sexta-feira, 16 de novembro de 2012

PRISÕES BRASILEIRAS E PENA DE MORTE


Prisões brasileiras e a pena de morte.
O equilibrado ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em palestra do dia 13-11-12, , afirmou que “se fosse para cumprir muitos anos em uma prisão nossa, eu preferiria morrer”.
É a declaração que eu gostaria, faz muito tempo, de ter ouvido de um político respeitado e, além do mais, no caso, jurista.  Principalmente do “preferiria morrer”. Isso porque, coincidentemente, mata-se, hoje, em São Paulo em outros municípios, com a maior desenvoltura. Com o “bônus” da quase certa impunidade. Um “esporte”, mais profissional que amador, provavelmente ordenado ou incentivado pelos chefões do crime organizado que, presos ou soltos, consideram “inaceitável” essa “história” de ocupação de favelas pelos governos, com prejuízo do narco-business. Ou aborrecidos com diretores de presídios que se atrevem a desrespeitar a “administração paralela”, entrando sem antes agendar, nas celas dos “líderes” como se fossem donos únicos da cadeia, ora essa! :— “Precisamos  defender a livre inciativa! Nem que seja à bala! Afinal, atendemos à demanda do mercado!”, parecem dizer os traficantes que espalham  o terror na nova Medelín do Hemisfério Sul.
Não é que a polícia não se interesse por descobrir quem vem matando, e a mando de quem. Ela investiga, tenta fazer algo, mas como as vítimas são frequentemente “premiadas” ao acaso, é dificílimo a investigação chegar ao criminoso. A culpa da chacina não é dos governadores. É da frouxidão legislativa e da impressionante falta de coragem intelectual  e moral — são coragens diferentes — de quem lida com a questão de combate à criminalidade. Quase todos os cultos opinantes temem serem rotulados de “retrógrados”, “ bárbaros” ou “neonazistas” caso a discussão escorregue para o tema “pena de morte”, a nota máxima do politicamente incorreto. Segundo a mídia, o próprio ministro apressou-se a esclarecer, após falar das péssimas cadeias, que é contra a pena de morte e a prisão perpétua. Possivelmente o receio de ser linchado pelos jornais, guarda-costas do tabú.
Inimigos do PT, ou céticos habituais, certamente murmurarão que a frase ministerial tem a secreta intenção de preparar o espírito da população — diminuindo sua decepção —, quando vier a saber, no devido tempo, que raros condenados pelo mensalão irão para a cadeia em regime fechado.  Para o “povão”, cadeia mesmo, “de verdade”, é só em regime fechado, porque não havendo vaga para o semiaberto o condenado acabará dormindo na casa dele. Convencido, o povo, desde já, que os presídios brasileiros só degradam — a ponto de um ministro da justiça preferir a morte —, o ressentimento popular contra a “impunidade dos grandes” ficará bem abrandado.
 O uso obrigatório de capacetes, por motociclistas, torna praticamente impossível saber quem passou atirando. E carros com chapas encobertas também oferecem essa vantagem aos adeptos da caça esportiva de seres humanos, principalmente policiais militares. Deveriam estes andar protegidos por soldados do exército?  Câmeras nos postes, não obstante úteis, não têm completa serventia, principalmente quando os homicídios ocorrem à noite.
Políticos e juristas contrários à pena de prisão costumam argumentar que “pena não é castigo, é oportunidade para ser reinserido”. Essa reflexão, porém, só se aplicável àqueles criminosos “pés-de-chinelo”, na maior parte uns infelizes — analfabetos, ou semialfabetizados, carentes de tudo, até de alimento —, que praticam atos antissociais como única forma, talvez, de subsistência.
