domingo, 28 de fevereiro de 2016

O STF acertou. Não afrontou a Constituição.

Após condenação na segunda instância não desaparece, juridicamente, a presunção de inocência — ainda que abalada sob o ângulo apenas psicológico —, e o réu não é ainda “culpado”, como proíbe a CF. Leiam com cuidado o que diz nossa Lei Maior:

Inciso LVII do art. 5º da CF: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

Para ser considerado “culpado” — infringindo a Constituição — seria necessário o trânsito em julgado da condenação, como todos sabem. E, pela recente decisão do STF, esse “trânsito” inexiste, tanto assim que o réu pode ainda recorrer ao STJ e/ou ao STF, sem precisar da via mais difícil da revisão criminal. É o que diz o voto do Relator no H.C. n,126.292, do STF, seguido pela maioria dos julgadores, não negando o direito de recorrer aos tribunais superiores.

 Se o réu pode recorrer, mesmo preso, não é ainda culpado, insista-se. Estará preso cautelarmente. Se conseguir invalidar, no STJ ou no STF, suas duas condenações, será libertado. A “culpa”, pela letra da Constituição, depende incondicionalmente do trânsito em julgado, e trânsito em julgado só existe quando não há mais recurso disponível. E na decisão do STF não está dito que o réu não mais pode recorrer. Está dito que pode. Nada, portanto, de afrontoso à Carta Magna. 

O recolhimento obrigatório do réu à prisão, no caso, é tão constitucional quanto qualquer prisão preventiva, ou em flagrante, enquanto não revogada. Trata-se de cautela de natureza apenas processual, de melhor política criminal, prevenindo fugas, uso abusivo de recursos protelatórios e preservando o inato sentimento de justiça dos cidadãos cumpridores da lei. É salutar, politicamente, que legislação e moral caminhem juntas.

Os bons cidadãos não entendem, com razão, como pode um réu já condenado duas vezes, pelo mesmo fato, estar passeando despreocupadamente em seu carrão importado, sorrindo no seu iate, ou na revista “Caras”, mesmo tendo cometido, eventualmente, crimes bárbaros ou desvios milionários de dinheiro público. O homem comum conclui, resignado: —“Que estranha presunção de inocência, a de nossos tribunais... Com duas condenações a presunção seria em sentido contrário”.

  Nesse ponto, o bondoso Brasil, ao exigir o trânsito em julgado para iniciar o cumprimento da pena, destoa da sistemática dos países mais evoluídos que determinam prisão já na decisão de primeira instância, ou após a confirmação dela na apelação, como veremos mais adiante, orientação que gera mais respeito pelos tribunais.

Nesse detalhe, a justiça brasileira, antes de 17-02-16 era vista, por outros países, como um tanto excêntrica, justiça “jabuticaba”, “coisa só de brasileiros, sempre alegres, meio irresponsáveis...”, não obstante a reconhecida capacidade intelectual, individual, de nossos magistrados, em todas as instâncias.

Será o nosso país o único certo, mantendo a exigência de quatro julgamentos para enviar à prisão criminosos de crimes de grande repercussão? Talvez seja, daqui a um século, se conseguirmos evoluir para uma justiça perfeita, rápida, país bem governado, com escassa criminalidade, situação totalmente oposta à atual.

Alega-se que seria aconselhável permitir infindáveis recursos porque nossas cadeias são péssimas e superlotadas.
 Em parte essa desídia existe porque os políticos nunca imaginaram que, um dia, poderiam estar cumprindo pena.  Sabendo, doravante, que isso pode ocorrer, certamente insistirão para os presídios sejam mais numerosos, humanos e confortáveis. Quanto à meta de “recuperação”, só o desconforto ou sofrimento psicológico gera arrependimento. A sensação de impunidade apenas incentiva a ampliação do crime. Principalmente o do colarinho branco.

 Repetindo. Com a nova orientação do STF, no h.c. 126.292, julgado no dia 17-2-16 não há ofensa ao inciso LVII do art. 5º da CF. Nos registros criminais, a qualificação do réu como “condenado” pelo crime “x” não poderá constar de qualquer registro ou certidão enquanto não comprovado o trânsito em julgado da decisão. Essa qualificação de “culpado” só ocorrerá se o réu se conformar com a condenação em segundo grau.

Essa disposição de cautela, será até benéfica para o réu que se sabe vítima de uma injustiça porque, estando preso, seu processo terá prioridade de julgamento. Sendo julgado mais depressa, mostrará à sociedade que era inocente. Sana uma dúvida sobre sua reputação. Sairá livre, sem necessidade de uma revisão criminal sempre mais difícil, processualmente.

Se absolvido no STJ, seu futuro imediato dependerá de futura jurisprudência, ainda não definida para esses casos. Prevalecendo a concepção mais severa de justiça, só será solto não havendo recurso do M. Público. Se prevalecer, no Supremo, a orientação mais branda, será solto, considerando a existência de uma dúvida, embora estritamente jurídica, porque os tribunais superiores não examinam questões de fato, detalhes probatórios. Sem esquecer, aqui, que erros “teratológicos”, em matéria de fato, possibilitam, excepcionalmente, a reforma de uma condenação, no STJ.  

Milhões de brasileiros, os mais esclarecidos, sabendo distinguir o certo do errado, viviam revoltados e desiludidas com o “produto final” de nossa justiça que, após infindáveis anos de trabalho, encerravam a longa epopeia julgadora com o reconhecimento da prescrição, ou mandando o condenado poderoso cumprir pena em casa, porque — convenientemente — não há suficientes casas de albergados. Mesmo evitando, com total razão, pensar em subornos, tais pessoas se perguntavam: “Nossos magistrados, tão inteligentes e cultos, não percebem o óbvio?”

