quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Sensata, a liminar do Min. Luiz Fux, no “pacote anticorrupção”. Havia o “perigo da demora”

Poucos dias atrás o Deputado Federal Eduardo Bolsonaro impetrou, no STF, o mandado de segurança nº 34.530 pedindo que fosse anulada, na Câmara dos Deputados, a votação do “pacote anticorrupção”, de iniciativa popular, que nela tramitou.   O impetrante salientou que a alteração legislativa visava ampliar o combate à corrupção mas a Câmara incluiu e aprovou uma emenda que agia em sentido oposto, intimidando juízes e promotores. Principalmente aqueles encarregados das investigações relacionadas com a operação Lava Jato.

Essa deturpação da vontade popular representou um autêntico “tiro pela culatra”, no olho da vontade popular. Deturpação que, se não fosse interrompida pela liminar do Min. Luiz Fux, poderia ter se transformado em lei — direito positivo —, tornando arriscadíssimo, durante anos, o exercício normal das atribuições dos promotores e juízes.

O projeto anticorrupção, votado na Câmara, atendeu, em pequena parte, o solicitado por mais de dois milhões de eleitores — o “endurecimento” na luta contra a criminalidade — mas, ao mesmo tempo, contraditoriamente, introduziu, no “remédio” contra a impunidade, uma espécie de “veneno” que criminalizou, ou impossibilitou, a atividade normal de promotores e juízes.

Na tóxica emenda a Câmara “enxertou”, por exemplo, que juízes e promotores sejam processados por crime de responsabilidade caso atuem “de maneira temerária” ou de forma “político-partidária” numa investigação.

Como as investigações — nos casos de desvio de dinheiro público — envolvem, quase sempre, políticos e empresários ligados a eles, essa vagueza de acusação será uma excelente oportunidade para os suspeitos ou acusados ajuizarem — para tumultuar — infindáveis demandas contra juízes e promotores, obrigando-os a se defenderem o tempo todo contra dúbias acusações. Como o promotor e o juiz poderão trabalhar — em assuntos por si só bastante complexos —, se tudo o que fizerem poderá ser considerado “temerário”?

 A finalidade desses suspeitos “enxertos” legislativos — foram muitos, leiam, no projeto da Câmara, o rol dos “crimes de responsabilidade” inventados — foi deixar a acusação sob constante ameaça de processo, com possibilidade de perda do cargo, multas e outras consequências. Cada “queixa” contra os promotores possibilitaria nova paralisia no andamento das investigações, tendo em vista que lei alguma proíbe, no Brasil, que qualquer pessoa redija “n” petições contra alguém, seja ele quem for, até que ocorra a quase utópica “coisa julgada”. No Brasil é ficcional a frase “decisão judicial não se discute, cumpre-se”. É justamente o contrário: “Recorre-se”. Se nada ganha-se quanto ao pedido, em si, isso não importa. Ganha-se com algo não menos valioso: a inerente demora, benéfica a quem não tem razão e por isso não quer ser julgado.

A mídia salientou que a “inversão de objetivos”, na Câmara, ocorreu, “por coincidência”, na madrugada de uma terça-feira em que as atenções do país estavam voltadas para a morte trágica, na Colômbia, de um avião que transportava os jogadores de um time de futebol de brilhante futuro. Aprovado, na Câmara, o projeto foi enviado ao Senado. Nesse interregno foi requerido o Mandado de Segurança, com pedido de liminar, deferido pelo Min. Luiz Fux, tendo em vista o “periculum in mora”: a possibilidade de uma rápida aprovação do projeto no Senado. Havia motivo de sobra para o Min. Luiz Fux conceder a liminar, a menos que estivesse cego para o que estava ocorrendo com tanta pressa legislativa.

Se transformada em lei, com a óbvia futura aprovação do Senado, a deformada iniciativa popular só poderia ser anulada muitos anos depois. Seria uma sentença de morte, ou de “congelamento”, para sempre, das investigações. Se há, nos anais legislativos, um “tiro no pé”, igual a esse, em qualquer “iniciativa popular”, será preciso procurar muito.

A corajosa liminar do Min. Luiz Fux não foi uma ofensa à Câmara, considerando-se a pressa da aprovação da emenda — e do insignificante “resto” do desejo popular.

Houve, na concessão da liminar, apenas uma consideração emergencial, mostrando um desvirtuamento óbvio da intenção popular autorizada pela Constituição Federal. Se no projeto popular houve alguns excessos de severidade contra infratores ou supostos infratores, a Câmara poderia — como efetivamente fez —, cortar ou reduzir os exageros punitivos.

Se a Câmara, em outro projeto legislativo — de sua livre iniciativa —, quiser reprimir eventuais excessos repressores, que apresente projeto próprio, separado, às claras, fundamentando em detalhes o seu pedido. O que não pode é, perdoando a repetição, “tomar carona” em um projeto alheio — visando o combate à criminalidade — e, como “caronista”, alterar o destino do veículo, introduzindo uma longa emenda que transforma a iniciativa popular em seu oposto.

A liminar do Min. Fux nada tem de ofensiva à divisão dos poderes. A Constituição Federal, nos art.14, item III, e 61, §2º  — leiam, por favor — permite a iniciativa popular e estabelece as condições de procedimento, normas que não foram observadas. O próprio Regimento Interno da Câmara, nos arts.24, II, c, e 91,II, e 91,II, determinam rito diferente para discussão de projetos de iniciativa popular. A votação desta deveria ter ocorrido em sessão plenária, com oradores escolhidos pelos interessados na aprovação da iniciativa popular. E, segundo se deduz das informações da mídia, isso não ocorreu.

Quanto à liminar do Min. Luiz Fux — alguns jornalistas “acham” que o ministro “errou” porque uma liminar de tão grave significado deveria ser decidida pelo colegiado do STF.

Ocorre que havia a necessidade de pressa para a concessão, ou não, dessa liminar. A aprovação da Câmara, na já famosa madrugada, sugeria que algo parecia suspeito, na pressa para transformar em lei a ameaça contra juízes e promotores que trabalham na investigação da controvertida Lava Jato.

 Se o Min. Fux fosse aguardar uma decisão colegiada do STF, a iniciativa popular, enxertada, já estaria vigorando, agora, como lei. Haveria muita possibilidade de demora e discussão no STF, em tema carregado de subjetivismo político-filosófico, do qual raros magistrados podem se livrar, mesmo querendo. Talvez houvesse pedido de “vista” dos autos, por alguns ministros. Demoras de semanas certamente ocorreriam e nesse interregno a lei alterada em seu propósito entraria em vigor.

O Min. Gilmar Mendes rebelou-se, exaltado, contra a liminar de seu colega de Tribunal, dizendo que os eleitores que assinaram a iniciativa popular não a leram, ou se leram, não a compreenderam, tendo em vista a complexidade jurídica dos valores jurídicos em jogo. Por isso, no entender dele, o projeto popular contra a corrupção não merece crédito. Disse até que a redação da iniciativa popular é um “AI-5 do Judiciário”, uma ditadura pior que o AI-5 do tempo da ditadura.

Não tem razão o ilustre Ministro quando desmerece os mais de dois milhões de signatários. Claro que eles não leram ou não entenderam a íntegra dos fundamentos do projeto popular. Os detalhes técnicos, jurídicos, são sempre “complicados”. Tanto assim que mesmo entre juristas renomados ocorrem divergências interpretativas totalmente opostas. Mas uma coisa é inegável: quem assina “projetos de iniciativa popular” está ciente do propósito do documento. O eleitor pode não entender os detalhes e o alcance de cada proposta, mas sabe o que quer e pede providências. Mas não quer uma coisa e também o seu oposto. E o oposto, inserido pela Câmara, superou, em perigo, o que pretendia a iniciativa popular. Acusadores e juízes tornar-se-iam réus dos acusados e investigados.

Quem assina tais documentos sabe perfeitamente que suas propostas  passarão pelo crivo dos legisladores. Serão discutidas. Não presumem que o projeto popular será assinado ou rejeitado em bloco. E se o argumento da ignorância jurídica dos subscritores da iniciativa popular vale contra essa iniciativa, vale também o argumento de que o enxerto de acusações vagas contra juízes e promotores também não foi nem lido, nem compreendido pelos milhões de eleitores, signatários ou não da iniciativa em discussão.

Em suma, Luiz Fux agiu com coragem e discernimento, concedendo uma liminar que, se não tivesse sido concedida naquele momento, traria enorme dano ao desejo do país de sair do clima de desonestidade que estimula o crime organizado.

Compreendo os deputados que aprovaram, na fatídica madrugada, o “enxerto” que, aprovado, lhes permitiria um futuro sem o medo de prisão, ao ver deles injusta. Sei que seria dificílimo, quase impossível, um cidadão brasileiro, interessado em política — até mesmo idealista — eleger-se deputado federal sem recursos suficientes para gastar com propaganda eleitoral. Daí aceitarem ou pedirem doações do tipo “Caixa 2” para suas campanhas.

Pessoalmente, estou convencido de que a criminalização do “Caixa 2”, com efeito retroativo, não deveria prevalecer porque o poder legislativo não deve ser ocupado apenas por milionários que possam bancar as suas campanhas apenas com recursos próprios. Um legislativo composto apenas de milionários não seria representativo.

O Pe. Antônio Vieira, que além de padre e homem virtuoso era também invulgarmente inteligente, dizia que “Quem entra a introduzir uma lei nova não pode tirar de repente os abusos da velha”. (Dicionário de Pensamentos”, de Folco Masucci).

A se condenar todos os parlamentares que receberam doações do “Caixa 2”, nos últimos anos, só estarão livres da cadeia os candidatos passados que só não receberam tais doações porque eram tão insignificantes, politicamente, que era inútil ajudá-los em suas campanhas. Somente quando comprovada a participação do político donatário em algum esquema desonesto dos ricos doadores é que caberia a punição do candidato, porque ele fazia “parte do esquema”. Note-se que a prova provada das desonestidades das empreiteiras e da Petrobrás só surgiu com as descobertas recentes da Lava Jato.

O que acabei de dizer não contradiz minhas considerações sobre o que ocorreu na iniciativa popular desvirtuada — pelo medo de processo — de vários deputados. O que lhes cabe, data vênia, é insistir no efeito não retroativo da criminalização do “Caixa 2”. Há gente boa, capaz,  séria, entre os recebedores dessas doações, sem as quais não teriam chegado a participar da vida política do Brasil. Não cabe condenar todos os eleitos de cambulhada.

Discorde quem quiser do que escrevi nesta parte final deste despretensioso artigo. Quem discorda, o faz porque nunca foi candidato a coisa alguma. Ou, se o foi, não conseguiu se eleger, a menos que trabalhasse na televisão, aparecendo na tela com frequência. O grande problema é ser conhecido. A democracia pura, sem propaganda eleitoral, só funcionava bem na praça pública, na antiga Grécia de Platão, ou mais recentemente nos Cantões Suíços. No resto, Brasil inclusive, é a propaganda que permite ao candidato chegar ao conhecimento dos eleitores.

