segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

 “Decisões técnicas” nem sempre são estritamente técnicas. Caso Geddel

Como considero imprescindível — pensando na governabilidade e recuperação econômica do país —, a permanência de Michel Temer na presidência, até a eleição de seu sucessor em 2018 — a menos que ele cometa um “malfeito” digno desse nome — o que ainda não ocorreu —, e levando em conta que a vasta maioria da população tem uma compreensão algo ingênua, confiante demais, da expressão “opinião técnica”, faço abaixo algumas considerações sobre o irrelevante  acontecimento político que tentam transformar em impeachment contra o presidente em exercício.

Refiro-me, claro, ao “grave” — conversa mole da mídia, porque não foi grave — incidente entre um ministro de Temer, Geddel Vieira, e o Ministro da Cultura, Marcelo Calero, a respeito da construção de um prédio de apartamento — “La Vue” — no centro histórico de Salvador. 

 A construção desse prédio tinha sido autorizada pelo Iphan da Bahia, mas como o Iphan nacional, com sede no Rio de Janeiro, depois discordou da autorização — e nesses casos prevalece a decisão do Iphan nacional — a construção foi embargada. Como Geddel tinha interesse pessoal no caso, alegando ter comprado uma unidade, ele teria pressionado Calero para que este, como Ministro da Cultura, autorizasse o prosseguimento da obra segundo a planta original, aprovada localmente. Calero negou a pretensão de Geddel e este procurou ajuda do seu amigo político de longa data, Michel Temer,  que apoiou a pretensão de Geddel. 

Ainda segundo Calero, Temer sugeriu lhe que  enviasse o problema à AGU para uma decisão e minimizou o incidente dizendo que “na política há dessas coisas”. Sentindo-se moralmente decepcionado com seu chefe e pessoalmente desprestigiado, Calero voltou a conversar novamente com Temer, em outra oportunidade, desta vez utilizando, escondido, um gravador. Gravada a conversa com o presidente, Calero pediu demissão do cargo e procurou polícia e imprensa para relatar o ocorrido, acusando Geddel de pressioná-lo fortemente. Com o estardalhaço, Calero colocou o presidente em posição moralmente difícil. Para não prejudicar o presidente, Geddel voluntariamente deixou a Secretaria de Governo e seu sucessor, o Dep. Roberto Freire, decidiu que prevaleceria a decisão do Iphan nacional, considerando que a decisão baseou-se no seu parecer técnico . 

Resumido o essencial de um desnecessário  falso “escândalo” que estimulou a desconfiança de potenciais investidores estrangeiros — justamente no momento em que o governo mais precisa dessa confiança para apressar a “saída do buraco”, cavado pelo modo petista de governar — direi algumas palavras alertando para algo que todo profissional da área jurídica já sabe mas convém difundir: que “decisões técnicas” muitas vezes não são estritamente técnicas. Pode haver muita política por trás das conclusões. Técnicos, seres humanos, também têm preconceitos, aversões e paixões políticas. Assim como os juristas — “técnicos” do Direito — eles também divergem em suas opiniões conforme o interesse que patrocinam. Não sei se foi o caso dos técnicos que opinaram sobre o projeto do “La Vue” de Salvador. Uns aprovando, na Bahia, e outros desaprovando, no Rio de Janeiro. A mídia não sabe, nem procurou saber, qual a coloração política dos técnicos do Iphan-Rio que concluiram pelo embargo da obra. 

Quem já foi juiz ou advogado, por alguns anos, em ações de desapropriações de imóveis, sabe quão relativas e contraditórias são as conclusões apresentadas pelos engenheiros “assistentes técnicos”  apresentadas pelo expropriantes e pelo expropriado. O juiz, no momento processual certo, nomeia um perito de sua confiança. Esse “perito do juiz” apresenta seu laudo afirmando que o imóvel vale “x”. As partes usualmente discordam e indicam, separadamente, seus “assistentes técnicos”, que quase sempre divergem. O assistente técnico do expropriante diz que o imóvel vale “y”, menos, e o assistente do expropriado diz que o mesmo imóvel vale “z”, mais. O juiz lê as três opiniões divergentes e tenta, na medida do possível, fixar o valor eu lhe pareça mais próximo da realidade. Digo assim porque é humanamente impossível garantir qual o valo exato de qualquer bem, tal a quantidade de fatores que pesam na avaliação. Mesmo em perícias médicas há, por vezes, divergências totais, embora sempre argumentando tecnicamente.