Um mero exemplo do abusivo de recursos para evitar o término de um processo está no caso do jornalista Pimenta Neves, autor de um crime passional cometido sem a preocupação de disfarce, talvez considerando-se inalcançável pela lei por ser chefe de redação de um importante jornal. Inconformado com a decisão da namorada de não prosseguir o relacionamento secreto, matou-a a tiros, em agosto de 2000, no haras do pai dela. Confessou o crime e conseguiu, com sucessivos recursos, permanecer solto por mais de dez anos, adiando o trânsito em julgado de sua condenação até maio de 2011. E, se quisesse adiar ainda mais não haveria empecilho técnico-jurídico porque nossa imprevidente legislação não impede que qualquer litigante apresente “n”, infinitos, embargos de declaração — para os leigos, um recurso previsto em lei para aclarar omissões, dúvidas ou contradições em acórdãos prolatados no mesmo caso e tribunal.

 Mesmo não havendo, verdadeiramente, dúvida, contradição ou omissão no acórdão — inclusive do STF —, o interessado em protelar alega que, a seu ver, há. Recorre e, com isso, a decisão não transita em julgado. Perdendo o recurso, apresenta outro, e assim vai. Fácil, não?

 Houve um caso, no Supremo, vários anos atrás — por razões óbvias isso não ficou registrado —, em que os ministros — por evidente dever ético —, tiveram que recorrer à uma “ilegalidade”: ordenaram que a Secretaria do tribunal simplesmente não mais recebesse tais embargos, repetidamente apresentados por um ousado e repetitivo litigante — não me lembro se em ação cível ou criminal.

É preciso, claro, muita ousadia profissional para um advogado fazer isso, agravando cinco, dez, “n” vezes, considerando que, com essa conduta abusiva, seus recursos futuramente não serão bem encaradas pelos ministros. Todavia, um advogado rancoroso — talvez, até, intimamente convicto que houve alguma injustiça que não conseguiu provar —, decidido a abandonar a profissão, pode bem chegar a esse ponto em uma causa de enorme valor econômico, principalmente em causa cível.

Lembrei-me desse caso, mencionado, em off por um grande ministro, aposentado, do STF — não sei se estaria autorizado, por ele, por mencionar seu nome — porque a lei, qualquer lei, inclusive a constitucional, nem sempre pode ser interpretada pela sua aparente e enganosa “literalidade”, como é o caso do inciso LVII do art. 5º da CF. Algumas vezes, a chamada “interpretação literal” nem mesmo é literal.

No caso do Pimenta Neves, ressalte-se que ele era réu confesso. Outro caso, bem sucedido, de “drible” de punição está na condenação do ex-senador Luiz Estêvão que permaneceu vários anos “cumprindo pena” em liberdade. Hein?

A discutida decisão do STF só merece aplausos. Palmas, em especial, para o Min. Teori Zavaski, que ousou nadar contra a corrente comodista e teve a pachorra de pesquisar como as nações mais cultas tratam o delicado problema de conciliar a necessidade de fazer uma justiça verdadeira, igualitária, e o natural e humano desejo de todo réu — que se sabe culpado —, em jogar para um vago futuro, o mais distante possível, o momento do castigo pelos seus erros.

Segundo o relato de Zavaski, nos Estados Unidos, no Reino Unido, no Canadá, no México e na Argentina o condenado em primeira instância já é recolhido à prisão, embora possa apelar. Em alguns casos, a justiça pode fixar fiança — geralmente muito alta — para que ele apele em liberdade. Em outros países, menos severos, essa obrigação de prender o réu condenado só existe após a confirmação da condenação na segunda instância, como ocorre na Alemanha, França e Portugal.

No Brasil, o efeito imediato da primeira condenação vigorava no Código de Processo Penal de 1940, no art. 393, inciso I. Todavia, por causa da condenação do delegado Sérgio Fleury, apoiador da Revolução de 1964, o presidente Médici sancionou a Lei 5.941/73, que permitia ao réu, primário e de bons antecedentes, apelar em liberdade. Essa lei ficou conhecida como “lei Fleury”. Foi, portanto, uma lei pensando numa situação individual, mas acabou ficando por agradar a aguerrida e inteligente advocacia criminal, hábil o suficiente para “tirar leite das pedras”. Talvez convicta de que a maior punição de qualquer crime está no próprio fato de tê-lo cometido, sendo desnecessária uma punição estatal.

Uma filosofia avançada demais para o sofrido povo brasileiro.


(27-02-2016)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Os palestinos precisam de um Spielberg, Cameron, Tarantino ou Ben Affleck

Lendo, em jornais, comentários sobre o Oscar de 2013 e, em livros, a luta inglória dos palestinos pela criação de um Estado próprio — com fronteiras delimitadas —, é lamentável que nenhum grande diretor de cinema, do porte de um Steven Spielberg, James Cameron (“Titanic”), Tarantino, ou Ben Affleck (“Argo”) tenha se interessado em levar à tela um conflito de tamanha relevância até mesmo para a paz mundial.

Não há exagero em dizer que aquela pequena extensão de terra, a Palestina árabe — encolhendo cada vez mais, e não por vontade própria — terá um peso decisivo na construção da paz mundial, ou funcionará com sentido oposto, como estopim de um conflito bélico de enormes proporções. Não se trata de mera “questão local”, um minúsculo detalhe geográfico incrustrado no Oriente Médio. O que nela ocorrer, de bom ou de mau, repercutirá diretamente — efeito dominó — no Ocidente, viciado em petróleo. E, afetando os EUA e a União Europeia, o efeito perturbador se estenderá aos países asiáticos, tal a mútua dependência inerente à globalização.

