domingo, 11 de julho de 2010

A “Sorbonne” brasileira, de novo...

Em setembro de 2009 difundi, na internet, um artigo — “Será pertinente uma ‘Sorbonne’ brasileira?” — sugerindo que o momento — então e mais ainda agora — era propício a criação, no Brasil, de um centro universitário de estudo de Direito e Relações Internacionais. Um instituto algo inovador e diferenciado das tradicionais e respeitáveis universidades situadas no hemisfério norte. Nenhuma relação jurídica, frise-se, com a famosa Sorbonne francesa, termo aqui evocado apenas para facilitar uma associação de idéias e proximidade de objetivos. O artigo referido poderá ser lido no site de relações internacionais, www.mundori.com e no site www.franciscopinheirorodrigues.com.br

Não é necessário especial sensibilidade dos estudiosos, ou meros interessados na situação internacional, para concluir que nosso planeta — não obstante seus avanços tecnológicos, ou justamente por causa deles — caminha assustado, excitado ou travado pelo medo, como que à beira de um precipício.

Todo cidadão responsável e previdente sente que nada pode fazer para debelar seus medos — uma coleção...— porque não tem como influir no caminhar do planeta. Apesar de nele habitar, não se considera um cidadão do mundo, vez que não pode votar como tal. Pode expressar sua vontade restritamente: como munícipe, morador de uma unidade da federação e como residente de um país. No entanto, como cidadão do planeta, em nada pode influir. E justamente aí é que mais precisaria manifestar sua opinião, de forma muito mais direta que a atual, porque o todo é mais importante que as partes.

Não existe um governo global, existem apenas tratados e convenções entre países, frequentemente desrespeitados, com incertas ou caprichosas sanções, conforme a força econômica, militar ou política do país infrator. E se não tiver nem mesmo o status de “país”, aí o desamparo é total, como ocorre hoje com os palestinos, que aguardam, desesperançados a boa-vontade de um vizinho — mais belicoso que temeroso — nem um pouco propenso a conceder algo que, no futuro, será fonte de dor de cabeça. Isso porque o espaço em disputa é pequeno, e grande o número de pessoas pretendendo ocupá-lo.

Se os palestinos expulsos, vivendo hoje em campos de refugiados, quiserem voltar à Palestina — assim como os judeus retornaram à Terra Santa —, como resolver o problema? Haja inventividade para pacificar a região! Essa criatividade terá mais chance de surgir se originada de cérebros mais “frios, distantes”, menos envenenados por décadas de recíproca matança. Impossibilidades físicas, populacionais, não se resolvem apenas com incentivos exteriores — no caso, americanos —, de boa-vontade. Daí a conveniência de novas abordagens de um problema que fermenta há mais de meio século. Novos cérebros, provavelmente mais “virgens, inocentes”, oriundos do hemisfério sul, podem, com nova mentalidade, sugerir soluções que não ocorreram a cabeças eruditas mas presas demais a formas antigas de encarar litígios por terra usando disfarces teóricos de toda ordem.

Falei, atrás, em coleção de medos. Veja, leitor, apenas a guisa de exemplo, o que ocorre com a ameaça nuclear: o país que tem essas armas pode continuar com elas, ou reduzi-las homeopaticamente, na base da simples da promessa. Se não as tem, fica ameaçado de sanções pesadas — até mesmo bombardeios —, caso sequer pense em fabricá-las. E como o pensar é sempre incerto e potencialmente perigoso, os mais fortes, já detentores da bomba, conseguem, pela via oblíqua, travar qualquer avanço no domínio nuclear, mesmo para fins pacíficos, porque o presidente Fulano de Tal não é muito confiável e insiste, teimosamente, em projetos irrealizáveis de “varredura de mapas”. Se a autorização internacional para o retorno em massa à Terra Santa foi um erro histórico — porque sem limites quantitativos —, trata-se de um erro irreversível. E existem ainda, na Terra, grandes áreas, quase desertas, que podem abrigar populações capazes de criar nações, a longo prazo. Melhor do que viver em barracas.

Outra incongruência na ordem mundial: “juridicamente” — com aspas desmoralizantes —, um país que não assinou o Tratado de Não Proliferação Nuclear não está sujeito a vigilância da ONU. Prêmio, portanto, para o arrogante ou indiferente. Quem o assinou poderia, teoricamente, invocando o art.10 do tratado, desobrigar-se da proibição desde que externe sua vontade dizendo, por exemplo, que pretende armar-se nuclearmente por razões de segurança. Após três meses desse comunicado, estaria — no estrito rigor jurídico —, livre para fabricar suas ogivas. Só que o que está no mesmo papel não valerá nada, caso alguma potência imensamente poderosa diga que não vale, e ponto final. Dirá que não confia nas intenções de quem se retira, apesar do TNP assegurar esse direito. Direitos e caprichos interpretativos convivem atualmente na maior confusão.

Para sanar tais incongruências, lembradas ao acaso — desmoralizantes de uma prática global que finge apoiar a igualdade de direitos —, será preciso trabalhar na construção de um conjunto teórico que dê suporte acadêmico e humano a iniciativa de reforma política da ONU, algo que poderia ser incentivado em um país do hemisfério sul, eventualmente beneficiado com pelo menos momentânea simpatia internacional. No caso, o Brasil, não sei se por mero acaso ou fruto do especial discernimento de nossos dois últimos presidentes da república.

