segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A nova CPMF, está sendo criticada ignorando seu potencial.



Lendo hoje, 28-8-15, as acerbas críticas de empresários e políticos contra a proposta de Joaquim Levy — de recriar o odiado “imposto do cheque” —, constatamos, data vênia, a contumaz propensão para o imediatismo e estreiteza de visão no examinar qualquer medida legislativa de opostas consequências. Qualquer iniciativa ou “presta” ou “não presta”, in totum, sem nuanças, sempre pensando no efeito presente. “Nem pensar!” em aperfeiçoar algo momentaneamente ruim mas imensamente promissor, esquecidos de que até o veneno de cobra pode ser transformado em um remédio que “afina” o sangue ou se transforma em antídoto contra mordida de cobra. Para quem não sabe, uma gota de veneno vale muito mais que uma gota de ouro puríssimo em forma líquida.
Assim é a mal compreendida CPMF se utilizada na forma certa.  No momento, ruim, pela estreiteza de sua meta, mas se houver um curto acréscimo redacional à pretensão do governo — obrigando-o a reduzir, após “x” meses — ou um ano —, a carga tributária na mesma proporção do arrecadado com a CPMF,  seria algo tremendamente revolucionário, no seu melhor sentido.
O único inconveniente político, hoje, dessa ousada e sábia simplificação de nossa arrecadação — tendente ao ideal político do “imposto único” — é que seu garantido sucesso econômico prestigiaria o PT, um partido que nunca me agradou pela sua tendência à demagogia e má escolha de lideranças. Mas o que superiormente interessa é que nosso país resolva o eterno problema da sonegação fiscal e alivie os contribuintes, para sempre, de uma imensa burocracia.  Esse tributo, a ser novamente testado por vários meses não deve ser pensado apenas como forma de “fechar as contas”. Ele deve, futuramente, se tornar permanente, com a vinculante obrigação do governo — inserida no texto de sua criação — de redução do número de tributos e/ou das respectivas alíquotas. Eu, particularmente, aceitaria ver descontado até um por cento em cada transação minha desde que desobrigado de inúmeras obrigações tributárias e com redução das alíquotas dos tributos que ainda permanecessem. Vladimir Putin, mesmo sendo um ex-comunista odiado, considerado despótico, entendeu suficiente, para o governo russo, cobrar uma alíquota de 10% para o Imposto de Renda. Foi por isso que o ator Gerard Depardieu mudou de cidadania. Se, neste exato momento, essa alíquota foi alterada — por necessidades políticas decorrentes de cerco econômico, Ucrânia, etc. —, não sei, mas não é de causar espanto a sensação que tem um empreendedor brasileiro de que está sendo “tungado” pelo governo que parece vê-lo como uma vaca leiteira a ser ordenhada a todo momento e com dezenas de guias e outros papéis caindo dentro do balde.
A CPMF é o “ovo” de um futuro tributo generalizante, indesviável — por maus funcionários —, e insonegável — por maus contribuintes. Se todos contribuírem, os atuais pagadores “certinhos” — que sofrem o desconto no holerite — pagarão menos, pelo menos no Imposto de Renda.
Sem um novo “teste” de arrecadação, no caso a CPMF, o sonhado “imposto único” — apenas uma forma breve de dizer — nunca se tornará realidade. Qual o governo, de qualquer país, que arriscaria cancelar todos os seus tributos sem conhecer, de antemão, preto no branco, o poder de arrecadação de algo parecido com o chamado ‘imposto do cheque”( na verdade, incidindo em cheques, cartões de crédito e débito e transferências eletrônicas)?  


No nosso sistema tributário, o emperramento e os desvios continuam firmes, por décadas. Basta ver as guerras fiscais entre estados e as frequentes divergências interpretativas, nos Tribunais, entre fisco e contribuinte. Mais de um trilhão de reais de crédito — ou abuso — tributário está pendente, na justiça federal, aguardando a decisão “final” — quase um sonho — do Poder Judiciário. E sem culpa dos magistrados, suados “destrinchadores” de mutáveis “nós” legais. Assim, por que não adotar um sistema mais simples de arrecadação em que o dinheiro do tributo vá direto para o Tesouro Nacional? Como, depois, dividir sensatamente o “bolo” entre União, Estados e Municípios já é outro assunto, a cargo dos interessados na partilha. 


Grandes avanços — em qualquer área —, geralmente dependem de um sacrifício inicial. Se o Brasil levar a sério a dupla função de alcançar a riqueza no dia a dia, todos contribuindo, e simultaneamente extinguindo uma enxurrada de tributos e obrigações fiscais, o mundo inteiro nos seguirá, espantado e se perguntando: — “Por que nós mesmos, europeus e americanos, não fizemos isso antes? Nós, que primeiro concebemos esse “ovo de Colombo?”  


