o
que motiva os eleitores. Em política essa psicologia vale mais que saber latim,
grego, alta matemática ou sutis filosofias políticas. Essa habilidade — como
lidar com as pessoas — aprende-se “nas ruas”, no convívio humano, não em livros
e ele já tem um longo treino nessa área porque atuou, ativa e agressivamente,
na defesa do consumidor. Enfrentou comerciantes irados e à beira da violência
física. Isso lhe foi positivo, como treino de coragem. Winston Churchill dizia
que a coragem era a virtude mais importante num político porque sem ela as
demais virtudes não ousam se manifestar.
Em
suma, audácia e rapidez mental — ou esperteza, uma das formas de inteligência —
não faltam a esse candidato. Sobre essas qualidades o velho Bismarck dizia que
quando lidava com cavalheiros ele era cavalheiro e meio, mas quando lidava com
patifes, era patife e meio. Russomano sabe como se defender sozinho e isso
também ajuda qualquer político a governar.
Menciono
agora o lado perigoso, em tese, de sua candidatura: algum poderoso manipulador
da Bíblia que o apoie esperando talvez obter, depois de sua eleição, generosas
benesses municipais. Pelo que diz a mídia, Russomano mostrou-se favorável a
“uma igreja em cada esquina”, frase que deve ter inflamado os neurônios de
alguns ambiciosos, adeptos da fórmula “fé + dinheiro = estamos ricos!”, Depois
complementou, em nova entrevista, com um “desde que para pregar o bem”. Por
mera “coincidência” — aspas minhas — tais “megatemplos” só poderão ser
construídos, em “cada esquina” por igrejas que arrecadam dinheiro com espantosa
velocidade. O leitor certamente conhece quais as seitas — entre muitas — que arrecadam com inegável
ganância, abusando do fiéis mais ingênuos e
por isso em condições — elas, igrejas —, de arcar com os altos custos
desses empreendimentos.
Atenção:
não vai aqui uma genérica crítica aos evangélicos. Muito menos aos fiéis, os
praticantes sinceros. Quanto a seus líderes, há evangélicos e evangélicos.
Sérios ou gananciosos. Há que distinguir entre chefes religiosos respeitadores
da ética e aquelas claramente interessadas apenas em extrair dinheiro dos
fiéis, tirando proveito de algo que deveria ser encarado como uma dimensão
nobre do ser humano: atração pela espiritualidade e aperfeiçoamento de sua alma
e conduta.
Como
não frequento igrejas, sei apenas que há grande variação entre credos no que se
refere à maneira como pedem doações de seus fiéis. Toda igreja precisa delas
para poderem subsistir. Isso é inevitável e razoável. O que é criminoso — hoje
impune — é coagir espiritualmente os fiéis, abusando de sua boa fé. Algumas
igrejas pedem timidamente, apenas passando uma sacola ou algo equivalente.
Outras fazem o extremo oposto: exigem o máximo de dinheiro possível, até
automóveis e imóveis. Não coagem com um revólver, mas ameaçam com algo talvez
equivalente, em quem nisso acredita: o fogo do inferno, descrito com o máximo
de horror possível. Dizem aos hesitantes que não são obrigados a doar mas caso
não o façam, essa “ingratidão” não será esquecida por Deus que, vingativo e de
excelente memória, o punirá ainda em vida, e depois. Como o fiel, se pouco
instruído, já foi devidamente doutrinado para confiar em tudo o que diz o seu
pastor, ele prefere abdicar de seus bens, já escassos, a ofender o Senhor.
Menos
de um mês atrás, mudando de canal, ao acaso, no controle remoto da televisão,
assisti uma exibição explícita e gritante do abuso da credulidade pública. Um
verdadeiro estelionato religioso. Não assisti o início do programa, só descrevo
o que vi e ouvi.
Em
imenso salão de um templo, cheio de fiéis,— não me lembro do nome da igreja mas
não era a da Igreja Universal do Reino de Deus — um pastor, cujo nome não
gravei, convocava casais e pessoas doentes para subir ao palco e relatar como
tinham melhorado de vida e de saúde depois que passaram a frequentar aquele
templo. Inicialmente, foram chamados ao palco casais que antes viviam infelizes
e pobremente mas que, depois da “conversão”, nadavam em felicidade amorosa e
financeira. Depois disso, foi chamado ao palco um homem que alegou estar com
“lepra” na perna, entre o joelho e o tornozelo. Essa “lepra”, dizia ele,
causava coceira e, salvo engano, dizia que também doía. Aliás, o “doente” pouco
falava. Quem falava por ele era um pastor que, aos berros, mais endemoniado que
o próprio Lúcifer, expulsaria, assustado, não só o demônio como também legiões.
Pondo a mão por cima da calça do homem, sobre a “chaga”, invocou o poder divino
e garantiu que naquele exato momento o doente estava sendo curado. Outros
fiéis, presentes no palco, colaboravam pousando a mão na cabeça do “doente”.