 A Palestina, pelo que se sabe, não dispõe de petróleo em seu subsolo — não mencionemos aqui as notícias de que há imensas reservas de petróleo e gás no leste do Mar Mediterrâneo. Todavia, países árabes da região — além do persa Irã —, são riquíssimos nesse tipo de combustível e não veem com simpatia o que ocorre na Palestina. Além do mais, o Ocidente não pode contar com a certeza de que a Arábia Saudita — grande fornecedora dos EUA —, permanecerá eternamente indiferente ao sofrimento de seus “irmãos” de raça que nem conseguem se constituir em estado soberano pleno porque Israel simplesmente não quer.

Como mero parêntese, é incoerente que a humanidade fale, com tanto entusiasmo, sobre a necessidade de aposentar o petróleo como fonte de energia — efeito estufa, câncer de pele, furacões, secas, inundações, etc. — e, simultaneamente, fique saltitante quando algum país —, o Brasil, por exemplo —, anuncia a descoberta de novas jazidas do “ouro negro”. Um maníaco por coerência indagaria: — “Por que tanta euforia, quando você acabou de dizer que o petróleo precisa ser substituído, urgente, por outras formas de energia?”

Disse antes que a questão palestina tem um peso político desproporcional ao pequeno tamanho de sua população — não tão pequeno se considerarmos que milhões de palestinos tiveram que migrar, ou fugir, para a Jordânia e países vizinhos. Esse alto peso político palestino explica-se pelas reações de solidariedade a um povo oprimido. Reações de indivíduos, grupos aguerridos (terroristas) e mesmo países — Irã e Síria, por exemplo — que não concordam com a persistente política do governo israelense de ocupação. Política expansionista que obviamente beneficiará extraordinariamente Israel se e quando, eventualmente, ocorrer uma demarcação territorial dos dois Estados. Não é possível que as bestas, digo, as iluminadas inteligências que decidem os rumos internacionais continuem, por ignorância ou astúcia, esperando que judeus e palestinos encontrem —, eles mesmos —, uma solução abrangente e pacificadora. Acordos justos só ocorrem quando as forças de ambas as partes são mais ou menos equivalentes, o que não é o caso do conflito Israel versus Autoridade Palestina.

Já está mais do que evidente que Israel jamais concordará, de livre vontade, em dividir, com os palestinos árabes, a “sua terra”, abandonada involuntariamente dois mil anos atrás. Seus governantes atuais mostram-se inconformados com a impossibilidade de acolher todos os judeus do planeta que queiram residir em Israel. Jamais assinarão uma partilha amigável que implique no abandono desse sonho de uma grande nação judaica. É o velho anseio — ou sonho “patriótico”—, do “espaço vital” que leva qualquer povo — e até mesmo empresas — a expandir seu tamanho e influência. O anseio universal dos seres vivos — e governos são compostos de seres “vivíssimos” — é expandir-se.

Há características humanas que são universais. Se, dois mil anos atrás, os romanos tivessem expulso os palestinos árabes, em vez dos judeus, e os descendentes dos árabes expulsos — tornados mais versáteis pelo conhecimento do mundo —, voltassem agora à Palestina, agiriam interessados apenas no próprio bem estar, indiferentes ao sofrimento dos judeus. Raríssimos são os indivíduos, empresas ou países que coloquem a solidariedade e o egoísmo no mesmo nível de prioridade. O egoísmo sempre prevalece. Daí, não se espere que o atual governo de Israel vá se interessar, verdadeiramente, em dividir a Palestina em forma equitativa.

A tendência humana de busca do “espaço vital” estimulou a política expansionista de Hitler e recebeu o nome alemão de “lebensraum”. Dizem alguns historiadores que Hitler tentou invadir a Rússia — foi sua desgraça... — porque ambicionava as áreas imensas do império soviético. Conseguindo isso, o 3º Reich poderia durar mil anos. Netanyahu e seus seguidores, pensando apenas no que consideram o “bem de Israel”, sabem que quanto mais demorar um “acordo de paz” maior a vantagem israelense na futura partilha de áreas. Nenhum “árbitro” dessa eventual partilha ignorará a conveniência da manutenção do “status quo”.

 Quando mencionei, bem acima, as “reações de indivíduos” solidários à causa palestina, eu pensava no mais notório deles, Osama bin Laden, o milionário saudista que, sem medir consequências, fez o impensável: iniciou a implosão da até então incontrastável liderança mundial americana. A poderosa nação do Norte já não tem, hoje, o prestígio de que desfrutava até o dia 10 de setembro de 2001. Gastou, e ainda gastará, quase inutilmente, trilhões de dólares no Afeganistão e no Iraque. Só não foi à “falência” porque era — hoje não mais — uma nação incontrastavelmente poderosa e rica, sem fortes concorrentes. Barack Obama e quem o suceder precisarão de muito esforço — e psicologia... — para que seu país volte a ser o que era.

Essa “queda” de prestígio e riqueza é, em grande parte, resultado do que se passava na cabeça de um único indivíduo, Bin Laden. Um saudita tornado perigoso porque armado de pétreas convicções religiosas e dinheiro suficiente para financiar um terrorismo de fundo ideológico, religioso e sentimental.

“Como assim, sentimental?”, pergunta o leitor. Também sentimental. Quem se der ao trabalho de, na internet, pesquisar frases de Bin Laden extraídas de seus pronunciamentos — tal pesquisa será muito mais abundante e esclarecedora se for em inglês — verá o quanto pesou a situação amarga dos palestinos na intenção de Bin Laden de hostilizar os judeus e seu poderoso aliado americano. Se a Palestina estivesse bem — ou pelo menos razoavelmente tranquila — partilhada entre judeus e palestinos árabes, vivendo em paz, o saudita não chegaria ao extremo de pretender atingir o “coração” do poder americano, representado pelas Torres Gêmeas, o Pentágono e a Casa Branca. Esta só não foi atingida, como todos sabem, porque os passageiros lutaram com os sequestradores e o avião caiu antes de chegar ao alvo.