(22-12-2016)

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

 “Decisões técnicas” nem sempre são estritamente técnicas. Caso Geddel

Como considero imprescindível — pensando na governabilidade e recuperação econômica do país —, a permanência de Michel Temer na presidência, até a eleição de seu sucessor em 2018 — a menos que ele cometa um “malfeito” digno desse nome — o que ainda não ocorreu —, e levando em conta que a vasta maioria da população tem uma compreensão algo ingênua, confiante demais, da expressão “opinião técnica”, faço abaixo algumas considerações sobre o irrelevante  acontecimento político que tentam transformar em impeachment contra o presidente em exercício.

Refiro-me, claro, ao “grave” — conversa mole da mídia, porque não foi grave — incidente entre um ministro de Temer, Geddel Vieira, e o Ministro da Cultura, Marcelo Calero, a respeito da construção de um prédio de apartamento — “La Vue” — no centro histórico de Salvador. 

 A construção desse prédio tinha sido autorizada pelo Iphan da Bahia, mas como o Iphan nacional, com sede no Rio de Janeiro, depois discordou da autorização — e nesses casos prevalece a decisão do Iphan nacional — a construção foi embargada. Como Geddel tinha interesse pessoal no caso, alegando ter comprado uma unidade, ele teria pressionado Calero para que este, como Ministro da Cultura, autorizasse o prosseguimento da obra segundo a planta original, aprovada localmente. Calero negou a pretensão de Geddel e este procurou ajuda do seu amigo político de longa data, Michel Temer,  que apoiou a pretensão de Geddel. 

Ainda segundo Calero, Temer sugeriu lhe que  enviasse o problema à AGU para uma decisão e minimizou o incidente dizendo que “na política há dessas coisas”. Sentindo-se moralmente decepcionado com seu chefe e pessoalmente desprestigiado, Calero voltou a conversar novamente com Temer, em outra oportunidade, desta vez utilizando, escondido, um gravador. Gravada a conversa com o presidente, Calero pediu demissão do cargo e procurou polícia e imprensa para relatar o ocorrido, acusando Geddel de pressioná-lo fortemente. Com o estardalhaço, Calero colocou o presidente em posição moralmente difícil. Para não prejudicar o presidente, Geddel voluntariamente deixou a Secretaria de Governo e seu sucessor, o Dep. Roberto Freire, decidiu que prevaleceria a decisão do Iphan nacional, considerando que a decisão baseou-se no seu parecer técnico . 

Resumido o essencial de um desnecessário  falso “escândalo” que estimulou a desconfiança de potenciais investidores estrangeiros — justamente no momento em que o governo mais precisa dessa confiança para apressar a “saída do buraco”, cavado pelo modo petista de governar — direi algumas palavras alertando para algo que todo profissional da área jurídica já sabe mas convém difundir: que “decisões técnicas” muitas vezes não são estritamente técnicas. Pode haver muita política por trás das conclusões. Técnicos, seres humanos, também têm preconceitos, aversões e paixões políticas. Assim como os juristas — “técnicos” do Direito — eles também divergem em suas opiniões conforme o interesse que patrocinam. Não sei se foi o caso dos técnicos que opinaram sobre o projeto do “La Vue” de Salvador. Uns aprovando, na Bahia, e outros desaprovando, no Rio de Janeiro. A mídia não sabe, nem procurou saber, qual a coloração política dos técnicos do Iphan-Rio que concluiram pelo embargo da obra. 

Quem já foi juiz ou advogado, por alguns anos, em ações de desapropriações de imóveis, sabe quão relativas e contraditórias são as conclusões apresentadas pelos engenheiros “assistentes técnicos”  apresentadas pelo expropriantes e pelo expropriado. O juiz, no momento processual certo, nomeia um perito de sua confiança. Esse “perito do juiz” apresenta seu laudo afirmando que o imóvel vale “x”. As partes usualmente discordam e indicam, separadamente, seus “assistentes técnicos”, que quase sempre divergem. O assistente técnico do expropriante diz que o imóvel vale “y”, menos, e o assistente do expropriado diz que o mesmo imóvel vale “z”, mais. O juiz lê as três opiniões divergentes e tenta, na medida do possível, fixar o valor eu lhe pareça mais próximo da realidade. Digo assim porque é humanamente impossível garantir qual o valo exato de qualquer bem, tal a quantidade de fatores que pesam na avaliação. Mesmo em perícias médicas há, por vezes, divergências totais, embora sempre argumentando tecnicamente.

Antes de George W. Bush invadir o Iraque, após o 11 de setembro, havia dúvida — de boa-fé — se Saddam Hussein possuía, ou não, “armas de destruição em massa”. Apesar dos mais confiáveis peritos, contratados pela ONU, afirmarem que não havia. George W. Bush disse que havia e por isso invadiu o Iraque e enforcou Saddam. Após a invasão ficou provado que no Iraque não existiam tais armas. 

Digo tudo isso para sugerir que a divergência entre o Iphan-Bahia e o Iphan-Rio possivelmente não estava isenta de motivação tanto política quanto moral. De qualquer forma, Temer não aparecia, no conflito, como pessoalmente envolvido na construção do prédio. E o Ministério da Cultura poucos meses atrás reagiu fortemente contra Temer quando ele quis separar a Cultura do Ministério da Educação. 

Cabe ponderar, em favor de Temer, nesse episódio, que ele agiu como agiria qualquer presidente de longa experiência política, interessado essencialmente em um assunto urgente e da máxima importância: a PEC do teto das despesas públicas.  

Essa PEC é tema espinhoso, exigindo um contato pessoal do ministro-chefe da Secretaria de Governo com muitos parlamentares ainda em dúvida sobre como votar. Convém que esse ministro-chefe seja o mais simpático possível, porque — certo ou errado —, antipatias e simpatias influem bastante nas votações, em todas as áreas. Quando Kennedy derrotou Nixon na sua eleição, parte da mídia americana explicou que Kennedy “venceu” o debate porque era jovem, limpo, mais bonito que Nixon, que aparecia, na televisão, suado, feio, e sem ter feito a barba (ele tinha que se barbear duas vezes ao dia). Geddel, informa a mídia, tem muitos aliados na Câmara dos Deputados. Conviria, por isso, a Temer, manter Geddel como elemento de persuasão para obtenção dos votos necessários para a aprovação da PEC.  

A luta política guarda muita semelhança com o jogo de xadrez. Às vezes, para conseguir uma vantagem no tabuleiro é preciso sacrificar algumas peças. Por isso, Temer, em vez demitir Geddel, de imediato, com base na acusação de Calero — negada por Geddel — ou abrir uma demorada investigação sobre a divergência relacionada com a altura de um prédio em Salvador, preferiu algo mil vezes mais importante: a aprovação de um plano a duras penas elaborado pelo seu prestigiado Ministro da Fazenda. O que era mais importante, naquele grave momento? Saber das reais motivações de Geddel? Demitir, de imediato Geddel? Investigar demoradamente quem tinha mais razão, ou recuperar a economia?   

Caberia, data venia, ao Ministro da Cultura, quando pressionado por Geddel, negar o seu pedido e ponto final. Afinal, não estava sob a mira de um revolver. Se se sentisse desconfortado para permanecer no cargo, poderia pedir demissão, alegando razões pessoais, ou até mesmo dar explicações técnicas para sua saída. Se temesse ser acusado, futuramente, de estar envolvido em alguma ilegalidade — relacionada com o referido prédio —, poderia até gravar a conversa que teve com o presidente, guardando essa prova a sete chaves, para uma eventual necessidade de defesa de sua honestidade quando ainda fazia parte do governo. Nunca, porém, gravando uma conversa com quem o nomeou e procurando polícia e mídia para prejudicar diretamente o presidente e, indiretamente o seu país.  

Se o investidor estrangeiro já duvidava sobre investir no confuso Brasil, essa dúvida aumentou com o alvoroço sobre a altura do prédio. E que “a política tem dessas coisas” — frase que Temer teria proferido — é verdade muito conhecida. Cabe a cada ministro dizer “não!”, e ponto final, quando outro político lhe pede algo com que não concorda. 

Felizmente, o incidente não chegou a ponto de impedir a aprovação da referida PEC, embora tenha prejudicado o país na área econômica. 

Depois do hercúleo esforço, de meses, tentando colocar as finanças em ordem, o atual governo seria irresponsável se congelasse as reformas por causa de alguns pavimentos, a mais ou a menos, de um prédio de apartamento em que o presidente não tinha qualquer interesse. Faltou senso de proporção, ou maturidade, na gritaria.  

(11/12/2016)

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

O projeto de “abuso de autoridade” é desnecessário.

É dispensável — pelo menos no momento —, no Brasil, um projeto de lei, ou PEC, prevendo a punição por “abuso de autoridade” de qualquer promotor ou juiz exercendo suas funções em qualquer processo criminal.

O projeto, já apresentado no Senado, visando “abusos” da Lava Jato, é claramente uma tentativa de intimidar, colocando na defensiva perpétua tanto os promotores quanto os juízes que atuam na fase do inquérito, deferindo quebras de sigilo, busca e apreensão de provas, decretando prisão temporária ou preventiva, autorizando condução coercitiva e outras atividades autorizadas pela legislação justamente para demonstrar que as denúncias não se baseiam em meras conjeturas.

No fundo, essa busca de indícios, ou provas, colhidas no inquérito, visa proteger pessoas inocentes. Ou, se não habitualmente “inocentes”, pessoas que não cometeram o crime em investigação. O “denunciado” — em significado popular —, pode, apesar de seu passado, estar sendo caluniado por inimigos astutos que querem tirar proveito da “onda” de má-reputação um inimigo.

Um inquérito policial bem feito até solidifica o princípio de presunção de inocência. Nem toda investigação policial resulta em denúncia criminal. Uma pessoa falsamente apontada como autora de um crime fica — se o inquérito for bem feito —, poupada da necessidade de se defender em um sempre imprevisível processo criminal, porque o promotor pode pedir o arquivamento do inquérito, ou sua paralização até que surja novo indício que justifique o oferecimento de denúncia. As pessoas nem sempre dizem a verdade quando “denunciam” outras à polícia.

 Os termos vagos descrevendo os alegados “abusos de autoridade”— possibilitando variadas interpretações —, contidos na proposta legislativa encampada pelo Sen. Renan Calheiros, obrigariam promotores e juízes a gastarem a maior parte de seu tempo apenas se defendendo. A menos — risivelmente —, que contratassem grandes criminalistas, para defendê-los das acusações feitas pelos réus do colarinho branco.