Perguntando ao “leproso” se ele já sentia a cura o “hanseniano” respondeu que
sua “lepra” já não “coçava”.
Para
começo de conversa, a hanseníase não ataca apenas uma parte do corpo, no caso a
perna. Além do mais, não existe “lepra” localizada e que se manifesta por
“coceira’. O que ocorre, nessa moléstia, é justamente o oposto: a
insensibilidade em regiões da pele. Tudo a demonstrar que esse tipo de
propaganda do divino nem mesmo se preocupa com um mínimo de verossimilhança. Os
desprotegidos fiéis são tratados como boçais e sugados em suas minguadas
posses. Tudo impunemente.
Pessoas
que abandonaram algumas organizações religiosas — e o fizeram porque estavam
decepcionadas com a ganância de sua direção — afirmam que nesses cultos já
estavam presentes despachantes encarregados das providências burocráticas
necessárias para transferir a propriedade de automóveis dos fiéis para a
organização “religiosa”. Outras afirmam que certas seitas pagam boas quantias
para quem prestar seu depoimento dizendo que tinham tal ou qual doença e foram
curadas pelas orações.
Não
é raro que fiéis, julgando-se “saqueados” por práticas semelhantes, procurem a
justiça tentando recuperar seus bens mais valiosos, transferidos após
habilidosa “lavagem cerebral”.
Por
falar em justiça, a imprensa brasileira precisa, urgente, de uma lei que lhe
permita criticar o que precisa ser criticado sem o risco de suportar o ônus de
múltiplas ações de indenização por dano moral. Com a atual legislação há um
“truquezinho” astuto que consiste no seguinte: quando, por exemplo, uma
organização inescrupulosa, laica ou religiosa, se vê criticada em jornais e
revisas — e criticada com fundadas razões — o que ela faz para intimidar a
imprensa? Move inúmeras ações de indenização por dano moral, em inúmeras
cidades onde são vendidos os jornais e revistas. O jornal, ou revista,
precisando se defender, terá que contratar dezenas de advogados, em distantes
cidades de todo o país. O gasto do jornal pode, por isso, tornar-se proibitivo.
Se não contestar a ação, será considerado revel, presumindo-se, legalmente, que
confessou o dano alegado pela organização desonesta.
Essa
forma abusiva de utilização da indenização por dano moral já foi mencionada,
anos atrás, por um jornalista de grande valor, Carlos Alberto Di Franco,
mencionando que, por vezes, tais ações eram movidas em comarcas que só poderiam
ser acessadas por barco. Mesmo que o órgão de imprensa peça a um dos juízes a
reunião dos processos, dificilmente será atendido porque o magistrado dirá que
as várias ações estão em diferentes estágios de processamento. Como o órgão de
imprensa — defendendo-se em inúmeras comarcas — não pode arcar com tanta
despesa o resultado só pode ser um: não publica mais nada, que seja grave,
contra a organização perniciosa. Sairá caro demais.
Urge,
portanto, que essa futura lei diga, expressamente, que quando algum órgão de
imprensa for processado em vários foros, por dano moral, resultante de mesmas
matérias, a ação de indenização será ajuizada no foro em que se localiza sua
redação principal. Uma só ação para julgar todos os pedidos conexos.
Mas
será preciso ainda dois detalhes legais para garantir a liberdade de imprensa
responsável, aliás exigíveis em toda ação de indenização por dano moral: que o
autor da ação mencione, na petição inicial, a quantia que exige a título de
dano moral. Terá que mencionar uma cifra. Não basta deixar a critério do juiz
fixar uma quantia qualquer, que pode, eventualmente, ser elevadíssima, conforme
a mentalidade do juiz.
É
regra elementar do Processo Civil que o juiz não pode dar mais do que foi
pedido. A menção de uma cifra, no pedido, na petição inicial, não pode ser
ultrapassada pelo juiz. Quando esse “teto” indenizatório for baixo o réu pode até
preferir não se defender, ou fazer um acordo, porque com a contratação de
advogado pode gastar mais do que aquilo que foi pedido. Se não for pedida uma
quantia exata, a título de dano moral, o réu, imaginando que a condenação será
mínima, talvez nem se defenda. E quem sabe será surpreendido com uma condenação
impressionante. Exigindo, essa sugerida lei, que a inicial mencione a
indenização pedida, o autor da ação será mais moderado e equilibrado no estimar
o grau de sua “dor moral” porque, eventualmente perdendo a ação, será condenado
a pagar as custas do processo e os honorários advocatícios, estes sempre
proporcionais ao valor dado à causa.