A solução para o impasse Israel-Palestinos estaria na comunidade internacional, via ONU, tomar as rédeas do problema, sem mais delongas, e criar um tribunal “ad hoc” para —, com critérios de equidade —, estabelecer as fronteiras, talvez criando compensações para a parte que perder áreas na linha divisória. Ou autorizar a Corte Internacional de Justiça a decidir a respeito, mesmo não tendo ainda a Palestina um status jurídico pleno de “Estado”.

Ocorre, porém, que sem um forte movimento de opinião pública essa “solução do conflito, vinda de fora” — dispensando a concordância das partes —, não ocorrerá. A Autoridade Palestina provavelmente concordará com uma decisão ou arbitragem internacional, mas Israel não fará isso. Seus líderes atuais não abandonarão, “por amor ao país”, seus sonhos de grandeza. E a mídia mundial é muito influenciada, quase dominada, pelos interesses israelenses.

Para conseguir um maior apoio, popular e universal, à ideia de se atribuir a um Tribunal internacional a tarefa de “resolver” o impasse de décadas — desde 1948 — seria muito útil que um filme de grande repercussão, com bom roteiro, bons atores — e excelente direção — demonstrasse o sofrimento do povo palestino vivendo pessimamente entre altos muros, sujeito a frequentes sequestros de sua renda tributária, praticamente dependendo do favor israelense para porcamente subsistir.

A política israelense de auto justificação no seu relacionamento com os palestinos — porque os filhos de Israel sofreram perseguições e massacres na Europa, antes e durante o Holocausto — já foi suficientemente exibida no cinema e em livros. Filmes extraordinários — “A lista de Schindler”, “O Pianista”, e dezenas de outros — mostram, com requintes persuasivos, o sofrimento dos judeus, principalmente na Alemanha nazista. Penso que chegam a centenas os documentários e filmes de longa metragem que retratam, com talento e verdade, o sofrimento dos judeus. O Holocausto já foi exaustivamente descrito em palavras e imagens, mas desconheço um único filme — nem mesmo “regular” — que descreva, com realismo e talento, o sofrimento dos palestinos, expulsos de suas terras e sujeitos a um dia-a-dia cheio de restrições e abusos. Expulsos sem culpa alguma pela infelicidade passada dos judeus, porque — repito sempre —, foram os romanos, não os palestinos, que, dois mil anos atrás, destruíram o Templo que simbolizava a tradição judaica, iniciando a “diáspora”.

Sei que os grandes estúdios de Hollywood estão sob controle de judeus, todo eles provavelmente condicionados a só favorecerem os interesses políticos de Israel. “Patrioticamente” surdos a qualquer crítica, mesmo obviamente justa.  Mas “artistas”, em geral — e os grandes diretores são artistas —, são imprevisíveis, capazes, em tese, de “fazer algo diferente”.

Certamente, Steven Spielberg, sendo judeu, não se atreverá, de imediato, a fazer um grande filme mostrando o sofrimento palestino. No entanto, se ele, matutando, hoje, sobre o que certamente considerou uma injustiça — não levou o Oscar, com “Lincoln” — talvez pense o impensável: — “Espere... Se eu fizer um filme notável mostrando, com honestidade e arte, a dupla visão do que ocorre na Palestina — com isso apressando a solução do perigoso conflito — estarei consagrado. Não só como grande diretor mas também como um informal estadista. Quem sabe —, embora não tendo isso como meta —, a mídia, que sempre exagera, talvez proponha meu filme-verdade e meu nome para o “Oscar” e o Prêmio Nobel da Paz, o primeiro concedido a um diretor de cinema. Uma façanha sem precedente no Planeta. E estarei simultaneamente, levando tranquilidade a dois povos, que não mais se hostilizarão. Como não quero trair meus irmãos de origem, mostrarei as duas faces da discórdia. Afinal, o impasse na Palestina origina-se de dois sofrimentos: o sofrimento passado dos judeus, vivo na memória,  e o sofrimento presente dos palestinos, vivo no dia-a-dia. E não serei faccioso”.

Se eu estivesse nos sapatos de Spielberg, pensaria assim. Ele, certamente, não pensaria com o cálculo vaidoso que mencionei atrás. E a arte cinematográfica subiria a um novo patamar, deixando de ser apenas um “entretenimento”, hoje geralmente superficial, apelativo, recheado de tiros, sexo, frases tolas, enredos idem, chavões, ignorância e propaganda. No caso, haveria também propaganda, claro, mas de algo que precisa ser ainda muito difundido: a necessidade de conciliar dois interesses lícitos (quando bem dosados): o desejo dos judeus de ter uma pátria e o direito dos palestinos de viver bem no lugar que ocupam há vários séculos.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

A volta da CPMF, agora com redução do I. Renda. Depardieu e Putin

No dia 1º do corrente mês de fevereiro, publiquei no meu blog em português — francepiroblogspot.com — um artigo (“Conciliando crescimento econômico com ajuste das contas públicas”) tecendo considerações não só sobre a difícil convivência de políticas econômicas opostas — ajuste e crescimento —, como também sugerindo, na parte final, a aprovação da CPMF com o dobro da alíquota mencionada como intenção do governo: 0,2%.

Se qualquer “imposto do cheque” é tão odiado, por que sugeri o dobro da alíquota pretendida pelo governo?

