Texto produzido em 9-3-09
Poucos dias atrás, o site de relações internacionais “MundoRI.com” publicou, entre outros, texto meu, “Parabéns, Gordon Brown!”, em que elogio artigo do primeiro-ministro britânico que teve a “audácia”, digamos assim, de reconhecer que para tirar a comunidade internacional da atual crise econômica e financeira é necessário um “New Deal” global — ou “Global New Deal” —, isto é, não mais apenas norte-americano, como foi o caso do famoso plano salvador de Franklin D. Roosevelt, na década de 1930.
Segundo a opinião do político inglês, é preciso que todos os países, mormente os mais desenvolvidos, estimulem o crescimento da economia em seus respectivos países, não deixando o ônus do crescimento global nas mãos exclusivas de Washington. De fato, pelo que deflui da mídia internacional — o Brasil é corajosa exceção —, todos parecem aguardar uma recuperação da economia americana, após o que os demais países voltariam a prosperar: produzindo, vendendo, comprando e, consequentemente, empregando. Brown Gordon discorda dessa passividade global e promete o apoio de seu país nesse esforço de normalização da economia internacional via “produção e emprego”. É de se presumir, pela seriedade de Gordon, que ele fará o que for de seu alcance para que o Reino Unido continue produzindo, tanto quanto possível, em vez de apenas lamentar o atual estado de coisas.
Havendo algum interessado nesse tema, meu modesto artigo — que resume os argumentos de G. Brown e acrescenta outros —, encontra-se no site www.franciscopinheirorodrigues.com.br Nele, recorda-se que F. D. Roosevelt diminuiu consideravelmente o desemprego — ao assumir a primeira presidência, o percentual era de 25% — investindo fortemente na infra-estrutura do seu país. Com isso, passada a crise, os EUA tornaram-se mais fortes do que estariam se esperassem que as coisas melhorassem “espontaneamente”, pelo livre jogo do mercado. Frisei que se o “mercado” é sábio, nem sempre os mercadores também o são, como ficou comprovado com as mega-fraudes recentes no mundo da alta finança. E mesmo que, segundo alguns, a 2ª Guerra Mundial tenha complementado a recuperação da economia americana, esse dado não invalida a conclusão de que o único erro que as nações não podem se permitir é a imobilidade, o medo de investir e trabalhar.
Em resumo, a ênfase de meu artigo era a de que os governos, em todos os países, devem se esforçar para, na medida do possível, “construir”, “fazer coisas” que, no futuro, serão úteis à nação. E para produzir é preciso criar empregos, porque nenhum setor está cem por cento automatizado.
Publicado meu artigo, os sócios fundadores — Luiz Bellini e Thiago Pereira — do site MundoRI.com perguntaram-me se na recomendação de “fazer”, “produzir”, estava incluído o estímulo à educação, em geral e, principalmente, nas áreas específicas deles — as relações internacionais. Disse a eles que, ao escrever o artigo não havia pensado em termos de educação. Pensava somente em termos de construções físicas — portos, aeroportos, estradas, açudes, poços artesianos, indústria pesada, etc. Em resposta, o MundoRI enfatizou que o Brasil poderia também aproveitar a ociosidade forçada, decorrente do desemprego, para incentivar os desempregados a fazerem cursos que elevem consideravelmente o nível de conhecimento técnico em áreas mais especializadas e necessárias na esfera internacional. Ocupar, não só as mãos, em empregos, mas também as mentes, em aprendizado. Em suma, transformar as “férias forçadas” em trampolim para maior reconhecimento do Brasil fora das tradicionais áreas do futebol, carnaval, música, etc.
Pensando sobre a sugestão, concordei com ela. Lembrei-me que, poucos anos atrás, a próspera Alemanha, precisando urgentemente de especialistas em informática, teve que buscar na Índia os técnicos de que não dispunha. Na Índia, vejam só! País por nós mentalmente associado à ioga, elefantes, faquires, banhos no Ganges poluído, castas intocáveis, vacas e macacos nas ruas. Um país de sabedoria milenar mas voltado essencialmente à espiritualidade, técnicas de meditação e atividades distanciadas do vil metal.
O que explica esse imenso salto qualitativo da quente e populosa Índia? A longa visão de Rajiv Gandhi, filho de Indira Gandhi. Ambos, mãe e filho, foram assassinados, por motivos políticos, em momentos distintos, mas deixaram um legado de realizações. Rajiv Gandhi previu que o mundo precisaria, cada vez mais, da ciência da computação. Ciente desse potencial, investiu fortemente no ensino da informática, pouco importando que naquele exato momento essa técnica não teria muita aplicação em um país de segundo ou terceiro mundo. Viu longe, e acertou na mosca. Hoje a Índia impressiona, para quem esteve lá — como Thiago Pereira —, pelo chocante contraste entre as imponentes escolas de ciência da computação em bairros pobres que logo se tornarão menos pobres, à medida que o país, como um todo, cresça. E crescerá rapidamente, boa parte graças à visão inteligente de Rajiv Gandhi. Ressalte-se que a Índia já dispõe de bomba nuclear e — milagre! —, goza de tão sólida reputação pacifista que esse perigoso conhecimento não inquieta o Primeiro Mundo. Certamente, sem o destacado conhecimento da informática os avanços no domínio das técnicas, em geral, seriam bem menores. Todas as técnicas, hoje, “passam” pelo computador.
