Com o devido
respeito ao posicionamento da combativa OAB-RJ, essa assessoria “estendida”
faz-se necessária, de um ponto de vista abrangente, visando a economia do país
como um todo. E se fosse complementada com duas alterações legislativas —
referida na parte final neste artigo — o problema do vergonhoso atraso no pagamento
dos precatórios seria totalmente, ou em grande parte, solucionado. O benéfico
efeito ocorreria também, posteriormente, para os contribuintes que pagam seus
tributos em dia e só se prejudicam, economicamente, com essa postura obediente
— embora revoltada — à legislação tributária. Millôr Fernandes já disse, talvez
com outro fraseado, que quem, no Brasil, anda na linha, será atropelado por uma
locomotiva. No caso, tributária.
A excessiva carga
fiscal — dos que pagam, subentende-se... — é, em parte, fruto da ineficiente
legislação processual que permite, a grandes devedores, reter, por longo tempo
— via infindáveis recursos —, uma riqueza que deveria ter sido distribuída, bem
antes, entre todos os cidadãos. Como não é, o peso do gasto público cai todo
nas costas dos mais “certinhos”. Se todos pagassem seus tributos, no tempo
certo, a carga de cada um seria menor. Esqueçamos, porém, as generalidades e
examinemos a argumentação.
Everardo Maciel, respeitadíssimo
consultor tributário que foi Secretário da Receita Federal, de 1995 a 2002,
escreveu um artigo, “As raízes da corrupção no Brasil” (jornal “O Estado de S. Paulo”
de 02—01-12, pág. B-2) dizendo que “Hoje, os débitos inscritos na Dívida Ativa
da União ultrapassam a espantosa soma de R$1trilhão. Evidentemente, há algo
errado nesse processo”.
Imaginemos,
pessimistamente, que pelo menos metade desse crédito esteja de acordo com a
legislação. Com meio trilhão de reais arrecadados, só na área federal, o débito
de precatórios poderia talvez desaparecer ou diminuir sensivelmente. E a carga
fiscal, como já disse, dos que realmente pagam — principalmente os assalariados
que não têm como escapar — poderia ser diminuída.
É bastante injusto,
ou desproporcional, que basta ganhar salário de quatro mil e poucos reais para
ser obrigado a um desconto de 27,5% de Imposto de Renda. Isso sem mencionar o
desconto previdenciário. Em contrapartida, milhões e milhões de reais deixam de
ser recolhidos aos cofres públicos porque milhares de transações, de grande,
médio e pequeno vulto, conseguem engenhosamente escapar da legislação. E quando
não conseguem e a cobrança chega ao judiciário, a ingênua legislação processual
permite ao devedor — calculando o custo/benefício — retardar, por muitos anos,
— o pagamento. Quanto mais complexa a questão, maior a demora e a possibilidade
de um erro decisório que possibilitará recursos — até mesmo procedentes —, da
parte interessada em retardar o processo; normalmente o contribuinte. E tendo
razão, mesmo mínima, em seu recurso, o contribuinte não poderá ser considerado
litigante de má-fé porque, afinal, tinha razão ao recorrer, mesmo que diminuto o
engano de uma quantia mencionada na decisão.
Como se vê, seria
muito útil à comunidade que desde a decisão de primeira instância, esta fosse a
mais impecável possível. Se os Tribunais Superiores já contam com a assessoria
de procuradores fiscais, essa assessoria deveria, com mais razão, estar
disponível bem antes, no “ovo” do processo.
O leitor pode estar
se perguntando: —“Qual a necessidade de assessores para magistrados, em
qualquer instância? Eles não são formados em Direito? Essa necessidade de
assessores não seria uma confissão de fraqueza profissional, de conhecimento de
um ramo do Direito que todos os magistrados deveriam conhecer a fundo?
A explicação,
realista, é simples: nossa legislação é extremamente complexa, extensa, mutável
e por vezes contraditória. A própria aridez da matéria tributária desestimula o
estudo profundo e agradável de muitos magistrados que preferem conviver com
temas intelectualmente mais atraentes. Imagine-se o maior jurista da área
penal, ou processual civil, ou constitucional, que seja nomeado Ministro do
STF. No momento de julgar, durante alguns meses, complexos litígios tributários,
vai se sentir meio perdido. Para não ter que se socorrer sempre do auxílio didático
de um colega — que poderia “influenciá-lo” sem querer, na votação — seria
melhor que, quando ainda em dúvida, após leitura dos autos, pedisse
esclarecimentos tópicos a um assessor com longo tirocínio em questões fiscais.
Mesmo que o assessor esteja, involuntariamente, “com a boca torta pelo uso do
cachimbo”, suas explicações serão submetidas ao crivo da indispensável
desconfiança do magistrado. Este, quando precisa de um assessor geralmente é
para melhor conhecer a “mecânica” do negócio tributado e da própria
fiscalização. Depois de conhecida o “modus operandi”, já não é tão difícil entender
o objetivo da legislação minuciosa. O mesmo acontece quando a questão exige
forte conhecimento da informática.
A mídia já
mencionou, poucos anos atrás, que nos julgamentos envolvendo problemas de
informática na Suprema Corte dos EUA percebia-se — não sei se isso ainda ocorre
— uma certa dificuldade dos Ministros em entender alguns argumentos, quando da
exposição oral do advogado, já tarimbado, de longa data, no conhecimento do
problema do cliente. Essa falta de compreensão exata da questão pode gerar uma
injustiça irreparável porque não caberia, no caso, mais recurso.