Porque o acréscimo de 0,2% — em toda transferência de dinheiro via cheque, cartão de crédito e de débito e transferência eletrônica — seria destinado especificamente à redução do percentual do Imposto de Renda, pessoa física, descontado na fonte. A alíquota máxima atualmente, como todos sabem, é de 27,5%. E é possível que venha a ser aumentada, caso o Congresso não aprove a CPMF. Essa (má) intenção já foi mencionada meses atrás.

Repetindo: com o percentual total de 0,4% — ou outro percentual mais adequado, resultante do estudo e projeções entre os interessados, governo e oposição — em cada transação, metade da arrecadação da CPMF iria para a destinação já mencionada pelo governo e a outra metade serviria especificamente para a redução do IR da pessoa física.

Disse, também, que com a redução do IR da pessoa física, aqueles contribuintes “na marra”, os assalariados com desconto na folha de pagamento —, sem possibilidade de sonegação, por mais habilidosos que sejam —, sentir-se-iam menos revoltados com a perspectiva do retorno da CPMF. E frisei que essa redução do IR teria que vigorar na mesma data da cobrança da CPMF. Nada do governo desfrutar do “imposto do cheque” e jogar para um incerto futuro o “estudo” visando diminuir ou suprimir o IRPF (pessoa física).

Com esse contrapeso na área tributária a classe média não mais consideraria a CPMF como sendo apenas “mais um imposto!”. Passaria a encarar esse tributo como tendo “algumas virtudes”. Metade do percentual desse novo tributo seria realmente, um imposto à mais — destinado a aliviar um urgente problema de caixa do governo federal — porém, em compensação, a outra metade aliviaria a classe média do peso do imposto de renda descontado na fonte.

No fundo, tudo o que digo aqui é um aceno para futura adoção do Imposto Único, ou quase único. O Imposto Único, no longo prazo, é o tributo do futuro, unificador, sem burocracia, sem sonegação, sem papelada, mas que precisa começar em algum momento. Se não foi utilizado, até agora, por nenhum país importante é porque obrigava todo mundo a contribuir, democraticamente. Esperar que o Brasil esteja em um mar de rosas para iniciar a aplicação dessa nova forma de tributar é esperar que as galinhas nasçam com dentes. Ressalte-se que a CPMF é um tributo de substituição, trocando dezenas de impostos por no máximo três, quatro ou cinco, se tanto.

Por que sou favorável a um tributo tão antipatizado como a  CPMF? Porque é simples, direto, indesviável, insonegável e abrangente. É uma arma contra a sonegação. E não se diga que prejudica o pobre porque o realmente pobre não usa cheques, não faz transferências eletrônicas e geralmente não paga suas compras com cartão de crédito. Utiliza, quase sempre, dinheiro vivo, não tributado quando passa de mão em mão.

No artigo, lembrei que o presidente russo, Vladimir Putin, ex-comunista — portanto com algum residual DNA socialista—, considerou suficiente, e justa, a alíquota única do I. Renda em 10% para todas as rendas. Por causa disso, o ator francês, Gerard Depardieu mudou de país, adotando a cidadania russa, revoltado com a perspectiva, anunciada na França, da alíquota máxima francesa subir para 75%. Um verdadeiro confisco de seu ganho como ator de grande talento e sucesso. Salvo engano, a alíquota máxima russa subiu depois para 13%, certamente por causa do cerco econômico que a Rússia vem sofrendo, por motivação política, dos EUA e da União Europeia.

Caso os assalariados brasileiros conseguissem — aproveitando a “onda” da CPMF — a redução do IR (pessoa física) para 10%, ou bem menos dos atuais 27,5%, é possível que milionários de todo o mundo sentir-se-iam motivados a residir e trabalhar no Brasil, trazendo parte de sua riqueza para cá, em vez de deixar na mão de seus países de origem, “fanaticamente arrecadores”. Imitariam, no Brasil, o que, na Rússia, fez Depardieu, sem precisar mudar de nacionalidade.

 Com uma alíquota baixa do IR, aproximadamente igual à da Federação Russa, o Brasil seria mais atraente que a terra do Presidente Putin porque o Brasil não está sob cerco financeiro internacional. E não paira, sobre nossas cabeças, a ameaça de conflitos bélicos de grau até mesmo nuclear. Lembre-se que a Rússia enfrenta, brava e perigosamente, o Estado Islâmico e apoia a Síria e o Irã, países ricos em petróleo, ambicionado por interesses internacionais que me dispenso de mencionar aqui, talvez já percebidos pelo leitor.

O único “senão”, brasileiro, para atrair estrangeiros altamente posicionadas financeiramente está no fraco desempenho, em anos mais recentes, de nosso governo federal, em termos de planejamento e execução de metas. A demagogia e a impunidade, que travam nosso progresso, estão em vias de baixar de nível, conforme recentes decisões judiciais. Essa situação, porém, não é algo irreversível porque a população não aguenta mais e exige isso até nas ruas.

Nada impede, além do mais, que o Brasil, constatando o benefício da redução do IR da pessoa física, venha também a reduzir o mesmo tributo para as pessoas jurídicas. Isso atrairia investidores de todo o mundo. Levariam em conta o nosso “lado bom”: não sofremos terremotos, tsunamis, situação de pré-guerra, terrorismo, nem cercos financeiros internacionais.  

É comum o argumento de que a alíquota máxima do nosso IR, pessoa física, é um dos mais baixos, em comparação com o que é cobrado — aparentemente sem revolta dos contribuintes — em outros países do primeiro mundo. Na faixa máxima da Suécia, o percentual é de 58,2%; na Alemanha, 51,2%; no Japão, 45,5%; na Espanha, 48%; no Japão, 45,5%.