No jornal “O Estado de S. Paulo”, pág. A4, edição de 16/06/15, Joaquim Levy, em artigo publicado no jornal Valor Econômico, edição de 17 de setembro de 2007, teceu elogios rasgados à CPMF, nos seguintes termos: “A CPMF é hoje um dos tributos que gera menor distorção na economia. Além de sua arrecadação, verificável e barata, ela alcança agentes que escapam de outros impostos, aumentando a equidade do sistema como um todo”. Ele está certíssimo em seu raciocínio. Não esquecer que muitos que clamam contra a CPMF assim o fazem por interesse próprio, bem concreto, utilizando as brechas da lei ou as brechas morais, pessoais, existentes nos mecanismos de fiscalização e arrecadação de tributos.  


Um sistema tributário que colha a parte do governo, sem desvios e sem burocracia seria ideal tanto para o governo quanto para o contribuinte. Gasta-se um tempo enorme guardando comprovantes, preenchendo guias e mais guias, contratando contadores e advogados para solucionar as constantes e inevitáveis dúvidas jurídicas decorrentes da pletora legislativa e reguladora, bem como a repercussão de um tributo nos demais. Um péssimo subproduto desse cipoal tributário é o congestionamento da Justiça, travada por milhões de demandas tributárias.  


Realmente, pelo que se sabe, a nossa carga tributária é uma das mais altas do mundo, com pouco retorno. Por que isso ocorre? Por vários fatores: incompetência, desonestidade, inércia, demagogia, irresponsabilidade pessoal e fiscal, amor à “prole ampliada” (empregos públicos sem concurso), e tudo o mais relacionável ao caráter. Essa coletânea de problemas ficaria diminuída com a simplificação tributária de um imposto arrecadado na fonte, diariamente. Bancos e demais instituições financeiras certamente não se atreveriam a modificar seus computadores e demais aparelhos eletrônicos para não registrar as movimentações financeiras, via cheques, cartões de crédito e débito e transferências eletrônicas. O Banco Central e a Polícia Federal teriam meios de fazer a fiscalização. É mais fácil fiscalizar um número relativamente pequeno de bancos do que milhões de pessoas físicas e jurídicas. Uma das vantagens de um imposto do tipo da CPMF está em preservar a moral de eventuais funcionários, menos resistentes em resistir às poderosas tentações do dinheiro. Se é impossível desviar, não há o crime descrito no desvio. 


Obviamente, se a transferência do dinheiro ocorre entre contas da mesma pessoa, não há o que tributar, porque na verdade o dinheiro não circulou. 


Não se alegue que com o desconto do “imposto do cheque”, no cartão de crédito/débito e no pagamento via transferência eletrônica, o sonegador passará a transportar fisicamente — no bolso, cueca, pasta e mala —, grandes volumes de dinheiro vivo. Se ele assim agir, os primeiros a saberem disso serão os assaltantes, transfigurados em sanguinários “fiscais” da sonegação. Após os primeiros tiros ou coronhadas dos meliantes, os “cofres ou mulas de duas pernas”, assustados e sangrando, voltarão às formas tradicionais de pagamento.


Hoje, quem paga, de verdade, o Imposto de Renda são os assalariados e os contribuintes mais íntegros — prejudicados pelos concorrentes que pagam pouco, ou nada, e com isso podem vender seus produtos e serviços com preço mais baixo. A obediência fiscal, atualmente, é uma desvantagem.  


Não muito tempo atrás li, na imprensa, que os brasileiros estão, em massa, comprando apartamentos na Flórida, pagando com dinheiro vivo, “cash”. Essa forma preferencial de pagamento não seria um indício de “Caixa 2” em grande escala? 


Não sou, tecnicamente, um tributarista. Opino aqui como mero cidadão contribuinte, sempre surpreendido com a imensa complexidade fiscal. Não consigo entender como ainda existem contadores e tributaristas em condições de acompanhar, com total rigor, as abundantes e por vezes discutíveis obrigações fiscais. É pena que somente grandes estadistas ou invulgares parlamentares terão, hoje, a coragem de convencer os cidadãos de que a obsessão pelo imediatismo é própria das crianças e dos adultos de curta visão. Quanto aos espertos, que hoje desfrutam das falhas ou contorções legais, esses jamais aceitarão a mudança do status quo


Vale a pena tentar modificar essa desigualdade, em que o punido é o contribuinte cumpridor da lei, não o que consegue viver à sua margem, usando truques contábeis ou tirando proveito da fraqueza moral de eventual agente público. A ganância enlouquece mas quem sofre as consequências somos nós, contribuintes. 


(28-08-2015)