É o caso dos indivíduos que, para ganhar algum dinheiro, recebem apostas do jogo-do-bicho; trabalham para traficantes vendendo algumas gramas de entorpecentes;  carregam, saquinhos de cocaína dentro do estômago (arriscando-se a morrer quando o plástico rompe), etc. Como esse pessoal pouco sabe de útil para ganhar seu pão honestamente, ou não tem mais chance de emprego, a cadeia seria até um oportuno local para que aprenda alguma profissão. Tais como a de pedreiro, encanador, eletricista, técnico em eletrônica e computação, motorista de ônibus e caminhão, cozinheiro, e até mesmo algo mais sofisticado como guia de turismo, intérprete, e outras profissões, conforme as aptidões naturais de cada preso. Para isso, precisamos, há décadas, de melhores prisões, transformando fracassados em bons profissionais, porque há detidos com grande potencial. Espera-se que o ministro insista e persista na melhoria do sistema penitenciário, seja qual for o objetivo visado ao dizer o que disse.
Enfim, as péssimas prisões brasileiras só degradam o ser humano, como quase todos sabem e bem lembrou nosso simpático ministro. As cadeias tornaram-se inúteis sob o ângulo recuperação porque nada ensinam. Aliás, “ensinam” a aprimorar a criminalidade, através do convívio de marginais mais perigosos. E além de nada ensinar, cadeias sub-humanas geraram um efeito colateral imprevisto e sutil, que nunca vi mencionado pelos juristas que escrevem sobre o tema. Se escreveram, lamento não ter lido.
Refiro-me à inconsciente, ou consciente, solidariedade de classe que pode inibir alguns juízes — de alma mais sensível, digo isso sem ironia —, quando imaginam o quanto sofrerá um banqueiro, por exemplo, ou homem influente, jogado no meio de marginais da pior espécie, loucos por uma “revanche” contra os ricos. — “Essa convivência será pior que a própria privação de liberdade. Vão atormentar muito mais esse condenado que os demais...”, pensará, talvez, um ou outro magistrado mais impregnado da solidariedade de classe ou mesmo humana. Pelo que sei não há hoje nenhum grande financista no Brasil, cumprindo pena em regime fechado.
 A vasta maioria dos juízes vem da classe média, ou alta. É bem possível que essa atávica ou inconsciente “solidariedade” social pese não só no momento da escolha da pena como também — e aí reside o maior perigo — na formação da jurisprudência mais criticada ou odiada pela população brasileira: aquela que insiste em dizer que o réu só poderá ser cerceado em sua liberdade após o trânsito em julgado da sua condenação. Sem distinguir entre a prisão preventiva (apenas para impedir a fuga) e a prisão definitiva, consequente do trânsito em julgado da condenação.
O país inteiro, leigo, não entende porque vigora, com força total, a “presunção de inocência” quando o réu, pessoa de projeção, foi condenado em três instâncias sucessivas e assim mesmo não é recolhido à prisão provisória — apenas para impedir sua fuga —  enquanto aguarda a decisão final do STF. Decisão que viria mais rápida porque quando o réu aguarda preso a palavra final da justiça seu caso tem prioridade de julgamento. A população mais alerta, usando o mero bom senso, imagina que nenhum réu — com cabeça normal —, vai deixar de acompanhar, bem de longe, com um pé fora do país — ou na estrada —, o resultado final de seu processo criminal. Para isso existem celulares. Se absolvido, volta pra casa. Se condenado, só volta se a prisão for domiciliar. Se as prisões brasileiras fossem condignas, não tremendamente sujas e humilhantes, é bem possível que os magistrados das cortes superiores mudassem a jurisprudência, decretando a prisão preventiva logo após a confirmação da sentença condenatória nos tribunais de apelação. Pensariam: — “Agora sim, com cadeias condignas é razoável segurar esse réu antes que ele decida sumir”. Repetindo: cadeias decentes endurecerão a justiça no tratamento de criminosos do colarinho branco.
Voltando ao tema da “recuperação” dos presos, é ridículo pretender que bandidos — bem vestidos, bem armados, bem nutridos, bem organizados e até mesmo endinheirados — devam ser presos apenas para serem “recuperados”, ou “reinseridos”. Eles precisam ser presos como castigo mesmo, e para gerar medo ou respeito naqueles não presos mas propensos à marginalidade.
