domingo, 1 de setembro de 2019

A 2ª.Turma do STF errou feio no processo contra Bendine




Ou seria mais apropriado dizer “nos casos contra Lula?”

Na verdade, houve uma decisão afrontosa da legalidade, da lei escrita, e esse evidente “equívoco” — forçando um termo educado — possibilitará livrar da prisão não só o réu Aldemir Bendine como também o ex-presidente Lula e mais de uma centena de condenados na Lava Jato, defendidos pela nata dos advogados criminalistas.

 Esses hábeis profissionais sentiam-se, há anos, incomodados, profissionalmente — talvez não moralmente, como cidadãos de bem, ou contribuintes —, com o fato de não conseguirem soltar seus ricos clientes — enriquecidos com métodos nada cristãos — condenados por Sérgio Moro, quando juiz.

De repente, tardia e estranhamente, após julgamentos da 2ª. instância, surgiu agora — Heureca! — uma “saída” imaginosa, psicodélica, invocável sem qualquer limite temporal —, afirmando algo que nenhum defensor pensara antes, porque, evidente, não consta na legislação: sustentar que “um réu acusado por corréu, sempre tem o direito de se manifestar por último, nos 10 dias previstos em lei para a apresentação de alegações finais, ou memoriais, contra o corréu que o delatou”.

Como Bendine não recebeu, do juiz Moro, esse prazo especial — e não consta que recorreu, tempestivamente, contra esse suposto “cerceamento” — essa negativa serviu de fundamento para a 2ª. Turma do STF anular — absurdamente — a condenação de Bendine, devendo os autos voltar à 1ª instância, para nova sentença, recursos, etc., jogando fora tudo o que foi feito no decorrer de não sei quantos meses ou anos de trabalho. Inclusive anulando, consequentemente, todo o trabalho de julgamento da apelação, na 2ª. Instância. Voltando o caso para a primeira instância talvez ocorra a prescrição.

A consequência mais perniciosa dessa inesperada decisão é que o precedente será invocado por mais de cem condenados na Lava Jato, não obstante o rito processual adotado por Sérgio Moro ser o que consta da lei em vigor. O mais importante presidiário a ser beneficiado pelo monstrengo decisório é o ex-presidente Lula.

Essa decisão da 2ª Turma será estimuladora do crime do colarinho branco, que só foi combatido com eficácia, a partir do Mensalão. Por mais que se critique a severidade de juízes como Sérgio Moro, quase diariamente a mídia mostra que o crime organizado mostra não temer a lei. Se o Plenário do STF não consertar o estrago, a marginalidade temerá ainda menos.

Essa súbita e tardia “luz no fim do túnel”, segundo a lanterna dos acusados, contraria também o senso comum. Não é necessário invocar regras morais, ou a indignação da maioria da população, para demonstrar que essa decisão do STF é ilegal, como demonstraremos neste artigo. Um tiro no pé, abalando, ainda mais, o prestígio de um Tribunal que, nesse item, balança na 2ª. Turma.

As pessoas que acompanham as notícias sobre o STF já sabem, por intuição — ou melhor, por dedução —, qual será o voto do ministro tal quando seu voto repercute no presidente que o colocou na cúpula do Judiciário; ou quando o ministro já demonstrou, com inúmeros exemplos, que é contra ou a favor da Lava Jato.

Repetindo, no caso Bendine, o processo contra ele, na primeira instância, seguiu o Código de Processo Penal. Isto é, terminada a instrução — colheita da prova —, segue-se um debate oral art. 404, com 20 minutos para o promotor e igual prazo para o réu. Havendo vários réus, cada um terá um prazo próprio para suas alegações orais.

Já nos casos mais complexos, ou com muitos réus — tornando a audiência infindável, noite a dentro —, a lei vigente prevê a apresentação das “alegações finais” na forma escrita. A lei dá um prazo de dez dias para apresentação dessas alegações feitas pelas “partes”, isto é, pelo promotor público e depois pelo réu ou réus. Friso que a lei processual fala em “partes”, isto é, a Justiça Pública (o promotor) e o réu, ou réus. O conflito de interesse entre “réu delator” e réu “não delator” não os transforma, processualmente, em “partes”, conforme a lei.

Considerando que em alguns crimes pode haver, em único processo, dezenas ou centenas de réus — formação de quadrilha, por exemplo. Imaginemos um processo com 40 réus, metade delatando e metade não delatando. Não teria cabimento abrir, dentro dos autos “normais”, um outro volumoso e confuso processo “contraditório”, interno, só entre réus e corréus, que trocam acusações e defesas recíprocas, sem permissão legal de apresentação de provas do que alegam. Seria o caos, um Deus-nos-acuda, se a lei permitisse que vinte réus, delatados, pudessem tumultuar o processo “normal”, juntando documentos e indicando testemunhas, para contra-atacar as acusações de um colega ou ex-colega de crimes.

 É comum, em processos com vários réus, que muitos deles procurem salvar a própria pele, dizendo — mentindo ou não —, que é inocente e que o culpado, em determinado fato, foi o co-réu Fulano. Os acusados podem dizer o que bem quiserem nas alegações finais, antes da sentença. Podem mutuamente se atacar, ou não.

 O juiz, ao julgar, examina tudo o que foi alegado pelos réus, tira suas conclusões e profere a sentença, decide pela culpa ou inocência de cada acusado. Ou, na dúvida, impressionado com um ou mais argumentos de réus, não redige logo a sentença. Converte o julgamento em diligência, isto é, decide colher mais provas, que o ajudarão a uma maior convicção das respectivas culpas. Após juntadas essas novas provas, orais ou periciais, os réus têm o direito de se manifestar sobre elas. Só então o juiz profere sua decisão, que pode ser criticada amplamente por todos os réus, usando o recurso de apelação.

Apenas para esclarecer leitores sem formação jurídico dou estas explicações elementares.

Como todos os réus podem apelar de suas respectivas condenações, seus advogados podem, nos recursos de apelação discorrer amplamente sobre eventuais mentiras de corréus, delatores de seus clientes.

Repito: considerando que nas alegações escritas finais os réus podem se acusar mutuamente — sem o direito de provar o que alegam —, mas, nas apelações podem argumentar contra delações de corréus e a segunda instância já leu os autos, não tem razoabilidade jogar fora um imenso trabalho da justiça em duas instâncias. No prazo comum dos 10 dias, cada réu escolheu o dia para apresentar suas razões finais. Se estava curioso sobre o que disse um corréu inimigo, que juntasse suas alegações no décimo dia.

 A prevalecer a nulidade, que vai abrir as portas da cadeia para muita gente, a impunidade vencerá no Brasil assim como venceu na Itália de Berlusconi.

Os processos judiciais devem caminhar para a frente. Não para atrás. E as nulidades devem ser logo mencionadas pela parte prejudicada. Se houve algum cerceamento de defesa, o réu recorreu explicitamente contra ela? Se não recorreu, o assunto é passado, houve preclusão. As nulidades processuais não podem ficar “guardadinhas” para eventual uso futuro, em qualquer tempo. Essa “nulidade” concebida pela 2ª. Turma foi, como já disse antes, apenas uma lamentável e tardia invenção aproveitada por julgadores predispostos, claramente, a destruir os efeitos da Lava Jato.

Diz o art. 563 do CPP que “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”.

 (01/09/2019)