domingo, 15 de junho de 2014

Nova missão para o Min. Joaquim Barbosa

O presente artigo foi “estimulado” pela pergunta de capa da revista “Veja” de 4 de junho: “E agora, Joaquim?”
A indagação é pertinente, tal a repercussão política do julgamento da Ação Penal 470. Caso algum partido da oposição divulgue a promessa de — caso vença a eleição para a presidência —, nomear Joaquim Barbosa como ministro da justiça — tornando a justiça mais célere e respeitada —, bem mais de quinze milhões de votos serão acrescidos à soma das intenções de votos dos partidos da oposição.
 Haveria, um segundo turno e o PT teria — se derrotado —, a necessária pausa para um exame de consciência.  Meditaria onde foi que errou e, em 2018, poderia tentar voltar ao poder, caso “as zelites” tenham fracassado nos itens hoje em falta: honestidade; senso de responsabilidade; melhor instrução e compostura — nas escolas e fora delas —; crença dos jovens de que o “sucesso” pode estar a seu alcance através do estudo sério e não apenas no futebol, na depredação, no crime, na contravenção e em tudo o mais que o leitor bem informado conhece. Sem uma educativa derrota eleitoral — a derrota ensina mais que a vitória — o PT não se modificará, para tristeza de inúmeros petistas que fundaram o partido por idealismo. A “velha guarda” já deve ter notado que seu  partido assemelha-se a um ônibus cada vez mais cheio de aproveitadores que apenas querem subir na vida, usar cartões corporativos e obter cargos onde possam se perpetuar e lucrar.
É impressionante o número de desonestidades que pipocam mensalmente na mídia, relacionando “malfeitos” de empresas  e indivíduos com pessoas do governo federal. Note-se que tais desonestidades —, ou “irresponsabilidades” — com o dinheiro público, não são inventadas pela mídia. Resultam de investigações da Polícia Federal que, sendo federal, não brotaram do nada. Não se pode presumir que um órgão federal fique inventando calúnias financeiras contra o governo a que pertence. 
De certa forma pode-se dizer, resignadamente, que não fossem os “malfeitos” praticados por alguns políticos da situação, e seus colaboradores da área financeira — ensejando o famoso processo do “mensalão” —, o Brasil estaria pior, embora menos agitado. Ignorando a “doença” invisível do desvio do dinheiro público na compra de apoio parlamentar, o País sentiria apenas um difuso mal estar, na dúvida se era desonestidade ou falta de cabeça para uma boa administração.
Algo assim como um diabético que, não conhecendo sua doença, vem a saber da extrema “doçura” de seu sangue porque desmaiou e foi levado a um pronto-socorro. Ali, é alertado pelo médico que só não ficará cego, nem amputará uma perna — tratando-se — por causa do desmaio.
Bendito desmaio, pois! Sem ele, o “navio brasileiro”, continuaria navegando em aparente normalidade legislativa, embora com o casco cheio de furos, continuamente piorando nos índices mundiais de corrupção, pública e privada. Esta última costuma “dançar” conforme a música que vem de cima.              
Uma coisa é certa: sem a existência dos desvios e o corretivo do “mensalão” a classe média e os estudantes não adeptos da depredação não sairiam à rua, em movimento espontâneo, assustando aquela fatia da classe política que supõe que na tomada ou manutenção do poder não cabem “firulas” éticas.
Os réus políticos condenados no processo mencionando provavelmente pensavam assim: — “Sejamos realistas! Alguns parlamentares exigem dinheiro para votar? Atenda-os! Se não exigirem, ofereçam! Dourem a pílula dizendo que compreendem suas agruras financeiras, alguns endividados para se elegerem. Expliquem a eles que a causa, no fundo, é santa, tanto para o partido quanto para eles mesmos e para o povão. Dizendo desse modo, invocando nobres ideais, logo concordarão com essa bonita justificação. Lembrem aos vacilantes que as quantias pagas com dinheiro público, apesar de altas, são relativamente modestas considerando os futuros benefícios legais para “as massas’, embora sempre apareça um ou outro espirito de porco, da oposição, dizendo que nossas propostas são apenas demagógicas.
E o diabo continuaria assoprando sua sulforosa filosofia nas orelhas dos compradores de adesão parlamentar: — “Guerra é guerra e ninguém, em política, é santo! Se Deus, que é Deus, escreve certo por linhas tortas, por que não podemos nós, simples mortais, fazer o mesmo? Cada país tem a democracia que merece. O que não se pode, em hipótese alguma, é descuidar na execução do nosso plano: no fundo, ético, embora mal compreendido pelo moralismo estreito”.