Biografias de grandes criminosos, de todos os países, mostram que existe, em algumas pessoas, uma certa vocação para o crime, isto é, para satisfazerem seus desejos sem ter que obedecer a muitas regras. Bandidos bem armados “arrecadam” muito mais dinheiro que os delegados de polícia ganham honestamente com seus proventos. Nos seus esconderijos a polícia encontra, com frequência, armas pesadas e caras, compradas no mercado negro. Repórteres filmam pilhas de dólares, euros e joias, quase sempre roubados. Andam em “carrões” e planejam, com minúcia e antecedência, explosões e roubos de caixas eletrônicas. Roubam transportadoras de valores, cargas caríssimas de caminhões e agências bancárias  que só podem ser alcançadas com túneis de dezenas ou centenas de metros. Túneis com ventiladores, luz elétrica. Só não instalam saunas, porque os túneis já são quentes e abafados. Os chefes desse pessoal não quer ser “reinserido” após aprenderem uma “profissãozinha mambembe”  que lhes proporcione apenas uma fração do que ganhavam antes de serem presos. Voltarão para o crime — com raríssimas exceções — e com uma só ideia em mente: — “Na próxima vez não cometerei aquele maldita falha!”
E o que dizer dos criminoso do colarinho branco?  Financistas astutos, capazes de ensinar truques contábeis até mesmo a livrescos ministros da fazenda, devem, na prisão, aprender o quê? Botânica? História? Geografia? Deverão se transformar, por acaso, em professores de Ética? Se isso abreviasse a permanência deles da prisão, sairiam em três tempos porque, inteligentes, lerão com facilidade, tudo aquilo que repetirão depois em salas de aula, embora não acreditando em uma só palavra do que ensinam. Aliás, para eles a Ética é boa, mas para os outros, não para eles, que não pretendem aumentar a concorrência.
Pergunto: se o melhor professor universitário de ética do país matar a amante num momento de ciúme e, a partir do dia seguinte — na delegacia e no decorrer da ação penal —, se mostrar profundamente arrependido, “recuperado” — fato atestado por três psicólogos sérios do estado — não seria o caso de — apenas por coerência teórica — ficar livre de qualquer prisão porque, afinal, está sinceramente arrependido  — “recuperado” — e por isso “reinserido” na sociedade?
Enquanto o ser humano for como é, enquanto não for criada uma técnica — farmacológica ou psicológica — que interfira, com segurança, no funcionamento dos neurônios eventualmente relacionados com a ética, os governos e as leis não podem abrir mão do uso utilitário do medo para inibir as más tendências da raça humana. É o velho e asqueroso medo que vem mantendo a humanidade com rédeas curtas. Medo do que? Da possível reação da vítima, quando atacada; da multa de trânsito; da prisão, preventiva ou definitiva quando fez umcrime; da multa penal que será realmente cobrada; da perda do emprego, caso comporte-se mal no trabalho; medo da pensão alimentícia cobrada pelo filho passando necessidade, etc.
Infelizmente, se o sentimento do medo impregna — por lamentável necessidade imperiosa —, todas as áreas do comportamento humano, que não é santo, ele não pode ser dispensado na área penal. Ainda não dá para a humanidade confiar apenas na ética. Isso equivale a dormir em uma jaula, na companhia de um tigre esfomeado, confiando na ética do animal. Enfim, são duas as finalidades da pena: punir e também recuperar.
Todos os teóricos concordam que mais vale prevenir o mal que punir o infrator. Concordo. Ocorre que em todas as sociedades humanas existem carências — “o mal” — não satisfeitas totalmente. Há carências relacionadas com a falta de dinheiro, com a libido incompletamente satisfeita (“seria melhor fazer sempre com mulheres lindas”), com moradias pouco confortáveis, etc. Se não houvesse medo algum de repressão estatal viveríamos em caos permanente.