O Brasil, seguindo o exemplo indiano, poderia, aproveitando o momento de desemprego e ociosidade forçada de milhares de desempregados — com bom nível de estudo — estimular especializações na área da informática, técnicas de comércio exterior e até mesmo na área do Direito Internacional, tanto Público e Privado. Se o mundo tende à globalização, o Direito o acompanhará inevitavelmente.
Nosso atual Presidente já intuiu que o Brasil precisa crescer “por dentro e por fora”, isto é, em presença na área internacional. Tivemos, até meses atrás, em Genebra, Suíça, um brasileiro que presidiu o Órgão de Apelação da Organização do Comércio, Dr. Luiz Olavo Baptista. Em Haia, na Corte Internacional de Justiça, tivemos e temos brasileiros, os ilustres juízes Francisco Rezek e Cançado Trindade. No Tribunal Penal Internacional estamos bem “representados” por uma competente jurista brasileira, Sylvia Steiner. O que falta mais, na área jurídica, para projetar o Brasil?
Resposta: um aumento na quantidade de grandes especialistas — advogados e “diplomatas empresariais” — capazes de atuar nessa complexa e concorrida área. Pelo que fui informado na cidade de Haia, mais de metade dos advogados que trabalham nos tribunais internacionais são ingleses, conseqüência de uma natural especialização de um povo que orgulhava-se de o sol nunca se pôr fora do império britânico. Como resíduo da quase ubiqüidade desse império diplomaticamente hábil é natural que advogados ingleses continuem a ocupar lugar de destaque na disputadíssima advocacia internacional.
Ocorre que o Brasil tem legítimos anseios — e talentos —, para crescer na esfera internacional. O “pré-sal’ e o álcool, com repercussões globais, estimulam a idéia do crescimento. Anseio legítimo e não pernicioso, porque é um país sem ambições territoriais, sem tendências racistas e notoriamente tolerante. Não tem “pavio curto”, como comprovou nos desacertos com a Bolívia e Equador. Sua ambição de ocupar assento permanente no Conselho de Segurança não representa perigo para país algum, a não ser o suplantável risco do ciúme. Sua voz ponderada terá um efeito calmante nas grandes discussões sobre temas nada calmos por natureza. Rui Barbosa, na Conferência de Haia, em 1907, e o Barão do Rio Branco, no Ministério das Relações Exteriores, só enriqueceram a biografia brasileira na área dos conflitos internacionais.
Por que digo isso? Porque nosso atual Presidente pode criar, no Brasil, aproveitando o agudo momento — que pode não se repetir —, um importante centro de estudos de Direito e Relações Internacionais, capaz de habilitar não só brasileiros mas também jovens estudiosos do mundo inteiro. Não ficaria nada mal, para a América do Sul, um respeitadíssimo centro de estudos na área do Direito e Relações Internacionais, incluindo, também as práticas do comércio internacional. Professores de alto nível nós já temos. O que faltar, pode ser contratado no Primeiro Mundo. Até mesmo com aulas ministradas em inglês ou francês. O apoio de investimento, por parte do governo, não seria tão pesado como se imagina. Francisco Rezek e Olavo Baptista, entre outros, poderiam ser convidados para a importante missão de organizar tal empreendimento, pois são, acima de tudo, entusiastas do magistério superior e com longa experiência no ramo. Conhecem a Teoria e a Prática. Não os consultei para mencioná-los aqui, mas essa menção não é ofensiva. Por que o jovem brasileiro terá que, forçosamente, ir à Universidade de Paris, ou à Academia Hague de Direito Internacional, ou a universidades inglesas e americanas para estudar algo que pode também ser ensinado aqui? A excelência desses grandes centros de estudo pode ser transplantada para cá, inclusive com a colaboração dessas grandes universidades. Presume-se que quanto menos ignorância no conhecimento das normas e práticas entre os povos, melhor para todos.
Construída a reputação do país nessa área técnica internacional seria muito mais “natural” a aceitação do Brasil para ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Dispensaria a um tanto vulgar “garra” — forma rude, inadequada, de conseguir indicação . Prestígio internacional não se consegue “na marra”. É algo invisível; sutil, mas poderoso. E o Presidente Lula pode, com uma canetada, sem imensas despesas, designar um grupo de estudo para a construção de uma obra educacional que enriqueceria muito sua biografia. Seria lembrado, por décadas, findo o governo, como o ex-torneiro mecânico que também viu longe, como Rajiv Gandhi.
Detalhes dessa construção exigiriam grande espaço e seriam desnecessários caso seja criado esse grupo de trabalho, que contará com gente muito mais especializada do que eu. Limitei-me, aqui, a completar meu artigo anterior, conforme boa lembrança do MundoRI.
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