E o jeitoso Lúcifer prosseguiria: —“ E caso descoberto o esquema, será dificílimo, ao acusador, provar isso na justiça porque há tanta gente graúda envolvida, tanto detalhe burocrático a considerar, tanta papelada, que somente por milagre ocorrerá alguma condenação. E se, na pior das hipóteses, ela ocorrer, teremos a arma usual: a prescrição, fácil de obter, considerando a possibilidade de infindáveis recursos. Pergunto: você acha, meu eventual parlamentar escrupuloso, que o STF, afogado em milhares de recursos, vai ter resistência física e mental para destrinchar o tremendo angu probatório envolvendo mais de quarenta acusados, brilhantemente defendidos? Nenhum Ministro, servindo como Relator do caso, tentará essa loucura, em prejuízo de milhares de processos aguardando julgamento. Seria até impatriótico! Ainda mais tendo que trabalhar simultaneamente em outros casos. Só um magistrado “meio louco’ e doentiamente persistente assumiria tal sacrifício”.
Ocorre que os seres humanos são imprevisíveis. O magistrado “meio louco” tinha juízo de sobra, conhecia a área penal, era tenaz e sua única doença localizava-se não na cabeça, mas na coluna vertebral, forçando-o a trabalhar também de pé.
Depois de muito pensar e, certamente, sentir — raramente alguém decide sobre mudanças drásticas em sua vida com base apenas no raciocínio — o Min. Joaquim Barbosa decidiu se aposentar. Não havia mais clima para continuar. Criara muitas antipatias, tanto na magistratura quanto entre os advogados, com sua postura combativa de ex-promotor, franca — às vezes áspera —, vendo as coisas como são, sem o diplomático “faz de contas”.
Se foi, em alguns momentos, franco demais, ou até mesmo grosseiro — não deve ser fácil trabalhar em jaula de leões altamente instruídos —,  compensou esse defeito com outras raras qualidades. Não há pessoa no mundo sem algum defeito e, com o tempo, o esforçado magistrado cairá em si — já deve ter caído —, consciente de que, se realmente abusou da franqueza, em certos momentos, isso ocorreu porque sua missão era especialmente difícil, tanto em termos de ciência penal abstrata quanto na análise concreta da vasta prova documental, pericial e testemunhal. Talvez, após um ou outro incidente, tenha reconhecido, intimamente, que exagerou. Mas não pediu  público perdão porque se o fizesse provavelmente seria atacado com redobrada virulência. Infelizmente, tem razão quem já disse que ficar pedindo desculpa pelo que já disse é  caminho seguro para a desmoralização. Seria considerado fraco.
O ex-Ministro Ayres Britto, modelo de magistrado culto, além de admirado literato — educadíssimo mas enérgico quando necessário —, em entrevista recente a um jornal paulista, sabendo da intenção de se aposentar do Min. Joaquim Barbosa — e das críticas contra ele —, elogiou seu exaustivo esforço no cumprimento do dever. Apesar de Ayres Britto possuir um temperamento invulgarmente diplomático — nesse ponto bem diferente do de Joaquim Barbosa —, fez questão de ressaltar que as qualidades do Relator, do famoso caso, suplantavam, com folga, alguns momentos de exasperação, inadequados para um local que deveria ser quase sagrado.
Essa “defesa” do ex-colega negro, vinda de quem veio, Ayres  Britto, mostra que no julgamento da conduta de magistrados algumas qualidades valem muito mais que outras. O que importa mais? Um juiz bonzinho, todo sorrisos mas hesitante; ou um magistrado estudioso, perseverante, capaz de enfrentar a enérgica discordância de seus inteligentes colegas e dos aguerridos advogados, bastante francos na defesa de seus clientes?
O entendimento pré-mensalão, vigorante na jurisprudência do STF, era no sentido de que o Estado, na área penal, é um monstro frio e todo-poderoso. Abusa da sua superioridade, esmaga os seres humano — muitos deles praticamente “empurrados” para o crime, à míngua de melhor formação familiar ou oportunidades na vida. E como a “única” finalidade da pena criminal é recuperar — e isso é impossível  em nossas prisões —, a solução mais “humana” seria, dizem, peneirar argumentos que evitem a reclusão dos acusados, impedindo que eles se degradem ainda mais no convívio “com a ralé”.
Até pouco tempo atrás, a tendência judicial era a de proteger o “fraco” — o réu, Davi, —, contra Golias, o “monstro” estatal. A legislação processual penal serviria unicamente como um escudo para os cidadãos acusados e assim deveria ser interpretada. Hoje já se sabe que não é bem assim. A legislação processual penal também deve proteger as vítimas e a sociedade, porque se não o fizer, a sensação de impunidade se alastra. Para evitar esse indireto e “bondoso” estímulo à criminalidade, ou indiferença no encarar o mal, o juiz deve pessoalmente envolver-se na busca da verdade. Assim pensa a sociedade e J. Barbosa diz amém.
Os tempos modernos inverteram os papéis de Davi e Golias. Hoje o Estado é que se encontra acuado, e a população não pode ajudá-lo —  reagindo quando pessoalmente atacada — porque está totalmente desarmada. Agora, é um Davi mascarado que assusta o Golias, manietado por regras de todo tipo.