Antes de George W. Bush invadir o Iraque, após o 11 de setembro, havia dúvida — de boa-fé — se Saddam Hussein possuía, ou não, “armas de destruição em massa”. Apesar dos mais confiáveis peritos, contratados pela ONU, afirmarem que não havia. George W. Bush disse que havia e por isso invadiu o Iraque e enforcou Saddam. Após a invasão ficou provado que no Iraque não existiam tais armas. 

Digo tudo isso para sugerir que a divergência entre o Iphan-Bahia e o Iphan-Rio possivelmente não estava isenta de motivação tanto política quanto moral. De qualquer forma, Temer não aparecia, no conflito, como pessoalmente envolvido na construção do prédio. E o Ministério da Cultura poucos meses atrás reagiu fortemente contra Temer quando ele quis separar a Cultura do Ministério da Educação. 

Cabe ponderar, em favor de Temer, nesse episódio, que ele agiu como agiria qualquer presidente de longa experiência política, interessado essencialmente em um assunto urgente e da máxima importância: a PEC do teto das despesas públicas.  

Essa PEC é tema espinhoso, exigindo um contato pessoal do ministro-chefe da Secretaria de Governo com muitos parlamentares ainda em dúvida sobre como votar. Convém que esse ministro-chefe seja o mais simpático possível, porque — certo ou errado —, antipatias e simpatias influem bastante nas votações, em todas as áreas. Quando Kennedy derrotou Nixon na sua eleição, parte da mídia americana explicou que Kennedy “venceu” o debate porque era jovem, limpo, mais bonito que Nixon, que aparecia, na televisão, suado, feio, e sem ter feito a barba (ele tinha que se barbear duas vezes ao dia). Geddel, informa a mídia, tem muitos aliados na Câmara dos Deputados. Conviria, por isso, a Temer, manter Geddel como elemento de persuasão para obtenção dos votos necessários para a aprovação da PEC.  

A luta política guarda muita semelhança com o jogo de xadrez. Às vezes, para conseguir uma vantagem no tabuleiro é preciso sacrificar algumas peças. Por isso, Temer, em vez demitir Geddel, de imediato, com base na acusação de Calero — negada por Geddel — ou abrir uma demorada investigação sobre a divergência relacionada com a altura de um prédio em Salvador, preferiu algo mil vezes mais importante: a aprovação de um plano a duras penas elaborado pelo seu prestigiado Ministro da Fazenda. O que era mais importante, naquele grave momento? Saber das reais motivações de Geddel? Demitir, de imediato Geddel? Investigar demoradamente quem tinha mais razão, ou recuperar a economia?   

Caberia, data venia, ao Ministro da Cultura, quando pressionado por Geddel, negar o seu pedido e ponto final. Afinal, não estava sob a mira de um revolver. Se se sentisse desconfortado para permanecer no cargo, poderia pedir demissão, alegando razões pessoais, ou até mesmo dar explicações técnicas para sua saída. Se temesse ser acusado, futuramente, de estar envolvido em alguma ilegalidade — relacionada com o referido prédio —, poderia até gravar a conversa que teve com o presidente, guardando essa prova a sete chaves, para uma eventual necessidade de defesa de sua honestidade quando ainda fazia parte do governo. Nunca, porém, gravando uma conversa com quem o nomeou e procurando polícia e mídia para prejudicar diretamente o presidente e, indiretamente o seu país.  

Se o investidor estrangeiro já duvidava sobre investir no confuso Brasil, essa dúvida aumentou com o alvoroço sobre a altura do prédio. E que “a política tem dessas coisas” — frase que Temer teria proferido — é verdade muito conhecida. Cabe a cada ministro dizer “não!”, e ponto final, quando outro político lhe pede algo com que não concorda. 

Felizmente, o incidente não chegou a ponto de impedir a aprovação da referida PEC, embora tenha prejudicado o país na área econômica. 

Depois do hercúleo esforço, de meses, tentando colocar as finanças em ordem, o atual governo seria irresponsável se congelasse as reformas por causa de alguns pavimentos, a mais ou a menos, de um prédio de apartamento em que o presidente não tinha qualquer interesse. Faltou senso de proporção, ou maturidade, na gritaria.  

(11/12/2016)

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