O cidadão realmente bem informado sente-se acossado por variados medos: desemprego; perigo nuclear; massacres com armas convencionais (não menos mortais que as atômicas); insegurança financeira (até mesmo por parte de ricos); poluição incontrolável a curto prazo (antes que seja tarde demais); tecnologia de efeito pouco conhecido nos alimentos; migrações caóticas estimulando preconceitos raciais; democracias enfraquecidas por notícias diárias de novos escândalos financeiros; sensação de impunidade (em crimes de rua e de gabinete com ar condicionado); medo que filhos e netos se viciem em entorpecentes. Enfim, todo o cortejo de insegurança do qual o cidadão não pode se livrar nem mesmo pela via absoluta da morte, porque deixa descendentes, igualmente ameaçados. Olhando para a foto do filho ou neto que sorri, feliz, com futuro promissor, o pai ou avô se pergunta: “Como terei a garantia de que ele não se transformará em trapo humano, cliente de uma casa de tratamento e recuperação — incerta — de drogados?”

O desemprego acossa o planeta e os governos não poderão resolver, de vez, esse problema com os mecanismos econômicos internos. Por que não conseguem? Porque máquinas e o computadores deram cabo dos empregos e cada vez mais dispensarão o uso de braços e cérebros. E não tem sentido regredir, destruindo colhedeiras, guindastes, robôs, tratores, containers , calculadoras, caixas eletrônicos, etc. e todo o vasto universo de serviços automáticos fornecidos pela informática. Cada novo aperfeiçoamento nessas duas áreas significa milhões de demissões de empregados. Somente uma diminuição obrigatória das horas de trabalho, em todos os países, impedirá que milhões permaneçam na amargura do desemprego. Se um país, mais “compreensivo”, diminui a carga semanal de trabalho, o prejuízo é certo, e tem que voltar atrás, porque seus produtos ficarão mais caros na concorrência internacional. Mas quando quer voltar atrás, na legislação trabalhista, os empregados se levantam, revoltados, porque cada um pensa somente no próprio interesse.

O planeta está sendo forçado a viver em progressiva ociosidade, uma novidade para a espécie humana, pois a quantidade de trabalho semanal sempre esteve associada à virtude. Ocorre que com a automação e a informática, se uns poucos felizardos podem “se dar ao luxo” de trabalhar muito — usando apenas o cérebro e a ponta dos dedos — isso significa deixar, involuntariamente, milhares de ex-colegas na miséria, ou na baixa auto-estima, porque não terão trabalho algum.

Países “pobres” — toleremos essa denominação mais simplista — são ricos em filhos, que precisam trabalhar e comer. Não sendo isso possível em seus países, tentam, por bem ou por mal, migrar, em massa, dentro de barcos e containers para países desenvolvidos. Isso, porém, desorganiza a economia local, reduzindo o valor dos salários e causando revolta dos nacionais, que ficam desempregados. E muitos dos imigrantes ilegais, também desempregados, se vêem obrigados a recorrer ao crime. Daí o ódio crescente aos imigrantes ilegais.

Ficaríamos horas, aqui, descrevendo problemas que só poderão ser solucionados com decisões globais, ainda inexistentes. Daí a conveniência da criação de um centro de estudos, no hemisfério sul, que não só ensine o que já é ensinado nas grandes universidades do hemisfério norte mas dê uma especial ênfase ao estudo de um “governo global”, assunto, pelo que sei, não levado muito a sério nas grandes universidades européias e americanas. Nós aqui, do “quintal” intelectual do planeta, teríamos menos acanhamento mental para pensar em assuntos “mais utópicos”, sem medo do ridículo.

Dias atrás, lendo o discurso de posse do Ministro Cézar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal, tive a grata satisfação de perceber que também o Judiciário sente a conveniência de nosso país aumentar sua presença no mundo, de forma séria, não apenas folclórica e futebolística. Não só com viagens e discursos do Presidente da República. O digno Min. César Peluso sugeriu, no discurso, que a Organização das Nações Unidas daria um passo histórico com a criação, no Brasil, de uma “Universidade Internacional de Segurança Pública, concebida como foro produtor de subsídios científicos à busca de soluções inteligentes para as peculiaridades do crime sem fronteiras, que geram instabilidades regionais e ameaçam a paz do mundo”.

A sugestão merece elogio e não conflita com minha sugestão, de setembro de 2009, da criação da “Sorbonne” brasileira, que seria mais abrangente pois incentivaria o estudo para sugestões de grande alcance, até mesmo de alterações da própria Carta das Nações Unidas, além de preparar profissionais brasileiros e da América Latina para trabalhar em órgãos internacionais, como advogados ou funcionários.

Quando escrevi meu artigo, acima referido, providenciei que uma cópia do mesmo chegasse às mãos do Presidente da República, tendo em vista que um empreendimento desse vulto exigiria recursos públicos (inferiores ao que se pretende gastar com a compra de aviões e submarinos). Como não recebi qualquer resposta, presumo que a sugestão não chegou às mãos presidenciais. Se tivesse chegado, é bem provável que nosso presidente se interessasse pelo assunto, depois de tantas viagens pelo Exterior, com as decorrentes e inegáveis vantagens comerciais e políticas.

Presidentes da República obviamente não dispõem de tempo para “navegar” na internet e as portas burocráticas de acesso de informações ao presidente costumam estar guardadas por ciumentos funcionários, ou ministros, preocupados em evitar “influências de fora do palácio”. Não sei se foi o caso, mas pode ter sido.

Agora, perto das eleições, é tarde para que o atual Presidente da República cuide do assunto. Se, no entanto, algum dos principais candidatos à presidência prometer, solenemente, que criará, no Brasil, a “Sorbonne” brasileira, prometo usar a internet para angariar alguns votos daqueles que concordarem com essa nova abertura do Brasil para o mundo e do mundo para o Brasil. Percebe-se, no ar, que está chegando a vez do hemisfério sul. Os pobres podem ser úteis: têm a intuição aguçada pelo sofrimento.

(6-7-2010)