Como minha desconfiança em assuntos que envolvem o vil e santo metal — “mexam com minha alma, mas não mexam com meu bolso” — aumenta com o passar dos anos, confesso que sempre estranhei a resignação dos “endinheirados” europeus e americanos em aceitar uma tributação tão alta do IR, pessoa física, mesmo levando em conta que os governos de seus países assumem despesas não assumidas devidamente pelo governo brasileiro na área da educação, saúde, e previdência social.

Como nunca morei fora do Brasil, conhecendo alguns países apenas como breve turista, nunca me interessei nem perguntei aos locais se eles, quando altamente remunerados, aceitavam de boa vontade deixar para seus governos, mais de metade do que auferiam com o próprio trabalho, ou engenho inventivo. Hoje, bem mais velho — portanto mais desconfiado — pergunto-me se por trás dessa conformidade com tanta resignação de contribuinte, não haveria um explicação mais rasteira que nunca conviria verbalizar. Se mencionada, aumentaria a fiscalização.

Refiro-me à hipótese — mera hipótese... — de haver brechas legais, contábeis e bancárias permitindo, nesses países de altíssimos percentuais de IR, que um contribuinte, tendo auferido, por exemplo, um ganho anual, real, de dez milhões de euros, ou dólares, possa declarar, na declaração anual — sem infringir diretamente a legislação —, que ganhou metade, ou menos, do que realmente ganhou.

Toda legislação, de qualquer país, enseja manobras, jurídicas e/ou contábeis, permitindo, em maior ou menor escala, que parte da renda auferida pelo contribuinte seja aplicada de tal ou qual forma, não ilegal, reduzindo seu desembolso para o Fisco. Fusões, incorporações ou desmembramentos previstos em lei permitem, provavelmente, substancial economia para o contribuinte, embora essa parte “meio escondida” não possa ser, de imediato utilizada. Fica como reserva, mas permanece no patrimônio do contribuinte.

 Um tributarista especialmente capaz pode, certamente, montar um esquema que, não sendo tecnicamente ilegal, permitirá que um altíssimo percentual da riqueza do cliente escape do “Leão”. Isso incentiva o “felino’, forte mas comodista, a morder à vontade a “caça” miúda,  classe média, manietada pelo desconto do IR no holerite.

Talvez essa situação — ou eventual situação, não condenemos sem provas — explique a aparente tranquilidade da aceitação, nos países ricos, desses altos percentuais do IR da pessoa física de altos rendimentos. Na verdade, o contribuinte, escondendo legalmente a metade do ganho, não se sentiria prejudicado deixando para o “leão” a metade da metade, 25% de um total de 100%.

Se estou sendo calunioso dos países ricos, que um raio não me mate agora, porque é só a hipótese de um inato descrente do ser humano. Sem esquecer que pertenço a essa miserável espécie.

Se eventualmente — quanto otimismo... — falei alguma bobagem, sinto-me confortado pelo que disse um grande economista inglês, Alfred Marshall, falecido em 1924: “No fim de quase meio século de estudo quase exclusivo de economia, estou consciente de uma maior ignorância em relação a ela que no início”. (“Antologia da Maldade”, dicionário de citações, de Gustavo H.B. Franco e Fabio Giambiagi. Ed. Zahar)

(21-02-2016)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Conciliando crescimento com ajuste das contas públicas.

Conhecida anedota diz que é difícil encontrar um bom ministro das finanças, em qualquer país, porque os que realmente “entendem” de economia estão ocupadíssimos, trabalhando como barbeiros, taxistas, engraxates, feirantes, comerciantes, profissionais liberais, blogueiros, twiteiros,  economistas e articulistas independentes, como é o caso do escriba que assina o presente artigo.

Todos concordam que o Brasil vai mal, porém discordam quanto aos remédios adequados para sair da crise. Basta ler os jornais. Essa discordância comprova que a Economia não é uma ciência exata. Seu ratinho experimental, o bicho homem, é caprichoso, teimoso, malandro e ganancioso. Consequentemente, imprevisível. Essa incerteza nos autoriza — nós, os não especialistas — a opinar conforme deduzimos da leitura de jornais e revistas. Não somos especialistas mas também não somos estúpidos. Além do mais, velhas certezas da economia cedem lugar a experiências que não figuram no receituário tradicional.

O Japão, por exemplo, desde 1990 está sendo prejudicado pela deflação. Por isso o presidente do Banco Central japonês, Haruhiko  Kuroda, está firmemente decidido a alcançar  uma inflação de 2%. Como? É preciso fazer força para conseguir inflação? No caso japonês, é. E o Brasil, precisando de algum milagre para sair da crise — de origem oposta — pode extrair algumas conclusões do experimento japonês.

Há duas décadas os japoneses compra o mínimo possível. Não por falta de dinheiro mas porque esperam que os preços baixem ainda mais. Isso produz estagnação, comprovando que em economia qualquer exagero — mesmo formalmente “virtuoso” —, é prejudicial.

A vida econômica guarda muita analogia com vida biológica: detesta qualquer excesso. A própria água, tão imprescindível à vida, pode ser utilizada como tortura, se uma mangueira for fixada na boca de um prisioneiro de guerra, obrigado a engolir baldes do precioso líquido. No caso, nada “precioso” . O Banco Central japonês complementou sua política de emergência prometendo “juros negativos”. Isto é, em vez de remunerar o depositante com juros, será o depositante que pagará juros — 0,1% —ao banco.