A meu ver, a legislação atual já possibilita a punição —, criminal e cível, indenizatória —, contra uma acusação deliberadamente falsa, ou um julgamento igualmente doloso, desde que transitada em julgado a ação criminal onde ficou comprovado o intuito de somente prejudicar o acusado; ou possibilita anular o processo, antes de seu fim natural quando constado, pela própria justiça, que o referido processo foi, desde o início, apenas um simulacro de busca da verdade. Algo assim como uma cédula falsa, que obviamente moeda não é. Dou um exemplo: o réu foi acusado apenas de ter matado e jogado ao mar uma possível e única testemunha de um crime, mas em plena audiência o suposto morto aparece, em carne e osso explicando que “sumiu” porque do contrário seria assassinado pelos inimigos do acusado.

Enganos de avaliação da prova, ou da interpretação do Direito —, ou mesmo uma certa “tendenciosidade” profissional — o tal “cachimbo na boca torta” ou “calo profissional” de promotores e advogados —  são uma coisa. Muito outra seria o dolo, bem consciente, de um acusador que sabe que sua prova é falsa. Isso ocorrendo, trata-se de crime, a permitir até a expulsão da carreira de promotor e sua condenação criminal, cumulada com ação de indenização movida por sua vítima judicial. E o mesmo se diga no caso de um eventual magistrado corrupto, ou determinado a condenar um inocente sabendo que isso não é verdade e que a prova contra ele é falsa.

“Abusos” óbvios, da parte de um promotor ou juiz, mesmo no Brasil de hoje, só podem ocorrer como situações anômalas, de interesse mais psiquiátrico, facilmente detectáveis como insanidade. Se, numa busca e apreensão, ou condução coercitiva, um promotor, com esgar de alucinado, põe-se a gritar e chicotear o indiciado, ou a chutar móveis e parentes do suspeito, essa conduta aberrante seria logo filmada ou fotografada, chegando de imediato à mídia, antes mesmo que os enfermeiros coloquem no louco a camisa de força.

Exagerei, propositalmente, na descrição do que seria “abuso de autoridade”, mas eventuais humilhações desnecessárias de indiciados podem ser corrigidas imediatamente pelas próprias Corregedorias do Ministério Público e da Magistratura. Nunca, porém, pondo em risco a liberdade desses profissionais de trabalhar conforme sua interpretação das normas de procedimento.

 Impedir totalmente, como segredo de estado, a “publicidade” — desencadeada pela mídia — de uma prisão temporária ou preventiva seria privilegiar demais os criminosos que não tiveram acanhamento de arriscar suas reputações contando com a impunidade e o segredo de justiça.

Mesmo nos mais adiantados países do Primeiro Mundo a imprensa não fica proibida de noticiar o que acontece quando também “os grandes” são acusados de malfeitos. Banqueiros e magnatas são vistos, na mídia, algemados, mesmo quando não agem com violência. Pessoalmente, preferiria dispensar o uso das algemas quando o suspeito não reage, mas essa prática é muito usada em outros países, sem protestos significativos.

Por que só no Brasil isso não poderia ocorrer? Antes do Mensalão quantos políticos, banqueiros e famosos estavam presos? “Nenhum”, respondeu-me, após uma pausa, um grande criminalista brasileiro.

(07-12-2016)

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Quebrando as fronteiras rígidas do conhecimento

Talvez o verbo certo seja “relativizar” tais fronteiras. O essencial, mais do que a exatidão na escolha de um termo, é salientar a necessidade, cada vez mais premente, de unir os ramos do conhecimento. Não digo “misturar” tudo em um “angu” superficial e ignorante. Pelo menos, criar pontes inteligentes entre os diversas domínios.
É velha, mas sempre pertinente, a definição daquele que só se interessa pela própria especialidade: “especialista é aquele que sabe cada vez mais de cada vez menos”. No plano microscópico ele é gênio. Na compreensão global, se não um tolo desconectado pelo menos um alienado do mundo em que vive. Talvez pior: um pavão, cheio de si, porque no conhecimento minucioso dos detalhes do seu piolho particular ninguém o suplanta. Pelo menos é o que ele imagina, vivendo no seu mundinho.

                 Tais considerações vieram-me à mente após ler um artigo sensatíssimo, no jornal “O Estado de S. Paulo”, de 3-8-09, do prof. Jerson Kelman, professor da Coppe-UFRJ. Ele foi diretor-presidente da Agência Nacional de Águas e diretor-geral da Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica.

                 Nesse artigo, “A bala perdida no Senado”, Kelman salienta a necessidade de não ver as coisas isoladamente: (...) “sem um sistema de gerenciamento capaz de harmonizar os interesses conflitantes no uso dos rios ocorre uma babel em que cada setor ignora a existência do outro. Por exemplo, o setor agrícola e o energético comportam-se como se as águas pudessem ser utilizadas de forma exclusiva, respectivamente para a irrigação e para a produção de eletricidade. Outro exemplo: a autoridade estadual permite que se faça uma captação ou se lance um efluente num rio sob sua jurisdição, sem atentar para as consequências sobre a quantidade e qualidade utilizada por outros usuários localizados rio abaixo, às vezes em outros Estados da Federação”.

              A observação acima serve como uma luva para a ideia que venho (monotonamente) incentivando ha meses, talvez para desespero de alguns leitores que entram em convulsão à simples menção da necessidade de um governo democrático global. Se mesmo dentro de um país de regime federativo se constata a necessidade do estado pensar no bem estar do estado vizinho — antes de empreender determinada obra, ou planejar um sistema —, o que não se dirá da convivência mundial, cada vez mais estreita? Há uma estreita analogia entre “estados soberanos”, na área internacional e “estados” — vizinhos ou não — dentro de uma mesma federação.

               Em termos de água, mero exemplo, pergunta-se: se um país prevê futura escassez, tem ele o direito “soberano” — egoísmo garantido pela força — de represá-la, mesmo que com isso arruíne a agricultura e o abastecimento de um vizinho país (ou imensa coletividade sem status de Estado), situado em nível mais baixo? Qualquer pessoa, mesmo de poucas luzes, dirá que o interesse da população do país ou povo vizinho, não pode ser ignorado. Se o for, faltará água na região menosprezada. Em compensação, não faltará, no povo prejudicado, um caudaloso “ódio líquido’ — inventaram mais essa novidade, “líquido”, em política internacional... —, com terroristas auto justificados pelo fato de não disporem de um tribunal internacional que repare a injustiça sofrida. E essa via legal o planeta não tem. Basta dizer que qualquer país, para poder ser julgado em uma demanda ajuizada na Corte Internacional de Justiça, precisa aceitar a jurisdição. É julgado apenas se assim concordar. Sabendo estar errado, não concorda, obviamente. Medo da pressão internacional? Nem sempre. Depende de saber quem comanda essa pressão.Tem cabimento um atraso jurídico desse porte em pleno século XXI?

               A justiça internacional ainda sofre grandes limitações institucionais. Certamente provocando desespero, embora não verbalizado, de seus competentes juízes que, provavelmente, gostariam de poder trabalhar com mais desenvoltura, fazendo justiça completa, em escala realmente mundial. Um justiça sem tantas limitações políticas disfarçadas em normas jurídicas.

Infelizmente, os competentes magistrados internacionais — convocados em todas as partes do planeta para integrar os tribunais internacionais —, não podem ficar reclamando, a torto e a direito, contra as restrições que os impedem de fazer a desejada justiça. Nas federações  formando um único país, cada estado ou província cuida dos “assuntos locais” mas não decide sobre relações internacionais, nem declara guerra à província ou estado vizinho, e muito menos a outro país. O estado do Texas, por exemplo, não pode declarar guerra contra outro país. Somente a União pode fazer isso. Muito menos pode o Texas dizer que “não aceita ser julgado” numa demanda qualquer, ajuizada pela União ou por outro estado da federação americana. O mesmo precisa existir na área internacional. A noção de soberania precisa ser relativizada, para não se transformar em empecilho para um mundo mais justo e, consequentemente, menos sujeito a guerras, massacres, fome e terrorismo.

               Voltando ao artigo do prof. Jerson Kelman — que nas entrelinhas revela-se um intelectual equilibrado e sem vaidade — ele acentua, como disse de início, a necessidade da administração federal abordar o problema das águas de forma global, examinando repercussões das decisões em todas as áreas em que vão ocorrer consequências.

Um outro item que demonstra a ligação íntima de assuntos aparentemente separados está na conexão entre o excesso populacional e os enredados esforços para a construção da paz. Pais ricos, ou remediados, têm poucos filhos. Pais pobres geram abundante descendência. Excesso que leva, quase fatalmente, ao desemprego, criminalidade de rua (não do colarinho branco —, aí trata-se de “vocação”) e migrações desordenadas em busca de países que ofereçam mais oportunidades. Ou pelo menos alguma oportunidade, porque em certas regiões de miséria, simplesmente não há qualquer chance de progresso individual, seja qual for sua força de vontade. Imagine-se o leitor nascendo hoje, de família pobre, no Sudão, Somália, Zimbábue ou outro país paupérrimo. Mesmo tendo, por sorte, uma feliz combinação de genes ligados à inteligência, sua desnutrição dentro do útero e nos primeiros anos de vida minará o pleno desenvolvimento de seu cérebro.

A promissora concepção da União Europeia já se defronta com críticas e dificuldades. E a União Europeia é um “ensaio” ou “ovo” informal de um governo mundial. Se ela falhar, falhará também, por “contágio”, a ideia de uma governança global, o que será uma lástima. Isso porque os pobres do Leste Europeu, em grande número — o fator quantidade minando a qualidade de qualquer ideia —, afluem para os países mais ricos, perturbando sua economia. Como precisam trabalhar, aceitam salários mais baixos, o que aumenta o desemprego dos trabalhadores locais, que passam a apoiar políticos de direita, hostil aos estrangeiros. Hostilidade de conveniência, mas de qualquer forma, hostilidade. E essa prevenção também causa ressentimentos dos governos de outras regiões — Brasil, por exemplo —, que encaram como ofensa a desconfiança com que seus cidadãos são tratados nos aeroportos europeus, mesmo como simples turistas. Qualificação que o país receptor vê com reserva, supondo que o moço tenha desembarcado com a intenção de ali morar e trabalhar.

O exagero populacional também gera efeitos não estritamente econômicos, relacionados com mero excesso de mão de obra. O econômico transforma-se em racial. Pior, racista. Explico: como os “invasores’ são, no geral, mais escuros (africanos e sul-americanos), ou de feições árabes, a ojeriza pelos imigrantes, “concorrentes desleais” — porque aceitam salários menores, sendo preferidos pelos patrões — acaba se transfigurando em um problema de cor, ou traços fisionômicos. A “raça” do imigrante acaba levando a culpa pelo desemprego dos brancos no país hospedeiro. Políticos locais, sempre à cata de votos, aproveitam a onda de animosidade e elaboram políticas que tendem a marginalizar os “invasores” mais escuros. Daí as explosões de desproporcionada violência — incêndios e depredações — que ocorrem ante a menor “provocação” da polícia. No fundo, no fundo, toda aquela violência origina-se da fertilidade incontrolada. A mera quantidade gerando a má-qualidade na convivência humana.