 Quando, em cidades americanas, país adiantado, ocorre um apagão geral, à noite, os supermercados sem proteção são saqueados. E nem sempre por pessoas esfarrapadas.  O que “previne” saques? O medo da polícia. Assim , o lema de que “prevenir é melhor do que punir” está exemplificado no medo da prisão. Alguém sustentaria, nesses casos, que a polícia deveria se ausentar, deixar os saqueadores à vontade e depois espalhar na cidade placas dizendo que saquear é feio, que “Jesus Cristo deve estar triste”, etc.?
Mas — aqui vai a pergunta crucial —, e quando alguns já perderam totalmente o medo da prisão? Fazer o que com eles?
Latrocidas; matadores de aluguel; estupradores que não perdem o vício e ainda matam as vítimas; pedófilos assassinos de crianças; sequestradores que eliminam  os sequestrados depois de receber o valor do resgate; marginais que passam de carro ou moto atirando em pessoas  ao acaso — por diversão ou por encomenda —, condenados a longas penas de prisão em regime fechado não sentem medo da lei penal. Já condenados a décadas de cadeia, não há mais o que perder, mandando matar mais alguns. Com telefones celulares podem se dar ao luxo de mandar eliminar quem bem entendam, fora dos muros da prisão. Basta querer e  ter como pagar o executor. Pessoas presas mas com dinheiro sempre conseguirão um celular ou transmitir suas ordens utilizando de pessoas que o visitam.
Para esses criminosos, envolvendo a morte dolosa, não vejo como não se discutir a pena de morte no Brasil.  A ONU desaprova a pena de morte porque em muitos países ela é utilizada também como um meio de eliminar opositores políticas. O que não é o caso do Brasil.
Claro que essa proibição é cláusula pétrea constitucional, mas pergunta-se: será necessário — segundo nossos cultos constitucionalistas —, fazer uma “revolução”, com novo poder constituinte, apenas para permitir que a pena de morte seja permitida em casos gravíssimos, sempre relacionados com a morte da vítima ? Se 90% da população optasse, em referendo, pela legalização da pena de morte, com injeção, essa vontade nacional não teria qualquer significado? O povo não tem qualquer soberania? Penso que com um pouco de criatividade jurídica e audácia será possível alterar um cláusula pétrea —  há dezenas delas na CF — sem necessidade de uma formal “revolução de araque”, com pessoas invadindo a Praça dos Três Poderes brandindo espadas de papelão e espingardas de rolha para que ninguém saia machucado.
A pena de morte tornou-se anátema porque a televisão mostrava a cena triste de um condenado sendo preparado para a execução. Isso impressionava muito. Porém, se juntamente com a cena da execução legal fosse exibida a cena — simulada, claro — da criança sendo estuprada e esganada, ou uma velha morrendo a marteladas e facadas, ou torturada por bandidos que invadiram sua casa, podem acreditar, Senhores e Senhoras, que a chamada “pena máxima” ainda existiria em muitos outros países, além da China, Estados Unidos e algumas poucas nações.
Parodiando nosso ministro da justiça, eu preferiria morrer com as injeções utilizadas nas penas de morte mais civilizadas (uma para injeção dormir, outra contra a dor e outra para matar) do que após prolongada e cara agonia em UTIs de hospitais.
A pena de morte assusta pelo simples enunciado? Encaremo-la como “eutanásia penal”. Quem, com frequência, mata por prazer, diversão, ou para ficar com o dinheiro alheio — às vezes do pai — no fundo é um doente, embora não do corpo.
Resumindo, porque a coisa poderia ir ainda longe, se as cadeias corrompem, a impunidade corrompe muito mais, porque atinge um número maior de pessoas. Se a ordem é preservar a vida, pensemos na vida das vítimas, que merecem ser mais protegidas que a vida de seus assassinos. Elas, vítimas, foram “condenadas” sem julgamento, sem assistência de advogados, geralmente por motivo torpe e com práticas muito mais cruéis que as injeções legais acima referidas.
Lamento não agradar, mas é o que muitos também pensam, mas temem expressar.