Essa notícia, que li em um jornal paulista, não dá muitos detalhes, isto é, se tais juros negativos serão cobrados de todos os depositantes, indistintamente, ou se cobrados apenas dos depósitos mais elevados. De qualquer forma, é total novidade essa técnica de incentivar a economia tornando pouco atraente manter grandes somas nos bancos, em vez que aplicá-las na produção e no consumo. A função básica do dinheiro, um pedaço de papel,  é circular. Não é ficar parado no banco, como acontece quando poucos se atrevem a pedir um empréstimo bancário por causa dos juros altos. Apenas na Idade Média, ou por aí, os bancos cobravam juros dos depositantes, tendo em vista a insegurança da bandidagem violenta. Nos bancos a riqueza estava melhor protegida. Só depois é que os depositantes passaram a receber juros, situação justa porque seu dinheiro estava sendo usado pelo banco, fazendo empréstimos e lucrando. Não se limitavam a guardar.

Que o Brasil está, no momento, perto do fundo do poço, não há dúvida: desemprego recorde; juros altíssimos; brutal queda de arrecadação; inflação alta ressuscitada; crimes de todas as cores do “colarinho”, a começar do “branco”; desânimo do empresariado; baixo grau de confiança de potenciais investidores estrangeiros; dívida pública se aproximando dos R$2,8 trilhões e impasse institucional.

 Até os malditos mosquitos, sentindo no ar o cheiro de sangue, aderiram ao festim sugador e atormentam nossas pobres grávidas com o risco de gerar bebês com cérebro reduzido. Se Zola fosse vivo e brasileiro lamentaria novamente: — “Mais carne para o sofrimento!”

Desnecessário alongar mais sobre a realidade de nossa situação. Todo brasileiro medianamente informado já leu, ouviu ou sentiu no bolso a dura realidade de um país mal governado e viciado na corrupção. Porém, mais urgente do que saber “quem errou?” é saber quando e como o Brasil poderá sair do poço.

Joaquim Levy e Nelson Barbosa? Quem estava “mais certo”?

Ambos estavam, e estão, certos. A diferença explica-se pelos diferentes momentos da crise brasileira, que, de grave passou a aguda, e  igualmente séria. No começo, logo após a última eleição, não havia tanto desemprego, como agora. As “doenças” econômicas guardam muita semelhança com as doenças físicas. As condições do paciente evoluem, alteram-se, e conforme a situação, é direito do paciente — ou seus parentes —, apelarem para outro médico, sem desdouro para o anterior.

 Nelson Barbosa é tão competente e íntegro quanto Joaquim Levy, e igualmente corajoso. Cada um segue honestamente sua convicção. Divergências desse tipo ocorrem também em outras áreas, como no Direito.

Sem desdouro para Joaquim Levy, acompanho a opinião generalizada de que o Brasil não pode mais ficar como está, parado, aguardando um “saneamento” que pode, longo demais, se tornar suicida. Um país saneado nas contas mas fervendo de raiva, com milhões de desempregados revoltados. É preciso — já disse isso antes, mais de uma vez — seguir a “receita” de mero bom senso utilizada por Franklin Delano Roosevelt para salvar os EUA da Grande Depressão iniciada em 1929.

Franklin Roosevelt não era economista. Era “apenas” um político de grande visão, pragmático, de bom caráter, não interessado em se enriquecer pessoalmente. Para evitar o impensável — uma guinada para o comunismo, fruto da miséria e do desespero —, resolveu apostar no crescimento dos Estados Unidos, mesmo quando a situação econômica estava péssima, com filas imensas de desempregados esperando um prato de sopa. Como  superou a crise? Contratando pessoas e empresas para investimento na infraestrutura e no consumo interno.

Com investimento — na infraestrutura, principalmente —,  haverá aumento de empregos. Empregos propiciam salários. Salários geram compras. Compras geram tributos, sem os quais União, Estados e Municípios não podem pagar os serviços de segurança pública, educação, saúde e tudo o mais. Até o funcionalismo começa se revoltar.

Crescimento. Esse o caminho mais recomendável, hoje, para o Brasil sair da crise. Mas crescimento sem o apêndice da roubalheira. Desta cuida o juiz Sérgio Moro, com muita competência, assim como centenas de outros magistrados, igualmente motivados em tornar mais efetiva a legislação penal.

 Alguém poderá dizer: — “Tudo bem, crescimento... Mas com que dinheiro? O país já está por demais endividado e vem esse sujeito dizer que precisamos gastar em áreas que exigem investimentos de bilhões ?”

A resposta é óbvia: não havendo dinheiro no Tesouro — e não sendo conveniente, ou suportável, aumentar o já imenso endividamento governamental —, conceda-se à atividade privada, nacional e internacional, a incumbência de, por exemplo, reformar, modernizar e ampliar os portos e aeroportos; construir navios, aviões e estradas de ferro para o transporte de soja, minério, etc. — não esse fricote grã-fino de trem-bala — ; melhorar e completar nossas estradas. Tudo o que possa ser entendido como “infraestrutura”. Construir, agora, tudo o que será útil para o crescimento do Brasil de amanhã, próximo ou remoto. Muito mais infraestrutura do que estádios de futebol e coisas do gênero.

Será que o capital nacional  e o capital estrangeiro não terão interesse algum em, por exemplo, melhorar estradas e ficar com o direito de cobrar pedágio pelo tempo necessário, de forma a recuperar o que gastou e obter o razoável lucro? Se houver garantia jurídica suficiente de que os contratos serão cumpridos, é bem provável que a infraestrutura crescerá.

 A atividade privada é quase sempre mais eficiente que a estatal. O empresário, mesmo não sendo eventualmente santo, não quer ser roubado. Vigia de perto e pode também ser vigiado pelas agências reguladoras. O jornalismo investigativo é muito bom nisso. Já o Estado, quando se mete a empreendedor,  nem sempre vigia assiduamente seus cantos escuros porque, com ou sem lucro, seu ganho mensal será o mesmo. Não há estímulo financeiro para o perfeccionismo no planejamento e na execução de projetos. Veja-se a transposição do Rio São Francisco.