Um outro exemplo da conexão entre o excesso de nascimento nas camadas mais pobres e conflitos sangrentos duradouros entre povos está no que ocorre no Oriente Médio. Fosse bem menor o afluxo de judeus procurando, compreensivelmente, “um lar em Israel”, após a criação desse estado, a paz com os palestinos teria tido mais chance de ser alcançada. Menos árabes teriam sido expulsos das áreas que ocupavam. Conseqüentemente, o ressentimento palestino teria sido menor. O mesmo se diga do ódio de Bin Laden, estimulado com o ressentimento palestino. Talvez nem existisse o atentado de 11-9-2001. Ocorre que não havia — nem na época nem agora — uma autoridade mundial capaz de dar um “pare!” às sucessivas levas de judeus que queriam, finalmente, e em excesso, poder morar num país próprio, Israel.

Ainda hoje, qual o principal espinho que dificulta a solução do problema da criação de dois estados na antiga Palestina? O excesso de judeus, não abonados, que se instalam na Cisjordânia. Vêm de toda parte, e o governo israelense não se sente confortável para expulsar seus irmãos de raça ou religião. E porque tais colonos se instalam na Cisjordânia? Capricho? Não. Instalam-se ali porque são relativamente pobres, numerosos e não têm recursos para se instalarem em regiões tranqüilas e confortáveis dentro das principais cidades. Sempre o problema da quantidade.

Quando se fala em “judeu”, pensa-se logo em “judeu rico”, mas isso não corresponde à realidade. Judeu favelado, miserável, pelo que sei, praticamente não existe hoje no mundo. Consta — não sei se é verdade — que os judeus demonstram uma solidariedade acima do habitual para com seus irmãos menos afortunado. Mas, se não existe judeu miserável, há milhares deles, da classe média baixa, ou próxima da baixa, que desejam viver em Israel. Não podendo comprar casa ou apartamento nos melhores bairros das cidades

Francisco Pinheiro Rodrigues   (04/08/2009)


quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

“Temas de DIREITO MÉDICO”, de Elias Farah.  A dupla vocação de um jurista. Realizado em ambas.

Direi algumas palavras sobre um reservado e conhecido advogado de São Paulo que, se adepto fosse da autopropaganda, estaria sempre presente na mídia, devido à seriedade e amplidão de seus conhecimentos. Não está porque é avesso à superficialidade e à incoerência. Digamos, em flash comparativo, que ele é a antítese de um Donald Trump. Dr. Elias Farah está entre aqueles que pensam que cabe aos outros, não a si mesmo, julgar o próprio trabalho. Por isso, eu o avalio, aqui, por dever de justiça. Hoje em dia, a elogiável virtude da modéstia é até prejudicial porque a propaganda e a mídia pesam mais que a realidade.

Para sentir o grau de discernimento desse descendente de libaneses basta conversar um pouco com ele, onde até mesmo o silêncio tem significado. Mas quem pretende conhecer realmente suas opiniões precisa ler seus livros e artigos, publicados em jornais e revistas especializadas na área jurídica, cível e trabalhista. Principalmente na relação entre Medicina e Direito.  Nesse último item, sua biografia guarda, para mim, certa analogia com a vida de outra extraordinária figura humana, científica e intelectual: um médico carioca, clínico geral, Dr. Miguel Couto (Miguel de Oliveira Couto), falecido em 1934, no Rio de Janeiro, titular de três cátedras na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Além disso, era homem de extrema bondade, segundo seus biógrafos.

Por que relacionei, involuntariamente, nosso amigo com esse grande médico do passado — além de tri-catedrático Miguel Couto foi também imortal da Academia Brasileira de Letras — em vez de me lembrar de algum jurista famoso, tendo em vista que o Dr. Farah é advogado? É que, lendo parte de seus inúmeros livros e artigos sobre aspectos legais da Medicina, não pude fugir à conclusão de que Elias Farah nasceu com dupla vocação, algo que acontece também comigo, embora em dimensões bem mais modestas.

 A medicina foi minha primeira possível opção profissional, talvez a mais adequada à minha real natureza: a propensão inata para confiar desconfiando do enfoque abstrato ou vago demais — e por isso talvez enganador — das palavras. Filosofia, teologia, sociologia, economia e direito, por exemplo, podem ter seus termos interpretados de várias maneiras, até mesmo opostas. Basta lembrar a palavra “democracia”, no tempo da Guerra Fria. Americanos e russos divergiam muito sobre o que seria uma “verdadeira” democracia.

Assistindo aos apaixonados debates do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff — as lágrimas, sinceras, de seus defensores encheriam jarras — pode-se ter uma ideia da relatividade, da fluidez, da conflituosa hermenêutica jurídica, o que explica minha preferência para escrever, no meu blog, apenas sobre os detalhes mais concretos dos julgamentos de maior repercussão na mídia. Ou então escrever — aí sem remorsos —, sobre assuntos mais literários, em que a imaginação é livre e mesmo recomendável. Mesmo em atividade “literária” tenho uma forte predileção para fantasiar em termos concretos, preocupado em não insultar a inteligência do leitor. Não entro em “buracos negros” para voltar ao passado e conviver com dinossauros. Se eles me devorassem eu só poderia escrever este artigo em sessão espírita.

Na medicina, uma pneumonia, um enfarto, ou câncer é algo muito mais “sólido” que o descumprimento de um preceito fundamental. Uma “pedra nos rins” é mais incontroversa que uma “cláusula pétrea” constitucional, ou um “direito humano” — há dezenas, fora os mencionados expressamente na CF —, que tanto podem ser invocados pelo criminoso quanto pela vítima. E fiquemos por aqui, porque é o Dr. Farah que nos interessa. Quem quiser um resumo biográfico geral de sua atuação como advogado leia, por favor, meu artigo sobre ele — “Dr. Elias Farah e a ética na advocacia” —, no meu blog (francepiro.blogspot.com), ou nos sites 
www.franciscopinheirorodrigues.com.br, ou www.mundori.com

Esta divagação sobre mim mesmo — sobre a qual peço perdão ao Dr. Farah e ao leitor —, relaciona-se com a falsa ideia de que os talentos humanos são específicos e exclusivistas. Pensa-se que um advogado já nasce “advogado”; um médico já é “médico” mal abre os olhos ao nascer. Não é assim na vida real, em todas as profissões. Conheci grandes advogados que estudaram Direito porque não tinham condições econômicas de frequentar uma faculdade de medicina, ou de engenharia. Não foi o caso do Dr. Farah, mas só quem é “médico” vocacional teria condições de escrever o que ele escreveu quando analisa seus temas de Direito Médico. Antes de abordar o lado legal do tema ele dá uma explicação, facilitada, do aspecto técnico, “medicinal”, do problema.  Advogados criminalistas — principalmente aqueles de gostam de atuar no Júri —, revelam-se quase peritos em detalhes técnicos fora de sua profissão, quando isso é necessário para melhor defesa do réu. Valdir Troncoso Peres parecia um colega de clínica de S. Freud quando dissecava, nos julgamentos, as intenções do réu, da vítima, ou de quem mais influísse no julgamento. Segundo ouvi de um grande advogado tributarista, a pessoa que mais entende, no Brasil, de Reforma Tributária é um médico. Leonardo da Vinci era uma usina de conhecimentos transformáveis em quadros e invenções. 

Voltando ao Dr. Miguel Couto, minha curiosidade sobre esse médico vem do fato acidental dele ter curado um grave problema de pele no rosto de uma irmã de meu pai, ambos cearenses, como eu. Não cheguei a conhecê-la porque saí do Ceará quando tinha apenas dois anos.

 Segundo meu pai, sua irmã, ainda jovem, bonita, casada, passou a sofrer, no rosto, um grave problema de pele, distúrbio que a enfeava de modo anormal. Meu pai não entrou em detalhes descritivos e eu, à época do relato, não me interessava por isso. Casada com um homem de recursos, consultou, sem êxito, todos os médicos do Ceará. Como ninguém conhecia a origem da deformação, o casal foi, de navio, a Salvador, Baía, porque lá, à época — começos do século XX —, clinicavam os melhores médicos do país. Inutilmente. Ninguém conseguiu curá-la. Aí alguém sugeriu que ela fosse ao Rio de Janeiro, só para consultar um determinado clínico geral, de crescente fama, “um tal” de Dr. Miguel Couto. E ela foi — tudo de navio, vejam o sacrifício. Conta meu pai que a consulta foi rápida, sem quaisquer exames laboratoriais, mesmo porque então inexistes. Dr. Miguel Couto fez à paciente algumas poucas perguntas, pesou-a e receitou-lhe comprar um vidrinho de ácido clorídrico. Teria apenas que ingerir o conteúdo na forma que recomendou. Ela o fez e ficou completamente curada.

Pergunto: considerando que todas as pessoas têm ácido clorídrico no estômago, como esse notável médico concluiu que sua ingestão iria curar o grave problema na pele do rosto? Quando pergunto a um médico qual a relação de causa e efeito, nesse caso, sempre ouço hipóteses vacilantes. O interessante, no caso desse médico, é que nos concursos de catedrático os concorrentes, àquela época, tinham que comprovar extensa cultura geral, filosófica e histórica, porque a medicina estava longe do tecnicismo atual. Será que essa maior cultura geral influía no acerto dos diagnósticos do Dr. Miguel Couto? Mas uma coisa é certa: os médicos variam imensamente na sua intuição, ou dedução, na capacidade de diagnosticar.

No Direito, ou melhor, na aplicação do direito aos fatos sob julgamento isso também ocorre. Grandes doutrinadores podem, como juízes, ou advogados, atuar de forma menos acertada. Algo “atordoados” pelas belas especulações teóricas podem, talvez, desprezar o exame mais “rasteiro” dos fatos, quando nos próprios fatos, profundamente investigados, estaria o detalhe decisivo. Senti isso, algumas vezes, quando juiz. Presumo que a boa “pontaria” jurídica do Dr. Elias Farah seja especialmente aguda não só nos litígios em geral como naqueles que envolvem aspectos médicos.

Seu livro “Temas de Direito Médico”, de 660 páginas, abrange praticamente todos os assuntos que relacionam Direito e Medicina. Para escrevê-lo, o Dr. Farah teve que se enfronhar nos detalhes médicos para explicar melhor o lado jurídico dessa importantíssima atividade. Nem enumero, aqui, os tópicos — abordados, cada um, em no máximo uma página —, porque a mera menção deles tornaria extenso demais este artigo, já cansativo para o leitor de média resistência. Seu livro deve ser lido por legisladores, advogados, magistrados, promotores de justiça, médicos, donos de planos de saúde, farmacêuticos e por curiosos que se enquadram no brincalhão adágio de que “de médico e louco todos têm um pouco”. É o meu caso. Espero que afastado o “louco”.