(15-11- 2012)

 

 

   

 

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Ofensas ao sendo comum. Dois exemplos


1ª Ofensa: a PEC 37.

Poucos dias atrás li uma notícia curta, em jornal paulista, dizendo que a Comissão Especial da Câmara dos Deputados votaria, em 31-10-12, a PEC 37, que proíbe promotores e procuradores  da justiça realizarem investigações na esfera criminal.
A aprovação desta PEC é um tremendo retrocesso na luta do Brasil para diminuir a impunidade. Compreende-se que interesses corporativos existam em todas as profissões — sem exceção — mas cabe complementar essa compreensão com a grande e essencial pergunta: o que importa mais? A preservação do natural orgulho profissional, o “esprit de corps”,  ou a melhoria do serviço prestado pelos profissionais? Qual o medo embutido naqueles que não querem que “ninguém de fora” — no caso, promotores e procuradores, pessoas especializadas na luta contra a criminalidade — investiguem condutas suspeitas, principalmente ligadas ao crime organizado?
É óbvio que o Ministério Público, já bastante ocupado na sua função acusatória em juízo, não vai tomar iniciativas investigando crimes banais, nem crimes graves em que não haja influências externas atrapalhando a busca da verdade. O MP está interessado apenas em impedir que criminosos poderosos — política e economicamente —, exerçam quase irresistível pressão sobre investigadores, escrivães de polícia, delegados e mesmo secretários de segurança pública.
O policial cumpridor de seus deveres sabe que se quiser investigar, “pra valer”, algumas atividades suspeitas  — talvez todo mundo já saiba que não é mera suspeita... — de um figurão do Estado, da República, das altas finanças — ou mesmo, eventualmente de um membro da cúpula policial —, põe sua carreira em risco. Ele não tem a garantia constitucional — deveria ter... — de se manter naquele cargo, caso atue com lisura, embora de forma corajosa. Poderá ser removido ou caído em desgraça, ou atropelado. É para esses casos, essencialmente, que serve a permissibilidade de um promotor ou procurador iniciar uma investigação.
A tendência atual é que todos os Poderes sejam investigados, interna e externamente. Considere-se que juízes estão sujeitos ao controle externo, exercido pelo Conselho Nacional de Justiça. E órgão equivalente também exerce controle sobre o Ministério Público. Por que, pergunta-se, apenas a polícia não pode ser, de certa forma, “controlada” quando se omite, ou eventualmente investiga mal, de propósito, temerosa de represálias vindas “de cima”?
Essas raras investigações — e certamente serão relativamente poucas —, de iniciativa do M. Público deveriam ser encaradas até com alívio pelos profissionais na polícia porque com eles ver-se-iam livres de pressões difíceis de resistir — às vezes até por coleguismo — quando não há garantias no cargo ou função que ocupam. Espera-se que a Câmara pense um pouco antes de cometer uma barbaridade.
 