Não é de agora a
menção, pelos grandes tributaristas brasileiros, de que nossa legislação fiscal
é complexa e às vezes confusa. Um grande jurista da área já usou a expressão
“carnaval tributário”. Essa “confusão” favorece o devedor que, mesmo,
eventualmente podendo pagar o tributo, prefere investir seu dinheiro na
ampliação de seu negócio, contando com alguma futura anistia, com prestações a
perder de vista.
A OAB – RJ
argumenta que a ajuda aos juízes, por parte de assessores implicaria em quebra
de igualdade entre as partes. Na verdade, a presença de tais assessores busca
justamente diminuir a desigualdade entre as partes, pelo menos nas questões
complexas envolvendo grandes quantias; justamente aquelas que, somadas,
explicariam o espanto “trilionário” do consultor Everardo Maciel.
Grandes devedores
dispõem da nata intelectual da advocacia tributária e da ciência contábil. Onde
há muito dinheiro em jogo ali atuam grandes inteligências. E os juízes que vão
julgar tais casos estão sobrecarregados na condução de milhares de processo,
não podendo dedicar enorme tempo para cada uma das demandas que chegam às suas
mãos. Além disso, como observa o referido artigo de Maciel, “...os processos
inscritos em Dívida Ativa não são adequadamente preparados, no pressuposto de
que os magistrados responsáveis pelas varas de execução fiscal supram as
deficiências originais”. Ora, quem deve suprir essas deficiências é o próprio
Fisco. E quem já trabalhou nessa área — agora assessor de juiz —, terá melhores
condições, familiaridade, e tempo, para verificar se os processos foram
devidamente preparados, alertando o juiz antes que a falha surta efeito
anulatório quando o processo já avançou demais.
Se, na pior
hipótese, o assessor — violando seu dever legal de ser mais fiel ao juiz que ao
fisco — tiver influenciado demais o juiz na sua decisão, quando do julgamento
do recurso a decisão será reformada, não havendo prejuízo para o devedor. A
demora decorrente do recurso contra a decisão errada até mesmo beneficia — financeiramente,
com a simples demora —, o contribuinte, que usou seu dinheiro de forma mais
lucrativa que pagando tributos.
Concisamente,
mencionaremos agora, em termos gerais, duas medidas legais — tremendamente
polêmicas, mas adequadas — que teriam enorme utilidade para distribuir com mais
justiça, o peso da despesa pública.
A primeira: Ou
transformar em lei a sugestão do Min. César Peluso, encerrando o processo de
conhecimento com o julgamento do caso na segunda instância (o inconformado com
a decisão poderia, depois, se fosse o caso, mover ação rescisória). É uma
proposta sensata mas que parece não contar com suficiente apoio do Congresso). Ou
adotar a “sucumbência recursal”, pela qual em todo recurso processual cível
haveria a imposição de nova sucumbência — contra a parte vencida no recurso ou,
no mandado de segurança com efeito de recurso —, no valor mínimo de 5% do valor
da casa. Isso desestimularia o uso de recursos protelatórios. Esclareça-se que
a lei instituindo a “sucumbência recursal” diria que o recorrente poderia ser
dispensado de nova condenação em honorários quando o Tribunal considerasse que
o caso merecia um reexame, mesmo o recorrente tendo perdido o recurso.
A segunda proposta, ainda mais
polêmica, mas certíssima, pelo alcance e simplicidade: a lei obrigaria que em
todo pagamento, com cheque ou cartão (de crédito ou débito), um determinado
percentual da quantia paga — digamos meio ou um por cento — fosse debitada na
conta do recebedor da quantia. Em compensação — em compensação, calma,
leitor! — três meses depois de instituído esse sistema de arrecadação, o
governo reduziria a carga fiscal federal, hoje existente, na mesma proporção do
aumento de arrecadação ocorrida com essa nova proposta da falecida “lei do
cheque”.
Qual a
justificativa para essa alteração legislativa? É que essa lei revelaria o
verdadeiro fluxo da riqueza expressa em dinheiro. O imposto de renda das
pessoas físicas e jurídicas seria reduzido e não veríamos inúmeros casos de
pessoas riquíssimas que pagam — quando pagam... —, quantias mínimas à Receita.
Alguém dirá que os mais espertos optarão para só transacionar com dinheiro vivo.
Esse engano terá curta duração porque os assaltantes também são “vivos” e o
transporte de grandes somas em sacos, malas e pastas se tornará muito
arriscado.
Lendo notícias, em
jornal, sobre a venda de imóveis (hoje baratos) na Flórida, um detalhe que me
impressionou: os brasileiros são os maiores compradores e, “curiosamente”
preferem pagar o preço com dinheiro vivo, não com cheques, como seria o usual.
Tanto dinheiro em forma de verdinhas é um bom indício de sonegação.
Para finalizar,
esse novo “imposto do cheque e cartão” teria a vantagem de ser insonegável,
preservando da virtude de todos os funcionários públicos que mexem com dinheiro.
Sei que a proposta
acima assusta, e até revolta, mas se houver uma campanha de esclarecimento, por
parte do governo, e a população tiver certeza — certeza! — de que seu imposto
de renda será substancialmente diminuído — podendo essa diminuição ser
estendida a impostos estaduais e municipais, o apoio à novidade superará a
rejeição. Contribuintes que hoje pagam religiosamente seus impostos deveriam
apoiar essa alteração legislativa, porque, como já disse antes, se todos
pagassem tributos, todos pagariam menos.
(27-6-2012)
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