Depois de tantos elogios sinceros ao ilustre advogado, vou cometer agora uma ingratidão. Vou lhe sugerir que publique uma série de artigos — depois reunidos em livro, nos moldes práticos do “Temas de Direito Médico” — emitindo seu julgamento, ou opinião, sobre assuntos bem recentes, de grande interesse público, que abaixo relaciono:

1- Qual sua opinião sobre as tais “Pílulas de inteligência”? A propaganda é intensa e muitos duvidam dos relatos sobre sua eficácia. E quais os componentes químicos que, conhecidamente, influem no funcionamento dos neurônios?

2 - Na China, ao contrário do Ocidente, são relativamente raros os casos de câncer de próstata e do seio. Na “minha opinião” — essa é boa... — a explicação está ou no fato dos chineses pouco consumirem leite e seus derivados, ou porque eles consomem soja em lugar do leite. Note-se que o homem é o único mamífero que bebe leite após a fase de amamentação.

3- Qual sua opinião sobre a proibição de farmacêuticos medirem, em farmácias, o nível de glicose mediante a picada no dedo para extração de uma gota de sangue? Penso que muitos morrem de diabetes, não diagnosticada, porque ou não têm um plano de saúde ou sentem dificuldade de procurar um posto de saúde, frequentemente distante do local onde moram ou trabalham.

4- A mesma pergunta sobre a proibição de medir a pressão arterial pelo farmacêutico. Não vejo sentido nisso, principalmente porque a pressão pode ser medida enfiando o braço em um aparelho colocado na farmácia.

5 – Qual sua opinião sobre uma possível lei obrigando que de todo estudante — do curso fundamental até o superior —, se submeta a periódicos exames de vista e audição como forma de evitar ou minimizar déficit de compreensão de textos e de exposições orais dos professores. Muitos “maus alunos” o são porque a má visão em um dos olhos, ou ambos, atrapalham a leitura compreensão dos livros didáticos. O mesmo ocorre com pessoas portadoras de alguma deficiência auditiva e por isso com dificuldade de acompanhar uma aula e aprender novas línguas. Como não ouvem bem, desistem de aprender. Podem chegar a ler e compreender, mas ouvir e falar é outra coisa.

6 – Como vegetariano, com sua imensa capacidade de trabalho físico e intelectual, você recomenda a alimentação vegetariana? Sou um carnívoro consumado, mas parece-me que quando me abstenho de carne minha mente fica mais ágil, embora sinta-me “fisicamente” mais fraco. Seria mera impressão?
Talvez tais perguntas sejam impróprias para um grande jurista. Faço-as porque elas são dirigidas mais ao lado “médico” do grande advogado.

Encerrando, sinto uma sensação estranha. Parece que voltei aos velhos tempos de magistrado na ativa: lavrei minha “sentença”, julgando um grande livro e seu autor.
(16-11-2016)

terça-feira, 22 de novembro de 2016

As “10 Medidas contra a corrupção”.

Como todos têm o direito de opinar, concordo com quase tudo o que está mencionado nas “Dez Medidas” propostas pelo Ministério Público Federal, esse idealista corpo de combatentes que não teme vinganças — próximas ou remotas —, de marginais de variados calibres de riqueza e poder. Vingativos e de boa memória. Espertos e medrosos o suficiente para, anonimamente, delegarem o “trabalho sujo” a jovens marginais, armados e desesperados, ignorantes e capazes de tudo para “ganhar alguns cobres”.

Embora alguns juristas possam julgar desnecessárias tais dez medidas — alegando que já estariam presentes, esparsamente, na legislação, quando “bem interpretada” — o Direito é uma ciência tão sobrecarregada de valores morais e políticos — no bom e no mau sentido — que melhor será, poupando infindáveis discussões, que as referidas “10 medidas” explicitem o que é, ou não, conduta legalmente criminosa. Haverá, com elas, doravante, de forma mais unificada, pelo menos uma grande economia de tempo e elucubração quando as tais medidas foram discutidas nos tribunais. Nem tudo, nas “dez” está claramente previsto das variadas leis atualmente em vigor.

Tenho, porém, uma crítica, ou pelo menos séria dúvida, sobre a 1ª Proposta do M. Público, no item “testes de integridade”.

Quando aplicados, esses testes, em experientes policiais, civis ou militares, ou funcionários públicos em geral, será mais tolerável sua aplicação porque pelas suas funções eles sabem perfeitamente o que é “legal” e o que é “criminoso”. ´

Quando, porém, esses testes são aplicados a candidatos leigos procurando emprego na atividade privada — em uma fábrica ou escritório, por exemplo —, aí o teste pode se transformar em injustiça, cometida contra um cidadão medianamente honesto, até ingênuo, que foi induzido, ou estimulado, a cometer um ato contra o patrimônio, imaginando que agindo “espertamente” não estaria contrariando “as práticas ocultas” vigentes e aceitáveis, nesse novo emprego.

Por exemplo, um capataz ou funcionário de Recursos Humanos de uma empresa, interessado em eliminar estranhos, candidatos a uma vaga — porque pretende colocar um parente nessa função —, pode sutilmente induzir os candidato “de fora” a cometerem a um pequeno furto, dando-lhes a entender — nunca explicitamente, claro — que tais pequenos furtos são usuais, rotineiros,  toleradas pela empresa, que não se preocupa com “coisinhas”, e mesmo seus altos executivos praticam tais desvios.

O “Zé Mané”, meio bobão, precisando demais do emprego e vindo talvez de um “lar” permanentemente atormentado pelas necessidades da sobrevivência, pode, no “teste”, fazer algo errado supondo que com isso estaria apenas “se enturmando” com os futuros colegas no novo ambiente, supostamente mais tolerante. Não lhe “ficaria bem”, pensa, agir como um pretensioso “linha dura”, querendo parecer moralmente superior a seus futuros colegas. Sentindo-se à mercê do funcionário de Recursos Humanos, para sua aceitação, ou não, no emprego, pensa que seria mais sábio “dançar conforme a música”, ou agir segundo o adágio: “Quando em Roma, aja como os romanos”. Nessas circunstâncias, haveria uma forma de injustiça no teste. Mais adequado seria que toda firma afixasse cartazes, no seu recinto lembrando que “Seja honesto. Você está sendo filmado e avaliado sem que você o perceba”, ou algo do gênero.

Quem acompanhou, pela mídia, relatos dos escândalos descritos no Mensalão e na Lava Jato deve ter concluído que inúmeros funcionários de alto escalão podem ter cometido ilegalidades, talvez relutantemente, em bancos e empresas governamentais e particulares — integrantes do “esquema” —, porque, se se recusassem a praticá-las, seriam malvistos e dispensados das funções, por representarem “um perigo”: —“Demitam-nos. São ‘Caxias’ demais. Fanáticos! Possíveis delatores!”

Uma segunda crítica contra o “Pacote saneador” está na criminalização do “Caixa 2” doado, no passado, aos partidos, para campanhas políticas. Não só pelo fato “rasteiro”, jurídico, de a lei penal não poder retroagir, mas porque toda lei, ao ser editada, não deve ignorar totalmente o “meio ambiente” moral do país onde será aplicada.

Vários anos atrás, um amigo meu, engenheiro, sócio de uma empresa especializada em obras públicas, de médio ou quase-médio porte — não era nenhuma das mencionadas nas denúncias mais recentes — contava-me que em período pré-eleitoral havia um inevitável prejuízo: receber políticos e candidatos solicitando doações para a “campanha”. Até ex-governadores às vezes apareciam. E o valor de tais “doações voluntárias” não eram tímidas. Se as palavras pudessem ser submetidas a um raio-x das intenções, a chapa da conversa mostraria que “sem doação, não haveria novos contratos”. — “E aí?”, perguntava-me o engenheiro. “Sem novos contratos eu e meus sócios teríamos que fechar a empresa ou mudar penosamente para outras atividades de engenharia, algo sempre problemático. Por isso dávamos o que era possível dar. E não podíamos dar tudo porque provavelmente outros partidos também apareceriam, como sempre acontecia. E tínhamos que doar, porque as eleições sempre têm uma certa imprevisibilidade.

“Caixa 2” é sinônimo de dinheiro não contabilizado; filosoficamente um crime, mas até recentemente, antes da Lava Jato, uma infração “preponderantemente tributária”, não penal; “não-cadeia”, embora a distinção teórica seja objeto de discussão. Por isso, penso que por razões jurídicas — a lei sempre regula o futuro, não o passado — e também sociológicas, minha modesta opinião é no sentido de que a criminalização só deve ocorrer sobre fatos posteriores à data da nova lei dispondo sobre essa matéria. Pode a Fazenda cobrar, civilmente, o que considera ter sido sonegado, mas sem encarceramento ou outras medidas de Direito Penal, aplicáveis a fatos futuros.

Há um tanto de hipocrisia, nessa história de punir criminalmente, a não contabilização de certos ganhos. Quando, em São Paulo, lembro-me perfeitamente, começaram a vender computadores em larga escala, era comuníssimo — em todas, todas, as profissões, sem exceção — existir a escolha entre pagar mais caro pelo computadores com nota fiscal; ou mais barato, sem nota fiscal. Obviamente, os aparelhos mais baratos, sem nota, eram produto de contrabando ou sonegação de algum tributo. Gente respeitável fazia isso sem peso na consciência. Era “normal”.

Terminado o tratamento do dentista, na hora de dar o recibo, o profissional perguntava: — “Com ou sem recibo?” Se o cliente queria pagar menos — e penso que 95% assim preferiam— seu desembolso era bem menor. E penso que isso ocorria também com médicos e demais profissionais liberais. Lembro-me do relato feito por um “homem do direito”, muito competente, que, mal se aposentou, disse-me ter sido convidado para trabalhar em uma importante empresa privada, frisando que receberia em dólares, sem precisar pagar imposto de renda. Alguns juristas faziam assim, com seus pareceres.

 Errado, juridicamente, claro, mas essa era a realidade que vigorou por décadas no nosso país. Somente com a revolução da Lava Jato é que esse erro de procedimento pressionou a opinião pública no sentido de levar mais a sério, até penalmente, a obrigação de pagar tributos, mesmo julgando que o serviço prestado pelos governos está muito aquém do que “arranca” — é a palavra certa — dos contribuintes “certinhos”.

Penso que, com a futura criminalização do caixa-dois, o Brasil vai melhorar, ética e economicamente. Se, porém, ela tiver efeito retroativo, esse efeito poderá ser julgado inconstitucional, como isso enfraquecendo um pouco, pelo excesso, um belo esforço para moralizar o país.

Como disse, de início, apoio as “Dez Medidas contra a corrupção”, com as pequenas restrições acima mencionadas.

(19-11-2016)


segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Quando os governantes enlouquecem

Populações que vivem sob ditaduras e democracias não diferem muito na condição de vítimas indefesas de atos de loucura de seus governantes. Refiro-me, claro, àquela demência de aparência mais circunspecta, engravatada, em que o paciente não baba, não gargalha com esgares de insânia, não planta bananeira em recepções diplomáticas nem acena de modo obsceno às horrorizadas esposas dos embaixadores estrangeiros.