Presos condenados a mais de cem anos de cadeia — sem mais nada a perder — dão-se ao luxo de ordenar assassinatos de desafetos, concorrentes, policiais e — se isso for muito necessário —, até de juízes e promotores. Basta querer. Quem está contendo, em grande parte, os caçadores, à bala, de juízes e promotores são os advogados de defesa, que, por boa formação moral e intelectual — felizmente —, sabem que se não contiverem seus clientes mais afoitos, o caos será total; talvez eles mesmos finalmente engolidos no vórtice da anarquia.
Chegamos, finalmente, à pergunta da Revista Veja: o que fará Joaquim Barbosa?
Ele disse que talvez vá lecionar. Seus inimigos afirmam que irá advogar, tratar de ganhar dinheiro e depois entrar na política.
Os admiradores mais sensatos do “Batman jurídico” pensam que a invejável coroa de prata conquistada com o “mensalão” derreterá se ele se tornar um advogado ou parecerista interessado apenas em ganhar dinheiro. Lecionar seria adequado, mas pouco compensador, para ele e para o país. O que ele pode ensinar, outros juristas — de equivalente competência — podem ensinar igual. Magistério, no caso dele, doravante, somente se for pelo prazer. Há gente assim, felizmente, capaz de dar aulas até de graça.
A marca registrada de J. Barbosa não foi só seu conhecimento jurídico. Foi, principalmente, sua atitude. A coragem de enfrentar gregos e troianos, a imensa tenacidade de levar até o fim uma desgastante missão que poucos enfrentariam — não propriamente por ausência de coragem, mas por um natural comodismo profissional que seria fácil disfarçar. O Direito é uma grande xícara com muitas asas. Todo profissional do direito sabe que, conforme sua posição no processo, pode pegar a “xícara” pelo lado que lhe interessar.
Para não alongar, ainda mais, este artigo, a melhor sugestão, pelo menos para este ano de 2014, seria, após um curto descanso, J. Barbosa oferecer aos dois principais partidos da oposição, a nível federal, seus préstimos de jurista e julgador experiente, aceitando o cargo de Ministro da Justiça, caso as oposições vençam a eleição para presidente da república. Com seu prestígio, acrescido do cargo de Ministro da Justiça, o Brasil poderia corrigir muitas falhas da nossa legislação, muito disfuncional, só não corrigidas, até agora, por falta de maior persistência  e mesmo ousadia de alguns ocupantes desse cargo. Há, no país, notáveis conhecedores do Direito, mas nem sempre com o temperamento aguerrido, necessário para enfrentar hostilidades e possíveis grosserias vindas de todo canto. São grandes analistas, inteligentes e corteses, mas sem vocação para autênticas touradas e retribuição de alfinetadas.
Pelas pesquisas das atuais intenções de voto, a soma dos eleitores que querem uma mudança na área federal não será suficiente para impedir a reeleição de Dilma. Se, porém, os principais candidatos da oposição se comprometerem a nomear J. Barbosa ministro da justiça — pelo tempo necessário às profundas reformas na legislação federal —, pelo menos quinze, vinte ou mais milhões de votos serão somados aos atuais votos da oposição, permitindo uma interrupção no já longo desfrute do partido hoje no poder e que já não pode se gabar, como antes, de ser o único partido brasileiro movido por idealismo e honestidade.
O ex-presidente Lula não é um homem mau, perverso. Seu prestígio advém de sua postura franca, brincalhona, simpática, igualitária, quando discursa, mesmo arriscando-se a dizer algo que não está na gramática. O “povão” sente nele, “um igual, por isso confio nesse cara!”
Ocorre que nem só da simpatia presidencial vive um país. E muita gente astuta, insincera, querendo apenas subir rápido na vida, corre para perto de Lula, apoiando-o. Mesmo sendo um bom psicólogo prático, com longo tirocínio de negociador sindical, tais qualidades não são suficientes para corrigir os rumos do Brasil.
Para muita gente sensata, a valorização excessiva do futebol contribui para que a mocidade mais pobre só pense em jogar futebol, não em estudar. E por falar em estudar, será salutar, para o país, colocar, por uns tempos, na chefia da nação, um homem que tenha estudado muito. E vez de valorizar tanto os “pés” — no futebol —, priorizar, por uns tempos, a “cabeça” dos nossos cidadãos, como fez, anos atrás, um primeiro ministro indiano, priorizando o ensino da informática em um país de extremas carências.
 Quando a Alemanha percebeu que estava atrasada na informática, onde foi buscar os técnicos? No vasto país de um bilhão de habitantes, pobre, mas que vem crescendo muito mais rápido que o  Brasil. Graças ao estudo e não ao críquete, o esporte nacional indiano.
E fiquemos por aqui, embora muito mais poderia ser dito.
(15-06-2014)