Enfocando
a situação da imprensa que se vê processada por dano moral, a lei, agora
sugerida, deverá permitir que o órgão de imprensa, quando citado, possa não
apenas contestar a ação como também entrar com reconvenção — para quem não
sabe: um instituto processual civil que permite que o réu possa não só se
defender como também contra-atacar, no mesmo processo — pedindo dano moral no
mesmo valor mencionado na petição inicial do autor. Com isso, a imprensa
honesta seria menos coagida a silenciar, mesmo sendo verdadeira. A organização
perniciosa, tendo que mencionar, na inicial, a quantia desejada a título de
indenização, e sabedora de que poderá perder a demanda — caso o órgão de
imprensa tenha agido de boa-fé — pensará três vezes antes de mover ações por
dano moral contra a imprensa. Se a empresa criticada na reportagem pedir um
milhão de indenização e o jornal, em reconvenção, pedir essa mesma quantia,
esse potencial “perigo” financeiro esfriará o ânimo da empresa criticada quando
ela sabe que o jornal apenas disse a verdade.
Pergunta-se:
por que sugere-se, aqui, que é necessário que a própria lei mencione o direito
do jornal (ou revista), de pedir, em reconvenção, o mesmo valor mencionado pelo
autor da ação, em legítimo “fogo de encontro” simultâneo?
Porque,
em tradição doutrinária, qualquer pedido de indenização — seja ele de dano
material ou moral — só pode ser ajuizado depois de longamente comprovado, em
juízo, o dano sofriso. Em tese, segundo a doutrina atual — que ignora nossa
longa demora na prestação jurisdicional —, um jornal que fez críticas justas a
alguma organização e por isso foi processado — saindo vencedor na ação —, só
poderia processar essa organização, também por dano moral (abalo do prestígio
como jornal) depois de transitada em julgado a ação anterior, movida contra o
jornal. Isso porque é preciso haver certeza comprovada de que o jornal não
mentiu na sua matéria. Se mentiu, se a organização criticada tinha razão ao
processar o jornal, este não terá como alegar que sofreu um dano moral. Estava
errado e deve pagar o prejuízo. Com esse raciocínio legal, o órgão de impressa
— que foi verdadeiro na reportagem, insista-se — teria que esperar vários anos
o trânsito em julgado da ação em que foi réu para só então poder ajuizar uma
ação de dano moral contra a organização que o processou injustamente. Para
receber, efetivamente, uma indenização teria que suportar duas longas esperas:
a demora de dois processos judiciais.
Por
que é assim, com a atual legislação? Porque todo pedido de indenização
refere-se a algo acontecido no passado. Não existindo uma lei específica
permitindo a reconvenção simultaneamente com a reconvenção, nas ações de dano
moral, um juiz poderá indeferir, liminarmente, a reconvenção alegando que esse dano moral sofrido pelo jornal não pode
ser “automático”, só porque alguém moveu uma ação contra o reconvinte.
Despacharia, o juiz, que “todos têm o direito de acesso aos tribunais,
inclusive contra a imprensa, e esse direito constitucional não poderia ser
cerceado com um pedido de reconvenção ‘só porque’ foi citado em uma ação”. Dirá
que será necessário esperar o término da ação movida contra o jornal para só
depois — comprovado em juízo seu dano moral, como órgão de imprensa (sofrendo
um processo injusto) — mover sua ação, também por dano moral, contra quem o
processou e perdeu a causa. Em suma: talvez uma década depois de uma primeira
demanda.
Por
que não abreviar a pendência, permitindo que o jornal se defenda pedindo a
mesma quantia pedida pela pessoa física ou jurídica que o processa? Quem ganhar
leva o milhão, na hipótese de ser esse o valor exigido.
Há
uma máxima do francês Voltaire que gosto de lembrar: ”A vantagem deve ser igual
ao perigo”. Quando não há consequências (perigo) contra o abuso (vantagem) este
tende a aumentar. É preciso que organizações e pessoas perniciosas pensem três
vezes na vantagem da intimidação antes de silenciar a imprensa usando ameaças
de um ou vários pedidos de indenização por dano moral.
Justiça,
em qualquer de seus ramos, em que não há nenhum risco financeiro do postulante,
acaba abusada. Consequentemente, desprestigiada. Inclusive pela quantidade de
ações em que o autor sabe que não tem nada a perder, caso não comprove o que
alega. “Vamos ver no que dá, processando Fulano. Se eu perder, nada acontecerá
comigo” é um tônico para o abuso. Embora nunca tenha trabalhado na Justiça do
Trabalho, parece-me, por queixas que ouvi, que existe essa mentalidade de mover
reclamações trabalhistas visando apenas ganhar “algum” na tentativa de
conciliação feita pelo juiz no início da audiência.
Espero
que alguma organização de defesa da imprensa leia a presente sugestão, aprimore-a
e, sobretudo, aja. Seu conteúdo talvez possa se aplicar à mídia em geral. Como
a mídia eletrônica tem suas particularidades técnicas, que não conheço bem, não
me convém falar a respeito.
(20-9-2012)
Nenhum comentário:
Postar um comentário