Qualquer filósofo de ciência política — não sendo ele também contaminado — provavelmente sente-se intrigado com essa ausência de defesa contra decisões totalmente insensatas e que podem levar à perdição de um povo ou até mesmo do planeta. As mentes mais lúcidas percebem que o rebanho, meio cego — vitimado por uma catarata mental induzida pelo emaranhado de informações e opiniões contraditórias —, está sendo conduzido ao abismo mas nada pode fazer a tempo. A não ser, talvez, apelando para uma primitiva violência homicida que representa a própria negação da civilização. Assim, “civilizadamente”, embora gemendo e chorando, deixa-se conduzir ao matadouro, bem ciente do seu destino. Talvez entoando o hino nacional porque, afinal, é um patriota, obediente a seu monarca, louco ou burro — no geral ou na particular decisão.

Apesar do avanço na farmacologia jurídica, não há técnica instantânea capaz de impedir atos insanos. Quando da Guerra Fria, o simples pressionar de um botão poderia ter desfigurado o planeta. Kruschev, no incidente da remessa de foguetes para Cuba, em 1962, mandou a frota russa recuar. Esse recuo exigiu muita coragem moral porque era altíssimo o risco de um conflito nuclear, considerando-se a seriedade da advertência americana. Milhões morreriam, em ambos os países. Para evitar a tragédia de uma terceira guerra mundial Kruschev assumiu o risco da própria desmoralização. Saiu enfraquecido porque pensou nos milhões de russos que morreriam queimados ou de câncer oriundo da radioatividade. Os militares russos, no entanto, o censuraram por “ceder”. Um ano depois perdeu o poder. “Falta de firmeza”. A tal ponto vai a estupidez humana.

 As democracias ainda podem reagir um pouco mais que as ditaduras, quando pressentem o perigo da insânia. Mas não sem grande lentidão, através de complicados mecanismos jurídicos, tais como o “impeachment”, o “recall” e, talvez, outras medidas judiciais de demorada discussão e tramitação. O problema é que, constatado finalmente que o Presidente foi vítima de um delírio momentâneo de avaliação, o mal estará consumado. O jeito é erguer os ombros e pagar pelas conseqüências, seja com sangue, tributos ou a vida de milhares. Já com um ditador assumido, com poderes absolutos, nem mesmo é possível uma reação tardia, a não ser com um golpe de estado, ou complô de assassinato. Algo extremamente arriscado, com eliminação imediata de todos os participantes, no caso de insucesso. O louco manda prender e matar quem disser que ele está louco. E quem se atreve a amarrar o guizo no rabo da jaguatirica hidrófoba?

Presumo que todos aqueles que leram sobre a política européia nos anos quarenta do século passado concordam que Hitler decidiu — mal — a sua sorte, e a do povo alemão, quando resolveu invadir a União Soviética, notadamente na proximidade do inverno. A Alemanha exauriu-se nessa empreitada. Já com tantos inimigos pela frente, por que mais um, forte — motivado pela experiência do socialismo —, distante e protegido pelo inverno? A decisão era tão insana que, finda a guerra, percorreu a Europa uma anedota que, pelo seu simbolismo, peço licença para recontar neste espaço que recomenda abordagens sérias. A anedota diz que Hitler, no apogeu de sua força militar, ficou sensibilizado ao saber que em um determinado hospício alemão havia um pavilhão cheio de ferrenhos admiradores. Eles o imitavam em tudo: nos gestos, na fala, no bigode, na pastinha de cabelo na testa, etc. Comovido com tanto amor, avisou a administração do manicômio de que no dia tal faria uma visita aos fãs. Na data marcada, acompanhado de seguranças, apareceu. Não obstante alertado do perigo insistiu que seus guarda-costas ficassem do lado de fora. Ao ingressar no pavilhão notou, espantado, que todos os seus admiradores estavam fardados exatamente como ele. Parecia-lhe estar numa galeria de espelhos. Com lágrima nos olhos, ergueu os braços com intenção de abraçá-los mas em vez de abraços ouviu urros de indignação. “Impostor! Imposto!”, gritavam os lunáticos, que passaram a agredi-lo, instalando-se uma batalha campal de todos contra todos. Com o alarido, os seguranças entraram armados no recinto e, incapazes de identificar o verdadeiro Hitler, pouparam aquele que lhes parecia o autêntico Führer  e metralharam os restantes. No dia seguinte, “Hitler” invadiu a Rússia.

Está para ser explicada a influência de substâncias químicas em decisões governamentais esdrúxulas que alteraram, para pior, o curso da história.  Muitos anos atrás li, em casa alheia, fazendo hora, algumas páginas de livro escrito por um médico alemão. Ele censurava um colega de profissão que cuidara pessoalmente da saúde de Hitler. Como este sofria de crises de depressão e melancolia, seu médico aplicava-lhe injeções de “vitaminas” que o energizavam instantaneamente. Provavelmente eram anfetaminas, ou coisa do gênero, assunto então mal conhecido. Talvez nem Hitler soubesse o que entrava em seu sangue e subia até o cérebro, decidindo por ele. Substâncias que só foram melhor estudadas, em suas mais distantes conseqüências, depois da II Guerra Mundial (pilotos, inclusive ingleses, de aviões de combate usavam pílulas de anfetaminas para lutar contra o sono e aumentar a capacidade de atenção). Assim, é bem possível que a euforia fornecida pelas injeções tenha influído poderosamente em decisões visivelmente erradas do ditador, já muito erradas em sua rancorosa visão do mundo. E, em assuntos de estado, depois de praticado o ato arriscado, não há como voltar atrás. O chefe de estado jamais admitirá que tomou aquela decisão porque estava meio bêbado ou “eufórico” com um remédio que tomara. Tentará racionalizar sua atitude. Em competições esportivas importantes, a regra é examinar a urina dos atletas vencedores. Nos atos de governo, de muito maior repercussão, seria impensável e ridículo a coleta de urina de Sua Excelência, quando decide algo estapafúrdio, para eventual nulidade caso comprovado que o chefe estava dopado. Fica aqui bem explícito que a menção ao teste serve aqui apenas como uma comparação engraçada.

Por que esta longa introdução? Porque ou é má-fé, ou imensa cegueira política a decisão do primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, de continuar com as obras da rampa de acesso às mesquitas sagradas de Jerusalém, bem como as escavações arqueológicas no local. A decisão em exame certamente, nada tem a ver com o que foi dito atrás, com relação a estimulantes químicos. Seria irresponsabilidade demais. O incidente parece ser mais um distúrbio momentâneo da capacidade de avaliação, talvez produzido por excesso de preocupação, trabalho ou rancor. O certo é que tal decisão vai gerar imensas conseqüências, suportadas tanto por árabes quanto por judeus e, por tabela, por nós todos, da aldeia global.

Qualquer chefe de governo de juízo normal, ao perceber a reação violenta e espontânea dos muçulmanos às escavações, mandaria logo parar as obras, mesmo estando Olmert convencido de que prejuízo não haverá. Por simples e elementar prudência, para não jogar mais gasolina na antiga fogueira. Pelo menos que parasse até que a comunidade internacional convencesse os muçulmanos de que não haveria prejuízo. Afinal, aquilo não passa de cimento e tijolo. Não é tão importante assim. Mas não, Olmert disse que continuaria as obras, por cerca de um ano — um ano de mais hostilidades! —, porque “quem estudar, ou examinar, bem o projeto de reconstrução, verificará que não haverá prejuízo”. Foi assim, mais ou menos, o que ele disse, justificando sua teimosia. Será que ele não percebe que seu projeto técnico não será jamais estudado, pelos muçulmanos, com a calma minúcia e frieza próprias de engenheiros, arquitetos e especialistas de História?

Em assuntos religiosos e raciais manda a mais elementar prudência não provocar suscetibilidades, mesmo que estejamos convencidos de que, “bem examinado o tema’, não haverá prejuízo para ninguém. Em temas polêmicos como a religião, não existe o que se denomina “bem examinado”. Tente alguém, por exemplo, “bem examinar”, “com toda isenção”, os fundamentos da religião de alguém — mesmo de um amigo —, para ver se ele reage com a calma de um filósofo (paciente...) caso você conclua que há incongruências na religião dele. A respiração dele se altera enquanto mal ouve, já pensando em contra-atacar. Cada argumento será uma bofetada, não um argumento, por melhor que seja explicado. Isso, conversando com um amigo. Com inimigos, então, nem se fala... E não se diga que judeus e palestinos são amigos fraternos e tolerantes de longa data.

Olmert, não percebendo o óbvio, a reação puramente emocional às escavações, exibe uma falha intelectual incompreensível, incompatível com o nível intelectual do país que lidera. Agora, se se trata de uma manobra proposital para prorrogar as hostilidades, a tolice grosseira fica agravada pela má-fé. E quem pagará por ela não será apenas os palestinos.

Para que não se alegue que o autor destas linhas tem prevenção contra Israel, cabe também mencionar a estrema insensatez do primeiro-ministro palestino, Ismail Haniyeh, ao dizer que Hamas jamais aceitará a presença do Estado de Israel. O que ele ganha com isso, exceto a aprovação de alguns adeptos que vivem distantes da realidade? Israel tem uma população acima de cinco milhões de habitantes. É um fato consumado, justa ou injusta tenha sido a política que orientou a criação do Estado de Israel. Não é cabível expulsar ou aniquilar um país já consolidado fisicamente e com essa dimensão. Pretender isso equivaleria a um infantil levante de índios pele-vermelhas, incas, aztecas, maias, xavantes e tupinambás visando tomar o poder pela força em toda a América porque suas terras foram invadidas pelo homem branco.

O que leva Ismail Haniyeh a insistir na tecla da “não aceitação de Israel”? Será a idéia — à primeira vista moral — de que não pode voltar atrás na sua promessa, constante da plataforma eleitoral? Se assim é, Haniyeh precisa se atualizar em política. Líderes legitimamente eleitos podem e devem alterar seus objetivos — mesmo solenemente prometidos —, se isso é melhor ao povo que o elegeu. A respeito, conta-se uma passagem interessante de Jânio Quadros, um político brasileiro que esteve muito em evidência antes de 1964. Eleito governador — ou teria sido prefeito? — ele foi insistentemente cobrado por um cidadão que lhe emprestara várias peruas quando da campanha eleitoral. O cidadão, em retribuição do apoio dado, queria gerir uma determinada função bem lucrativa do Estado. E Jânio temia pelo que pudesse acontecer. Assim, após ser lembrado da promessa feita em campanha, respondeu: “Quem lhe prometeu isso foi o candidato Jânio Quadros. Já o governador Jânio Quadros indefere o pedido”.

