quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

O projeto de “abuso de autoridade” é desnecessário.

É dispensável — pelo menos no momento —, no Brasil, um projeto de lei, ou PEC, prevendo a punição por “abuso de autoridade” de qualquer promotor ou juiz exercendo suas funções em qualquer processo criminal.

O projeto, já apresentado no Senado, visando “abusos” da Lava Jato, é claramente uma tentativa de intimidar, colocando na defensiva perpétua tanto os promotores quanto os juízes que atuam na fase do inquérito, deferindo quebras de sigilo, busca e apreensão de provas, decretando prisão temporária ou preventiva, autorizando condução coercitiva e outras atividades autorizadas pela legislação justamente para demonstrar que as denúncias não se baseiam em meras conjeturas.

No fundo, essa busca de indícios, ou provas, colhidas no inquérito, visa proteger pessoas inocentes. Ou, se não habitualmente “inocentes”, pessoas que não cometeram o crime em investigação. O “denunciado” — em significado popular —, pode, apesar de seu passado, estar sendo caluniado por inimigos astutos que querem tirar proveito da “onda” de má-reputação um inimigo.

Um inquérito policial bem feito até solidifica o princípio de presunção de inocência. Nem toda investigação policial resulta em denúncia criminal. Uma pessoa falsamente apontada como autora de um crime fica — se o inquérito for bem feito —, poupada da necessidade de se defender em um sempre imprevisível processo criminal, porque o promotor pode pedir o arquivamento do inquérito, ou sua paralização até que surja novo indício que justifique o oferecimento de denúncia. As pessoas nem sempre dizem a verdade quando “denunciam” outras à polícia.

 Os termos vagos descrevendo os alegados “abusos de autoridade”— possibilitando variadas interpretações —, contidos na proposta legislativa encampada pelo Sen. Renan Calheiros, obrigariam promotores e juízes a gastarem a maior parte de seu tempo apenas se defendendo. A menos — risivelmente —, que contratassem grandes criminalistas, para defendê-los das acusações feitas pelos réus do colarinho branco.

A meu ver, a legislação atual já possibilita a punição —, criminal e cível, indenizatória —, contra uma acusação deliberadamente falsa, ou um julgamento igualmente doloso, desde que transitada em julgado a ação criminal onde ficou comprovado o intuito de somente prejudicar o acusado; ou possibilita anular o processo, antes de seu fim natural quando constado, pela própria justiça, que o referido processo foi, desde o início, apenas um simulacro de busca da verdade. Algo assim como uma cédula falsa, que obviamente moeda não é. Dou um exemplo: o réu foi acusado apenas de ter matado e jogado ao mar uma possível e única testemunha de um crime, mas em plena audiência o suposto morto aparece, em carne e osso explicando que “sumiu” porque do contrário seria assassinado pelos inimigos do acusado.

Enganos de avaliação da prova, ou da interpretação do Direito —, ou mesmo uma certa “tendenciosidade” profissional — o tal “cachimbo na boca torta” ou “calo profissional” de promotores e advogados —  são uma coisa. Muito outra seria o dolo, bem consciente, de um acusador que sabe que sua prova é falsa. Isso ocorrendo, trata-se de crime, a permitir até a expulsão da carreira de promotor e sua condenação criminal, cumulada com ação de indenização movida por sua vítima judicial. E o mesmo se diga no caso de um eventual magistrado corrupto, ou determinado a condenar um inocente sabendo que isso não é verdade e que a prova contra ele é falsa.

“Abusos” óbvios, da parte de um promotor ou juiz, mesmo no Brasil de hoje, só podem ocorrer como situações anômalas, de interesse mais psiquiátrico, facilmente detectáveis como insanidade. Se, numa busca e apreensão, ou condução coercitiva, um promotor, com esgar de alucinado, põe-se a gritar e chicotear o indiciado, ou a chutar móveis e parentes do suspeito, essa conduta aberrante seria logo filmada ou fotografada, chegando de imediato à mídia, antes mesmo que os enfermeiros coloquem no louco a camisa de força.

Exagerei, propositalmente, na descrição do que seria “abuso de autoridade”, mas eventuais humilhações desnecessárias de indiciados podem ser corrigidas imediatamente pelas próprias Corregedorias do Ministério Público e da Magistratura. Nunca, porém, pondo em risco a liberdade desses profissionais de trabalhar conforme sua interpretação das normas de procedimento.

 Impedir totalmente, como segredo de estado, a “publicidade” — desencadeada pela mídia — de uma prisão temporária ou preventiva seria privilegiar demais os criminosos que não tiveram acanhamento de arriscar suas reputações contando com a impunidade e o segredo de justiça.

Mesmo nos mais adiantados países do Primeiro Mundo a imprensa não fica proibida de noticiar o que acontece quando também “os grandes” são acusados de malfeitos. Banqueiros e magnatas são vistos, na mídia, algemados, mesmo quando não agem com violência. Pessoalmente, preferiria dispensar o uso das algemas quando o suspeito não reage, mas essa prática é muito usada em outros países, sem protestos significativos.

Por que só no Brasil isso não poderia ocorrer? Antes do Mensalão quantos políticos, banqueiros e famosos estavam presos? “Nenhum”, respondeu-me, após uma pausa, um grande criminalista brasileiro.

(07-12-2016)

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