domingo, 3 de agosto de 2014

Como justificar a fraqueza de Obama em Gaza?

“Fraqueza”, no título, é um termo delicado, diplomático, insuficiente para descrever a incompreensível passividade com que o simpático presidente americano teme contrariar qualquer decisão agressiva do atual primeiro-ministro israelense. 

A palavra mais apropriada para tanta “fraqueza”, muito mais pesada, é aquela mesma que o leitor está pensando mas que, por uma questão de respeito, não convém ser utilizada contra o suave Presidente da República de uma nação que ainda cultua algumas virtudes. Por quanto tempo, porém, continuará engolindo sapos?

Obama não é corrupto nem estúpido. É realmente um intelectual, fala “bonito’ — em estilo acadêmico — mas tem uma preocupação exagerada em não melindrar os maus bofes de seu patrão, digo, do chefe de governo de um país que massacra o Hamas e a população civil palestina com total descaso pelas opiniões em contrário, mesmo altamente fundamentadas.

Conforme notícia de 01-08-14, no jornal “O Estado de S. Paulo”, a alta-comissária  da ONU para Direitos Humanos, Navi Pillay, considerou “crimes de guerra” os ataques de Israel contra escolas, hospitais, locais de culto e uma estação de energia em Gaza. Segundo ela, 80% de todas as mortes em Gaza é de civis, e quase 20% das vítimas são crianças.

Conforme relato de Pillay, que este mês deixa o cargo, após mandato de seis anos — essa longa permanência é uma prova de ser pessoa experiente e confiável — os americanos “não apenas dão armas pesadas a Israel, mas também US$1bilhão para o sistema antimíssil que protege sua população. Mas não existe essa proteção para os moradores de Gaza”. 

E o jornalista que assina a notícia do jornal, um profissional também sério, afirma que o Pentágono confirmou o envio de munição adicional para o governo de Israel, apesar de a Casa Branca ter pedido um cessar-fogo. Acrescenta que “o Congresso americano debates nesta semana um ajuda emergencial de US$225 milhões para manter operativo o sistema antimíssil  de Israel”. Há mais: Navi Pillay declarou que os americanos também precisam respeitar as leis humanitárias. “São em instâncias como essas que normas devem prevalecer”.

           Voltando a Obama, a reprimenda mais “dura” que aparece nos seus vários pedidos de “calma” a Netanyahu, é: — “Consideramos isso inaceitável”. E nada acontece quando seus pedidos são desprezados.

          Como presidente da nação mais poderosa do mundo, por enquanto — a China só observa o declínio...  —, Obama deveria pelo menos se dirigir a Israel do seguinte modo: — “Basta, valentão! Você alega que não interrompe o massacre de Gaza porque o Hamas mantém túneis que chegam a Israel. 


Presumindo que está dizendo a verdade, é seu direito, claro, fechar ou bombardear tais buracos, mesmo porque afloram em território israelense, mas proíbo-o terminantemente de, doravante, bombardear escolas, hospitais, usinas, etc. na área de Gaza, seja por qual motivo for — mesmo porque não há prova de que sempre ali estavam escondidos armamentos. Não percebe que com isso está dizimando a população civil? São mais de mil, até agora. 

Essas mulheres, velhos e crianças não têm culpa alguma e estão morrendo ou sendo aleijadas. Não podem ser sacrificadas pela eventual presença de indignados combatentes palestinos que lançam foguetes semi-caseiros que mais assustam do que matam. 

            Quantos israelenses morreram vitimados por tais foguetes? Dois, três?”


“Como pessoa alfabetizada, Benjamin, você precisa compreender que sua política de ampliar a ocupação da Cisjordânia é ilegal, como já foi reconhecida pela Justiça Internacional. 

Contra essa ilegalidade os palestinos só poderiam reagir de dois modos: ou no estilo cordato, humilde, até “pedinte”, de Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina — que você despreza mas tolera —, ou no estilo revoltado e desesperado do Hamas”

          “As pessoas, de qualquer raça, quando indignadas e sentindo-se impotentes — por não terem um tribunal a que possam recorrer —, reagem como podem: com gritos, pedradas e foguetes artesanais. Inclusive com ideias delirantes, tais como “apagar Israel do mapa”.