Haniyeh, que deve ser um homem honrado e empenhado na palavra dada — talvez até demais...—, deve pensar apenas em uma coisa, depois que foi eleito: o que será melhor para os palestinos? Manter a promessa eleitoral — desgraçando a população com dificuldades sempre maiores e até afrontando a opinião internacional — ou aceitar a realidade inevitável e trabalhar para melhorar as condições de seu povo? Governantes muitas vezes têm que decidir contrariando a opinião de quem os elegeu, ao constatar que sua visão governamental — se mentalmente honesta! — está melhor informada que a de seus eleitores. Para isso é um líder, inventando caminhos, não mero cumpridor de presumíveis vontades, dos eleitores, concebidas tempos atrás e com conhecimento menos abrangente das situações. O “presumíveis”, aqui, decorre do fato de não haver total certeza de que seus eleitores pensam hoje exatamente como pensavam no momento do voto.

Francisco Pinheiro Rodrigues (14-2-2007)


segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Correta a suspensão da “Operação Métis”, no Senado.

Um substitutivo do título poderia ser “Muito barulho (político) por nada”. Ou “O atrito entre o Legislativo e o Judiciário gerou muito calor e pouca luz”.

Dois dias atrás, pensei em escrever o que me parecia óbvio: a falta de informações essenciais, na mídia, sobre a remoção, pela polícia interna do Senado, das escutas autorizadas por um juiz, o que significaria afronta à atividade lícita da Lava Jato.  A ausência de detalhes importantes sobre os fatos impossibilitava uma avaliação jurídica com alguma credibilidade. Por isso, venci a tentação de opinar a respeito, não obstante seja um tema especialmente atraente pela novidade e poder de explosão. 

Hoje, porém, com a anunciada remessa, ao STF, do material apreendido pela polícia do Senado — dez “maletas” técnicas, segundo a mídia —, será possível opinar com mais clareza, se houve, ou não, abuso dos funcionários do Senado, ou de seu presidente.

 Essa polícia interna, tudo indica, cumpria ordens rotineiras da direção da Casa. Daí o descabimento das prisões dos funcionários da segurança, a bom tempo revogadas pelo Min. Teori Zavascki, um julgador que tem se revelado não apenas um bom “teórico’ — como sugere seu nome — mas também um homem de bom senso e coragem. Esta última porque os ânimos estão, no momento, de tal modo inflamados que toda notícia política relevante gera automática reação de ódio ou regozijo, conforme a opinião do leitor ou ouvinte. Cada manchete funciona como um “gol” de Copa, contra ou a favor, sem meio termo. É a cultura futebolística impregnando e enlouquecendo os temas mais sofisticados.

Evitando dúvidas, deixo adianto que, genericamente, aprovo e saúdo a Operação Lava Jato, considerando-a um desassombrado avanço na luta contra a imensa corrupção vigente no país, uma espécie de sífilis moral hereditária, agora na quarta fase. A Lava Jato foi, e ainda é, um tratamento de choque que talvez se transforme em exemplo para outros países, quando também envenenados por uma desonestidade “institucionalizada”. Mas para que esse exemplo frutifique é preciso evitar excessos que ponham a perder um saneamento moral há muito esperado pelo povo brasileiro.

Comecemos pelo lado mais terra-a-terra: os aparelhos de escuta, exibidos rapidamente na TV, não apresentam rótulo externo advertindo: —“Lava Jato”. Ou “Esta escuta não pode ser removida porque ordenada pelo juiz Fulano de Tal, na operação X”. Mesmo porque o rótulo poderia ser mentiroso. Conforme explicação de um policial do Senado”, na TV, todo aparelho de escuta é, em tese, ilegal, porque as gravações de conversas telefônicas, autorizadas pela justiça, não são realizadas com artefatos localizados no ambiente onde ocorre a conversa do investigado.    

Não houve nada de errado, portanto, no fato da direção do Senado Federal ter ordenado, anos atrás — segundo o Sen. Renan Calheiros, isso existe há mais de dez anos — a varredura de escutas ambientais no prédio do Senado e também nas residências dos seus membros que solicitaram essa providência. Varredura a ser feita, claro, por funcionários de confiança do próprio Senado, selecionados por concurso. Afinal, ainda existe, na Constituição, e no desejo legítimo de todo cidadão, o direito à privacidade.

No próprio STF, nos demais Tribunais e nas dependências do Ministério Público, existe, certamente, um sistema técnico de proteção contra a mera curiosidade de repórteres em busca de notícias “bombas”; ou cruamente úteis à marginalidade. Se não há tal proteção, deveria haver. A humanidade ainda está longe de considerar necessário vivermos em casas com paredes de vidro e recheadas de microfones. 

Ninguém, governante ou governado — seja qual for seu nível de moralidade —, sente-se à vontade sabendo que tudo o que diz em seu local de trabalho, ou na residência, está sendo gravado. O microfone pode estar próximo do leito conjugal. Ruídos e murmúrios amorosos, porque máquinas não distinguem, nem coram. Permitir isso seria autorizar a ditadura policial em estado máximo.

Não se pode afastar a hipótese do aparelho de escuta ser colocado no dormitório, na sala residencial de um senador, no seu gabinete do Congresso Nacional, ou em qualquer lugar, a mando de um marginal rico e ousado, munido das piores intenções. Visando, por exemplo, chantagear. Um “chefão” do PCC, ou do CV, ou da inteligência de outro país, certamente terá recursos financeiros e ousadia para contratar pessoas com capacidade técnica para gravar conversas de qualquer pessoa, seja qual for seu grau de importância institucional. É o lado perverso da técnica a serviço da criminalidade, a exigir resposta de igual ou superior eficácia, também técnica. Certamente, grandes corporações sabem desses perigos, pensando na concorrência desleal. Daí a necessidade de um permanente serviço de varredura eletrônica.

Há base constitucional para uma polícia interna no Congresso Nacional? Há, não obstante respeitável opinião em contrário que li hoje. Os artigos 51 e 52, e respectivos incisos da Constituição Federal, dizem que compete — privativamente —, tanto à Câmara quanto ao Senado, “dispor sobre “...organização, funcionamento, polícia e criação ou extinção de cargos...”. Nossa CF, de 1988, não mencionou especificamente as escutas sigilosas porque àquela época não existia ou era remoto esse tipo de preocupação, mas na autorização do poder de “polícia” interna está implícita a permissão de zelar contra escutas ilegais que, insista-se, podem estar a serviço de bandidos em busca de poder, porque informação é poder. 

Escutas da Lava Jato são legais, quando precedidas de informações sérias, indicativas da existência de crimes. Ocorre que, como foi dito, tais aparelhos não se distinguem externamente daqueles eventualmente instalados por bandidos. Isso considerado, como a polícia interna deveria agir? Ignorar, pela dúvida, tais escutas? Consultar a Lava Jato se a escuta é dela? Qualquer consulta desse tipo será ridícula, porque admitida que sim, a escuta não mais teria utilidade para captar segredos.

Bem colocada a questão da ilegalidade, com revogação da prisão dos policiais do Senado e o encaminhamento, ao STF, do material apreendido, cabe examinar os desproporcionais efeitos psicológico do incidente na cabeça das principais pessoas envolvidas.

O que se pode dizer, com certeza, é que o homem, frequentemente, morre pela boca. Não só comendo demais, mas deixando-se levar pela emoção descontrolada. Palavras podem matar, aleijar ou abalar, por anos, o equilíbrio institucional de um país. Foi quase o caso do Sen. Renan Calheiros que, revoltado com a injusta prisão dos funcionários do Senado, rotulou de “juizeco” o magistrado de primeira instância que autorizou a escuta de pessoas com prerrogativa de foro que, por coerência legal, só podem ser investigadas e julgadas pelo STF. 

Tivesse Renan, contendo-se, formulado sua inconformidade dizendo apenas que o “juiz se equivocou”, ou “errou”, a Min. Carmen Lúcia não se veria na obrigação de assumir, com razão, a defesa de um magistrado e da magistratura, como um todo. A sensata Presidente do STF sabe que todo juiz é antes de tudo um ser humano e, nessa condição, não merece ser ofendido publicamente quando eventualmente erra, ou apenas interpreta os fatos ou o direito de maneira diferente da instância superior. Há questões, na justiça — supostamente “líquidas e certas” —, que podem, à maneira dos chás, serem bebidos com a mão esquerda ou direita. Em suma, a modificação de uma decisão judicial, fato corriqueiro, não autoriza ninguém e rotular um magistrado de “juizeco”, principalmente na frente de repórteres e câmeras de TV. 

Quanto a ofensa de Renan contra o Ministro da Justiça, rotulando-o de “chefete de polícia”, o presidente Temer — professor de direito e velho conhecedor da rotina judicial —, colocou o atrito bobo no seu devido e insignificante lugar, acostumado que está com décadas de vida parlamentar, em que os insultos são rotineiros, em todos os países. 

O juiz que autorizou as escutas de alguns senadores tinha seus razoáveis, ou conjeturáveis, argumentos para deferir os pedidos de escuta. É que soa como aparente privilégio isentar parlamentares de investigações sigilosas, via escuta. Estariam os membros do Congresso protegidos por uma anômala “extraterritoriedade”, como nas embaixadas? A polícia do Senado nunca agiria contra seus “patrões”.  A impunidade estaria garantida pela “guarda pretoriana?”

A impunidade de maus parlamentares não está assegurada, com tais varreduras internas. Há, como já disse, mais de uma vez, o problema técnico, prático, considerando a possibilidade da escuta ter sido instalada por marginais. Existem outras provas disponíveis, além do “grampo”: documental, testemunhal, pericial e a terrível delação premiada. Muitos parlamentares estão sendo investigados e alguns condenados.

Se ninguém, na luta contra a impunidade, deve estar isento de escutas secretas, nem mesmo os confessionários e conventos estariam protegidos. Papas, presidentes, governadores, médicos, delegados, advogados, juristas famosos, qualquer um, poderia ser alvo de escutas concebidas tanto de boa quanto de má-fé, hoje indistinguível, à falta de melhor técnica de instalação. Quem gostaria de viver em um país assim? 

Felizmente, duas pessoas, que entendem do assunto e são sensatas — o Presidente da República e a Presidente do STF — reunira-se amigavelmente com os principais envolvidos no incidente e parecem ter reduzido o caso ao que realmente é: um engano, corrigido a tempo, em que não há nem vencidos nem vencedores.

Francisco Pinheiro Rodrigues  (30-10-2016)











segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Sugestão ao grande brasileiro da Economia (Meirelles)

Tenho um profundo respeito intelectual e moral por Henrique Meirelles. Sua visão simultaneamente global e microscópica dos problemas da economia é tão certeira que qualquer governo, seja de “direita” ou de “esquerda”, deseja contratá-lo quando as coisas estão difíceis, ou impossíveis. Meirelles é uma versão humana e conjugada de telescópio com microscópio. Ele segue, calmo e coerente, a lógica dos números e dos fatos, temperados com sua longa experiência no trato com a raça humana, que é uma só. Não existe uma “raça” comunista e outra “capitalista’.