2ª Ofensa: Correntistas com fundos em bancos quebrados que “ficam a ver navios” (naufragados).
Com a quebra do Banco Cruzeiro do Sul, deixando inúmeras vítimas quase sem tostão, é bem pertinente a pergunta: Para que serve o Banco Central?
Reportagem recente do jornal “O Estado de S. Paulo”, de 4-11-12, pág.B3, traz depoimentos de pessoas que colocaram suas reservas financeiras em fundos do Banco Cruzeiro do Sul. Certamente perderão tudo ou boa parte do que amealharam no decorrer dos anos. Tem cabimento se conformar com isso? O Banco Central seria apenas um ”enfeite posudo”?
Se quebras semelhantes ocorrerem com mais frequência, sem reação do próprio sistema bancário, as pessoas que se preocupam com o futuro só terão coragem de colocar suas reservas em fundos do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, com garantia governamental. Como o governo pode até emitir dinheiro, é se se esperar que o que é do cliente será devolvido, numa emergência.
Praticamente nada li sobre a quebra do Banco Cruzeiro do Sul mas as manchetes usam adjetivos relacionados com “fraude”,  ou desonestidades. Se o Banco Central é incapaz, tecnicamente, de saber o que se passa no interior dos bancos — relacionado com o dinheiro dos clientes —, é melhor confessar sua própria falência. Ou providenciar uma revolução interna que tranquilize a população. Ou será o velho colchão o melhor “banco” para se guardar o próprio dinheiro?
É, por acaso, necessário alterar a legislação para tornar mais eficaz a missão de zelar pelo dinheiro dos depositantes? Que se modifiquem algumas leis, ou regulamentos. O que não tem cabimento é o BC ser o último a saber do que se passa nas finanças das instituições que lhe cabe vigiar.
Não parece pertinente a alegação de que “Fundo é fundo! Há sempre um risco!” Pessoas comuns sabem apenas, teoricamente, que alguns fundos são mais lucrativos que outros, mas, pelo que se lê nas  entrevistas, eles ficaram é sem nada disponível de imediato. O bom senso aconselharia que a pequenos investidores deveria ser assegurado um percentual mínimo de retorno porque a prática usual — que não pode ser ignorada —é que os correntistas acreditam no que lhes dizem os gerentes de banco que os atendem e convencem, certamente de boa-fé. Ou que os bancos sejam proibidos de transferir para fundos — apesar do pedido (enganado) do correntista — mais de 50% do dinheiro que ele tem na instituição bancária.  Algo, enfim, precisa ser feito para que os fundos não se transformem em armadilhas para pessoas não especializadas em finanças, como é o caso da vasta maioria dos correntistas.  
Talvez a frouxidão na vigilância do BC decorra de um relacionamento íntimo e amistoso demais entre funcionários do BC e os das instituições bancárias. Os contatos frequentes, se eventualmente existem, até mesmo socialmente, tendem a afrouxar certas vigilâncias que não podem ser facilitadas, ou esquecidas para não parecerem sinais de “desconfiança do amigão”. É por isso, que muitos magistrados mostram-se arredios com relação a políticos e advogados.
Amizade não casa bem com desconfiança, mas uma certa reserva ou “desconfiança implícita” é inerente à função de julgador, ou fiscal — caso do BC .  Se um magistrado vai a todas as festas de um advogado, seu amigo, e é fotografado junto com o anfitrião, essas fotos podem lhe dar muito aborrecimento futuro, porque um inimigo do hospedeiro pode alegar que tal ou qual decisão foi fruto da parcialidade. Uma parcialidade que pode existir até mesmo inconscientemente. É por isso que sempre fui contrário à pretensão da OAB, no seu direito, estatutário, de um advogado exigir ser atendido por desembargador antes de um julgamento.
O advogado nunca procura esse contato para falar bem da parte contrária que, estando ausente, ficará em alguma desvantagem na formação do convencimento do julgador. Se quiser falar com o desembargador, que traga consigo o patrono da parte adversa.
Enfim, convém que o Banco Central reveja seu sistema de vigilância. Muito já foi conseguido com a indisponibilidade dos bens dos administradores da instituição financeira, mas isso não basta, como se constatou. É imprescindível um aperfeiçoamento contínuo.  Punir é menos importante que prevenir, todos sabem disso. O que não dá para tolerar é a inércia e a indiferença com o prejuízo de centenas ou milhares de pessoas que apenas confiaram no sistema bancário. Se o sistema não merece fé, que se admita isso às claras, com tabuletas dizendo: “Este banco não se responsabiliza pelos valores depositados”.
E fiquemos por aqui, evitando artigos longos demais. Se o tamanho é exagerado, o possível leitor não lê nem duas linhas, cansado por antecipação.

(05-11-2012)