          “Esse  projeto de ‘apagão geográfico’ é uma óbvia tolice promocional do Hamas porque seria absurdo, irrealizável e mesmo lamentável o aniquilamento de todo um país com cerca de oito milhões de habitantes, boa parte deles também vítimas inconscientes da propaganda amedrontadora de seu próprio governo. 


Você sabe dessa impossibilidade do Hamas, sabe que é apenas uma “tirada” demagógica, um “desabafo utópico”, mas tira proveito da frase tola para justificar sua perceptível intenção de ocupar toda a Palestina, utilizando os palestinos sobreviventes, no máximo, como serviçais.

            “Lembre-se, Benjamin, que contra a ocupação ilegal e crescente da Cisjordânia os palestinos não têm acesso à Corte Internacional de Justiça, onde poderiam solicitar providências contra a ocupação  e transformação de Gaza em imensa prisão. Não podem recorrer à Corte de Haia porque ela só julga conflitos entre “nações-estados", formalmente constituídos. E os palestinos não gozam do status de “estado” porque não têm fronteiras fixas.


E não as tem porque para isso precisam da boa-vontade de Israel, que sempre inventa pretextos para não chegar a um acordo criando dois estados, lado a lado”.

“Para o governo que você preside, Benjamin, é uma “bênção do céu” o Hamas falar em “não reconhecer Israel”, ou quando sequestra um soldado israelense, ou envia foguetes que, por falta de tecnologia, caem em qualquer lugar, quase sempre em locais desertos. “Bênção” porque tais atos, nada inteligentes, “autorizam” Israel a “se defender”. 

Não dispondo de meios legais para fazer cessar o avanço progressivo de Israel, os palestinos mais inconformados e indignados  apoiam o Hamas, que usa o que está à mão: guerra verbal, foguetes artesanais e armas mínimas, morrendo depois como moscas quando Israel revida. Se, porém, os moradores da Faixa de Gaza percebessem  real boa-vontade de Israel, concordando — com fatos — com a criação de dois Estados, os palestinos logo deixariam de apoiar o Hamas, com sua irrealizável “varredura do mapa”.

“Finalmente, meu esquentado Benjamin, não fique repetindo a inverdade de que todo e qualquer terrorismo é injustificado e ponto final. Existe o terrorismo “gangster”, em  busca de dinheiro, e o terrorismo de quem se defende contra invasão. 

Quem se suicida  de forma tão dramática, explodindo coletes de dinamite para com isso matar o inimigo, não age por ambição de riqueza. Se os Estados Unidos fossem — mera ficção exemplificativa — invadidos pela China, não há dúvida que centenas de milhares de “terroristas” americanos lutariam “ilegalmente” para expulsar os “amarelos”.

          “Israel — você não pode apagar a História, Benjamin — foi, por vários anos, aberta e patrioticamente terrorista, quando os ingleses —  então administradores da Palestina —, tentavam impedir o fluxo excessivo de judeus que chegavam, em massa, à Terra de Israel.


Os ingleses, experientes no assunto, previam que a chegada de tantos hebreus, vindos principalmente da Europa Oriental, logo ocupariam o maior espaço possível, expulsando a população árabe que estava lá há séculos”.

           “Menachen Begin, que também foi primeiro-ministro de Israel, chegando a ganhar o Prêmio Nobel da Paz, foi um confesso e orgulhoso terrorista, por volta de 1942. Israel também teve sua fase terrorista, com as organizações Hagana, Ster, Irgun e outras. 


Um prédio, Hotel King David, em Jerusalém, foi destruído por terroristas judeus em 22 de julho de 1946. Morreram 91 pessoas, até alguns judeus, que não foram avisados a tempo. Nesse hotel moravam familiares do governo britânico. Quem organizou o atentado foi o já referido futuro Prêmio Nobel da Paz”, que classificava os palestinos como sendo “baratas”.

           Lembro tudo isso não para censurar um Israel terrorista de décadas atrás, mas para mostrar que quando um povo não consegue ser ouvido em seus reclamos, recorre à violência. É o que acontece agora com o Hamas. 


Se as fronteiras entre os dois povos, judeu e palestino, forem fixadas o terrorismo desaparecerá, ou ficará desmoralizado, sem fundamento.