Na verdade, como um parêntese, mesmo não sendo da área econômica, penso que esses dois termos — capitalismo e comunismo — estão ultrapassados porque o dinheiro, em si, não tem ideologia. Dinheiro é dinheiro, poder de compra ou de investimento, e ponto final. Depois de parido, desconhece seus pais. O que os seres humanos querem, essencialmente — quando não estão envolvidos na luta pelo poder —, é um ganho satisfatório (hein?), boa casa, boa mesa, boa escola para os filhos, satisfação no amor, carro próprio e uma sensação de razoável liberdade. Mesmo na doutrinada União Soviética e países satélites, inúmeros cidadãos se inscreviam no partido comunista pensando mais nos generosos cartões de racionamento do que nas frases de Karl Marx. Espantei-me com a falta de protesto significativo do povo russo quando o comunismo foi substituído pelo capitalismo, embora conservando alguns traços de origem. O governante, de qualquer tendência, que satisfizer os anseios de consumo, acima referidos, terá a aprovação dos eleitores. Isso explica porque Meirelles aceitou o convite de trabalhar para Lula da Silva e agora trabalha para Michel Temer. Ele conhece a verdade e a relatividade das estatísticas. Sabe como o dinheiro circula, ou se esconde, sua lógica interna e, principalmente, o cérebro das pessoas quando pretendem ganhá-lo e gastá-lo. Aí é que está seu maior problema: ele sabe perfeitamente o que é certo fazer; mas como convencer os que não sabem mas pensam que sabem? 

Por que redijo esta introdução tão elogiosa e, apesar disso, sincera? Porque gostaria de lhe apresentar — sem intenção de criticá-lo — uma sugestão, um remédio a mais  para a saída da tremenda crise que nos assola, sugestão que ainda não vi mencionada em jornal ou televisão. Nem por Meirelles nem por qualquer outra pessoa. Talvez o silêncio seja explicado pelo fato da sugestão ser mera redundância do que já existe. Não obstante, faço-a, considerando a hipótese, não rara, de que, vez por outra, um “outsider” — justamente por não ser do ramo —, apresenta uma saída nova, ou um novo jeito de melhorar uma política já em ação.

Refiro-me ao problema — politicamente muito perigoso —, da longa paciência exigível do inquieto povo brasileiro para ver consertada nossa economia, progressivamente devastada por mais de uma década de incompetência, demagogia e imprevidência. Acrescida, finalmente, da cereja envenenada do bolo: a difusa desonestidade no uso do dinheiro público, revelada na Lava Jato. Tão “normal”, cotidiana que muitos chegam a dizer — ou se não dizem, pensam: — “O.K., havia roubalheira, sim; mas pelo menos havia emprego, produção, consumo e arrecadação de tributos. O Brasil, apesar da malandragem — ou justamente por isso —, ‘funcionava’. Talvez seja melhor fechar os olhos à desonestidade desde que o país esteja andando... e eu empregado! Até quando minha família vai aguentar o longo e penoso tratamento proposto pelo novo governo federal? Ele é duro demais, e repercute nos estados e municipios!”

Quem pensa assim, pensa errado, em tese, mas a necessidade, quando muita, empurra a lógica para o lado. A “gastança” petista, eufórica, um dia — e já passou desse dia — teria mesmo que parar, barrada pela força econômica dos fatos. Ocorre que milhões de brasileiros, de menor instrução — nisso sem culpa própria porque mal alfabetizados, ou informados — julgam seus governantes de modo imediatista. Pensam que, com a troca de governos, Temer teria que “fazer as coisas melhorarem” no estalo, em poucos meses, esquecidos da demorada tramitação do impeachment. Meses perdidos por causa de uma senhora teimosa.

Raciocinam assim: — “O que Temer promete? Sacrifícios? ‘Sangue, suor e lágrimas’ era bonito na Inglaterra de Churchill, lutando sozinho contra Hitler, mas era uma época de bombardeios, de luta diária para não morrer, de correria para os abrigos antes que os nazistas voltassem a despejar outras bombas, no mesmo dia. Sangue e escombros diários. Mas o Brasil não chegou a tanto...”. Assim pensa um forte percentual do povo brasileiro. Principalmente o mais afetado por um remédio lógico mas duro de engolir.

Há o perigo, lamento dizer, de que se, dentro de um ano, o “povão”, e mesmo parte da classe média, não sentirem no bolso, ou no emprego, uma solução para seus apuros financeiros, Lula  e Dilma — hábeis em dizer o que agrada aos ouvidos mais simples —, podem retomar o poder na eleição de 2018.  Justamente acenando com um “simpático” aumento do consumo e do emprego. “Os bons e velhos tempos do Lula! Da gastança alegre! A tal de dívida pública que se dane! Dizem que é de 70% do PIB, mas eu nunca senti isso no meu bolso. Senti, porém, nos ossos — porque carne já não tinha mais —, no tempo em que estive desempregado”.

Aí o lulopetismo volta ao poder. E poderá até se dar ao luxo de um mês depois, gargantear, na mídia, o quanto é “competente” na economia porque ela estará, então, em bem melhor situação, graças às penosas medidas corretivas adotadas, antes, por Temer e Meirelles.  Esses dois homens públicos prepararão, involuntariamente, a “cama” para Dilma ou Lula nela se refestelarem, posando de de grandes economistas. Situação parecida com o que ocorreu quando Lula sucedeu a Fernando Henrique Cardoso, que entregou ao sucessor, Lula, um país sem inflação e com responsabilidade fiscal. Repetindo: com um plano demorado de recuperação econômico Temer e Meirelles acabariam prestigiando, sem querer, a volta da irresponsabilidade que tanto desorganizou o país. O brasileiro, em sua maioria, ainda não consegue pensar no estilo frio e paciente dos países nórdicos.

Todas as medidas econômicas até agora mencionadas por Meirelles  e Temer merecem aprovação, porque são lógicas. Desnecessário enumerá-las. Mas falta uma, especial, a ser examinada — que sugiro logo mais — que atraia poderosamente os trilhões de dólares que flutuam, hesitantes, como uma névoa de ouro, sobre o planeta, procurando um mais lucrativo ponto de pouso. O Brasil poderia aproveitar esse momento pouco atrativo, globalmente, para maciços investimentos. Pensem nos Emirados Árabes, Cingapura, e mesmo União Europeia e USA onde o dinheiro ali aplicado rende com certa segurança mas que poderia render mais se fosse aplicado no Brasil caso houvesse também segurança e um bônus tributário que não foi concedido por outros países, salvo engano.

A União Europeia caminha devagar, quase parando. Não é um bom lugar para investir. EUA volta a atrair investimentos, mas não tanto quanto antes. O mesmo ocorre com a China e o Japão. A América do Sul é vista com total desconfiança. A África, nem pensar, como investimento. Mas qual a razão dessa falta de confiança no Brasil? A possibilidade, concreta, de um governo brasileiro, seja ele qual for, descumprir promessas para atrair investimentos. Grandes fortunas, pessoais e empresariais, por todo o mundo, receiam, com razão, investir no Brasil. Podem perder o investimento, mesmo sendo bem administrado. Só pedir investimentos, no vasto mundo, não atrai. É preciso oferecer alguma vantagem, preto no branco.

Como o presente escrito já está longo demais, explico — sem detalhes jurídicos e quantitativos —, em que consiste minha sugestão: o Brasil, após estudos não muito demorados de percentuais —, publicaria uma lei, ou emenda constitucional,  — mirando a comunidade internacional — dizendo que qualquer pessoa, física ou jurídica, estrangeira, que se dispuser a investir neste país,  na indústria ou no comércio, acima de tantas centenas de milhões ou bilhões de dólares,  pagará, por “x” anos — dez, quinze? — um Imposto de Renda menor, de “y” por cento — talvez 10%, genérico, como fez Vladimir Putin poucos anos atrás.

Nessa examinável norma legal ficaria também expresso que o incentivo tributário, nesse menor percentual — em comparação com os países do primeiro mundo —, só existiria se o investimento fosse localizado nas regiões Norte e Nordeste. Estimularia a construção de fábricas nessas áreas, gerando empregos de imediato — pelo menos na construção civil — e depois a provável renda. Certamente, essa oferta de trabalho no Nordeste, por exemplo, estimularia o retorno de nordestinos às suas regiões de origem, que só abandonaram por causa do desemprego e baixa remuneração local. Milhares de nordestinos e nortistas prefeririam voltar ao lar, em vez de permanecerem em favelas, no Sul ou Sudeste, assustados com a violência das guerras entre traficantes ou entre bandidos e policiais. O Sudeste já não é mais garantia de emprego.

A suposta lei poderia também criar a variante de permitir esse investimento estrangeiro — beneficiado com menor tributo — possa ser feito em outras regiões do Brasil, mas aí com menor redução do imposto de renda, porque deve ser maior o estímulo direcionado para regiões mais pobres. Pode ser que os Emirados Árabe, por exemplo, gostariam de investir no Brasil, mas em São Paulo. O que nos interessa é que haja um grande afluxo de investimentos, por exemplo, acima de meio ou um bilhão de dólares. Todos os detalhes quantitativos terão que ser estudados.

Alguém poderá dizer — sempre há os do contra... — que essa carga reduzida do I. Renda seria injusta para o investidor nacional. Não seria, porque o que interessa ao Brasil é atrair capitais externos, novas riquezas. Estender essa redução tributária aos nacionais implicaria em diminuição da arrecadação, um problema. Mas esse é um assunto que também pode ser examinado por Meirelles e sua equipe. Lembre-se que o simples início de construção de fábricas já significa aumento de empregos e gastos dos empregados no comércio, com melhoria na arrecadação.

O fato inegável é que sem um especial e original atrativo tributário do Brasil, garantido por lei ou emenda constitucional — e até mesmo por tratados, se necessário — poucas fatias da mencionada “nuvem de ouro” se arriscarão a pousar no Brasil, enquanto durar o atual estado de coisas. E o Brasil tem pressa. Principalmente antes de 2018. Se necessário elaborar tratados internacionais, como reforço tranquilizador dos futuros investidores, há juristas de sobra para consultar. Eu indicaria o Prof. Francisco Rezek. E escrevo isto sem sua autorização.  

Além da possível lei, seria essencial mencionar que qualquer demanda judicial relacionada com essa “lei-convite” seria processada e julgada o por tribunal internacional, ou de escolha das partes, considerando que a morosidade de nossa justiça — decorrente da má legislação — enfraqueceria o mencionado atrativo.

Não sei se o Meirelles — já com problemas até os saudosos cabelos — dará pelo menos uma espiada na presente sugestão, de um leigo. Mas se o fizer, sua conhecida capacidade lhe permitirá criar um remédio, a mais,  para atrair os investimentos que abreviarão a conserto de nossa economia.  Seguramente, ninguém arrisca seu dinheiro em algo incerto.

 Fico por aqui. Impossível ler mais que isso na internet, em único texto. Espero que uma mão divina faça o milagre de permitir que estas inexperientes linhas cheguem às mãos de Temer ou de Meirelles, essas bem intencionadas esperanças dos brasileiros de boa vontade.

Francisco Pinheiro Rodrigues   (09-10-2016)