Obras contra a seca, no nordeste, teriam um bom efeito imediato geral, com reflexo na segurança pública das grandes cidades do Sul e Sudeste. Havendo água no nordeste, diminuiria a migração da sua população mais necessitada em busca de trabalho.

O nordestino pobre do campo não abandona suas terras por capricho. Sai porque se não o fizer não terá qualquer futuro, sobrevivendo com as migalhas das “bolsas”. O gado morre de sede, as plantações, idem. Se habita na cidade, não encontra trabalho. Se, porém, o nordeste for irrigado, nordestinos que agora se amontoam nas favelas do sul e sudeste, dominadas pelo tráfico, podem ser estimulados a voltar para às suas origens, livrando-se do medo das balas perdidas e dos barracos insalubres. Salvo imprecisão, no complexo do Morro do Alemão amontoam-se mais de dois milhões de pessoas — um “país” vivendo na periferia de uma cidade — que ali estão porque não havia outra alternativa. E por aí vai. Para a cadeia ou para o caixão, quando são jovens semianalfabetos e sem perspectiva..

 A política de estímulo ao desenvolvimento, posta em prática por Roosevelt —, mesmo em plena crise americana —, precisa ser imitada pelo Brasil, seja quem for seu presidente. Pelo que sei, Roosevelt não concedia “bolsas” de ajuda. Ele apenas estimulava a criação de empregos e trabalho. Não era uma política de esmola, a ser retribuída com votos. Focava, repito mil vezes, na melhoria da infraestrutura.

Li — no jornal “O Estado de S. Paulo”, de 26-01-16, pág. B3 —, que o governo federal está pensando em modificar a legislação permitindo que petroleiras estrangeiras possam participar na extração do petróleo do pré-sal, nas áreas mais profundas. O nome técnico desse processo chama-se “unitização”.  A Shell, de capital inglês e holandês,  manifestou interesse nessa exploração, tendo em vista que o Instituto Brasileiro do Petróleo – IBP estima “reservas de 8 bilhões e 13 bilhões de barris em áreas de unitização. Quem sugeriu essa possibilidade foi o senador José Serra, que já foi de esquerda declarada, e apresentou um projeto de lei nesse sentido mas que dorme em alguma gaveta do Senado. A situação atual é tão grave que dispensa fanatismo nacionalista.

Embora a legislação atual diga que somente a Petrobrás pode operar no pré-sal, isso pode ser modificado. Propiciaria um investimento de US$120 bilhões, conforme o mesmo jornal. De minha parte, sempre pensado mais no futuro, preferiria que a humanidade se esforçasse para se libertar da dependência do petróleo poluidor, buscando outras fontes de energia, mas o fato é que essa alternância energética terá que esperar muito. E o Brasil de hoje não pode esperar.

Finalmente, a CPMF. Ela é o tributo ideal  — o passo inicial do “imposto único” , ou quase único —, que tem a virtude da simplicidade. Ela é igualitário, no sentido de que cobra de todos que pagam e recebem, dificultando muito o uso de truques contábeis. Retrata, em tempo real, a movimentação real do dinheiro. É praticamente insonegável e por isso preserva — pela impossibilidade — a honestidade (forçada) de eventuais funcionários tentados a embolsar valores que não lhes pertencem e sim ao Estado. A CPMS deve, para realmente funcionar, ser cobrada na emissão de cheques, no uso dos cartões de crédito e de débito e nas transferências eletrônicas.

A justificação teórica e moral de desse tributo estaria no fato de não ser apenas “mais um imposto”, lesivo no atual momento brasileiro em que a carga fiscal já é imensa. Ela deve ser encarada como um tributo substitutivo de uma vasta gama de tributos, simplificando a vida de todos nós.

Sendo a CPMF o passo inicial para trocar uma enxurrada de tributos por apenas um — ou poucos mais —, o governo poderia dobrar o percentual até agora mencionado para a CPMF — visando tapar o imenso “buraco” cavado pela incompetência — e ao mesmo tempo, na mesma lei, reduzir fortemente o percentual do Imposto de Renda, pessoa física.  .

 Em vez do teto de 27,5% do IR esse teto, por exemplo, cairia para 10%.  Vladimir Putin, fixou esse percentual único para todo rendimento de pessoa física. Não sei, porém se, neste exato momento,  com as dificuldades da economia russa, boicotada por outros países, isso foi alterado.

Se a classe média e/ou assalariada souber que com a CPMF seu Imposto de Renda, descontado na fonte, será imediatamente reduzido — no mesmo documento legislativo, insista-se —diminuirá muito sua resistência à criação do “imposto do cheque”, denominação incompleta porque não se limita ao cheque.

Somente a classe assalariada, da área pública e privada, paga rigorosamente o IR. Não exatamente porque gosta. É que o desconto já vem no holerite. Quem não paga o IR dessa forma dispõe, dizem, de alguns jeitinhos contábeis para pagar menos, ou nada pagar.

Com esse “alívio” no I. Renda, já no holerite do mês seguinte à vigência da CPMF, esta pode ser mais facilmente tolerada, ou digerida, não obstante a grita de seus inimigos que só repetem que o país “não aguenta mais um tributo”. Ela não será “mais um tributo”, porque corta um grande naco de outro, também muito antipatizado.

Detalhes de projeções de arrecadação e percentual deixo aos técnicos do governo e dos especialistas tributários, municiados de tabelas e gráficos, nem sempre livres de inexatidão. Como já disse no início, sou um amador.

(01-02-2016)