         Quando terminava a redação deste artigo tive a ideia de acessar, no meu tablet, um site de busca sobre o tema “terrorismo” e li, quase incrédulo, alguns artigos e notícias sobre o Mossad e outras organizações, mais ou menos secretas, que defendem Israel de todas as formas possíveis, inclusive atacando. Segundo os artigos e notícias, não hesitam até mesmo em recorrer ao assassinato, quando isso lhes parecer necessário. 


Cientistas atômicos iranianos — salvo engano cinco —, um ou dois anos atrás foram mortos quando estavam em seus automóveis, no trânsito. Dois motoqueiros grudavam, com ímã, o explosivo na lateral do veículo e logo se afastavam.     
Segundos depois, ocorria a explosão, com morte do cientista.

          Essa faceta terrorista do serviço de inteligência israelense — no estilo cinematográfico 007 — “justificada” pelo “direito de se defender”, confere uma imensa vantagem internacional às pretensões de Israel na disputa territorial com os palestinos.


Gera um difuso medo  de represália física, mortal, principalmente em países em que campeia a impunidade. Nunca se sabe se crítico político foi morto, “provavelmente reagindo a um assalto”, ou por decisão do serviço de inteligência. Além disso, qualquer crítica a Israel pode ser rotulada de “antissemitismo”, obrigando o crítico a se defender em juízo.

Espera-se que a timidez de Obama não tenha origem em alguma forma de medo de represália israelense. Seria o cúmulo se, mesmo  dispondo da CIA e do FBI o presidente americano  pudesse sentir-se ameaçado por qualquer outro serviço secreto não americano.

Para resolver o presente impasse, com cessação definitiva do extermínio de palestinos em Gaza — e tranquilidade definitiva dos habitantes de Israel — , já está mais do que na hora de Obama, homem inteligente e bem articulado, convencer as grandes potências que a ordem mundial precisa dar um passo à frente, na obrigatória busca de um mundo melhor.

Qual seria esse passo? Uma alteração na Carta das Nações Unidas, ou outro documento de mesmo efeito, declarando que quando duas nações, ou povos, não conseguem chegar a um acordo e não param de se matar, porque têm objetivos diferentes, nem sempre confessados — principalmente em questões de fronteira — a pendência será resolvida por um órgão das Nações Unidas, após ouvidas as partes interessadas. Esse órgão, ou Tribunal, já existente ou “ad hoc”, ficaria autorizado a decidir a pendência usando, em larga medida, a equidade, que se caracteriza pela valorização do bom senso e sentido de justiça. Enfim, a questão será decidida por um “terceiro”, qualificado, como acontece em todo o mundo civilizado, ao resolver qualquer conflito de interessess. 

O leitor já imaginou se em toda discórdia esta só fosse resolvida por concordância entre as partes? Quem sabe que está errado dificilmente concorda em perder algo que deseja.

Há momentos, na história de humanidade em que “alguém” precisa inovar na solução dos problemas que se mostram insolúveis. Obama poderia liderar essa avanço inovador porque preside a nação mais poderosa do mundo. 

A China não tem interesse em eternizar o conflito, o ódio e a matança. A Rússia não tem ambições territoriais na Palestina. A  França e a Inglaterra, idem. O que está esperando, meu bondoso Obama?

Mahamoud Abbas é um senhor inteligente e conciliador e, afinal, é o Presidente da Autoridade Palestina, podendo dar a última palavra em nome dos palestinos. Concordará em deixar a solução para um órgão internacional composto de juristas ou cientistas políticos confiáveis.

Resta Benjamin Netanyahu. Como ainda está vivo e forte, pode colaborar para a paz no seu país e no mundo, tornando-se, só por isso, um herói nacional e também internacional. 

Não há dúvida de que o conflito israelo-palestiniano é o estopim mais provável de uma Terceira Guerra Mundial, porque o que ali acontece repercute em países próximos e distantes.

Vejamos se Netanyahu é mais inteligente do que belicoso quando se trata de defender um povo que jura amar. Talvez ame, mesmo, mas até no amor é recomendável uma boa dose de inteligência e previsão.


(03-08-2014)